sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Império de Bases


O número de fato não é de todo importante. Se o total mais apurado é de 900, mil ou 1.100 bases em terras estrangeiras, isto não é o ponto central da questão, mas o que é inegável é que o exército dos EUA mantém, como diz a famosa frase de Chalmers Johnson, um império de bases tão enorme e obscuro que ninguém – nem mesmo o Pentágono – realmente faz idéia de seu tamanho e alcance totais.

Por Nick Turse
- Revista Fórum
Os Estados Unidos tem 460 bases no estrangeiro! Tem 507 bases permanentes! O que os EUA estão fazendo com mais de 560 bases no exterior? Por que é que eles tem 662 bases em outros países? Os Estados Unidos realmente tem mais de 1.000 bases militares espalhadas pelo globo?
Num mundo de estatísticas e precisão, num mundo onde a palavra “transparência” é a palavra do momento em Washington, num mundo onde toda a informação que existe está disponível a um clique de distância, existe um número que nenhum norte-americano conhece. Nem o presidente. Nem o Pentágono. Nem os experts. Ninguém.

O homem que escreveu o livro definitivo sobre o tema não sabia afirmar com certeza. O colunista do New York Times e ganhador do Prêmio Pulitzer não chegou nem perto. Numerosos artigos foram escritos sobre as bases militares norte-americanas, e, no entanto, falharam como todos os outros.

Existem mais de 1.000 bases militares norte-americanas por todo o planeta. Para ser mais específico, o número mais apurado é de 1.077 bases. A não ser que seja 1.088. Ou, se a contagem for diferente, 1.169. Ou mesmo 1.180. Talvez o número seja até maior. Ninguém sabe ao certo.

Fazendo as Contas

Num recente artigo de opinião, o colunista do New York Times Nicholas Kristof explicitou seu mordaz ponto de vista: “Os EUA mantém tropas em mais de 560 bases e outros locais no exterior, muitos dos quais são herança de uma guerra mundial que acabou há mais de 65 anos. Temos medo de que, se retirarmos nossas bases da Alemanha, a Rússia poderá invadir?”

Durante anos, o falecido Chalmers Johnson, o homem que de fato escreveu um livro sobre o império de bases militares norte-americanas, The Sorrows Of Empire (“As Tristezas do Império”, em português), compartilhou o ponto de vista de Nicholas Kristof, e o embasou com a mais detalhada pesquisa já feita sobre o “arquipélago mundial” de bases americanas. Há alguns anos, depois de desbancar os próprios documentos públicos do Pentágono, Johnson escreveu, “Os Estados Unidos mantém 761 ‘localizações’ militares em países estrangeiros. (Este é o termo utilizado pelo Departamento de Defesa, ‘localizações’ ao invés de ‘bases’, ainda que sejam, em verdade, bases.)”

Recentemente, o Pentágono atualizou seus números sobre as bases outras localizações, afirmando que os números haviam diminuído. Se os números caíram ou não ao nível defendido por Kristof, entretanto, é uma questão de interpretação. De acordo com Relatório da Estrutura de Bases de 2010, publicado pelo Departamento de Defesa americano, as forças armadas dos EUA agora mantém 662 localizações estrangeiras em 38 países ao redor do mundo. Uma leitura mais apurada do Relatório, no entanto, traz à tona gigantescos furos e lacunas.

Um Legado de Bases

Em 1955, 10 anos depois que 2ª Guerra Mundial terminou, o Chicago Daily Tribune publicou uma grande investigação sobre as bases, incluindo um mapa sinalizado com pequenas estrelas e triângulos, em sua maioria localizados na Europa e no Oceano Pacífico. “A bandeira americana tremula sobre mais de 300 postos estrangeiros”, escreveu o repórter Walter Trohan. “Acampamentos e bases estão em 12 territórios de posse Americana. As bases externas estão em 63 nações ou ilhas estrangeiras.”

Hoje, de acordo com os mapas publicados pelo Pentágono, a bandeira americana passou a tremular sobre 750 bases militares localizadas em outros países ou em território americano no exterior.  Esse mapa com certeza não considera territórios estrangeiros pequenos, de extensão inferior a 10 acres ou aquele que o exército dos EUA não estipula que valham mais de US$ 10mi. Em alguns casos, muitas bases desse tipo podem ser agrupadas e contadas como apenas uma instalação militar num só país determinado. Uma solicitação de esclarecimento do Departamento de Defesa sobre o assunto não obteve resposta. 

