domingo, 8 de maio de 2011

A guerra fria, que não parou nas revistas e virou TV


Brizola Neto no TIJOLACO

A repórter Marcelle Ribeiro publica uma pérola de matéria hoje, em O Globo, que faço questão de reproduzir, na íntegra, com meus sinceros aplausos.  É o retrato da batalha pelos nossos “Corações e Mentes”, como dizia o clássico documentário sobre a Guerra do Vietnã. A revista americana Life -  do famoso gruto Time-Life- fazia matérias alardeando a pobreza brasileira, pelo nada nobre motivo de desqualificar o país e se contrapor à ascensão da esquerda nacionalista brasileira. E a resposta, na bucha, dos Diários Associados, que editavam a publicação de maior circulação no país, O Cruzeiro.
A matéria só tem uma omissão, importantíssima mas compreensível, pelo fato de a repórter trabalhar onde trabalha. É não dizer que o grupo Time-Life, de tão preocupado que era com o controle ideológico do Brasil ter se associado a Roberto Marinho para erguer a Rede Globo de Televisão, que cumpriu – e cumpre – muito melhor este papel do que qualquer outro veículo de comunicação jamais fez.

Em plena Guerra Fria, disputa entre revistas ‘Life’ e ‘O Cruzeiro’ evidenciava preocupação dos EUA com avanço da esquerda no Brasil

SÃO PAULO – Uma grande revista americana expõe, em fotos que ficaram famosas mundo afora, a miséria numa favela carioca. Para dar uma resposta ao “imperialismo americano”, uma das maiores revistas brasileiras revida, com uma reportagem mostrando a pobreza de uma família num cortiço de Nova York. Foi o ponto de partida, em plena Guerra Fria, para um debate ideológico, social – com direito a arrecadação de fundos nos EUA – e de ética no jornalismo.
O ano era 1961, e os EUA nutriam preocupação crescente com o avanço da esquerda na América Latina. A Casa Branca temia que o governo de João Goulart transformasse o Brasil em uma nova Cuba. E os brasileiros, incomodados com a ingerência americana na política nacional, desejavam mostrar que a pobreza não era exclusividade daqui, aconselhando os vizinhos do norte a olharem para o próprio quintal.
Essa história, que teve como protagonistas as revistas “Life” e “O Cruzeiro”, é relembrada por uma nova pesquisa de Fernando de Tacca, professor do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação da Unicamp, que ganhou com ela o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia/Funarte, no ano passado.
Tacca analisou a reportagem da “Life” que traz uma imagem do carioca Flávio da Silva, 12 anos na época, alçado à fama ao ser fotografado doente e deitado numa cama na Favela da Catacumba, na Lagoa. Ele estudou, também, o revide de “O Cruzeiro”, a melhor revista brasileira da época, que publicou pouco depois a manchete “Repórter Henri Ballot descobre em Nova York um novo recorde norte-americano: MISÉRIA”.

