terça-feira, 6 de outubro de 2009

Editoria do Correio da Cidadania....



Revolução é transgressão da (des)ordem estabelecida. É sempre aqui e agora. É palavra e ato. Se o discurso for transgressor, mas não houver ação transgressora, não se trata de revolução.
A (des)ordem a ser transgredida é a vigente. Mas nem sempre a conjuntura permite aos revolucionários transgredi-la de maneira global. Antes disso, muitas transgressões são necessárias – as transgressões das determinações concretas emitidas pelas regras da (des)ordem estabelecida, vigentes em um momento dado.


 


Na conjuntura atual, essa determinação reza assim: "Todos, nas eleições, são obrigados a aceitar a agenda, as regras e, sobretudo, o ritual da cultura política hegemônica no país". Conseqüentemente, numa conjuntura distante do momento de ruptura com o sistema, o ato verdadeiramente consiste em comportar-se de modo diametralmente oposto ao que prescreve esse ritual.
Qual é a prescrição da (des)ordem estabelecida para os candidatos da esquerda? Prescreve-se que estes devem fazer uma campanha eleitoral "certinha", "comportada", ou seja, um tipo de campanha na qual eles não têm a menor possibilidade de vencer, pois o "establishment" só tolera os partidos de esquerda enquanto funcionam como legitimadores do sistema.
Seguir o "script" não se confunde com o emprego de uma linguagem violenta nos comícios e na TV. Isto não faz dano algum ao sistema. Ao contrário, ele usa essa violência para assustar o eleitorado com o espantalho de uma esquerda discricionária e violenta.

Campanha "certinha" é a que se baseia em materiais de propaganda; roteiros de viagens, comícios e carreatas, que só produzem efeito positivo quando adquirem uma escala muito grande – campanhas de dezenas e até centenas de milhões de reais. Como a esquerda não tem a menor condição de levantar quantias tão grandes, ela imita a grande campanha fazendo uma "campanhazinha faz-de-conta", e, como não tem dinheiro nem para isso, recorre muitas vezes à própria direita para financiar seus gastos. Esta tem todo o interesse em fornecer-lhe o suficiente para campanhas-mirins, porque campanhas eleitorais criam excelentes oportunidades de lavagem de dinheiro.

Além disso, o fato de que partidos de esquerda também recebam contribuições de empresários fornece um belo álibi à direita: "Fazemos o que todos fazem". Claro que o dinheirinho fornecido aos candidatos da esquerda jamais lhes permite alcançar a escala em que cartazes, folhetos, churrascos, anúncios em jornais façam algum efeito.

Por outro lado, campanha eficaz é aquela cujas propostas desnudam, com lucidez e clareza, a lógica do sistema capitalista e a decorrente impossibilidade de cumprir as promessas que os políticos da direita fazem ao povo.
Comportando-se fora do "script" que a direita lhe impõe, o resultado é uma pequena quantidade de votos, porque a mídia convenceu o eleitorado de que toda campanha eleitoral "pra valer" é a que segue o ritual estabelecido.

Seguindo o seu próprio "script", que não separa o presente do futuro, o revolucionário atribui valor distinto à questão da quantidade de votos, pois, independentemente destes, a campanha valerá para todas as pessoas que têm uma consciência crítica e que se identificam com um discurso que desconstrua a manipulação do eleitorado pelo "establishment".

Para a massa dos eleitores, restará um selo, um sinal, uma lembrança. Com o tempo, a realidade se encarregará de mostrar-lhes que a mensagem não entendida é a que pode responder aos seus anseios. E como o verdadeiro ator dos processos revolucionários é a massa, a transgressão definitiva começará a configurar-se concretamente nessa hora do despertar de milhões de consciências hoje adormecidas.



  Será que a esquerda brasileira está preparada para essa ousadia revolucionária?

Quem é autoritário?

Os donos da mídia e seus aliados nas Américas já definiram que os atuais governos de nossos vizinhos Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela são regimes “autoritários populistas” onde se tenta implantar “legislações autoritárias e anti-democráticas” (que tramitam regularmente nos respectivos Congressos).


Na tipologia dos sistemas políticos – diz o clássico “Dicionário de Política” organizado por Bobbio, Matteucci e Pasquino – o adjetivo autoritário refere-se aos “regimes que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas” (EdUnB, 1986, p. 95).

E prossegue: “Os regimes autoritários se caracterizam pela ausência de Parlamento e de eleições populares ou quando tais instituições existem pelo seu caráter meramente cerimonial e ainda pelo indiscutível predomínio do Executivo. (...) A oposição política é suprimida ou obstruída. O pluralismo partidário é proibido ou reduzido a um simulacro” (p. 100).

Pergunto ao leitor(a) se caberiam na definição de sistema político autoritário os atuais regimes da Argentina, da Bolívia, do Equador e da Venezuela onde os Parlamentos funcionam, a Oposição política está ativa, existe pluralismo partidário e realizam-se eleições democráticas periódicas, inclusive, com fiscalização de organismos multilaterais.