O que nós de fato sabemos é que, nas bases que o exército norte-americano conta, ele controla algo em torno de 52 mil edifícios e mais de 38 mil peças de infraestrutura pesada como cais, piers e gigantescos tanques de armazenamento, sem mencionar mais de nove mil “estruturas lineares” tais como rodovias, ferrovias e tubulações. Também podemos adicionar mais 6.300 edifícios, 3.500 peças de infraestrutura e 928 estruturas lineares que estão em territórios dos EUA no exterior e teremos um total impressionante. E ainda assim, isto não está nem perto da história completa.

Perdendo a Conta

Em janeiro último o coronel Wayne Shanks, um porta-voz da Força Internacional de Assistência a Segurança (ISAF, órgão controlado pelos EUA), me disse que havia cerca de 400 bases norte-americanas e de coalizão no Afeganistão, incluindo acampamentos, bases de operação avançada e postos de combate. Ele esperava que esse número aumentasse em pelo menos 12 durante o ano de 2010. 

Em setembro, entrei em contato com o Escritório de Comando de Relações Públicas da ISAF, para checar as previsões. Para a minha surpresa, me foi dito que “havia aproximadamente 350 bases de operação avançada, com duas grandes instalações militares completas, os campos aéreos de Bagram e Kandahar.” Perplexo com a perda de 50 bases ao invés de um ganho de 12, contatei Gary Younger, um encarregado das Relações Públicas da Força Internacional de Assistência a Segurança. “Há menos de 10 bases da OTAN no Afeganistão”, ele me escreveu num email de outubro de 2010. “Existem mais de 250 bases dos EUA no Afeganistão.”

Até ali me parecia que os EUA tinham perdido cerca de 150 bases e eu me encontrava verdadeiramente confuso. Quando contatei diretamente os militares para resolver as discrepâncias entre os números e listei para eles todos os dados que haviam me passado – desde as 400 bases afirmadas por Shanks até os 250 que Younger havia me dito --, fui então transferido e transferido e transferido até que me transferiram para o Sargento de Primeira Classe Eric Brown novamente no Escritório de Comando de Relações Públicas da ISAF. “O número de bases no Afeganistão é, quase certo, 411”, Brown me escreveu num email já em novembro, “e este é uma estatística composta desde Bases Completas até o nível de Posto de Combate”. Mesmo isso, ele alertou, não era uma lista completa, porque, segundo ele, “posições temporárias ainda não foram consolidadas” não constam.

Durante todo o caminho até este cálculo “final”, me foi oferecido certo número de explicações – desde os diferentes métodos de contagem das bases até a falha dos soldados em efetivo trabalho de campo em fornecer informações apuradas – para os dados conflitantes que me haviam passado. Depois de meses trocando emails e vendo os números variarem largamente, terminar em novembro com mais ou menos o mesmo número que eu tinha em janeiro sugeria que os comando militar dos Estados Unidos não está mantendo a conta correta de quantas bases eles tem instaladas no Afeganistão. Aparentemente, o exército simplesmente não sabe quantas bases existem no seu primeiro escalão de operações.

Os pontos obscuros no mundo das bases.

Procure no Relatório da Estrutura de Bases de 2010, do Departamento de Defesa dos EUA por bases no Afeganistão. Vá em frente, leia todas as 206 páginas. Você não encontrará uma menção sequer a estas bases, nem mesmo uma citação ou uma mínima referência de que os Estados Unidos da América tem pelo menos uma base no Afeganistão, muito menos 400. Esta é dificilmente uma omissão insignificante. Adicione essas 411 bases que não aparecem no Relatório às 560 bases apresentadas por Nicholas Kristof e você terá 971 bases. Adicione isto também à conta oficial do Pentágono e ficaremos com um total de 1073 bases e localizações norte-americanas no exterior, por volta de 770 a mais do que Walter Trohan descobriu em seu artigo de 1955. Este número supera, ainda, a contagem de 1967, de que os EUA possuíam 1014 bases em países estrangeiros, ano considerado por Chalmers Johnson “o auge da Guerra Fria.”