Flávio, símbolo da pobreza

Com o título “Uma família castigada numa favela do Rio. O temível inimigo da liberdade: pobreza”, a “Life” de 16 de junho de 1961 apresentou ao mundo a história da família de José Manuel da Silva e Nair Germana da Silva. Com oito filhos, o casal morava na comunidade da Catacumba, que, após a remoção dos seus cerca de 10 mil habitantes nos anos 70, deu lugar ao Parque da Catacumba.
Acompanhado do jornalista brasileiro José Gallo, o fotógrafo americano Gordon Parks passou dias observando a vida da família de retirantes nordestinos. Focou o seu olhar no menino Flávio, de 12 anos, que, mesmo asmático, cuidava dos irmãos menores e das tarefas domésticas.
Na reportagem, os Silva são apresentados como um exemplo de pobreza que pode ser encontrada também em Venezuela, Chile, Bolívia e Equador e que implica “perigo acentuado”. “Na maior parte aglomerados em bolsões (…), largamente distribuídos nos morros das cidades, onde a abundante pobreza se torna campo fértil para a exploração política comunista e castrista”, disse a revista.
A reportagem sobre o Brasil foi a segunda de uma série de “Life” sobre a América Latina. A primeira tratava da ascensão de Fidel Castro em Cuba, com analogia às Ligas Camponesas brasileiras, lideradas pelo então líder comunista Francisco Julião – que, do fim dos anos 50 ao golpe militar de 1964, tentou implantar a reforma agrária no país, para temor dos americanos. A terceira reportagem abordou a Bolívia.
- O objetivo ideológico da “Life” era alertar para o avanço dos movimentos populares na América Latina e sua influência no sucesso da Revolução Cubana – explica Tacca.
O pesquisador ressalta, também, a relação da reportagem com o acordo conhecido como Aliança para o Progresso, tema de uma reunião dois meses antes. Idealizada pelos EUA, e tendo como pano de fundo a Guerra Fria, a Aliança previa investimentos na América Latina para promover o desenvolvimento regional, tentando conter o avanço do comunismo e a influência de Fidel Castro no continente.
Tacca explica que, para a “Life” e o governo americano, a pobreza era o berço preferido da temida proliferação da ideologia esquerdista. A reportagem sobre a Catacumba foi publicada numa época em que a política externa brasileira preocupava os EUA, com os presidentes Jânio Quadros e João Goulart – este último, derrubado pelos militares – simpáticos a uma aproximação com países comunistas.
A reportagem de “Life”, publicada também na edição em espanhol, comoveu os americanos, sensibilizados com a imagem do menino Flávio. Sua fotografia foi publicada ao lado de outra, em que o corpo de uma suposta vizinha do garoto jaz num caixão.
A revista organizou uma arrecadação de dinheiro nos EUA para ajudar a criança, levada àquele país para fazer tratamento. A família do garoto ganhou uma casa própria e mobiliada, fato noticiado por grandes jornais brasileiros da época. A “Life” fez nova reportagem sobre a recuperação de Flávio, que apareceu sorridente na capa da edição de 21 de julho de 1961, e a nova vida de sua família.
A "vingança" de O Cruzeiro": fotos da miséria em Porto Rio.
Mas a denúncia da miséria no Rio mexeu com “O Cruzeiro”. A revista enviou o fotógrafo Henri Ballot para Nova York, com a missão de mostrar que também havia miséria nos Estados Unidos. Na cidade, a publicação mostrou, em fotos com ângulos semelhantes aos usados pela reportagem da “Life”, a vida de uma família portorriquenha num cortiço sujo e infestado por insetos e ratos. “A miséria não é exclusividade nossa”, dizia o texto de 7 de outubro de 1961.
Como a rival americana, “O Cruzeiro” destacou a vida de um dos filhos da família, Ely-Samuel Gonzalez, de 8 anos. “O seu corpo magro de subnutrido é coberto de feridas, roído por baratas que invadem sua cama cada noite”, escreveu, destacando uma fotografia em que o garoto aparecia deitado coberto de baratas, em alusão à imagem de Flávio da Silva na “Life”.
A reação de “O Cruzeiro” gerou um debate sobre a ética do fotojornalismo. A revista “Time” publicou, poucos dias após a edição brasileira, reportagem questionando a postura do fotógrafo brasileiro Henri Ballot. Ele foi acusado de ter montado a foto em que Ely-Samuel aparece dormindo com baratas no cortiço em Nova York.
A “Time” relatou o polêmico embate entre “Life” e “O Cruzeiro” em reportagem com o título “A imprensa: vingança carioca”.
“O fato é que a fotografia mais comovente de Ballot – a de Ely-Samuel, frágil filho de 8 anos de Gonzalez, dormindo num colchão imundo e com aparentes baratas em seu corpo – fora posada. O fotógrafo capturou e distribuiu baratas com esse objetivo”, denunciou a “Time”, que enviou repórteres para conversar com a família portorriquenha retratada por Ballot.
A revista “O Cruzeiro” não contra-atacou a reportagem da “Time”. “O que, de certa forma, é uma aceitação da versão americana”, escreve Tacca na pesquisa.
Após fazer as polêmicas imagens sobre a miséria americana e ter sua ética questionada pela “Time”, Ballot foi proibido de voltar aos EUA, num momento de acirramento da Guerra Fria.”
As balas e as baratas, a rigor, se existiram, têm pouca importância. Havia muito mais que ética jornalistica em disputa ali, como os anos seguintes iam mostrar com o apoio à criação de um monopólio de mídia no Brasil.

MÃES DE MAIO E O ESTADO GENOCIDA

Fausto Brignol em seu blog



“Meu filho se chama Edison e tinha 29 anos. Foi morto na rua, tinha ido em casa para buscar remédios e por gasolina em sua moto. Vivemos na Baixada Santista, um bairro de trabalhadores em São Paulo. Os policiais o seguiram e o mataram a 500 metros do posto de gasolina. Embora haja contradições nas declarações, o Ministério Público não fez nada e arquivou o caso”, disse Débora Maria da Silva, uma mulher de 50 anos, mãe de outras duas filhas.


     Não só os filhos perdidos por assassinato, mas também os filhos perdidos para a televisão, os filhos perdidos para a submissão, os filhos perdidos que desistiram de raciocinar e acreditam que a vida é apenas a busca do prazer, os filhos perdidos para as drogas, que preferiram um estranho mundo interno e desistiram.

