sábado, 6 de dezembro de 2008

Reflexões de Fidel....

Navegar contra a maré

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• APÓS o discurso de Obama, em 23 de maio passado, à tarde, perante a Fundação Nacional Cubano-Americana, criada por Ronald Reagan, escrevi uma reflexão intitulada A política cínica do império, com datada em 25 desse mês.

Nela, citei suas palavras textuais perante os anexionistas de Miami: "Todos nós juntos vamos procurar a liberdade para Cuba; essa é minha palavra; esse é o meu compromisso... É hora de que o dinheiro estadunidense torne o povo cubano menos dependente do regime de Castro. Vou manter o embargo."

Depois de incluir várias considerações e exemplos nada éticos sobre o comportamento em geral dos presidentes anteriores a quem fosse eleito para esse cargo nas eleições do dia 4 de novembro, escrevi textualmente:

"Tenho a obrigação de fazer algumas perguntas delicadas:

"1º- É correcto que o presidente dos Estados Unidos ordene o assassinato de qualquer pessoa no mundo, seja qual for o pretexto?

"2º- É ético que o presidente dos Estados Unidos ordene torturar outros seres humanos?

"3º- É o terrorismo de Estado um instrumento que um país tão poderoso, como os Estados Unidos, deve utilizar para que exista a paz no planeta?

"4º - É boa e honrosa uma Lei de Ajuste, aplicada como punição a um só país, Cuba, para desestabilizá-lo, embora custe a vida a crianças e mães inocentes? Se for boa, por que não será aplicado o direito de residência aos haitianos, dominicanos e a outros dos demais países do Caribe, e se fará a mesma coisa com os mexicanos, centro-americanos e sul-americanos, que morrem como moscas no muro da fronteira mexicana ou nas águas do Atlântico e do Pacífico?

"5º - Será que os Estados Unidos podem prescindir dos imigrantes, que plantam vegetais, árvores frutíferas, amendoeiras e outras delícias para os norte-americanos? Quem limparia suas ruas, prestaria serviços domésticos e faria os piores e menos remunerados trabalhos?

"6º - Será que são justas as rusgas de indocumentados, que envolvem inclusive, crianças nascidas nos Estados Unidos?

"7º - Será que é moral e justificável o roubo de cérebros e a contínua extração das melhores inteligências científicas e intelectuais dos países pobres?

"8º- O senhor afirma que o seu país advertiu, há muito, as potências européias que não admitiria intervenções no hemisfério, e ao mesmo tempo, enfatiza o reclamo desse direito, exigindo também o de intervir em qualquer parte do mundo com o apoio de centenas de bases militares, forças navais, aéreas e espaciais distribuídas no planeta. Pergunto-lhe: Será essa a maneira em que os Estados Unidos expressam seu respeito pela liberdade, pela democracia e pelos direitos humanos?

"9º - Será que é justo atacar de surpresa e preventivamente sessenta ou mais escuros cantos do mundo, como os chama Bush, seja qual for o pretexto?

"10º - Será que é honroso e sensato investir trilhões de dólares no complexo militar-industrial para produzir armas que podem liquidar várias vezes a vida na Terra?"

Podia ter incluído outras perguntas.

Apesar das cáusticas perguntas, não deixei de ser amável com o candidato afro-americano, em quem via muita mais capacidade e domínio da arte da política que nos candidatos adversários, não só no partido da oposição, mas também no seio de seu partido.

Na semana passada, o presidente eleito dos Estados Unidos, Barak Obama, anunciou seu Programa de Recuperação Econômica.

Na segunda-feira, 1º de dezembro, apresentou o responsável pela Segurança Nacional e o da Política Externa:

"Biden e eu congratulamo-nos em anunciar-lhes nossa equipe de Segurança Nacional… os velhos conflitos ainda não se resolveram e as novas potências que se afirmam, pressionam mais o sistema internacional. A propagação das armas nucleares aponta para o perigo de que a tecnologia mais letal do mundo caia em mãos perigosas. Nossa dependência do petróleo estrangeiro fortalece governos autoritários e põe em risco o nosso planeta."

"…nosso poderio econômico tem que ser capaz de sustentar nossa força militar, nossa influência diplomática e nossa liderança global."

"Renovaremos antigas alianças e criaremos associações novas e duradouras… os valores dos Estados Unidos são o maior produto que este país pode exportar ao mundo."

"…a equipe que aqui reunimos hoje está especialmente preparada para fazer justamente isso."

"…homens e mulheres representam todos esses elementos do poderio dos Estados Unidos... Eles já prestaram serviços como militares e como diplomatas… compartilham meu pragmatismo sobre o uso do poder e meus objetivos sobre o papel dos Estados Unidos como líder do mundo."

"Conheço Hillary Clinton" ― diz.

Não esqueço, por minha parte, que foi a adversária do presidente eleito, Barack Obama, e esposa do ex-presidente Clinton, que sancionou as leis extraterritoriais Torricelli e Helms-Burton contra Cuba. Em sua luta pela candidatura, ela se comprometeu com essas leis e com o bloqueio econômico. Não me queixo, simplesmente, menciono-o.

"Sinto-me orgulhoso de que ela seja a nossa próxima secretária de Estado" ― prosseguiu Obama. "…gozará do respeito em todas as capitais, e evidentemente, terá faculdade para fazer avançar nossos interesses em todo o mundo. A indicação de Hillary é um sinal, para amigos e inimigos, da seriedade do meu compromisso…"

"No momento em que enfrentamos uma transição sem precedentes, em meio a duas guerras, pedi para Robert Gates continuar no cargo de secretário de Defesa…

"A nosso secretário Gates e a nosso exército encomendarei uma nova missão, assim que eu assumir o cargo: a responsabilidade de pôr fim à guerra no Iraque, mediante uma transição bem-sucedida até o controle iraquiano."