Existem, todavia, outros meios de apurar o total. Numa carta escrita na primavera passada, o Senador Ron Wyden e os Representativos Barney Frank, Ron Paul e Walter Jones afirmaram que havia somente 460 instalações norte-americanas no exterior, não contando aquelas do Iraque e do Afeganistão. Nicholas Kristof, que contou 100 bases a mais do que contaram eles, não respondeu a meu email que requisitava esclarecimento, mas aparentemente deve ter feito a mesma análise que fiz: procurar e selecionar no Relatório do Pentágono as localizações que obviamente, apesar de seu tamanho e valor, só poderiam duvidosamente ser contadas como bases, como complexos habitacionais e escolas, hotéis (sim, o Departamento de Defesa possui hotéis), áreas de ski (possui estas também) e os maiores de seus campos de golfe – em 2007, o exército norte-americano alegou possuir um total de 172 campos de golfe dos mais variados tamanho – e cheguei a um total de 570 localizações estrangeiras. Adicionando-as ao número de bases afegãs você chegará então a 981 bases militares no exterior.

Como é óbvio, o Afeganistão não é o único pais com um mundo de bases obscuro. Procure nas contas do Pentágono por bases no Iraque e você não encontrará um único registro. (Esta omissão aconteceu mesmo quando os EUA mantiveram desveladamente mais de 400 bases no Iraque). Hoje a marca dos exércitos americanos sobre o país diminuiu radicalmente. O Departamento de Defesa recusou-se a responder um email que requisitava o número atual de bases instaladas no Iraque, mas relatórios publicados indicam que pouco menos que 88 bases ainda estão lá, incluindo Camp Taji, Camp Ramadi, Base Speicher de Operação de Contingente e a Base da Junta de Balad. Esta última, por si só, comporta por volta de sete mil soldados norte-americanos. Estas bases omitidas elevariam os números totais de bases através do globo para 1069.

As Zonas de Guerra não são os únicos pontos obscuros. Basta observarmos algumas nações do Oriente Médio cujos governos, por medo da opinião pública interna, preferem que nada seja divulgado a respeito das bases militares dos EUA em seus territórios. Para exemplificar, o Relatório da Estrutura de Bases de 2010 lista uma base não nomeada no Kuwait. Ainda assim sabemos que no Golfo Pérsico residem algumas bases americanas, incluindo o Acampamento Arifjan, Acampamento Buering, Acampamento Virginia, Base Naval do Kuwait, Base Aérea Ali Al Salem e a Ordem Udari. Adicione mais estas bases omitidas ao total e ele chega a 1074 bases no exterior.

Mais uma vez, se checarmos o cálculo de bases do Pentágono para o Qatar não obteremos nada. Mas observando o número de empregados do Departamento de Defesa trabalhando no exterior, encontraremos mais de 550 homens e mulheres trabalhando no país. Ainda que esta nação do Golfo Pérsico possa ter oficialmente construído a Base Aérea Al Udeid por si só, dizer que esta base é outra coisa que não uma instalação americana seria, no mínimo, dissimulado, tendo em vista que ela serviu como uma das bases de logística e comando mais fundamentais para os EUA nas Guerras do Iraque e do Afeganistão. Somamos então mais uma base, tendo 1075 até agora.

A Arábia Saudita também foi omitida da conta do Pentágono, ainda que, mais uma vez, a lista de empregados do Pentágono trabalhando no exterior indique que há centenas de soldados americanos neste país. Desde a preparação para a Primeira Guerra do Golfo em 1990 à invasão do Iraque em 2003, as forças armadas dos EUA enviaram centenas de tropas ao reino da Arábia Saudita. Em 2003, em resposta à pressão dos fundamentalistas sobre o governo Saudita, Washington anunciou que retiraria quase todas as suas tropas do país, deixando apenas um pequeno número. Ainda hoje o exército americano continua a treinar e educar soldados em localizações como a Vila Eskan, um complexo que fica 20 km a sul de Riyadh onde, de acordo com números publicados em 2009, 800 empregados americanos estariam instalados.

Descontados, Não-Contados e Desconhecidos.

Em adição ao desconhecido número de micro-bases que o Pentágono nem sequer se preocupa em contar e às bases do Oriente Médio e do Afeganistão que permanecem invisíveis ao radar, existem áreas ainda mais obscuras do império das bases: instalações pertencentes a outros países e que são usadas, mas não reconhecidas pelos Estados Unidos ou não declaradas por seu país de posse, também entram na conta. Por exemplo, é bem sabido que as aeronaves americanas, operando sob os auspícios da CIA tanto quanto da Força Aérea Americana e conduzindo uma não tão secreta guerra no Paquistão, decolam de uma ou mais bases localizadas no próprio território paquistanês.