     Dar presentes para as mães. Sair correndo e comprar aquela lembrancinha porque todos saem correndo para comprar aquela lembrancinha e o império da mídia manda todos correrem para comprar porque depois terão o almoço especial de domingo feito pela mãe homenageada, que fingirá estar feliz.

     Não só os filhos perdidos por assassinato, mas principalmente os filhos perdidos por assassinato. Os filhos perdidos por assassinato praticado pelo Estado genocida. O Estado genocida que esconde a pobreza e, se possível, a mata para escondê-la melhor ainda.

     Mães de maio. Mães que somente são lembradas em maio. Cinicamente.

     Não as mães que vivem em um mundo artificial, proporcionado pelo dinheiro e a abundância. Estas brincam de mães de vez em quando e ensinam aos filhos uma fictícia maneira de viver.

     Mas as mães que vivem aflitas quando os seus filhos saem, porque não sabem se eles voltarão. As mães que já perderam as ilusões e que deixaram os sonhos de Cinderela há muito tempo. Ou as mães que não tem filhos, mas são mães de todos e se preocupam e lutam e não desistem e denunciam.

     O Movimento Mães de Maio nasceu na Baixada Santista e já está se espraiando por todo o Brasil. Foi logo após aquela onda de violência em São Paulo, em 2006, que deixou mais de trezentos mortos, a maior parte assassinada por policiais. Foi quando a Anistia Internacional denunciou que estavam operando no Brasil esquadrões da morte integrados por policiais cujas vítimas somaram-se aos quase nove mil assassinatos perpetrados pela polícia brasileira, em sua maioria categorizados como casos de “resistência seguida de morte”, sem investigação judicial, entre 1999 e 2004.

     Essa pesquisa foi feita pelo sociólogo uruguaio Raul Zibechi, que constatou que no Brasil o Estado era o responsável por um verdadeiro genocídio. O Estado tentou explicar, dizendo que eram resquícios da ditadura militar. Passaram-se os anos e hoje, 2011, fazem-se filmes que elogiam as matanças das polícias especiais e o povo está quase acreditando que esses assassinatos são necessários.

     Segundo Raul Zibechi, Rafael Dias, da ONG Defesa Global, acredita que no Brasil existe um Estado genocida porque “nunca houve uma ruptura entre o Estado da escravidão e o Estado moderno e temos agora um Estado elitista que funciona através da violência para separar os índios, os negros, os pobres, que são considerados como ameaças, como classes perigosas”.

     “Agora temos o modelo da militarização das favelas, porque se segue considerando o pobre como um perigo permanente e esta é a lógica da segurança pública”.

     “Os membros do Governo seguem tratando os favelados como lumpen, pessoas que estão fora da sociedade”, disse Rafael Dias.

     “O governo não compreende a situação dos mais pobres, porque como não estão organizados em sindicatos nem em partidos, não formam parte do projeto político e acreditam resolver o problema aplicando políticas compensatórias, como o Bolsa Família. Estamos repetindo os três eixos que haviam durante a escravidão, o tríplice P: pão, pau e pano.”

     A criminalização da pobreza é uma das torpes características do sistema capitalista. Um sistema que já é cruel por si mesmo, com a divisão de classes e que classifica as pessoas de acordo com a maior ou menor riqueza material.

     Aos pobres, o serviço pesado e o arrocho salarial. Aos ainda mais pobres a morte em vida ou a morte rápida sob qualquer acusação ou sob nenhuma acusação. À classe média, a ilusão de uma democracia de novela. Aos ricos tudo é permitido, inclusive o direito da extrema corrupção e da extrema perversão, porque nunca serão punidos.

A BAGDÁ SANTISTA

     Comunicado das Mães de Maio da Baixada Santista:

     “Ao longo dos anos de 2008 e 2009, a Baixada Santista foi a região do estado de São Paulo onde os homicídios mais cresceram, verdadeiras estatísticas de guerra!

     “Durante o mês de Abril de 2010 a Polícia Militar e grupos paramilitares de extermínio ligados a ela voltaram a atuar na Baixada Santista, no mesmo estado de São Paulo, executando sumariamente 27 pessoas num curto espaço de 10 dias. Informações apuradas pela própria Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo atestaram que estes policiais e grupos de extermínio seriam ligados à máfia chamada OS NINJAS, grupo de extermínio de policiais encapuzados auto-denominados “justiceiros” que têm atuado desde Maio de 2006 impunemente. Nas favelas e bairros periféricos da Baixada, àquela altura, corria abertamente o boato de que a lista completa daqueles Crimes de Abril seria de 51 pessoas. Uma lista que, felizmente, parou na metade graças aos gritos e às denúncias das Mães e Familiares que alertaram para o novo massacre em curso. As devidas investigações e punições, porém, mais uma vez não avançaram...

