Setor cultural ganha importância política inédita com Lula. Inércia em outros setores impede avanços maiores
Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) no Correio do Brasil
Há
oito anos, o Ministério da Cultura (MinC) era apenas um anexo, pouco
importante, do governo federal. Tinha atuação rarefeita, concentradora e
elitista. Atualmente, porém, na formação do governo de Dilma Rousseff
(PT), foi uma das pastas mais disputadas. Mais de 20 nomes foram
cogitados até a definição do nome de Ana de Hollanda. O que teria mudado
nos dois mandatos do presidente Lula? A julgar pelas avaliações das
gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, feitas por intelectuais
progressistas e pela classe artística, muita coisa. Ao contrário de sua
área co-irmã, a Comunicação, campo de avanços quase inexistentes no
mesmo período, a gestão da Cultura costuma ser bem avaliada. Diversos,
os programas do Ministério teriam buscado federalizar a política
cultural, descentralizando-a para além da região Sudeste. Também teriam
buscado incentivar a cultura “dos de baixo”, ou “desesconder” o Brasil
profundo. Estimular a cultura pelas suas pequenas manifestações, nos
grotões, nos assentamentos, nas tribos, nos quilombos.
Segundo o
MinC, os recursos cresceram de 0,2% do produto interno bruto (PIB), para
cerca de 1,3% – R$ 2,3 bilhões (a recomendação mundial da Unesco é que o
financiamento supere 1%). Entretanto, os possíveis méritos das
políticas do Ministério – questionados por alguns setores da esquerda –
estariam mais nos programas adotados. A ideia da cultura como uma
indústria, que obedeceria aos mesmos pressupostos de qualquer atividade
econômica, teria sido negada pelas gestões Gil/Juca. “De nada adianta os
velhos paquidermes da ‘indústria cultural’ quererem reciclar-se por
meio da última balela do velho industrialismo capitalista, as
‘Industrias Criativas’. Esse pessoal gosta da forma ‘indústria’, ou
seja, da forma da exploração do trabalho alheio. A cultura não é
indústria, mas valor, ou seja, significação”, defende Giuseppe Cocco,
professor da UFRJ. Os programas do MinC teriam buscado fortalecer
pequenas iniciativas, nem sempre geradoras de lucro ou visibilidade, de
modo a incentivar, por baixo, a vasta diversidade cultural do país. “Nós
trabalhamos a cultura como fato simbólico, fortalecendo as condições
para o desenvolvimento das linguagens e das manifestações culturais,
como um direito do cidadão, ampliando a acessibilidade, e fortalecendo a
economia da cultura”, disse o ministro Juca em seminário recente.
Pontos de Cultura
Dentre
os programas que ganharam mais visibilidade está o Cultura Viva.
Através dele, mais de cinco mil Pontos de Cultura foram criados pelo
Brasil. São manifestações culturais variadas que ganham apoio do
governo, em recurso e logística, para prosperar. Em 2003, no primeiro
ano do governo Lula, era o sétimo programa em recursos. No final do
primeiro mandato já havia alcançado a primeira posição. Os Pontos de
Cultura articularam-se nacionalmente, criando espaços políticos de
mobilização e elaboração própria de política. Esses pequenos gestores,
uma vez empoderados, utilizaram sua articulação para incentivar a
aprovação de projetos no Congresso Nacional. Os Pontos de Cultura seriam
o rosto mais visível da política cultural lulista, reproduzido em
governos estaduais e em outros países, como Argentina e Angola.
Durante
os dois mandatos de Lula, o Ministério da Cultura organizou uma série
de seminários (redes, fóruns, teias e grupos temáticos), com
participação expressiva da sociedade civil, para discutir os mais
variados temas. Direito autoral, diversidade cultural, software livre,
cultura digital, mídia alternativa. Frequentemente encontrou oposição
dentro do próprio governo Lula. As críticas à política do Ministério das
Comunicações ganhavam corpo internamente, por apresentarem freios aos
avanços necessários à cultura. A lei de Direito Autoral, por exemplo,
completa cinco anos de debates intensos. A inquestionável necessidade de
reforma enfrenta níveis distintos de opinião. Há os que reivindicam
pequenas reformulações na legislação, e os que defendem uma reforma mais
radical, sustentando ideias como a propagação da pirataria e a
universalização do software livre.
Políticas de fomento
O
governo Lula também elaborou o Plano Nacional de Cultura (PNC), espécie
de guia para orientar políticas e investimentos em cultura pelos
próximos 10 anos. O PNC também cria o Sistema Nacional de Informações e
Indicadores Culturais, e articula as três esferas de poder. Tem conexões
com o Procultura, o novo modelo de financiamento de Cultura, e o Fundo
Social do pré-sal, de onde viriam recursos para o setor. Está em fase
adiantada de análise pelo Congresso. Outra lei que foi resultado de
debates intensos é o Vale Cultura, e que também tende a ser aprovada
pelos parlamentares. Através dela, as empresas poderão conceder ao
trabalhador R$ 50, em um cartão magnético, para consumo de Cultura. Do
total, R$ 5 seria descontados do trabalhador, e o restante de isenção
fiscal. Estima-se que cerca de 12 milhões de trabalhadores sejam
incluídos, e ganhem acesso a bens culturais antes impensados.
Outra
ação governamental, esta para enfrentar o baixo nível de leitura no
Brasil, foi zerar o número de municípios sem biblioteca no Brasil. A
partir de 2010, só podem receber recursos do MinC as cidades que
mantiverem essas bibliotecas em funcionamento. A produção audiovisual,
antes concentrada no eixo Rio-São Paulo, também ganhou estímulo à
descentralização. A quantidade de documentários produzidos no país deu
um salto gigantesco, porém ainda se encontra muita dificuldade na
distribuição e veiculação desse farto material – em grande parte pela
permanência da concentração dos meios de comunicação, e a oligopolização
dos espaços de cinema. O governo criou uma rede de Núcleos de Produção
Audiovisual (NPDs), equipados com câmeras e ilhas de edição. Nos NPDs,
existentes em diversos estados, há formação básica de roteirização,
produção e edição. Em muitos deles, criou-se uma política de incentivo à
formação de jovens de baixa renda.
Não por acaso, durante a
campanha presidencial, o primeiro grande momento de mobilização
entusiasmada à candidatura Dilma aconteceu por intermédio do meio
artístico. No Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro (RJ), em 18 de
outubro, intelectuais e artistas fizeram uma festa de mobilização em
incentivo à então candidata de Lula. De Chico Buarque a Oscar Niemeyer,
diversas personalidades de vulto deram seu apoio a Dilma. Até a ocasião
do ato, a campanha presidencial era morna, girando em torno de temas
menos relevantes, sob perspectivas conservadoras. Talvez nenhum outro
setor tenha manifestado sua aprovação de forma tão clara na campanha.
Quando, em 2003, Gilberto Gil assumiu o MinC, dizendo que a cultura
deixaria de ser a “cereja do bolo”, talvez houvesse algo de profético em
seu discurso.