Soma-se a isso ainda outras bases como a “bases disfarçada avançada de operações, comandada pela Junta do Comando de Operações Especiais (JSOC) dos EUA na cidade portuária de Karachi, no Paquistão”, exposto por Jeremy Scahill na revista Nation, e um ou mais campos aéreos gerenciados por empregados da contratadora de segurança privada Blackwater (agora renomeada Xe Services). Mesmo com o cálculo oficial do Departamento de Defesa indicando que existem mais que cem tropas no Paquistão, ainda assim nenhuma base ali é contada.

Da mesma maneira não são contadas as frotas marítimas, frotas estas que consistem em numerosos Porta-Aviões, o maior navio de guerra já produzido, assim como Cruzadores dotados de mísseis guiados, dois Destruidores de Mísseis Guiados, um submarino que ataque e um navio de munição, combustível e suprimentos. Os EUA possuem onze frotas como esta, frotas que se configuram como bases flutuantes do tamanho de cidades que podem cruzar o planeta. Possuem também muitos mais outros navios, alguns comportando cerca de mil pessoas, entre soldados e tripulação. Navios estes que, diz a Marinha, “viajam para qualquer porto numa lista 100 cidades espalhadas pelo mundo”, de Hong Kong ao Rio de Janeiro.

“A habilidade de conduzir funções logísticas a bordo permite que as forças navais mantenham uma estação em qualquer lugar”, diz o Conceito de Operações Navais: 2010, da Marinha americana. Portanto, estas bases que flutuam por debaixo dos dados oficiais deveriam ser contadas também.

Uma Explosão, Uma Lamúria, e o Alam do Século XXI

A Subsecretária Ajuda de Defesa, Dorothy Robyn, quando falou no ano passado ao Subcomitê do Comitê de Gastos do Senado sobre Construções Militares, Veteranos e Agências Relacionadas, se referiu às “507 instalações permanentes”. O Relatório da Estrutura de Bases de 2010 do Pentágono, no entanto, lista 4999 localizações e bases nos EUA, nos seus territórios e em países estrangeiros.

No grande esquema das coisas, o número de fato não é de todo importante. Se o total mais apurado é de 900, mil ou 1.100 bases em terras estrangeiras, isto não é o ponto central da questão, mas o que é inegável é que o exército dos Estados Unidos da América mantém, como diz a famosa frase de Chalmers Johnson, um império de bases tão enorme e obscuro que ninguém – nem mesmo o Pentágono – realmente faz idéia de seu tamanho e alcance totais.

Tudo o que sabemos é que isso desperta a ira de adversários como a Al Qaeda, que isso tem uma tendência a importunar mesmo o mais próximo dos aliados, como o Japão, e que costa aos Americanos que pagam impostos uma pequena fortuna por ano. Em 2010, de acordo com Robyn, a construção e a moradia militar de todas as bases dos EUA gastaram $23,2 bilhões. Somando-se mais um adicional de $14,6 bilhões necessários para reparos, manutenção e recapitalização. Para levar energia às suas instalações, de acordo com as estatísticas de 2009, o Pentágono gastou $3,8 bilhões. E isso não chega nem a tocar a superfície do que as bases norte-americanas mundo a fora custam em termos econômicos.

Como todo império, o império de bases militares dos Estados Unidos, algum dia ruirá. Essas bases, porém, não cairão como uma seqüência filmográfica de dominós bem posicionados. Não cairão, isto é, com a explosão de Álamos futurísticos, mas com a lamúria da insolvência.

De  fato, ao final de 2010, a Comissão de Déficit da Casa Branca – oficialmente conhecida como Comissão Nacional sobre Responsabilidade Fiscal e Reforma – sugeriu cortar em 1/3 os gastos na Europa e na Ásia, o que, na estimativa da Comissão, economizaria por volta de $8,5 bilhões em 2015.

