Escrito por Mário Maestri no Correio da Cidadania | |
Desde que os trabalhadores ingressaram na arena política e social, pondo
a questão de sua representação, a degeneração de suas lideranças e
organizações tornou-se acontecimento recorrente, que assumiu enormes
dimensões nos momentos em que as classes exploradas recuaram diante da
ofensiva dos exploradores. Karl Marx abordou esse fenômeno nas páginas
luminares de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, ao dissecar as razões da degeneração que definiu de "cretinismo parlamentar".
A primeira grande defecção de lideranças socialistas deu-se no início da
II Guerra, quando as principais lideranças operárias européias
aprovaram os créditos militares, levando a que os trabalhadores fossem
arrastados ao holocausto imperialista, sem oposição efetiva. A submissão
ao militarismo burguês fora salto de qualidade em ruptura anterior,
ocorrida na esteira da expansão do capitalismo e das concessões da
representação sindical e parlamentar, conquistadas pelos trabalhadores.
Os principais paladinos dos oprimidos europeus acomodaram-se
gostosamente às benesses das posições ocupadas nos sindicatos,
parlamento, administração, universidades, aparelho dos partidos.
Passaram a lutar para aprofundar a integração ao Estado que ainda
juravam querer destruir. Já não se dispunham a arriscar a posição a que
haviam sido elevados na imprescindível e implacável luta contra o
capital.
A Essência e a Consciência
No exercício do mandato objetivo e subjetivo outorgado pelo mundo do
trabalho, direções operárias passaram a expressar as necessidades de
segmentos médios e da aristocracia operária que se aninhavam igualmente à
sombra do prestígio e força que os oprimidos adquiriam em duras e
longas batalhas. Não mais representavam os setores que, segundo Marx e
Engels, "nada tinham a perder, e tudo a ganhar" com a revolução.
Queriam, podiam e progrediam no capitalismo, que passaram a defender,
sob os olhares complacentes dos exploradores, que lhes apoiaram na
estrada da traição que embocavam.
A teoria leninista do partido construiu-se na luta contra a expropriação
do mandato delegado pelos trabalhadores por parte de lideranças
seduzidas pelo colaboracionismo. Para garantir direção aos oprimidos à
altura das suas necessidades, os bolcheviques propuseram que os partidos
operários se construíssem, política e organicamente, a partir de
trabalhadores de vanguarda nucleados.
Para impedir a infiltração, mesmo inconsciente, do partido da revolução
pelo cretinismo parlamentar e o colaboracionismo, afastavam dos órgãos
máximos da direção seus dirigentes, enquanto ocupassem postos
parlamentares, e não aceitavam militantes que vivessem da exploração do
trabalho – industrialistas, latifundiários, comerciantes, banqueiros
etc. Aplicavam o princípio de que, no geral, a existência material
determina a consciência política e ideológica.
Em 1923, León Trotsky denunciou no opúsculo Curso Novo a
burocratização do Partido Bolchevique, que levaria, décadas mais tarde,
ao fim da URSS. Nessa obra premonitória, assinalava que aquele partido
perdia sua consistência, por se encontrarem os trabalhadores ligados à
produção em minoria, dominando entre os militantes os membros do aparato
administrativo, militar, diplomático, comumente ex-trabalhadores
desligados da produção.
No Brasil e no Rio Grande do Sul
Nos anos 1980, a polêmica no PT entre "partido de massa" e "partido de
quadros" foi vencida pelos que se opunham à nucleação dos militantes,
defendendo organização fluída, controlada e dirigida por parlamentares,
administradores, profissionais etc. Os resultados são conhecidos: hoje,
antigos sindicalistas classistas e militantes revolucionários dedicam-se
de corpo e alma às necessidades do capital, que os remunera regiamente
em bens materiais e imateriais. Nessa safra de trânsfugas engordados
pelos bons serviços ao Estado, encontram-se ex-trotskistas lambertistas,
mandelistas, morenistas; maoístas, guevaristas, autonomistas; todos
arrependidos dos pecados da juventude.
Quando da fundação do PSOL, repetiu-se ritualmente a disputa entre
"partido de quadros" e "de massas", vencendo fulminantemente a
desnecessidade da nucleação. Sem o impulso classista das lutas de fins
dos anos 1970 conhecido pelo PT, o PSOL construiu-se no geral em torno
das tendências de deputados ex-petistas e de frágeis segmentos
organizados e não organizados dedicados a verdadeiro trabalho de Sísifo,
para dar àquela organização impulsão classista, socialista e marxista.
No Rio Grande do Sul, o operariado industrial e urbano encontrou sempre
enorme dificuldade para organizar-se autonomamente, levando a que o
movimento social tivesse como eixo, sobretudo, a luta dos camponeses sem
terra, dos bancários e do professorado da rede pública estadual. Nos
últimos anos, regrediu fortemente a mobilização dos sem terra, em favor
de outras regiões, e a dos bancários, golpeados pela racionalização do
setor. Sob a depressão do mundo do trabalho na sociedade sulina, o PSOL
regional nasceu e cresceu especialmente nas classes médias, sob a
hegemonia da ex-deputada Luciana Genro e de sua tendência, o MES
(Movimento Esquerda Socialista), de fortes traços colaboracionistas.
Ficando e saindo do PT
Luciana Genro elegeu-se como deputada estadual, pelo PT, em 1995, com 24
anos, alavancada pelo prestígio eleitoral de seu pai, Tarso Genro,
então prefeito da capital. Integrava então pequena tendência estudantil
que rompera com a Convergência Socialista (depois PSTU), que se negara a
abandonar o PT. Nos anos seguintes, construiu-se como liderança da
juventude, estudantes e professores da rede pública radicalizados.
Com a formação do PSOL, consolidou a hegemonia de seu grupo no Sul e
estendeu a influência a outros estados, já com prática eleitoreira, uma
das razões que levou ao afastamento das principais direções combativas
do professorado que confluíram no MES. A crescente social-democratização
do MES levou-o a priorizar o denuncismo da corrupção, fenômeno
agora endêmico no Rio Grande, marginalizando a organização e propaganda
classista e socialista. Viveu ativamente a proposta dos Fóruns Mundiais,
de transformar a sociedade no interior do capitalismo. Apoiou
acriticamente o nacional-populismo da Venezuela, Bolívia e Equador.
