sábado, 9 de junho de 2012

O império (midiático) contra-ataca (tenta)

Do BLOG DO CADU


Não, não é sobre os filmes de George Lucas que escrevo aqui. E sim sobre como (de novo) a grande mídia “samba que nem pitomba em boca de véio” com relação à sua fonte maior, o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Que também é empresário de comunicação. – Clique aqui
Mais uma prova do corporativismo da grande mídia.
Se a oposição, seja na mídia ou na institucionalidade, já não tinha agenda para o Brasil. Se já não tinha o que dizer ao país, a não ser releituras do Carlos Lacerda, agora com a CPMI da Veja / Cachoeira é que a coisa degringolou de vez.
A capa de Veja dessa semana é uma piada. Vai ao que o jornalista Eugenio Bucci em “Sobre ética e imprensa” coloca como curiosidade do público ao invés de interesse público. A capa de Veja é a esposa do dono a Yoki. Ela é réu confesso em matar o marido enquanto a filha do casal dormia.
Veja que inclusive teve outra mentira sua divulgada. – leia aqui
Casos assim são excelentes para desviar a atenção pública. Chocam e atraem a curiosidade.
Enquanto isso, o jornal O Globo ataca à União Nacional dos Estudantes – UNE. Com notícia requentada sobre os convênios da entidade para realização de seus eventos. Coisa que acontece desde 1999.
Como diz o Paulo Henrique Amorim (clique aqui), a UNE é uma das obcessões da Globo.


Em nota a UNE afirma: “A UNE já enfrentou batalhas piores contra estes mesmos personagens, por exemplo, durante a ditadura civil-militar. Esperamos que a Comissão da Verdade revele os responsáveis destas empresas pela cooperação com a tortura, o assassinato e outros crimes bárbaros cometidos pelo regime de exceção, assim como a luta contra a corrupção no Brasil revele as relações mantidas entre corruptores, como o bicheiro Carlinhos Cachoeira e os donos destas mesmas empresas.” – Leia nota completa aqui
Veja e Globo estão entre as maiores defensoras da democracia sem povo, soma-se a elas a Folha e o Estadão. E com afirma o Mino Carta, eles organizam a “Marcha dos Marcianos”. Só sendo de outro planeta pra acreditar nas balelas que eles propagam. – Leia mais aqui
Mas mesmo demonstrando total desespero, não se pode subestimar a grande mídia.
É preciso intensificar a luta pela regulamentação e democratização dos meios de comunicação. Esta é luta apenas para garantir a Constituição, nada mais. – Início tímido da regulamentação, clique aqui
Os front's imperiais regionais

Os democratas sem povo estão em todo lugar. Não somente na grande imprensa. E os seus “pequenos parafusos” também atuam na imprensa regional.
E posam de “grandes coisas”.
Sobre um em particular, cujo prefiro não citar o nome agora, faço aqui breve comentário sobre suas colunas. Uma em especial que a criatura intitulou de “Os vagabundinhos da Dilma”.
Na mesma linha do preconceito de classe habitual da grande imprensa. Afirma inclusive, que Lula é um incapaz intelectual por não ter “capacidade cultural e nada aprendido nos bancos de escolas”, diz a criatura de carbono que escreveu tal sandice.
A incapacidade é de quem escreve uma asneira dessas. De um preconceito sem tamanho. Se frequência em escolar fosse garantia de capacidade intelectual ou cultural, este artigo nem existiria.
À Dilma acusa de sua família (mãe) morar no palácio. “às nossas custas”, brada o mentecapto. Ora, o palácio é a residência oficial da presidência da república. Lá moram todos os presidentes do país. Menos o que ele mais gosta, Collor. Esse morou na “Casa da Dinda” e andava de Jet-ski antes de ir trabalhar.
O “culto” fala em criação de posto de trabalho. Estamos com desemprego às margens de 6%. O menor da História!
Imagine se essa “peça lorde” fosse inculta, o que não ia inventar?
Toda a grande imprensa adorava o estilo pop star hollywoodiano de Collor.
O autor da excrescência até hoje deve babar pelo ex-presidente. Dizem as más línguas (e as boas também) que trata-se de um collorido nato.
A grande questão é o preconceito de classe, elevados a níveis de ódio mesmo. A partir de 2003 mudou-se a rota dos investimentos públicos no Brasil. Ao invés de se jogar dinheiro na ponta da pirâmide, joga-se na base.
O ódio é tão grande, que essas criaturas dotadas de capacidade cultural (ironia mode on) não enxergam que ainda estamos no sistema capitalista e que a ponta da pirâmide ainda ganha “dim-dim”. A diferença é que a base também.
E milhões melhoraram de vida nos últimos anos.
Isso deve dar uma raiva. Um monte de gente inculta andando de avião.
O ser de carbono usa um provérbio, segundo ele, chinês: “Não dê o peixe, ensine a pescar”. De que adianta ensinar a pescar se não se tem a vara ou a rede, nem isca par fazê-lo? Ou mesmo energia para ir pescar, porque a maior chaga é a fome.
Faço minhas as palavras da enciclopédia ambulante: “Tinha toda razão o grande Luiz Gonzaga quando cantava os versos da música “Vozes da Seca”, de sua autoria com Zé Dantas, que dizia “Seu dotô uma esmola, para um homem que é são, ou lhe mata de  vergonha ou vicia o cidadão”. Viciou!”
Mas quem viciou foi a elite brasileira e todas as suas ramificações. Sejam de sangue ou de bajulação. Hoje não mais influenciam como antes. A grande imprensa se desmoraliza a todo tempo e seus “chumbetas” estão indo pro ralo com ela.