O império das bases, ainda que tenha o tamanho que tem, está destinado a naufragar. Os militares terão que diminuir suas bases de controle estrangeiras e diminuir sua pegada global nos anos que virão. As realidades econômicas necessitarão disso. As escolhas que o Pentágono fará hoje sem dúvida determinarão em que condições nossos recursos voltarão para a casa amanhã. No momento, eles ainda podem escolher se voltar para a casa significará um ato de infalível e magnânima estratégia de estado ou simplesmente um recuo inglório.

Qualquer que seja a decisão, o relógio está correndo, e antes que qualquer retirada se inicie, o exército americano precisa saber exatamente de onde ele retirará suas tropas (e os americanos devem ter uma clara noção de onde estão seus exércitos). Uma contagem honesta de quantas bases os EUA tem no exterior – uma lista verdade, completa e compreensiva – seria um ínfimo primeiro passo no processo necessário de diminuição desta intervenção global.

Nick Turse é jornalista investigativo, editor associado do TomDispatch.com e atualmente também professor o Instituto Radcliffe da Universidade de Harvard. Seu ultimo livro se chama “The Case For Withdrawal from Afghanistan” (Verso Books). Você pode seguí-lo no Twitter @NickTurse. O seu site na internet é NickTurse.com.

Tradução de Cainã Vidor. Publicado por http://www.rebelion.org/noticia.php?id=120157

Alimentos: sintomas da nova crise mundial

140111_food_0Esquerda - Os sinais da nova tormenta estão à vista há algum tempo. A FAO alertou que os preços do arroz, trigo, açúcar, cevada e carne continuarão altos ou vão registar significativos aumentos em 2011. 

Por Thalif Deen, IPS

Nações Unidas – A Organização das Nações Unidas (ONU), que tenta ajudar cerca de mil milhões de pessoas famintas no mundo, antecipa outra crise alimentar neste ano.
E os sinais da nova tormenta estão à vista há algum tempo. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), com sede em Roma, alertou, na semana passada, que os preços mundiais do arroz, trigo, açúcar, cevada e carne continuarão altos ou vão registar significativos aumentos em 2011, talvez replicando a crise de 2007-2008.
Rob Vos, director de políticas de desenvolvimento e análise no Departamento de Economia e Assuntos Sociais da ONU, disse à IPS que o aumento dos preços já afectava vários países em desenvolvimento. Afirmou que nações com a Índia e outras da Ásia oriental e do sudeste já sofrem inflação de dois dígitos, devido ao aumento nos preços dos alimentos e da energia. Na Bolívia, o governo foi obrigado a reduzir os subsídios de alguns dos alimentos da cesta básica, já que estavam a fazer disparar o défice fiscal.
No curto prazo, além de os pobres serem afectados e mais gente poder ser arrastada para a pobreza, essa alta também dificultará a recuperação dos países que enfrentam maior inflação e cairá o poder aquisitivo dos consumidores em geral, afirmou Rob, economista-chefe da ONU. Alguns bancos centrais estão a endurecer as suas políticas monetárias, e governos vêem-se obrigados a apertar o cinto fiscal, acrescentou.
Frederic Mousseau, director de políticas do Instituto Oakland, com sede na cidade norte-americana de San Francisco, disse à IPS que Moçambique já havia sofrido, em Setembro, revoltas populares pelos altos preços do pão, nas quais morreram 13 pessoas. "Manifestações afectaram cerca de 30 países em 2008, e isto poderia repetir-se, já que a situação não mudou nos últimos três meses", afirmou Frederic, autor do livro "O desafio dos altos preços dos alimentos: uma revisão das respostas para combater a fome".
Os países mais vulneráveis são os mais dependentes das importações e os menos capazes de enfrentar com políticas públicas o aumento dos preços nos mercados, acrescentou Frederic. Isto diz respeito a muitas das nações mais pobres, com menos recursos, menos instituições e menos mecanismos públicos para apoiar a produção de alimentos, explicou. No final do ano passado, houve protestos na China pelos altos preços da merenda para estudantes secundários, e na Argélia pelo aumento da farinha, do leite e do açúcar.
Os argelinos voltaram às ruas na semana passada para protestar contra as duras condições económicas. As manifestações acabaram com três mortos e centenas de feridos, enquanto na vizinha Túnis distúrbios similares causaram pelo menos 20 vítimas fatais. Segundo o índice da FAO divulgado na semana passada, os preços de cereais, sementes oleaginosas, lácteos, carnes e açúcar continuam a aumentar por seis meses consecutivos.
"Estamos a entrar em terreno perigoso", disse Abdolreza Abbasian, economista da FAO, a um jornal londrino. Frederic explicou que os preços começaram a aumentar em 2010, depois das más colheitas na Rússia e na Europa oriental, em parte devido aos incêndios durante o Verão boreal. Agora, as severas inundações que afectam a Austrália, quarto maior exportador mundial de trigo, provavelmente afectarão a produção desse cultivo e pressionarão ainda mais os preços para cima, previu.
"Qualquer outro acontecimento, como outro desastre climático nalgum país exportador, ou uma nova alta do petróleo, sem dúvida alguma disparará os preços e fará com que a situação seja pior do que em 2008, ameaçando, portanto, o sustento de milhares de milhões de pessoas em todo o mundo", acrescentou.
Entretanto, Frederic esclareceu que não se trata de um problema de escassez, como ocorreu em 2007-2008. "Não se pode usar a palavra escassez se for considerado que mais de um terço dos cereais produzidos no mundo são usados como alimento para animais, e que uma parte cada vez maior é usada para fazer combustíveis", afirmou. De facto, no mundo foram produzidas 2,232 biliões de toneladas de cereais em 2008, uma quantidade sem precedentes, destacou.
O nível de produção para o período 2010-2011 é levemente menor do que em 2008. Ao contrário daquele ano, quando o arroz foi o responsável pelo aumento dos preços, desta vez é o trigo. Em todo caso, deve-se a uma combinação de factores: má colheita numa parte do mundo supõe uma pressão sobre o mercado, o qual envia sinais negativos aos especuladores. Estes, então, começam a comprar e os preços disparam.