O MES defende agora que as revoluções do norte da África não ultrapassem
as reivindicações democrático-burguesas. "Sendo revoluções
democráticas, aqueles que levantam a bandeira do socialismo estão
absolutamente descontextualizados. Hoje não há a possibilidade de criar
uma alternativa de massas sob esta bandeira" (psol50.org.br).
Os importantes escores eleitorais de Luciana Genro, para deputada
federal, em 2002 e 2006, e à prefeitura de Porto Alegre, em 2008,
facilitaram a arregimentação de vocações parlamentares e
administrativas, algumas realizadas, outras à espera de realização.
De braços dados com o Capital
Em outubro de 2008, candidata à prefeitura da capital, Luciana Genro foi
de chapéu na mão receber cem mil reais da GERDAU, o principal grupo
transnacional rio-grandense, ferindo os próprios estatutos do PSOL.
Roberto Robaina, presidente do PSOL sulino, dirigente máximo do MES,
companheiro desde sempre de Luciana, afirmou nada haver de mais na
iniciativa e estar pronto para outras contribuições semelhantes. A
militância socialista e de esquerda do PSOL pataleou, bufou e o coreto seguiu adiante.
Nas passadas eleições, o MES contava com votação estrondosa a reeleger
Luciana Genro ao Congresso, Roberto Robaina à assembléia e, talvez, mais
um ou dois deputados. Durante o período anterior e na campanha,
Luciana, Robaina, Pedro Ruas e o MES centraram obsessivamente a agitação
política na denúncia da corrupção do governo Yeda Crusius, que dera
muito pano pra manga, nesse relativo.
Ao igual que nos anos anteriores, a campanha de Luciana comportou
infindáveis referências, fotos, afagos e declarações positivas a Tarso
Genro, ex-ministro da Educação e, a seguir, da Justiça, candidato a
governador. A deputada pousou sentada no colo do papai, para
constrangimento da militância psolista. Propondo tratar-se de relação
entre pai e filha, apareceu na propaganda televisiva de Tarso Genro ao
governo!
A ver navios!
Nas últimas eleições, o resultado eleitoral do MES no Sul foi pífio. O
escore eleitoral de Luciana Genro despencou, perdendo 56 mil votos em
relação à eleição anterior, não se elegendo para a Câmara. Robaina, que
se dava por eleito, sequer morreu na praia. Foram muitas as razões
apontadas do desastre. A fragilidade do programa do PSOL sulino,
centrado na denúncia da ex-governadora, esvaziou-se com a sua rejeição
eleitoral, que a relegou a uma humilhante terceira colocação.
A orientação política de Luciana, nos últimos anos e na campanha,
afastou-a do eleitorado mais combativo. Ela também perdeu contato com o
eleitorado mais jovem e menos politizado que, ajudado pelo refluxo
social, votou na candidata progressista que parecia expressar a
juventude, segundo os padrões mais alienados: ou seja, a candidata mais
simpática, mais jovem, mais bonita. Já quarentona e com filho da idade
de seu ex-eleitorado, Luciana viu-se substituída por Manuela D’Ávila, do
PC do B, de 30 anos, rosto bonito e cabeça vazia, cuja campanha estava
centrada na palavra de ordem: "E aí, beleza?". Manuela obteve o mais
alto escore eleitoral na eleição – quase 500 mil votos!
Para o militante social, o parlamento é posição transitória e eventual.
Luciana ressentiu-se fortemente da perda de mandado mantido havia
dezesseis anos. A situação de cidadã comum comprometia toda uma futura
trajetória, em direção à prefeitura da capital e, quem sabe, ao governo
do estado. A derrota agravava-se com a lei anti-nepotismo que proíbe
candidatura de parentes até segundo grau de governantes. Por quatro – e,
caso Tarso Genro se reeleja, oito – anos, encontrava-se proibida de
concorrer a cargo legislativo, em partido sem administração de
prefeituras e governos.
Filha não é parente!
Apenas derrotada, Luciana saiu em campanha, buscando apoios, até mesmo
entre políticos direitistas, para reivindicar o direito de
candidatar-se, em 2010, a vereadora da capital para, certamente em 2012
tentar retorno à câmara. Tratava-se de convencer a Justiça Eleitoral de
sua excepcionalidade, pois não é do partido de seu pai e diz não
depender politicamente dele. Qualquer coisa como "filha" não é
"parente", na esteira da campanha brizolista dos anos 1960, de que
"cunhado" não era parente – como realmente não é!
Mas retomar a campanha, após dois anos longe dos holofotes e recursos
permitidos pelo parlamento, concorrendo contra dois vereadores de sua
tendência, requer indubitavelmente recursos ingentes, impossíveis de
obter em tendência de muitos capa-preta e pouquíssimos soldados e peões.
Sob o signo da Gerdau, Luciana saiu em busca do dinheiro onde está,
esquecendo que toda a mulher de César não deve apenas ser honesta, como
deve parecer honesta! E vice-versa.
Sob o guarda-chuva de cursinho pré-vestibular para cem alunos carentes,
"Projeto Emancipa", arrancou financiamento quase milionário de grandes
empresas privadas. Piorando tudo, sediou inicialmente sua empresa em
duas salas do mais tradicional colégio público estatal sulino, o Júlio
de Castilhos, agora sob a autoridade paterna. Um prato feito para a
revista Veja, que lhe dedicou página inteira, na edição de 9 de
março, espinafrando a ela, ao seu pai, ao PSOL e à esquerda
revolucionária e classista, que nada tem a ver com essa operação
estranha.
O Capital e a Revolucionária
O curso é gratuito para os alunos, mas quem paga a coordenação de
Luciana, os professores, o aluguel etc. são cinco grandes empresas
capitalistas, entre elas a PANVEL (rede de farmácias), o ZAFFARI (rede
de supermercados), a Icatu Seguros. Em resposta à revista Veja,
Luciana jura que os, segundo parece, quinhentos mil reais recebidos, a
fundo perdido, não se devem ao "prestígio" do governador, seu pai, mas
ao seu "próprio prestígio"!