Uma esquerda sem graça prospera na Nicarágua


A reeleição de Daniel Ortega confirmou a virada à esquerda de parte da América Latina. Entretanto, a evolução recente do poder sandinista, em especial na questão dos direitos das mulheres, ilumina as armadilhas de uma lógica que conduz forças progressistas a renunciar a certos princípios em nome da manutenção do poder.
por Maurice Lemoine no LeMondeBrasil

(Daniel Ortega discursa em evento que amrca o aniversário de morte do líder revolucionário Augusto César Sandino)

Alguns cantam, uns agitam bandeirolas; outros ainda exortam com grandes gritos as primeiras fileiras a avançar. Neste 3 de dezembro de 2011, próximo ao Conselho Supremo Eleitoral (CSE), em Manágua, a manifestação ocorre sem incidentes. Quando Fabio Gadea toma a palavra, uma calma relativa se estabelece. Representante do Partido Liberal Independente (PLI), segundo colocado na eleição presidencial de 6 de novembro com 31% dos votos, ele contesta a vitória do candidato da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) Daniel Ortega (62,46%), pretendendo ter recebido, ele mesmo, 62%: “Queremos que essas eleições sejam declaradas inválidas e aconteçam de novo, na presença de testemunhas do mundo inteiro!”. É efetivamente para o mundo inteiro – a famosa “comunidade internacional” – que essa mensagem se destina. Na Nicarágua, ela não surte efeito. Os manifestantes tinham anunciado 100 mil pessoas. Vieram 5 mil, talvez 10 mil.

Declarando-se “sandinista”, mas oposição ao poder, Maria López Vigil, editora da revista Envío,sente que os famosos “62% de Gadea” são improváveis (antes das eleições, todas as pesquisas atribuíam a ele cerca de 30%). A jornalista acredita que ela mesma tem mais credibilidade: “Acho que ele teve a igualdade e não sei se esse empate colocaria Ortega um pouco à frente de Gadea ou o contrário. As irregularidades foram tantas... Houve as do dia da votação, mas a mais grave aconteceu antes”. Diretora do Centro de Observação da Comunicação (Cinco), Sofia Montenegro é muito menos sutil: “Ortega é um ditador”. À questão “Mas o que você reprova nele?”, ela rebate sem se preocupar com detalhes: “Tudo!”.

Preto, branco, bem, mal... Desaconselhamos a ida à Nicarágua aos que suportam apenas situações “quadradas”. Ao tradicional abismo entre direita/esquerda acrescenta-se um combate feroz entre irmãos que se tornaram inimigos. E, nesse enfrentamento, nenhum campo pode se pretender completamente inocente.
Depois de ter derrubado a ditadura de Anastasio Somoza, em 1979, a FSLN teve de enfrentar, durante os anos 1980, o conflito que lhe foi imposto pelos Estados Unidos por contrarrevolucionários interpostos – os contras. A conflagração arruinou o país. Durante as eleições de 25 de fevereiro de 1990, os nicaraguenses roíam as unhas até sangrar: se eles votassem de novo “sandinista”, a guerra se prolongaria até o fim dos dias. Ao eleger Violeta Chamorro, eles permitiram o retorno da direita, mais por esgotamento que por convicção.

O choque foi duro para a FSLN, que não esperava perder o poder. Fortes discussões internas a atravessaram de repente. Tendo dirigido uma guerrilha, depois uma resistência militar à agressão norte-americana, a Frente foi, por necessidade, um partido centralizado, vertical, sem tradição de debate. Com a nova configuração de uma Nicarágua em paz, alguns passaram a desejar transformá-lo. Em 1994, os “ortodoxos” ganharam, liderados por Ortega. Muitos membros, artistas e intelectuais deixaram o partido. Assim, surgiu em 1995 o Movimento de Renovação Sandinista (MRS) criado pelo ex-vice-presidente Sergio Ramírez e a ex-comandante Dora Maria Téllez. Depois, as acusações de “caudilhismo”, “autoritarismo” e de “privatização da FSLN” colaram-se à “gangue Ortega”.1

Partido “moderno”