Foto de frankfarm, FlickR

O ATRASO DO PROGRESSO



 





‘No lugar dos valores da vida, preferiu-se o poder, o sucesso e a riqueza por si mesmos’ (Freud, 1930)

Quem analisa o século passado, da urbanização mundial, encontra um traço profético nessa afirmação do ‘pai da psicanálise’. No Brasil, o desenvolvimento econômico também tem se baseado na exacerbação da cultura individualista e na degradação da esfera pública. Mas não há progresso real se não se supera a desigualdade e o atraso político. Nesses aspectos essenciais continuamos mal.
Entre nós, onde os 10% mais ricos ainda ganham 40 vezes mais que os 10% mais pobres, o abismo social ganha tom de tragédia: enlutados, vejamos a condição da maioria absoluta dos vitimados nas enchentes de verão.
Não se culpe o destino ou uma fatalista ‘ira divina’ e sim a falta de prioridade para políticas públicas que poderiam amenizar essa dor indizível. Não se atribua tudo a fenômenos naturais, alguns de fato inéditos. O imprescindível planejamento urbano raramente desce de virtuosas Leis Orgânicas, Planos Diretores e Estatuto das Cidades para a vida. Os insuficientes investimentos em macro-drenagens, contenções e programas habitacionais contrastam com os custos adicionais bilionários da reforma do recém-reformado Maracanã, por exemplo. No plano global, as políticas contra o aquecimento, que implicariam em mudanças drásticas do nosso modo de produzir e consumir, não avançam com a celeridade das crescentes oscilações climáticas.
O país emergente que celebra crescimento tem sua dimensão política soterrada pela avalanche do interesse menor, alimentado pela enchente do desinteresse coletivo. A comovente e episódica onda de solidariedade não tem conseguido transformar-se em torrente cidadã permanente. Promessas de prevenção das autoridades vão embora com as águas de março ou fecham-se após as chuvas de abril.
 Ocupar função pública, salvo exceções, não é mais missão de serviço e sim carreira promissora, inclusive com plano de vencimentos e oportunidades de negócios alentadores. Muitos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário distanciam-se da sociedade, fechados em estamentos que se auto-regulam e tornam-se espaço de interesses privados. A moeda de troca nas alianças políticas é a distribuição de cargos e empenhos para consolidação dos ‘currais’ modernos de legitimação pelo voto – até nos recursos para a Defesa Civil! Os palácios só costumam ter alguma conexão com as praças quando ocorrem tragédias ou nos períodos bienais de captação de votos.  Hannah Arendt lembrava que “a sociedade burguesa, baseada na competição e no consumismo, gerou apatia e hostilidade em relação à vida pública, não somente entre os excluídos, mas também entre elementos da própria burguesia”.
Desde os primórdios os povos enfrentam dois desafios: adequar-se à natureza, para não perecer, e limitar o poder, para as maiorias não serem escravizadas por poucos. Caminhamos entre intenções cruzadistas e suas guerras nada santas, entre avanços tecnológicos que propiciariam o bem viver e relações de dominação que excluem amplos setores desses benefícios.
É imperativo o resgate da vida pública cooperativa, transparente, participativa. Res publica livre do interesse mercantil e/ou demagógico – inclusive em relação ao solo urbano. As centenas de mortes que se repetem a cada ano nos interpelam de forma dramática.