Luciana não esclarece por que representante de partido que se define
anticapitalista e pró-socialista possui suficiente prestígio junto ao
grande capital para arrancar-lhe, segundo parece, quinhentos mil reais,
ou seja, cinco mil reais por cada aluno! Mensalidade superior à de muito
curso de pós-graduação estrito senso! Dinheiro que apoiará, no
melhor dos casos, indiretamente, a campanha de Luciana, em 2012. No Sul,
a Justiça Eleitoral proibiu os tradicionais albergues gratuitos que
deputados sulinos mantinham para professores e alunos do interior, por
constituir aliciamento disfarçado de voto.
A operação pode não ser ilegal – sobretudo se Luciana não concorrer a
cargo em 2012. Tratar-se-ia apenas de mais uma das doações, apoios e
facilitação de negócios, de grandes empresas para familiares de
políticos poderosos que querem agradar. Como a que celebrizou o Lulinha
Júnior. Isso porque não há dúvida de que, se Yeda ou Fogaça tivesse
vencido, Luciana não obteria as graças da Secretaria da Educação para o
aluguel das salas e o financiamento das grandes empresas, com destaque
para a Icatu Seguros, que opera através do Banrisul, banco público
estadual.
Privatizando a Educação
Mesmo legal, a operação é certamente imoral, do ponto de vista dos
princípios defendidos pelo mundo do trabalho, pelo PSOL e, até há algum
tempo, pela ex-deputada e pelo MES. Financiando políticos, o capital
compra-lhes a simpatia, a condescendência, e os favores, já que "é dando que se recebe". Por que esse processo não funcionaria também no caso de Luciana Genro?
A ex-deputada rompe, igualmente, com o princípio da luta pela escola
livre, gratuita e pública, impulsionando a suplência das carências
públicas com a benevolência do capital, sempre interesseira. Fere
gravemente a proposta do não envolvimento do Estado, através de seus
funcionários e bens, em iniciativas privadas. Ou seja, contribui para a
privatização do Estado.
Sobretudo, Luciana Genro dá enorme tiro no seu próprio pé. Nenhum juiz
eleitoral vai acreditar que não é favorecida, mesmo materialmente, pela
posição de seu pai como governador, com ou sem o conhecimento do mesmo.
Tarso Genro se afastou há muito das posições classistas e socialistas,
mas jamais rompeu com o respeito republicano estrito aos bens públicos.
Salvo engano, até agora ele não se pronunciou sobre a operação
empresarial de sua filha, à sombra do Estado.
Mário Maestri é historiador.
E-mail:
maestri@via-rs.net
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 4 de abril de 2011
Por que o Capital financia Luciana Genro e o MES?
Jaime Sautchuk: Luta Armada na TV
Não sei no que vai dar lá no final, mas o simples fato de o
tema servir de ambientação para uma novela na televisão já é importante
para a história viva do Brasil. Esta semana, o SBT lançou a novela Amor e Revolução, numa ousada e louvável empreitada de resgate da memória nacional.
Por Jaime Sautchuk, especial para o Vermelho
A importância desse feito é
perceptível nos bastidores da própria novela. Muitos dos atores não
tinham nem nascido quando se passaram os fatos ali referenciados.
Tiveram de ir aos livros para estudar e neles captar informações que
serviram para a construção de seus personagens.
Um desses jovens atores, numa cena da novela, fornece alguma dica do tratamento que o enredo vai dar ao tema. “Vou tirar a limpo essa história do Comando de Caça aos Comunistas; minha mãe foi assassinada e eu preciso tirar isso limpo”, afirma ele.
Esta é uma das cenas que fazem parte do trailer de 10min46s exibido na página do SBT na internet desde a semana anterior ao lançamento da novela, na terça-feira, dia 5 de abril. Pela amostra, a novela pode vir a ser um marco na história da televisão brasileira, tal a naturalidade com que trata de um tema que é tabu nesse ramo de produção televisiva.
Há fortes cenas de tortura, de todas as modalidades, do pau-de-arara ao afogamento, passando pelo abuso sexual. E invasões de aparelhos (locais secretos de reuniões) de organizações da esquerda, com assassinatos a sangue frio, espancamentos e maus-tratos de toda ordem.
O autor
Boa parte do pessoal de criação e do elenco de atores é de gente que já passou pela Rede Globo. O autor da novela, que cuida do roteiro, diálogos, do conteúdo, enfim, é Tiago Santiago. Não é, pois, pouca brincadeira.
Sociólogo, até com pós-graduação, é um sujeito que utilizou a formação acadêmica para seu veio de homem das letras. Sempre se dedicou às artes, como grande conhecedor da realidade da gente comum.
Sua tese de mestrado, por exemplo, é sobre a colonização portuguesa na África. Ele é, também, romancista, teatrólogo, o escambau. Mas começou como ator, atuando com gente do coturno de Paulo José e Dina Sfat.
Já na condição de criador de textos para teatro, trabalhou com a mestra Maria Clara Machado e fez um monte de novelas e programas na Globo, quase sempre voltados para o público juvenil. O programa Malhação e novelas como Vamp são alguns exemplos.
Com isso, quero dizer que, se depender do autor, podemos esperar uma novela voltada para um público mais jovem, mas que vai fazer muito adulto que diz não gostar do ramo ligar a TV.
A direção ficou sob a responsabilidade do veterano Reynaldo Boury, figura que já consta da própria história da TV brasileira. Conhece muito. De quebra, já fazia televisão quando os episódios que agora vai dirigir ocorreram, o que pode ajudar.
Entrando fundo na história
Pelo trailer do SBT, a ambientação é cinematográfica, para lembrar os primórdios da TV. Cenas bem trabalhadas de explosões com pessoas lançadas ao ar, perseguições por ruas e rodovias em fusquinhas, Simcas e DKWs, os carros de então, se misturam com ambientes fechados e falas sussurradas, como convinha na época.
Os cenários são muito bem cuidados, nos trajes, mobiliário e até iluminação. Combinam com diálogos também situados naquele tempo, com palavreado e expressões apropriados.
Não se sabe, por enquanto, o que fez Sílvio Santos, o todo-poderoso do SBT, investir nesse tema. O fato é que tem muito a ver com o crescimento da campanha nacional em favor do esclarecimento do que se passou durante o regime militar, iniciado, por coincidência ou não, em abril de 1964.