Mas dito assim – e esta é a versão mais conhecida –, isso contaria apenas a triste história de um partido que perdeu o norte e afundou... O que cobre apenas parcialmente a realidade.
Um calor sufocante impregna o modesto local dos “veteranos” sandinistas, em San Judas, um bairro populoso de Manágua. Membro da guerrilha urbana na época de Somoza, depois das tropas de choque oponentes à contra, Mario José Cienfuegos evoca suas memórias: “No dia seguinte à derrota de 1990, nós, os ‘combatentes históricos’, convocamos Ortega. Ele chegou sozinho, sem escolta. Não era nada de mais, apenas o comandante Daniel. Depois de conversar por muito tempo, decidimos que era preciso continuar a lutar para recuperar o poder”. Mas em que bases? “Tudo isso coincidia com a queda do bloco socialista”, lembra Orlando Núñez, atual conselheiro das relações sociais do chefe de Estado. “Muitos consideraram, dentro da Frente, que era o fim da história. Descobrindo a democracia burguesa que eles não tinham conhecido com Somoza, eles decidiram que o projeto histórico da FSLN estava ultrapassado.” Com o socialismo e o anti-imperialismo “não tendo mais razão de ser”, tratava-se de reposicionar a Frente como um partido “moderno” de centro-esquerda. Esse foi o enfrentamento ideológico que provocou a cisão.

A partir daí, como admite o “renovador” Ramírez, “Daniel demonstrou uma grande tenacidade na adversidade. Quando a ruptura aconteceu, ele ficou sozinho, sem dinheiro nem aparelho de partido. Ele multiplicou as visitas aos barrios [favelas] e aos pueblos [vilarejos], e construiu seu próprio leadership”.2 De fato, o povo sandinista não abandonou seu dirigente.
Em 1996, surgiram o Partido Liberal Constitucionalista (PLC) e Arnoldo Alemán (51% dos votos). A embaixada dos Estados Unidos ameaçou o país com um futuro negro, e Ortega conseguiu apenas 37,7% dos votos. Até então jogando com a reconciliação, a FSLN não tinha orientado seus esforços na direção de seus mais ferozes adversários do passado, a Igreja Católica e os ex-membros de base da contra, essencialmente camponeses. A Frente deu um passo adiante quando, entrando em contato com a direita dura do PLC, chegou a um acordo – o “pacto” – que instaurou uma bipartição de fato. “Ela perdeu a alma com essa história”, estima o pesquisador Angel Saldomando. “Quando os neoliberais acentuaram as reformas de mercado, fazendo desaparecer o setor público, a FSLN, prisioneira de sua aliança, deixou passar. Com o tempo, os que ganharam mais importância lá dentro eram os que faziam business.”

Mudando de contexto, Núñez dá uma explicação para a sequência vivida do outro lado: “No Parlamento, éramos a minoria. Apesar disso, por causa de nossa influência sobre as massas, nossos adversários tinham a clara vontade e o poder de nos destruir. Se não fizéssemos alianças, nos encontraríamos em grande risco de extinção. O método não nos agradava particularmente, mas era uma questão de correlação de força: para poder convencer o povo a nos dar outra vez a maioria, devíamos imperativamente continuar existindo”.

O “pacto” permitiria efetivamente a sobrevivência da FSLN e – para grande proveito do muito corrompido presidente Alemán – a estabilidade política, com a Frente controlando os sindicatos e exercendo uma grande influência no seio da polícia e do Exército. Claro, esse “pragmatismo” antinatural teria um preço: “A estigmatização, a satanização e a perda de legitimidade da Frente perante a esquerda mundial foram muito duras”, admite Núñez. “Mas era necessário, e nós fizemos.” Até na Nicarágua a manobra não foi desvinculada da derrota da eleição de 2001.

Depois do governo de Alemán, o do seu vice-presidente, o conservador Enrique Bolaños, eleito em 2001, continuou com as privatizações, a concentração do capital e a administração do ajuste estrutural, deixando 46% da população na pobreza e 15% na indigência. Além do mais, profundas fraturas enfraqueceram a direita: Bolaños mandou prender seu predecessor Alemán, condenado a vinte anos de prisão por enriquecimento ilícito.3 Como, então, impedir o voto de pender a favor da FSLN em 2006?
Os liberais tiraram da manga um projeto de lei punindo o aborto, incluindo as mulheres em risco de vida ou estupradas. As hierarquias católica e evangélica orquestraram uma campanha e fizeram pressão nos candidatos. Ainda assim, o cálculo político tomou o lugar de qualquer outra consideração: para não perder o apoio da Igreja, a Frente apoiou a proposta.
 
“Cristão, socialista, solidário”