*Chico Alencar é professor de História e deputado federal (PSOL/RJ)

Pochmann: “O Brasil já podia ter acabado com a miséria”


Pedro Venceslau, Marcelo Cabral e Conrado Mazzoni   (redacao@brasileconomico.com.br)


O líder do Ipea diz que a meta da presidente Dilma de erradicar a pobreza absoluta até 2014 é factível.
Dentro do organograma do segundo escalão do governo federal, o economista Marcio Pochmann comanda um dos órgãos mais estratégicos.
Cabe ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) instrumentalizar com dados e diretrizes todos os ministérios, além, claro, da própria presidente Dilma Rousseff.
Alvo de cobiça entre aliados e disputado por diversas pastas, o Ipea deve seguir sob o comando da Secretaria de Assuntos Estratégicos, como revela Pochmann em entrevista ao Brasil Econômico.
A presidente Dilma Rousseff estabeleceu como meta a erradicação da miséria. Não é um projeto ousado demais?
Foi o Ipea que identificou que era possível o Brasil superar a pobreza até 2015, e em alguns estados em 2011 ou 2012. Nós sofremos crítica de alguns colegas que diziam ser uma miragem. Mas a então candidata Dilma entendeu que isso podia ser um compromisso de campanha. Agora é um compromisso de governo. É plausível.
O senhor já se reuniu com o ministro Moreira Franco, da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), onde o Ipea está instalado?
Conversamos na semana passada sobre como ajudá-lo a organizar a SAE. Se vocês querem saber se vai haver mudança na direção do Ipea, não tenho como responder. Nós não tratamos sobre isso. Não temos mandato. Os cargos são de confiança.
Há quem defenda que o Ipea deixe a SAE e vá para o Ministério do Planejamento. O que acha disso?
Ocorreu uma competição entre ministros para ver onde ficaria o Ipea. O que ouvimos em Brasília foi que os ministérios de Ciência Tecnologia, Planejamento e Fazenda se mostraram interessados.
Posso estar equivocado, mas acredito que ele não sai da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
O Ipea, que foi criado em 1964, pertencia, na sua origem, à Presidência da República. Foi parte responsável pela Secretaria de Planejamento. Em seus 46 anos esteve subordinado a diferentes ministérios. Nos anos 60 e 70 teve um papel inteligência dentro do governo, porque os ministérios não tinham assessoria técnica.
O Ipea chegou a ter 1200 servidores. Hoje temos 600. Demorou para ele encontrar sua vocação.
Existem ainda hoje correntes de pensamento diferentes no Ipea? Ele ainda se divide entre "fiscalistas" e "desenvolvimentistas"?
Em cada área existem visões diferentes. Essa é a riqueza da instituição. Essa idéia de desenvolvimentista e fiscalista é uma visão meio primitiva que se tinha do Ipea do passado. Estamos em outro patamar. Isso seria limitar a discussão. Quem faz essa divisão são os viúvos do Ipea do passado.
O Ipea tem um orçamento de R$ 302 milhões de reais. O órgão está blindado da disputa entre PT e PMDB por cargos do segundo escalão do governo?
O orçamento era de R$ 190 milhões quando chegamos, em 2007. Do ponto de vista político, não é uma boa área para se ter influência. O Ipea é uma instituição transparente. Há acesso livre aos pesquisadores. Temos comissão de ética e ouvidoria.
O Ipea pretende reforçar suas análises regionais?
Temos uma representação no Norte-Nordeste e outra no Rio de Janeiro. Falta a região Sul. Não dá para pensar o Brasil olhando apenas de Brasília.
O governo vai criar uma nova definição sobre o conceito de miséria no país. Que elementos serão usados para se definir o que é ser miserável no Brasil?
Nós somos um país que não tem uma definição oficial de pobreza. No mundo todo, essa definição é arbitrária.
Indicadores não faltam, o que nós precisamos ter é uma linha administrativa: miserável é aquele que ganha até um determinado valor por mês. Essa definição precisa ter um parâmetro razoável.