Saber do paradeiro dos corpos dos desaparecidos é o mínimo que se pode esperar. Já se pode sentir, por isso tudo, que a novela vai entrar fundo num período importante da história recente do Brasil.
* Jaime Sautchuk, jornalista e escritor, é colunista do Vermelho
Um desses jovens atores, numa cena da novela, fornece alguma dica do tratamento que o enredo vai dar ao tema. “Vou tirar a limpo essa história do Comando de Caça aos Comunistas; minha mãe foi assassinada e eu preciso tirar isso limpo”, afirma ele.
Esta é uma das cenas que fazem parte do trailer de 10min46s exibido na página do SBT na internet desde a semana anterior ao lançamento da novela, na terça-feira, dia 5 de abril. Pela amostra, a novela pode vir a ser um marco na história da televisão brasileira, tal a naturalidade com que trata de um tema que é tabu nesse ramo de produção televisiva.
Há fortes cenas de tortura, de todas as modalidades, do pau-de-arara ao afogamento, passando pelo abuso sexual. E invasões de aparelhos (locais secretos de reuniões) de organizações da esquerda, com assassinatos a sangue frio, espancamentos e maus-tratos de toda ordem.
O autor
Boa parte do pessoal de criação e do elenco de atores é de gente que já passou pela Rede Globo. O autor da novela, que cuida do roteiro, diálogos, do conteúdo, enfim, é Tiago Santiago. Não é, pois, pouca brincadeira.
Sociólogo, até com pós-graduação, é um sujeito que utilizou a formação acadêmica para seu veio de homem das letras. Sempre se dedicou às artes, como grande conhecedor da realidade da gente comum.
Sua tese de mestrado, por exemplo, é sobre a colonização portuguesa na África. Ele é, também, romancista, teatrólogo, o escambau. Mas começou como ator, atuando com gente do coturno de Paulo José e Dina Sfat.
Já na condição de criador de textos para teatro, trabalhou com a mestra Maria Clara Machado e fez um monte de novelas e programas na Globo, quase sempre voltados para o público juvenil. O programa Malhação e novelas como Vamp são alguns exemplos.
Com isso, quero dizer que, se depender do autor, podemos esperar uma novela voltada para um público mais jovem, mas que vai fazer muito adulto que diz não gostar do ramo ligar a TV.
A direção ficou sob a responsabilidade do veterano Reynaldo Boury, figura que já consta da própria história da TV brasileira. Conhece muito. De quebra, já fazia televisão quando os episódios que agora vai dirigir ocorreram, o que pode ajudar.
Entrando fundo na história
Pelo trailer do SBT, a ambientação é cinematográfica, para lembrar os primórdios da TV. Cenas bem trabalhadas de explosões com pessoas lançadas ao ar, perseguições por ruas e rodovias em fusquinhas, Simcas e DKWs, os carros de então, se misturam com ambientes fechados e falas sussurradas, como convinha na época.
Os cenários são muito bem cuidados, nos trajes, mobiliário e até iluminação. Combinam com diálogos também situados naquele tempo, com palavreado e expressões apropriados.
Não se sabe, por enquanto, o que fez Sílvio Santos, o todo-poderoso do SBT, investir nesse tema. O fato é que tem muito a ver com o crescimento da campanha nacional em favor do esclarecimento do que se passou durante o regime militar, iniciado, por coincidência ou não, em abril de 1964.
Saber do paradeiro dos corpos dos desaparecidos é o mínimo que se pode esperar. Já se pode sentir, por isso tudo, que a novela vai entrar fundo num período importante da história recente do Brasil.
* Jaime Sautchuk, jornalista e escritor, é colunista do Vermelho
Quando a gente se defende, negocia melhor
Brizola Neto no TIJOLACO
]Muito
interessante a matéria de capa da Folha, hoje, dando conta de que os
chineses querem fazer grandes investimentos em plantações de soja no
Brasil. Embora a monocultura da soja tenha lá seus problemas, não há
dúvida de que a estratégia usada agora pelo chineses é muito melhor do
que a vinha ensaiando meses atrás.
A intenção era, como já fizeram em outros países, comprar terra e
produzir diretamente. Agora, mudou: querem investir em estruturas de
armazenamento, beneficiamento e exportação, mas através de acordos com
produtores brasileiros.
A demanda por alimentos e insumos para rações animais cresce
vertiginosamente na China, junto com a elevação do poder de compra de
sua imensa população. De exportadores agrícolas, os chineses passam
rapidamente à condição de importadores: mais de 70% da soja que consomem
vem de fora, o milho que produzem já não é suficiente e a carne suína –
da qual são o maior mercado mundial – vai seguindo o mesmo caminho,
apesar de sua gigantesca produção própria de 50 milhões de toneladas.
Mesmo importando apenas 1% do seu consumo, eles já são o quinto maior
importador mundial.
Como sabem que essa dependência será inevitável, a China avanç, com
suas empresas estatais e semi-estatais, para criar plataformas de
importação sólidas, menos sujeitas às flutuações dos preços das commodities e à ação dos intermediários. Eles, claro, querem se defender.
O Brasil, ao contrário, durante muito tempo achou – e boa parte de
seu empresariado segue achando – que bom negócio é abrir o país e vender
tudo que for possível, inclusive a terra.
Entre 2002 e 2008, nada menos que 30% do investimento estrangeiro no
Brasil foi destinado à compra de terras e à agroindústria, segundo
publicou o jornal Valor Econômico.
Aprovamos, na legislatura passada, restrições à compra de terras,
sobretudo na Amazônia. O projeto ainda carece de votação no Senado, mas
já levou,como se vê, a uma mudança de postura dos chineses, que passaram
a querer acordos em lugar de propriedade.
Quando não se pratica a submissão, o bom negócio é bom para ambos e
os acordos podem ter fórmulas para garantir o agricultor brasileiro
contra o monopólio de compra e proteger o país com a realização aqui do
beneficiamento de parte da produção. E, também, para que o gigante
asiático assuma compromissos de compras de outros produtos, de maior
valor agregado, em relação aos quais impõem enormes restrições. O que
não se pode fazer é deixar que só o “mercado” regule estes acordos, para
que não se repita o desastre que ocorre, por exemplo, com a produção de
laranja, cartelizada por quatro ou cinco empresas que beneficiam e
exportam o suco.