Além de suas funções no Centro de Observação da Comunicação, Sofia Montenegro foi uma das fundadoras do Movimento Autônomo das Mulheres (MAM). Ela não se acalma: “O aborto terapêutico existia aqui quase desde a independência. Até Somoza não tocou nisso! Mas Ortega o suprimiu porque, sinceramente ou por cálculo, ele se converteu em fundamentalista cristão”. O episódio foi muito mal recebido – principalmente dentro de setores progressistas internacionais.
Nesse famoso ano de 2006, Ortega foi eleito no primeiro turno, com 37,99% dos votos.4 Levantando o slogan “Cristão, socialista, solidário”, ele se reelegeu no fim de 2011 com um resultado muito superior. Um de nossos interlocutores sandinistas nos confia: “Temos uma Igreja muito conservadora e forte. Mesmo quando não está de acordo com ela, o povo ainda lhe presta muito respeito. Devemos aceitar a situação”. Chocante quando se proclama progressista? Certamente. Mas Lucy Vargas, membro da Frente no bairro Larreynaga, em Manágua, não esconde a impaciência: “Em muitos países o aborto é livre, mas ninguém se preocupa com a saúde das mulheres e das crianças, e muitas perdem a vida! Aqui, ajudamos as mulheres, nem que seja através da saúde gratuita. Também é um direito”. Métodos de contracepção são colocados à disposição de qualquer mulher que os deseje, sem nenhum pagamento, nos centros de saúde. Além disso – e sem minimizar o problema –, o governo não procura particularmente aplicar a lei: nos hospitais, se a vida de uma mulher grávida está em risco, a comissão de médicos toma geralmente a decisão que se impõe, sem pedir nenhuma autorização.
Cidade-dormitório situada na periferia de Manágua, Ciudad Sandino confirma o assunto com uma bela unanimidade. A saúde? Claro, acessível agora, como os remédios e os médicos cubanos, “nossos compañeros da Alba [Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América], que se deslocam em domicílio quando precisamos”. A educação? Voltou a ser gratuita também. Brincadeiras, gargalhadas, abraços, empurrões... Diante da pequena mercearia que vende produtos de primeira necessidade a preços subvencionados, o burburinho ganha de repente intensidade. “Tem arroz, feijão, óleo, açúcar... A gente só podia comprar um ou outro antes. A libra de feijão [453 gramas – N.T.] era 18 córdobas [R$ 1,45], agora custa 8 córdobas.”
Enquanto a direita continuava sendo a direita e os “renovadores” se atordoavam com discursos e escritos glorificando a “sociedade civil”, o “consenso nacional”, a “identidade cidadã democrática”, as “alianças amplas e pluralistas”, a “governabilidade” e a “institucionalidade”, o governo Ortega lançou uns quarenta programas sociais coordenados por sua esposa, Rosario Murillo, fazendo dela uma espécie de superministra.
“Não me falem da redistribuição de pequenas coisas ao povo”, reage Saldomando, a voz carregada de ironia. “Se somarmos tudo isso e tentarmos construir um projeto político, não vai dar em nada.” Não é o que pensam dezenas de milhares de pobres que, graças à distribuição de 854 mil placas de zinco, puderam cobrir o teto das casas cheias de vazamentos em razão das tempestades tropicais. Não é o que declara Rosalia Suárez, beneficiária do plano “fome zero”. Como 80 mil mulheres, ela recebeu uma vaca, um porco e seis galinhas: “Minha vaca já me deu dois bezerros! Eu vendo o leite que a gente não bebe, minhas crianças comem ovo... antes a gente não tinha nada”. Também não é o que constatam outras mulheres, frequentemente mães solteiras, a quem os créditos do plano “usura zero” ajudaram a montar uma padaria, uma pequena empresa ou até fundar cooperativas.
“O que o governo está fazendo é o mínimo, e apenas para as pessoas que o apoiam”, objeta, levantando os olhos ao céu, uma habitante da capital encontrada no meio da agitação do mercado Muembe. “Os que não estão de acordo com ele não têm direito a nada.”
Quando cada um conta a sua versão, uma realidade com mais nuances se desenha. Yaira Mayorga vivia nos escombros de um prédio destruído pelo terremoto de... 1972. Como seus 360 vizinhos – dos quais mais de um quarto se declara “não sandinista” –, ela passou a ter uma verdadeira habitação. “Olhem como ela é bonita, a minha casa!”, exulta. O plano “alojamento digno” passou por ali.
“Eu não era sandinista nem nada”, salienta a jovem Rosario García. “A política não me interessava. Mas eu vi o que o comandante fez”. Espontaneamente, como muitos outros, o pequeno comerciante e camponês Walter Silva nos confia: “Digo sinceramente: eu era liberal; eles nunca me deram nada. El hombre nos ajudou muito. Por isso, mudei de ideia, e muitos dos meus companheiros me acompanharam”.
 