Independente de sua reposta, leitor(a), os donos da mídia e seus aliados nas Américas já definiram que os atuais governos de nossos vizinhos Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela são regimes “autoritários populistas” onde se tenta implantar “legislações autoritárias e anti-democráticas” (mesmo que através de projetos de lei que tramitam regularmente nos respectivos Congressos Nacionais).

Autoritário, portanto, já há algum tempo, passou a ser o adjetivo utilizado uniformemente pela grande mídia, em toda a região, quando se refere aos governos democráticos de Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela.

Liberalismo antidemocrático
Na melhor tradição da história política latinoamericana, o “liberalismo” praticado pelos donos de jornal do Continente, está a redefinir o adjetivo autoritário para rotular qualquer regime ou governo ou decisão judicial que contrarie seus interesses econômicos e/ou ideológicos. E ainda mais, busque estabelecer regras de funcionamento que garantam a competição em nome da pluralidade e da diversidade democrática, como acontece para qualquer outra atividade nas economias de mercado.

Esta tem sido a posição histórica da SIP, Sociedade Interamericana de Imprensa (as iniciais são em espanhol), reiterada no “Fórum de Emergência sobre Liberdade de Expressão” realizado no dia 18 pp., em Caracas, precisamente a capital do país considerada (pela SIP) a “fonte de irradiação de perseguição à mídia na região”.

O representante brasileiro no Fórum da SIP foi o diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira que, segundo noticiou a Folha de São Paulo disse que “o país está em melhor situação que os seus vizinhos, mas expressou preocupação com decisões judiciais que exercem "censura prévia".

Omissão parcial
A repercussão das posições do Fórum da SIP na mídia brasileira foi, por óbvio, grande. Editorias e artigos de conhecidos colunistas reforçam as acusações de autoritarismo e, até mesmo, de totalitarismo. Mas, como se fosse ainda necessário exemplificar o tipo de pluralismo e diversidade que praticam nossos jornalões, nem todos deram a devida dimensão ou simplesmente omitiram o discurso relativamente destoante de um dos convidados da SIP, o ex-presidente boliviano, Carlos Mesa.

A curiosidade aqui é que Carlos Mesa, como José Sarney no Brasil, é ex-presidente, concessionário de radiodifusão e, antes de ser presidente da Bolívia, era historiador e membro da Academia Boliviana de História.

José Sarney, afirmou no último dia 15/09, em discurso pronunciado no Senado Federal:

“quem representa o povo? Diz a mídia: somos nós; e dizemos nós, representantes do povo: somos nós. É por essa contradição que existe hoje, um contra o outro, que, de certo modo, a mídia passou a ser uma inimiga das instituições representativas”.

Carlos Mesa, convidado dos donos de jornal, não concordou integralmente com a surrada posição da SIP e disse:

“Quando um meio, diante da falta de partidos políticos, tem de fazer o que os partidos não podem fazer, perde o equilíbrio e a objetividade. (...) O problema dos políticos e dos meios de comunicação que estão em confronto com esses governos autoritários é que seguem pensando com a mentalidade preexistente, partindo do pressuposto de que estão contra ditaduras quando se trata de ditaduras eleitas e, portanto, não são ditaduras. Têm tendências autoritárias? Sim. Mas não serão derrotados como ditaduras militares porque o fenômeno é diferente. É preciso reconquistar o eleitor. Senão, não haverá vitória. (...) A realidade é que os meios defendem interesses que vão além do interesse coletivo. Se não se reconhecer isso, estaremos enganando a nós mesmos”
(cf. Folha de São Paulo, 19/9/2009; “Perseguição à mídia pauta fórum em Caracas” e “ "Lógica não é a mesma de luta antiditaduras".

O velho ainda resiste
Não há dúvida que estamos atravessando um momento de transição dos modelos tradicionais de mídia (unidirecionais e oligopolistas) que deverão dar lugar às novas realidades geradas pela revolução digital e pela interatividade potencial da internet. Os tempos de alinhamento automático entre as velhas oligarquias políticas da América Latina e os donos da mídia – muitas vezes, os mesmos grupos familiares – estão chegando ao fim. E as contradições afloram onde menos se espera.

Alguns parecem constatar que o velho discurso da liberdade de imprensa ameaçada tornou-se insustentável diante de uma cidadania cada vez melhor informada. Outros resistem com as poderosas armas que ainda controlam e ameaçam até mesmo o próprio processo democrático para garantir a sobrevivência de seus velhos interesses.

Nunca será demais lembrar as palavras célebres do Juiz Byron White da Suprema Corte dos Estados Unidos, em sentença proferida há 40 anos:

“É o direito dos espectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano”.

Ao que parece a SIP e seus aliados, inclusive no Brasil, ainda não se deram conta de que os novos tempos serão do cidadão, sujeito exclusivo do direito à comunicação.

*é Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília - NEMP - UNB