A China está na dela, querendo fazer os melhores negócios para si
própria. E o Brasil tem sido, para ela, um verdadeiro “negócio da
China”, pela falta de proteção que temos em relação aos nossos
interesses. Os chineses não são bestas, que o digam as empresas
brasileiras que vão se intalar lá e que têm de moldar seus negócios às
condições que eles impõem para que atendam aos interesses chineses.
Nós, aqui, passamos anos e anos glorificando e nos oferecendo para a
entrada indiscriminada de capitais do exterior e ainda financiamos a
aquisição de nosso patrimônio.
Agora, precisamos aprender anos defender. Não se trata, de forma
alguma, de rechaçar investimentos estrangeiros no Brasil. Trata-se de
deixarmos de ser os “otários”, que vendem produtos primários e ainda vão
– como foi a Vale de Agnelli – gastar o dinheiro da exportação de
nossas riquezas naturais encomendando os caros navios de aço feitos com o
nosso ferro barato.
O direito ao centro da cidade
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2011, o ano internacional do afrodescendente
Jorge Terra *no Sul21
Como já é de conhecimento de muitos, a Organização das Nações Unidas
declarou que o ano de 2011 será o ano internacional do afrodescendente.
Esse ano será próprio para reflexões, para se dar visibilidade, por meio
de protestos, a questões que há muito afligem parte significativa da
população brasileira e para se exigir medidas governamentais voltadas
aos negros brasileiros?
Eleger um desses caminhos como o principal seria não aproveitar
plenamente as oportunidades e seguir por caminhos já percorridos.
É preciso refletir, exigir, protestar, demonstrando incoerências,
desigualdades e injustiças, mas isso configura uma parte e não a
totalidade da ação indispensável.
Há cidadãos que necessitam da perfectibilização de uma questão
singela: o Estado moderno não é mais inibidor ou inviabilizador de
violações de direitos; a ele incumbe a efetivação de direitos dos
administrados. Todavia, a escassez de recursos públicos pode tornar
antieconômica a apresentação de exigência para aquele que dispõe de um
orçamento insuficiente para as necessidades diárias e para os
investimentos estratégicos.
É de se entender que as entidades que compõem o movimento negro não
podem ter as suas diferenças de visão como intransponíveis. Outrossim, é
de se perceber que é o momento de composição com os segmentos nunca
antes procurados de maneira sistemática, porque os problemas
relacionados ao preconceito e ao racismo, que geram efeitos econômicos,
sociais e políticos, não são atinentes a um grupo em especial, mas à
sociedade como um todo.
É inarredável a adoção de visão ampla da Economia e da Política. O
Brasil cresce flagrantemente em termos econômicos. Cada dia mais
empresas brasileiras ganharão corpo no cenário mundial, sendo-lhes
indispensável a imagem de empresa respeitadora da diversidade e do meio
ambiente também em seu país de origem. O mesmo vale para empresas que
aportaram ou aportarão no Brasil. Essa imagem se constituirá por um
setor de comunicação competente, por um programa ou por uma ação
inclusiva ou ambiental, que pode perpassar pela composição diversificada
do corpo diretivo ou de funcionários da empresa ou pelo apoio a entes e
a projetos vinculados aos temas supracitados.
Também no campo político, a imagem não se constituirá por intermédio
do discurso, havendo decisões concretas a serem tomadas. Não são
bastantes as criações de setores do Estado voltados às pessoas em
situação de vulnerabilidade ou historicamente discriminadas, tais como
os idosos, as mulheres, os deficientes, os negros e os homossexuais.
Esses setores deverão apresentar planejamento, critérios de constituição
de indicadores, avaliação constante, ações corretivas e resultados
positivos. Para tanto, a seleção das pessoas que neles labutarão deverá
se pautar pelo conhecimento técnico, pela capacidade de argumentação,
pelo devotamento a causas nobres e pela possibilidade de trabalhar de
forma transversal. Eleito o caminho de criar entidades com recursos
orçamentários baixíssimos, sem força interna para trabalhar
transversalmente com os orçamentos de outros setores e sem habilidade
para celebrar parcerias, trilhar-se-á o caminho do insucesso.
Impõe referir, ainda no campo político, que a edição de leis e a
concretude das normas jurídicas que delas se extraiam são fundamentais
para se demonstrar o norte a ser seguido pelos administrados.
Em suma, exsurge o momento ideal para se estabelecer parcerias das
entidades que integram o movimento negro com estabelecimentos de ensino,
entidades empresariais, órgãos de segurança, veículos de comunicação e
outros movimentos sociais.
A responsabilidade social corporativa é campo fértil para o
desenvolvimento de projetos dedicados ao atingimento de resultados
positivos concretos. Para o empresariado é salutar a inserção social com
maiores chances de êxito e de melhor aproveitamento de recursos. Para o
movimento social é benéfico aprender forma objetiva de planejar, de
realizar e de avaliar ações, bem como o alcance de estágio superior com
os resultados mencionados acima e o apoio para a consecução de seus fins
institucionais.
Os estabelecimentos de ensino buscam novos campos de atuação com o
fito de terem sustentabilidade, bem como se preparar para o cumprimento
de leis que exigem conhecimentos que ainda não possuem. Os movimentos
sociais, por seu turno, necessitam capacitar seus membros para
multiplicarem os conhecimentos amealhados ao longo do tempo, bem como
para se preparar para momento histórico exigente, isso porque há
crescente disputa por limitados recursos públicos e privados.
Os órgãos de segurança perceberam a incapacidade de fazer frente a
todas as demandas e como acabam por se tornar o desaguadouro de
problemas não resolvidos nas searas familiar, educacional, política e
econômica. Esses órgãos precisam da colaboração, dos conhecimentos sobre
as comunidades e da credibilidade dos movimentos sociais. Os
movimentos, por outra mão, imprescindem dos recursos materiais e humanos
que podem ser disponibilizados, da possibilidade de harmonização de
relações e da ampliação de sua rede de relações para a solução de
problemas recorrentes.