Fator Chávez

Ninguém, é claro, se aventuraria a falar de “socialismo”. Os investidores estrangeiros e órgãos como o FMI ou o Banco Mundial não encontram nada a dizer sobre a gestão dos cinco anos passados. O setor privado – do qual fazem parte opulentos homens de negócios sandinistas, entre os quais Ortega – está mais do que satisfeito. Ele até encontra seu quinhão nas decisões estratégicas do poder: ao integrar a Alba e se voltar para a América do Sul, ele abriu novos mercados. Estruturalmente, o país então não mudou, mas, e não é pouca coisa, o governo mudou as prioridades do Estado. Ao mesmo tempo, a ajuda maciça da Venezuela de Hugo Chávez permitiu a ampliação e o sucesso dos programas sociais.
Aspirante à vice-presidência, Edmundo Jarquín, que, sob a bandeira do MRS, tinha recebido 6,29% dos votos em 2006, aliou-se dessa vez a Gadea, o candidato do PLI. Este último, muito conservador e dirigente dos contra na costa, era apenas uma fachada para Eduardo Montealegre, banqueiro e ex-ministro de Alemán e Bolaños. Tendo perdido também em 2006 (28,3% dos votos) para Ortega, implicado em um escândalo financeiro, Montealegre dificilmente poderia se reapresentar – e não tinha mais vontade, já que havia tempos o jogo se anunciava perdido. “Essa aliança PLI-MRS não é baseada em um programa. Ela tem por objetivo somente impedir a deriva ditatorial da FSLN e de Ortega”, admitia antes da eleição Maria López Vigil. Uma espécie de “pacto”, de certa forma. Marcada por dezesseis anos de um neoliberalismo sem freios nem amortecedores (1990-2006) que não deseja rever tão cedo, uma maioria dos nicaraguenses fez sua escolha.
Muito à vontade na embaixada dos Estados Unidos, Sofia Montenegro sofre para aceitar a realidade. “De qualquer forma, daqui a seis meses Chávez [que tem câncer] estará morto; quanto a Ortega e Rosario Murillo, eles vão terminar como Ceausescu”, diz. Seria preciso, nesse dia, podar todas aquelas que “colaboraram”? Trinta e quatro mulheres figuram entre os 62 deputados sandinistas eleitos no dia 6 de novembro passado.
Maurice Lemoine
é jornalista ee autor de "Cinq Cubains à Miami ( Cinco cubanos em Miami)", Dom Quichotte, Paris , 2010.


Ilustração: Osvaldo Rivas / Reuters
1 Ler Maurice Lemoine, “Le Nicaragua tenté par un retour au passé” [A Nicarágua tentada por um retorno ao passado], Le Monde Diplomatique, out.1996.
2 El País, Madri, 4 nov. 2011.
3 Essa condenação foi anulada em 16 de janeiro de 2009 pela Corte Suprema de Justiça.
4 A Constituição modificada depois do “pacto” Ortega-Alemán permite ganhar com 40% dos votos ou 35% se uma diferença de cinco pontos separar o candidato em primeiro lugar de seu rival mais próximo.

Parada do Orgulho Gay quer educação e criminalização da homofobia



PORTAL VERMELHO: Neste domingo, 10 de junho, ocorre a 16ª Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) de São Paulo, considerada a maior do mundo. Sob o tema “Homofobia tem cura: educação e criminalização!”, 14 trios elétricos vão desfilar desde o Museu de Arte de São Paulo (MASP), a partir das 12h, descendo a Rua da Consolação até a Praça Roosevelt, quando ocorre a dispersão, por volta das 18h.


Serão três trios oficiais da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT), dois trios das Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual da Prefeitua de São Paulo (CADS), um de entidade do movimento LGBT (ABCD’S), quatro trios de entidades sindicais (CUT, Sintratel, SECSP e Apeoesp), um de entidade do movimento LGBT (ABCDs), dois de casas noturnas (Freedom Club e The L Club), um do site de relacionamentos Disponível.com e um da personalidade drag queen Salete Campari.

Contra a homofobia

A manifestação denuncia a discriminação como um vício social e reivindica uma série de medidas para combater a violência, como a aplicação do projeto Escola Sem Homofobia, que visa preparar professores da rede pública para promover a igualdade e combater a homofobia entre os alunos.

“A escola vem sendo omissa quanto ao seu principal papel, que é a formação da cidadania e senso de justiça. O ambiente escolar deve ser um espaço inclusivo, de vanguarda, que quebre
paradigmas e seja ponto de reflexão sobre novas concepções morais”, diz manifesto divulgado pela Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT), entidades responsável pela organização do evento.

Outra reivindicação é a aprovação do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/06, há seis anos em tramitação no Senado, que criminaliza a homofobia. “O movimento LGBT brasileiro é unânime ao pedir prioridade na aprovação do Projeto de Lei da Câmara 122 em sua totalidade, para que a homofobia seja combatida no momento de sua ação, tipificando o crime e identificando os que a praticam. Não aceitamos negociar a atenuação da pena, pois estamos cansados de contar aqueles que perdemos a cada ano”, continua o manifesto.

Um dia antes, no sábado (9), ocorre a 10ª Caminhada Lésbica, com concentração marcada para 12h na Praça Oswaldo Cruz, no começo da Paulista, e o 12º Gay Day, no Hopi Hari, considerado o maior evento LGBT em espaço privado do país, com público estimado em 9 mil pessoas.

Os itinerários de 43 linhas de ônibus que circulam na região da Av. Paulista serão alterados no domingo, durante a realização da 16ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. As mudanças, que passam a valer a partir das 10h de domingo, podem ser conferidas no site da SPTrans. Para informações sobre linhas e trajetos de linhas consulte itinerários ou ligue 156.