É preciso, ainda, haver uma identificação das diferentes formas da manifestação da pobreza. Há um movimento de redução da miséria nos últimos 30 anos. Antes, nos anos 90, a cada dez brasileiros, quatro eram miseráveis. Hoje, a cada dez, um é miserável. Estamos lidando, portanto, com o núcleo duro da pobreza extrema. É preciso reconhecer que essa pobreza extrema não é homogênea, mas diferenciada.
Em que sentido ela é diferenciada?
Por exemplo: existe o pobre estrutural, o das grandes cidades, das pequenas, os de mais idade. Como você vai conseguir uma porta de saída para alguém que tem mais de 70 anos de idade.
É preciso uma definição clara sobre as formas como se manifesta a pobreza. Como a pobreza rural de pessoas mais velhas se enfrenta de um jeito, nas cidades, de outro. O país mais rico do mundo, que é os Estados Unidos, tem o maior programa de assistência de renda. É maior que o Brasil. É maior parcela do mundo assistida. Em todas as economias do mundo há segmentos que não conseguem viver com suas próprias pernas. Outros segmentos podem ser incluídos.
A meta da presidente Dilma de acabar com a pobreza é viável?
O Brasil já podia ter acabado com a miséria no final dos anos 70. Miséria absoluta é o cara não ter o que comer. Isso não é um problema de escassez de alimentos, mas de má distribuição. Vamos acabar de forma tardia. A presidenta disse que a meta é 2014.
Qual a sua análise da situação macroeconômica do Brasil?
De certa maneira temos uma situação de acomodação que era esperada em 2011 devido ao fato que estávamos crescendo em um ritmo muito forte em 2010. Uns acham que nosso problema é ajuste fiscal.
Acham já superamos esse tema tal qual ele foi colocado nos anos 90. A prioridade era essa. Ajuste fiscal é um meio, não o fim. Hoje o fim é o desenvolvimento. Temos que ver medida se ajusta as finanças públicas para viabilizar o desenvolvimento.
Neste âmbito, precisamos olhar quais são as despesas que podem ser reduzidas, aquelas que são improdutivas. Estamos gastando entre 5% e 6% do PIB em pagamento dos juros da dívida.
Isso não gera emprego. Como reduzir o peso da dívida e os juros, que estão em um patamar muito alto, é um bom debate. Do ponto de vista do tempo, vem se reduzindo. Há possibilidade de redução do gasto público, mas temos que olhar quais gastos. O compromisso da presidente de terminar seu mandato com a taxa de juros em 2% real é razoável.
O peso do funcionalismo prejudica o investimento?
Essa é uma visão primitiva de quem não conhece bem o país e outros países. O Brasil não tem muitos funcionários públicos. Temos 11% da população que são ocupadas em serviços públicos, nos Estados Unidos é 16,5%. Na Europa é de 25%. Nos países escandinavos, que são competitivos, 40% da força de trabalho é de funcionários públicos.
O aperto monetário é inevitável?
A aposta de elevação dos juros é uma medida muito pesada para as circunstâncias que estamos vivendo hoje. Quando a taxa de juros se eleva, ela atua sobre todos os setores do sistema econômico. Isso leva a mudanças de decisões.
Quais seriam as alternativas para evitar a alta de juros?
A ampliação das exportações em alguns setores, a redução de impostos, uma política de Incentivos a elevação da produtividade. Temos que ser mais criativos. É claro que, para o Banco central, eleva-se o juro e garante a meta. Mas quais as consequências? Se você elevar a taxa de juros, eleva o gasto público com juros da dívida.
Qual o impacto do câmbio hoje na economia brasileira?
Não é algo homogêneo. Alguns setores, apesar da valorização cambial, estão relativamente bem. Outros estão em dificuldade enorme, sobretudo o industrial. O problema de ter uma taxa só de câmbio é que qualquer mudança sobre ela é boa para uns e ruim para outros. O melhor seria apostar em medidas pontuais para os setores específicos em dificuldades.