Os veículos de comunicação, vivenciando ambiente altamente
competitivo, precisam ser ágeis, ter confiável e extensa rede de
informações, ampliar quantitativa e qualitativamente o seu público-alvo e
a sua carteira de clientes. Nesse quadro, eles precisam assentar que
atuam despidos de pré-concepções a respeito de parte de seu
público-alvo, pautando-se pela busca e pela prestação de informações
calcadas em dados concretos. Os movimentos sociais ressentem-se de meios
de divulgação de suas ideias e de suas iniciativas apesar do uso da
internet. Ademais, a inclusão de certos temas na pauta de discussões da
Sociedade se dá pelos meios de comunicação. A troca, portanto, também
pode ser riquíssima nesse campo.
Muitas das vezes, os movimentos sociais desconhecem o que uns e
outros estão fazendo e não identificam oportunidades de atuações
conjuntas. Com isso, atuam de modo ineficaz. Poderiam dividir as
vantagens do atingimento conjunto de objetivos previamente traçados com a
utilização de uma gama maior de recursos.
Bom frisar que a advocacy é inarredável, isto é, devem haver
articulações, protestos, pressões e ingerências para a criação e para a
ampliação das políticas públicas concernentes à diversidade racial. O
que se pretende é apontar alternativas tidas como mais eficientes. Em
outros termos, objetiva-se a melhor utilização dos meios disponíveis
para o alcance dos fins do movimento negro.
Os trilhos indicados nesse texto exigem um movimento social
propositivo, pronto a assumir uma posição de protagonismo e de
influência na Economia, na Política e na Sociedade. Perceba-se, pois,
que se sugere caminhos que podem ser mais produtivos e que, certamente,
são mais exigentes. Neles, agregada à constatação de um problema, estará
sempre uma sugestão de solução. Dessa arte, ao se perceber a
inexpressividade da ocupação de vagas concernentes a um segmento por
negros brasileiros, ter-se-á de examinar as causas, propor e organizar
cursos, indicar e captar recursos, bem como sugerir um cronograma
factível de contratações.
Elege-se como a melhor opção, sobretudo para o ano de 2011, a
perseguição da eficiência no movimento negro. Dessa feita,
privilegiar-se-á o planejamento, o estabelecimento de metas, a busca de
recursos, a constituição de indicadores de avaliação, a efetivação de
ações corretivas e consecução de resultados positivos concretos.
Passa-se a ter como instrumento diuturno o projeto estruturado, o que
permite a captação de recursos junto às entidades privadas
financiadoras e a identificação de pontos de consenso entre essas e as
que conformam o movimento negro, encontrando-se uma linguagem comum.
As entidades vinculadas ao movimento negro poderão participar dos
processos licitatórios dos entes estatais pelo fato de saberem trabalhar
com uma linguagem de viés empresarial. De outra banda, a preocupação
com a infraestrutura, com a estruturação e com o planejamento é a
premissa básica para se atingir a indispensável sustentabilidade.
Seja para se voltar para o financiador privado, seja para se dirigir
para o financiador público, indispensável a capacitação para a criação,
para o acompanhamento e para a avaliação de projetos.
Os movimentos sociais, em resumo, terão de constituir projetos, saber
discutir sobre temas mais amplos do que a mera militância e alinhar
esforços de cada um e de todos para ter rede de contatos mais
diversificada. Do contrário, não haverá a inovação e a adaptação ao
presente e ao futuro.
* Procurador do estado do Rio Grande do Sul
Originalmente publicado no jornal Oi
* Procurador do estado do Rio Grande do Sul
Originalmente publicado no jornal Oi
A criptonita cultural da direita americana.
Um olhar no clima cultural dos anos 1980 pode nos ajudar a explicar o comportamento americano hoje.
Por Cliff Schecter na Revista Fórum
Antes dos mísseis Tomahawk começarem a chover sob as
defesas aéreas de Muammar Gaddafi na semana passada, a única conversa
que o presidente Obama precisou ter foi com seus conselheiros. Eles, e
eles somente, decidiriam se um país fundado como uma república
democrática iria se envolver naquilo que George Washington provavelmente
teria descrito como uma “confusão estrangeira” – usando decretos do
século XXI contra um sociopata com um histórico de violência e um
fetiche por chapéus pior do que o de Sammy Davis Jr.
Obviamente, em 200 anos, os Estados Unidos se transformaram de um rebelde-com-causa em uma potência mundial, e um envolvimento adicional nas questões mundiais tornou-se uma parte do custo de fazer negócios. Há também um bom argumento a ser apontado, que é o fato de que, depois do erro terrível da invasão do Iraque, os EUA podem fazer algo de bom ao colocar um fim ao homicida Gaddafi na Líbia, como parte de uma coalizão internacional feita de países árabes e africanos, abençoada pelas Nações Unidas.
Mas isso não muda o fato de que o apoio congressional para esta operação foi tão importante quanto um apêndice ou os votos de casamento do Newt Gingrich. Obama e os seus simplesmente sabiam que podiam ignorar os representantes do povo e seguramente contar com uma cultura militarizada e condicionada a apoiar ataques às nações árabes. Particularmente uma que os EUA já haviam derrubado somente uma geração atrás.
É esse fato que faz com que o novo livro do autor, colunista e apresentador de rádio David Sirota, Back To Our Future (De Volta Ao Nosso Futuro), seja não somente uma leitura fascinante sobre a cultura dos anos 1980, mas um importante trabalho que ajuda a explicar porque os Estados Unidos faz as coisas que faz hoje. Do envolvimento numa guerra civil na Líbia a permitir que um louco sem referências prévias passeasse em seu bazar local de armas e comprasse armas de fogo de alto poder para a tentativa de assassinato de uma congressista. Sendo o segundo mais fácil que, digamos, encontrar plutônio para seu DeLorean em 1955.
"Fora-da-Lei com moral", como o explica Sirota, os anos 1980 foram a era do marketing-cruzado, quando conceitos que tinham um lugar na história americana de repente se tornaram lugares-comuns. A linguagem anti-governamental do presidente Ronald Reagan adornou filmes como Caça-Fantasmas e E.T.. Estas “mensagens políticas em lugares não-políticos doutrinaram os jovens, quando seus filtros para a propaganda política estavam desligados.” Como resultado, estas narrativas emolduradas se tornaram parte da sabedoria convencional, continuando como tal até hoje.