Fonte: SPressoSP
Foto: Vanessa Silva

Veja:O suicídio pela palavra

  Lúcio Flávio Pinto no OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

Veja, uma das cinco revistas semanais de informações mais importantes do mundo, levou 2.272 edições, em 44 anos de circulação, para cometer o maior “nariz de cera” da sua história, do jornalismo brasileiro em muitos anos e talvez da imprensa mundial. Sua matéria de capa do último número, com data de 6/56/2012, abre com 98 linhas da mais medíocre “encheção de linguiça”, como se diz “no popular”.
Se tivessem mesmo que sair, esses quatro enormes parágrafos, numa matéria de apenas oito períodos, tirando boxes e penduricalhos outros para descansar a vista (e relaxar a cabeça), caberiam na Carta ao Leitor, espaço reservado à opinião do dono. Mas lá já estava o devido editorial da “casa”, repleto de adjetivações e subjetividades, conforme o estilo.
A tarefa do repórter Daniel Pereira não era competir em fúria acusatória com a voz do dono, mas dar-lhe – se fosse o caso – suporte informativo. Sua matéria devia conter fatos, que constituem a arma de combate do repórter, infalível diante de qualquer assunto sob sua investigação.
Ao invés disso, metade da sua falsa reportagem, com presunção de trazer novidades e gravidades suficientes para merecer a capa da edição, é um rosário de imprecações opiniáticas, no mais grosseiro e primário estilo, num desabamento de qualidade em relação à Carta ao Leitor.
História desrespeitada

Em tom professoral digno de um sábio de almanaque Capivarol, o editor da sucursal de Brasília, distinto e ilustre desconhecido (ainda, claro), faz gracejo insosso com o fracasso da estratégia de Lula de usar a “CPI do Cachoeira” como manobra diversionista para tirar o foco do julgamento dos integrantes da “quadrilha do mensalão”.
Tentando reparar o efeito inverso gerado pela iniciativa, Lula procurou o ministro Gilmar Mendes, do STF, para um acerto, “movimento tão indecoroso que, ao contrário do imaginado pela falconaria petista, se voltou contra o partido”, sentencia o jornalista.
Não sou petista. Nunca fui. Também não sou nem nunca serei filado a qualquer partido político, enquanto minha profissão me conceder um espaço para opinar e interpretar. É onde faço política: tentando armar o meu leitor para ter sua agenda atualizada aos grandes temas ao alcance da sua vontade.
Votei uma única vez em Lula para presidente da República, na primeira tentativa dele, contra Collor, em 1989. Ninguém encontrará um artigo de louvor a ele no meu Jornal Pessoal. Como não moro em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, mas em Belém do Pará, distante dois mil quilômetros da capital federal, não me atrevo a escrever reportagens a respeito dele.
Para isso, precisaria estar em contato com pessoas do centro do poder, testemunhar acontecimentos, criar fontes com acesso às informações diretas. Mas minhas análises, feitas à distância, não ultrapassam o limite da possibilidade de demonstrar com fatos o que digo. E só digo o que os fatos me autorizam.
Ao autorizar um repórter, encarregado de produzir uma reportagem, que requer tudo que está fora do meu alcance, justamente porque não disponho dos recursos ao alcance de Daniel Pereira, Veja mostraque não respeita a si, aos seus jornalistas e ao leitor. Desrespeita a própria história, que a fez ocupar um lugar tão destacado na imprensa mundial e ter-se estabilizado há muitos anos em 1,2 milhão de exemplares de tiragem.
Alma vendida

O respeito e a admiração que as pessoas têm hoje pelos jornalistas da TV Globo era o mesmo, com outra substância, do início dos anos 1970, quando Veja se consolidou como a mais importante novidade na imprensa brasileira. Antes de passar a trabalhar na revista, via-me diante de humilhação partilhada por repórteres das outras publicações, como as minhas. Depois de dar entrevista coletiva, o personagem da reunião se desculpava e atendia à parte o representante de Veja, que costumava assistir calado ao pingue-pongue de perguntas e respostas entre os colegas e o entrevistado.
Mas não ficávamos furiosos ou nos revoltávamos pelo privilégio dado ao concorrente. Veríamos, quando a revista circulasse, que o tratamento diferenciado tinha uma motivação fundamentada na qualidade do trabalho da revista. Por opção editorial, as matérias não eram assinadas. Mas tanto os profissionais que iam às ruas atrás das notícias eram bons como ótimos eram aqueles que reescreviam tudo na redação, estabelecendo uma homogeneidade de alto nível em todos os textos, do primeiro ao último.
Essa boa novidade levou ao exagero da padronização, logo corrigido pela liberação dos freios da centralização: cada jornalista pode desenvolver seu estilo e as matérias começaram a sair assinadas.
Muitas das matérias que forniram as páginas da revista eram do melhor jornalismo, vizinho dos textos de autores da melhor literatura. Tanto pelo domínio do vernáculo como pela consciência de que jornalismo é a vida pulsando todos os dias em sua materialização factual, sempre sujeita ao humano, demasiado humano (o que serviu de halo para o “novo jornalismo” americano).
Com a sucessão de textos do tipo que agride a essência do jornalismo já há bastante tempo, Veja está prestando um grave desserviço ao Brasil, a pretexto de brecar o avanço do “lulismo” tirânico e irresponsável. Está fazendo o país retroceder a um jornalismo praticado até seis décadas atrás, quando o Diário Carioca introduziu o lide no manual de redação jornalística. Sucederam-se a partir daí os aperfeiçoamentos que Veja consolidou.
A começar pelo curso de formação que deu aos seus futuros integrantes antes de começar a circular, uma revolução em matéria de recrutamento de quadros. E pelo elevado padrão de profissionalismo que estabeleceu, tornando-se uma meta para todos aqueles que queriam avançar no seu ofício e ter uma vida digna, decente e confortável – conquistas das quais só a última era frequente, à custa da venda da alma ao diabo; até Veja demonstrar que jornalista também pode ganhar bem sem se prostituir.
Efeito Jim Jones