Chama-me a atenção que Gates é republicano e não democrata; a única pessoa que tem ocupado os cargos de secretário de Defesa e director da Agência Central de Inteligência, que ocupou um ou outro cargo sob a direcção de governo de um ou otro partido. Gates, que, como é sabido, é popular, declarou que primeiramente se assegurou de que o presidente eleito era escolhido para o tempo que for necessário.

Enquanto Condoleezza Rice ia à India e ao Paquistão com instruções de Bush para mediar nas tensas relações entre os dois países, o ministro de Defesa do Brasil tinha autorizado, fazia dois dias, uma empresa brasileira a fabricar mísseis MAR-1, mas, em vez de um, como até agora, cinco por mês, para vender ao Paquistão 100 mísseis, avaliados em 85 milhões de euros.

"Estes mísseis são acoplados com aviões e projetados para localizar radares em terra. Funcionam como uma maneira de monitorar eficazmente o espaço e também a superfície" ― afirma textualmente o ministro em sua declaração pública.

Obama, por sua vez, continua imperturbável em sua declaração da segunda-feira: "Para ir para frente, continuaremos fazendo os investimentos necessários para o fortalecimento do nosso exército e o aumento das nossas forças terrestres, visando derrotar as ameaças do século 21."

A respeito de Janet Napolitano, assinalou: "Contribui com a experiência e a habilidade executiva de que precisamos na Secretaria da Segurança Interior…"

"Janet assume este papel crucial , após aprender as lições dos últimos anos, algumas delas dolorosas, desde o 11 de setembro até o Katrina… Ela compreende, como todos, o perigo de uma fronteira não segura, e será uma chefa capaz de reformar um Departamento que cresce sem controle, sem deixar de proteger nossa pátria."

Esta conhecida figura foi indicada por Clinton promotora do distrito do Arizona em 1993, promovida a procuradora-geral do Estado em 1998; foi candidatada pelo Partido Democrata em 2002 e eleita mais tarde governadora nesse estado fronteiriço, que é o caminho mais transitado pelos indocumentados e por onde eles entram no país. Foi reeleita governadora em 2006.

A respeito de Susan Elizabeth Rice, disse: "Susan sabe que os desafios globais que enfrentamos exigem de instituições globais que funcionem… precisamos de umas Nações Unidas mais eficazes" ― afirma com desprezo ― "como órgão de ação coletiva contra o terrorismo e a proliferação, a mudança climática e o genocídio, a pobreza e as doenças.

De James Jones, assessor da Segurança Nacional, expressou: "Estou certo de que o general James Jones está especialmente bem preparado para ser um hábil e enérgico assessor da Segurança Nacional. Gerações de Jones prestaram serviços no campo de batalha, das praias de Tarawa, na Segunda Guerra Mundial, até Foxtrot Ridge, no Vietnã. A Medalha de Prata de Jim faz parte do orgulho desse legado… Foi chefe de um pelotão no combate, comandante supremo das Forças Aliadas na época da guerra" (refere-se à OTAN e à Guerra do Golfo) "e trabalhou pela paz no Oriente Médio."

"Jim está concentrado nas ameaças de hoje e do futuro, pois compreende a ligação entre a energia e a segurança nacional, e trabalhou na primeira linha da instabilidade global, de Kosovo ao norte do Iraque e do Afeganistão.

"Ele vai-me assessorar sobre a maneira de usar com eficiência todos os elementos do poderio americano para derrotar as ameaças não convencionais e promover nossos valores.

"Confio em que esta é a equipe de que necessitamos para um novo começo na Segurança Nacional dos Estados Unidos."

Com Obama, pode-se conversar onde ele desejar, já que não somos apregoadores da violência e da guerra. Devemos recordar-lhe que a teoria da cenoura e do garrote não terá vigência em nosso país.

Nenhuma frase de seu último discurso responde às perguntas que formulei em 25 de maio passado, há apenas seis meses.

Agora não direi que Obama é menos inteligente; tudo o contrário, está demonstrando as faculdades que me permitiram ver e comparar sua capacidade com as do medíocre adversário John McCain, de quem, por pura tradição, a sociedade norte-americana esteve a ponto de premiar suas "façanhas". Sem crise econômica, sem televisão e sem internet, Obama não ganhava as eleições vencendo ao onipotente racismo. Tampouco, sem seus estudos, primeiro na Universidade de Columbia, onde se formou em Ciências Políticas, e depois na Universidade de Harvard, onde lhe foi conferido o diploma em direito, permitindo-lhe tornar-se um homem de classe modestamente rica com vários milhões de dólares. Certamente, não era Abraham Lincoln, nem esta época corresponde àquela, pois trata-se hoje de uma sociedade de consumo, onde o hábito de poupar já se perdeu e o de gastar já se multiplicou.

Alguém tinha que dar uma resposta calma e sossegada, que hoje deve navegar contra a poderosa maré de ilusões despertada por Obama na opinião pública internacional.

Apenas me faltam examinar os últimos telexes. Todos, com notícias novas procedentes de toda parte. Calculo que somente os Estados Unidos gastarão nesta crise econômica mais de 6 trilhões em moeda de papel, que só podem ser avaliados pelos outros povos do mundo com suor, fome, sofrimento e sangue.

Nossos princípios são os de Baraguá. O império deve saber que nossa Pátria pode ser coonvertida em pó, mas os direitos soberanos do povo cubano não são negociáveis.

Fidel Castro Ruz
4 de dezembro de 2008