Num grande sentido, E.T. elevou as suspeitas sobre o governo, e terroristas líbios em De Volta Para O Futuro e um malvado lutador profissional chamado O Sheik de Ferro ajudaram a preparam o povo americano para o papel que desempenhamos no mundo árabe durante a última década. Enquanto isso, o ‘fora-da-lei com moral’, ou trapaceiro que tinha que trabalhar contra o sistema para fazer as coisas acontecerem, era uma mensagem central que atingia as massas.
A história de “o governo é o problema, não a solução” não estava somente contida na filosofia de Reagan, na ética de Wall Street, em muitos filmes, músicas e séries de televisão, mas talvez o que mais tenha promovido isso foi o uso de atletas em uma das mais poderosas máquinas de marketing já vistas – a Nike. Como nos diz Sirota sobre o efeito da Nike, “eles elevaram esta história ao nível da saturação social”. Isso pode ao menos parcialmente explicar o individualismo trapaceiro que pode ser visto no caso de amor que certos americanos têm com armas, e, mais especialmente, a velha lenda de que só eles mesmos podem se proteger, frequentemente do próprio governo ao qual eles recorreram para este serviço.
Claro, esta radical mudança cultural não aconteceu por si só. Um conjunto de reflexões reacionárias e organizações midiáticas, nascidas nos anos 1970 para liderar esta espécie de revolução cultural, sinergicamente agarraram este zeitgeist social e deitaram e rolaram com ele, declarando que os anos 1960 e os 1970 foram um ilegítimo, ingênuo e até mesmo perigoso experimento social. Como Sirota nos lembra, nos anos 1980 um ministro discursando na Heritage Foundation, uma destas novas (1973) e prodigamente fundadas operações de mídia e políticas de direita, intrincadamente ligada à administração de Reagan, acreditava que ele e sua estirpe estavam “ali para girar o relógio de volta para 1954 neste país”. ‘Pré-púberes’ no comando Danny Goldberg, ex-diretor da Air America, também reconheceu esta evolução cultural, e o papel desempenhado por bem-fundados órgãos conservadores em ajudar a espalhar o não-amor.
Da forma como ele vê, apelar para a psique e para a visão do povo americano, ou mesmo para os seus corações, se quiser colocar assim, está em escassez na esquerda, pois “Democratas não usam imaginação e cultura para abrir as mentes para seus programas”. Como Goldberg escreve em um artigo do Nation, “você pode contar quantas pessoas clicam numa página da web, durante quanto tempo ela foi vista e a quantas pessoas ela foi encaminhada, mas determinar quanto impacto ela tem na mente dos leitores requer suposições fundamentadas e a falível análise intuitiva humana”.
É melhor a esquerda começar a incorporar esta função de cultura, imaginação e emoção em nossas políticas em breve. Porque, se de fato estamos operando sob os parâmetros estabelecidos não só pela política, mas pelas artes e literatura dos anos 1980, reforçados por milhões de dólares investidos em projetos conservadores de longo prazo para convencer o povo americano que esta é a forma como sempre foi, nós temos uma - ou três - década difícil pela frente. Pois, como diz Sirota, “nosso mundo é crescentemente regido pelos ‘pré-púberes’, estudantes universitários e jovens alpinistas originalmente doutrinados nos anos 1980.”
Portanto, se estamos procurando uma alternativa para as por demais presentes tensões do aventureirismo estrangeiro, de Wall Street e das milícias domésticas – entre outros desafios – precisaremos do nosso próprio renascimento cultural para retornar aos valores que um dia animaram esta nação. Porque, venha ele de Krypton, Kansas City ou Cazaquistão, não estou preparado para me ajoelhar perante Zod tão brevemente.
Cliff Schecter é o Presidente do Libertas, LLC, uma progressista firma de relações públicas, o autor do bestseller The Real McCain, e um colaborador regular do The Huffington Post.
Obviamente, em 200 anos, os Estados Unidos se transformaram de um rebelde-com-causa em uma potência mundial, e um envolvimento adicional nas questões mundiais tornou-se uma parte do custo de fazer negócios. Há também um bom argumento a ser apontado, que é o fato de que, depois do erro terrível da invasão do Iraque, os EUA podem fazer algo de bom ao colocar um fim ao homicida Gaddafi na Líbia, como parte de uma coalizão internacional feita de países árabes e africanos, abençoada pelas Nações Unidas.
Mas isso não muda o fato de que o apoio congressional para esta operação foi tão importante quanto um apêndice ou os votos de casamento do Newt Gingrich. Obama e os seus simplesmente sabiam que podiam ignorar os representantes do povo e seguramente contar com uma cultura militarizada e condicionada a apoiar ataques às nações árabes. Particularmente uma que os EUA já haviam derrubado somente uma geração atrás.
É esse fato que faz com que o novo livro do autor, colunista e apresentador de rádio David Sirota, Back To Our Future (De Volta Ao Nosso Futuro), seja não somente uma leitura fascinante sobre a cultura dos anos 1980, mas um importante trabalho que ajuda a explicar porque os Estados Unidos faz as coisas que faz hoje. Do envolvimento numa guerra civil na Líbia a permitir que um louco sem referências prévias passeasse em seu bazar local de armas e comprasse armas de fogo de alto poder para a tentativa de assassinato de uma congressista. Sendo o segundo mais fácil que, digamos, encontrar plutônio para seu DeLorean em 1955.
"Fora-da-Lei com moral", como o explica Sirota, os anos 1980 foram a era do marketing-cruzado, quando conceitos que tinham um lugar na história americana de repente se tornaram lugares-comuns. A linguagem anti-governamental do presidente Ronald Reagan adornou filmes como Caça-Fantasmas e E.T.. Estas “mensagens políticas em lugares não-políticos doutrinaram os jovens, quando seus filtros para a propaganda política estavam desligados.” Como resultado, estas narrativas emolduradas se tornaram parte da sabedoria convencional, continuando como tal até hoje.