É profundamente lamentável que essa mesma revista esteja agora, num paroxismo editorial difícil de explicar e mais difícil ainda de entender, renunciando a todas essas conquistas para se entregar a uma voragem de apoplexia palavrosa, se a tipologia cabe nessa forma surpreendente de patologia. Lula pode sobreviver a esse tipo de vírus. O jornalismo, não.
Querendo ser a coveira de um líder político esquivo e ambíguo, Veja está, na verdade, cometendo um haraquiri patético, capaz de arrastar consigo muito mais gente do que a que sucumbiu sob outro desses líderes em transe: Jim Jones.
***
[Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]

‘Universidade de serviços’ explica intransigência do governo com universidades públicas federais

  Roberto Leher no CORREIO DA CIDADANIA   

A longa seqüência de gestos protelatórios que levaram os docentes das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) a uma de suas maiores greves, alcançando 48 universidades em todo país (28/05), acaba de ganhar mais um episódio: o governo da presidenta Dilma cancelou a reunião do Grupo de Trabalho (espaço supostamente de negociação da carreira) do dia 28 de maio que, afinal, poderia abrir caminho para a solução da greve nacional que já completa longos dez dias. Existem algumas hipóteses para explicar tal medida irresponsavelmente postergatória:

1) A presidenta – assumindo o papel de xerife do ajuste fiscal – cancelou a audiência, pois em virtude da crise não pode negociar melhorias salariais para os docentes das universidades, visto que a situação das contas públicas não permite a reestruturação da carreira pretendida pelos professores;

2) apostando na divisão da categoria, a presidenta faz jogral de negociação com uma organização que, a rigor, é o seu espelho, concluindo que logo os professores, presumivelmente desprovidos de capacidade de análise e de crítica, vão se acomodar com o jogo de faz de conta, o que permitiria ao governo Dilma alcançar o seu propósito de deslocar um possível pequeno ajuste nas tabelas para 2014, ano que os seus sábios assessores vindos do movimento sindical oficialista sabem que provavelmente será de difícil mobilização reivindicatória em virtude da Copa Mundial de Futebol, “momento de união apaixonada de todos os brasileiros”;

3) sustentando um projeto de conversão das universidades públicas de instituições autônomas frente ao Estado, aos governos e aos interesses particularistas privados em organizações de serviços, a presidenta protela as negociações e tenta enfraquecer o sindicato que organiza a greve nacional, para viabilizar o seu projeto de universidade e de carreira que ‘ressignificam’ os professores como docentes-empreendedores, refuncionalizando a função social da universidade como organização de suporte a empresas, em detrimento de sua função pública de produção e socialização de conhecimento voltado para os problemas lógicos e epistemológicos do conhecimento e para os problemas atuais e futuros dos povos.

Em relação à primeira hipótese, a análise do orçamento 2012 (1) evidencia que o gasto com pessoal segue estabilizado em torno de 4,3% do PIB, frente a uma receita de tributos federais de 24% do PIB. Entretanto, os juros e o serviço da dívida seguem consumindo o grosso dos tributos que continuam crescendo acima da inflação.

Com efeito, entre 2001 e 2010 os tributos cresceram 265%, frente a uma inflação de 90% (IPCA). Conforme a LDO para o ano de 2012, a previsão de crescimento da receita é de 13%, porém os gastos com pessoal, conforme a mesma fonte, crescerão apenas 1,8% em valores nominais. O corte de R$ 55 bilhões em 2012 (inclusive mais de 22% das verbas do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT) não é, obviamente, para melhorar o Estado social, mas, antes, para seguir beneficiando os portadores de títulos da dívida pública que receberam, somente em 2012, R$ 369,8 bilhões (até 11/05), correspondentes a 56% do gasto federal (2).

Ademais, em virtude da pressão de diversos setores que compõem o bloco de poder, o governo federal está ampliando as isenções fiscais, como recentemente para as corporações da indústria automobilística, renúncias fiscais que comprovadamente são a pior e mais opaca forma de gasto público e que ultrapassam R$ 145 bilhões/ano. A despeito dessas opções em prol dos setores dominantes, algumas carreiras tiveram modestas correções, como as do MCT e do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Em suma, a hipótese não é verdadeira: não há crise fiscal. Os governos, particularmente desde a renegociação da dívida do Plano Brady (1994), seguem priorizando os bancos e as frações que estão no núcleo do bloco de poder (vide financiamento a juros subsidiados do BNDES, isenções para as instituições de ensino superior privadas-mercantis etc.). Contudo, os grandes números permitem sustentar que a intransigência do governo em relação à carreira dos professores das IFES não se deve à falta de recursos públicos para a reestruturação da carreira. São as opções políticas do governo que impossibilitam a nova carreira.