     “(...)Sem uma apuração ampla, geral e irrestrita do Crimes de Maio de 2006 e dos Crimes de Abril de 2010 (grande parte deles provocada pelos mesmos grupos de extermínio), as tragédias de Abril de 2011, 2012, 2013, 2014... serão cada vez maiores! Estamos voltando a avisar com amplo testemunho de todos os Senhores e as Senhoras, em cópia aberta.

     “O tempo urge: e estamos cansadas de bravatas e falações! Elas apenas custam mais vidas! Queremos atitudes concretas, urgentemente! E que fique escuro: não adianta pedir o envio de mais dezenas e dezenas de viaturas para descerem a Serra, para a Baixada Santista, pois sabemos que isso só piora o Terror vivido por nós! Os Grupos de Extermínio são ligados à Polícia, isto está mais que provado. Só falta a Justiça se mexer.

     “Quantas vidas mais será necessário nós perdermos para que se ampliem investigações corretas, façam-se inquéritos decentes e apliquem-se as devidas punições aos responsáveis? Quantos anos mais teremos que esperar para ver um inquérito sequer sendo corretamente apurado, trazendo à tona a Verdade e punindo Justamente os Responsáveis? Dos cerca de 500 assassinatos de 12 a 20 de Maio de 2006 não temos um policial sequer devidamente julgado e punido até hoje, em plena "democracia"!

     “Exigimos, por favor, encaminhamentos concretos dos Senhores e das Senhoras, conforme as respectivas atribuições profissionais, políticas e humanas que a cada um compete. Que estes encaminhamentos sejam compartilhados abertamente aqui para esta mesma lista, para que tod@s tenham ciência do procedimento de cada um diante destes Crimes contra a Humanidade.

     “Bem-vind@s à Bagdá Santista!

     “Inconformadamente,

     “Mães de Maio da Baixada Santista

     “PS: escrevemos esta mensagem enquanto helicópteros da Polícia, neste exato momento, sobrevoam nossas casas, aqui, na periferia da Baixada Santista. É assim que é!”

O ESTADO QUE MATA E ESCONDE A MÃO

     Não só na Baixada Santista. O Brasil inteiro é uma imensa cova rasa onde choram pais e mães pelos seus filhos assassinados pelo Estado. Recentemente, em um dos seus estranhos pronunciamentos, Dilma falou que os pobres devem “subir na vida”. É claro que devem, mas como? Dilma é uma pessoa estranha, imensamente desinformada ou imensamente cúmplice desse estado de coisas.

     Em minha cidade existe uma vila chamada Vila Miséria. Os órgãos públicos fingem que não existe. Fica ao lado do lixão da cidade e os seus moradores se alimentam daqueles restos dos bem alimentados. Não tem eletricidade, esgoto, centro de saúde, escola, e os moradores são como zumbis que apenas esperam a segunda morte.

     No Brasil inteiro existem vilas misérias, onde o povo que não consegue nem ser pobre tenta sobreviver do lixo. De vez em quando, alguns entre eles se indignam e saem para conseguir restos melhores, talvez para assaltar. Não voltam. Mães choram, mas quem quer saber de mães miseráveis? Essas não ganham flores no seu dia.

     Vivemos em um Estado genocida que discrimina entre quem paga e quem não paga impostos. Onde os pobres e os miseráveis são colocados de lado, como pessoas de segunda e de última classe. Para estes a pena de morte existe e pode ser aplicada a qualquer momento, sob qualquer pretexto.

     Fala-se muito em direitos humanos. Há uma grande discussão no Brasil sobre se deveremos ou não punir os militares assassinos e torturadores da ditadura militar. Todos querem saber se os guerrilheiros do Araguaia, nos anos 1970, terão a sua justiça póstuma. Mas ninguém se preocupa com os abandonados de agora, com os assassinados diariamente, com os que tentam sobreviver ao próprio Estado armado, que finge que não existe mais ditadura. Os pobres não contam; são cifras incômodas. Não importa quem chore por eles.

     Então, neste domingo, vamos festejar o Dia das Mães. Fingidamente. Vamos fingir que todas as mães estão satisfeitas neste Brasil que nos engana. Vamos elogiar as mães, mesmo aquelas a quem o Estado roubou o seu bem maior: os filhos. Quem sabe até, devamos agradecer por esta sociedade malévola à qual pertencemos, enquanto não somos nós os usurpados, os enganados, os assassinados.

     Ou vamos à luta. Vamos ousar lutar, ousar vencer.