Segunda hipótese. De fato, seria muita ingenuidade ignorar que as medidas protelatórias objetivam empurrar as negociações para o final do semestre, impossibilitando os projetos de lei de reestruturação da carreira, incluindo a nova malha salarial e a inclusão destes gastos públicos na LDO de 2013. O simulacro de negociações tem como atores principais o MEC (Ministério da Educação), que se exime de qualquer responsabilidade sobre as universidades e a carreira docente, o MPOG (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), que defende a conversão da carreira acadêmica em uma carreira para empreendedores, e, como coadjuvante, a própria organização pelega que faz o papel dos truões, alimentando a farsa do jogral das negociações.

Terceira hipótese. É a que possui maior lastro empírico. As duas hipóteses anteriores podem ser compreendidas de modo mais refinado no escopo desta última hipótese. De fato, o modelo de desenvolvimento em curso aprofunda a condição capitalista dependente do país, promovendo a especialização regressiva da economia. Se, em termos de PIB, os resultados são alvissareiros, a exemplo dos indicadores de concentração de renda que alavancam um seleto grupo de investidores para a exclusiva lista dos 500 mais ricos do mundo da Forbes, o mesmo não pode ser dito em relação à educação pública.

Os salários dos professores da educação básica são os mais baixos entre os graduados (3) e, entre as carreiras do Executivo, a dos docentes é a de menor remuneração. A idéia-força é de que os docentes crescentemente pauperizados devem ser induzidos a prestar serviços, seja ao próprio governo, operando suas políticas de alívio à pobreza, alternativa presente nas ciências sociais e humanas, ou, no caso das ciências ditas duras, a se enquadrarem no rol das atividades de pesquisa e desenvolvimento (ditas de inovação), funções que a literatura internacional comprova que não ocorrem (e não podem ser realizadas) nas universidades (4).

A rigor, em nome da inovação, as corporações querem que as universidades sejam prestadoras de serviços diversos que elas próprias não estão dispostas a desenvolver, pois envolveriam a criação de departamentos de pesquisa e desenvolvimento e a contratação de pessoal qualificado. O elenco de medidas do Executivo que operacionaliza esse objetivo é impressionante: Lei de Inovação Tecnológica, institucionalização das fundações privadas ditas de apoio, abertura de editais pelas agências de fomento do MCT para atividades empreendedoras.

Somente nos primeiros meses deste ano o Executivo viabilizou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, um ente privado, que submete os Hospitais Universitários aos princípios das empresas privadas e aos contratos de gestão preconizados no plano de reforma do Estado (Lei nº. 12.550, 15 de dezembro de 2012), a Funpresp (Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais), que limita ao teto de R$ 3.916,20, medida que envolve enorme transferência de ativos públicos para o setor rentista e que fragiliza, ainda mais, a carreira dos novos docentes - pois, além de não terem aposentadoria integral, não possuirão o FGTS, restando como última alternativa a opção pelo empreendedorismo que, ilusoriamente (ao menos para a grande maioria dos docentes), poderia assegurar algum patrimônio para a aposentadoria.

Ademais, frente à ruína da infra-estrutura, os docentes devem captar recursos por editais para prover o básico das condições de trabalho. Por isso, nada mais coerente do que a insistência do Executivo em uma carreira que converte os professores em empreendedores que ganham por projetos, freqüentemente ao custo da ética na produção do conhecimento (5).

Os operadores desse processo de reconversão da função social da universidade pública e da natureza do trabalho e da carreira docentes parecem convencidos de que já conquistaram os corações e as mentes dos professores e por isso apostam no impasse nas negociações. O alastramento da greve nacional dos professores das IFES e o vigoroso e emocionante apoio estudantil a essa luta sugerem que os analistas políticos do governo federal podem estar equivocados. A adesão crescente dos professores e estudantes ao movimento comprova que existe um forte apreço da comunidade acadêmica ao caráter público, autônomo e crítico da universidade. E não menos relevante, de que a consciência política não está obliterada pela tese do fim da história (6).

A exemplo de outros países, os professores e os estudantes brasileiros demonstram coragem, ousadia e determinação na luta em prol de uma universidade pública, democrática e aberta aos desafios do tempo histórico!

Notas:

(4) Mansfield, Edwin 1998 Academic research and industrial innovation: An update of empirical findings em Research Policy 26, p. 773–776.
(5) Charles Ferguson, A corrupção acadêmica e a crise financeira, disponível em: http://noticias.bol.uol.com.br/economia/2012/05/27/a-corrupcao-academica-e-a-crise-financeira.jhtm
(6) Marcelo Badaró Mattos, Algo de novo no reino das Universidades Federais?

Roberto Leher é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), coordenador do Observatório Social da América Latina – Brasil/ Clacso e do Projeto Outro Brasil (Fundação Rosa Luxemburgo).