Num grande sentido, E.T. elevou as suspeitas sobre o governo, e terroristas líbios em De Volta Para O Futuro e um malvado lutador profissional chamado O Sheik de Ferro ajudaram a preparam o povo americano para o papel que desempenhamos no mundo árabe durante a última década. Enquanto isso, o ‘fora-da-lei com moral’, ou trapaceiro que tinha que trabalhar contra o sistema para fazer as coisas acontecerem, era uma mensagem central que atingia as massas.
A história de “o governo é o problema, não a solução” não estava somente contida na filosofia de Reagan, na ética de Wall Street, em muitos filmes, músicas e séries de televisão, mas talvez o que mais tenha promovido isso foi o uso de atletas em uma das mais poderosas máquinas de marketing já vistas – a Nike. Como nos diz Sirota sobre o efeito da Nike, “eles elevaram esta história ao nível da saturação social”. Isso pode ao menos parcialmente explicar o individualismo trapaceiro que pode ser visto no caso de amor que certos americanos têm com armas, e, mais especialmente, a velha lenda de que só eles mesmos podem se proteger, frequentemente do próprio governo ao qual eles recorreram para este serviço.
Claro, esta radical mudança cultural não aconteceu por si só. Um conjunto de reflexões reacionárias e organizações midiáticas, nascidas nos anos 1970 para liderar esta espécie de revolução cultural, sinergicamente agarraram este zeitgeist social e deitaram e rolaram com ele, declarando que os anos 1960 e os 1970 foram um ilegítimo, ingênuo e até mesmo perigoso experimento social. Como Sirota nos lembra, nos anos 1980 um ministro discursando na Heritage Foundation, uma destas novas (1973) e prodigamente fundadas operações de mídia e políticas de direita, intrincadamente ligada à administração de Reagan, acreditava que ele e sua estirpe estavam “ali para girar o relógio de volta para 1954 neste país”. ‘Pré-púberes’ no comando Danny Goldberg, ex-diretor da Air America, também reconheceu esta evolução cultural, e o papel desempenhado por bem-fundados órgãos conservadores em ajudar a espalhar o não-amor.
Da forma como ele vê, apelar para a psique e para a visão do povo americano, ou mesmo para os seus corações, se quiser colocar assim, está em escassez na esquerda, pois “Democratas não usam imaginação e cultura para abrir as mentes para seus programas”. Como Goldberg escreve em um artigo do Nation, “você pode contar quantas pessoas clicam numa página da web, durante quanto tempo ela foi vista e a quantas pessoas ela foi encaminhada, mas determinar quanto impacto ela tem na mente dos leitores requer suposições fundamentadas e a falível análise intuitiva humana”.
É melhor a esquerda começar a incorporar esta função de cultura, imaginação e emoção em nossas políticas em breve. Porque, se de fato estamos operando sob os parâmetros estabelecidos não só pela política, mas pelas artes e literatura dos anos 1980, reforçados por milhões de dólares investidos em projetos conservadores de longo prazo para convencer o povo americano que esta é a forma como sempre foi, nós temos uma - ou três - década difícil pela frente. Pois, como diz Sirota, “nosso mundo é crescentemente regido pelos ‘pré-púberes’, estudantes universitários e jovens alpinistas originalmente doutrinados nos anos 1980.”
Portanto, se estamos procurando uma alternativa para as por demais presentes tensões do aventureirismo estrangeiro, de Wall Street e das milícias domésticas – entre outros desafios – precisaremos do nosso próprio renascimento cultural para retornar aos valores que um dia animaram esta nação. Porque, venha ele de Krypton, Kansas City ou Cazaquistão, não estou preparado para me ajoelhar perante Zod tão brevemente.
Cliff Schecter é o Presidente do Libertas, LLC, uma progressista firma de relações públicas, o autor do bestseller The Real McCain, e um colaborador regular do The Huffington Post.
1968: Martin Luther King é assassinado
Correio do Brasil
Em
dois atentados anteriores, o reverendo Martin Luther King conseguira
escapar por pouco da morte. O negro que tanto se engajou pela igualdade
de direitos nos Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960 alcançou
apenas os 39 anos de idade.
No dia 4 de abril de 1968, foi assassinado com um tiro na sacada de
um hotel em Memphis. O autor do disparo teria motivos supostamente
racistas. Em dezembro de 1999, no entanto, um processo civil no Estado
do Tennessee chegou à conclusão de que sua morte foi planejada por
membros da máfia e do governo norte-americano.
Que homem era este que conseguiu dividir uma nação e ser amado e
odiado ao mesmo tempo? Para melhor entendê-lo, precisamos nos situar no
contexto dos Estados Unidos em plena década de 50: uma superpotência em
plena Guerra Fria, uma nação rica, um país racista.
O país que se considerava modelo de democracia e liberdade, mas seus
habitantes eram classificados de acordo com a raça. Os negros eram
discriminados em todos os setores: na política, na economia e no aspecto
social.
Boicote de ônibus
Os negros norte-americanos não podiam votar, eram chamados
pejorativamente de “nigger” e “boy”, seu trabalho não era devidamente
remunerado, e as agressões dos brancos eram rotina. Até que, em dezembro
de 1955, em Montgomery, a costureira negra de 52 anos Rosa Parks
resolveu não ceder seu lugar num ônibus para um passageiro branco.
Parks foi presa e, em decorrência, Martin Luther King, pastor da
cidade, conclamou um boicote dos negros aos ônibus. Em um ano, tornou-se
tão conhecido no país que assumiu a liderança do movimento negro
norte-americano.
O boicote aos ônibus foi apenas o começo. Seguiram-se as marchas de
protesto de King e milhares de defensores dos direitos civis em todo o
país, acompanhadas de violações conscientes da legislação racista.
Usavam, por exemplo, as salas de espera e os restaurantes reservados aos
brancos. Nem a violenta repressão policial enfraqueceu o movimento.
“Temos que levar nossa luta adiante, com dignidade e disciplina. Não
podemos permitir que nosso protesto degenere em violência física”,
advertia o pastor batista, não se deixando provocar pela ordem pública.
EUA divididos para brancos e negros
Ele manteve esta filosofia, mesmo quando os 1.100 participantes do
movimento negro radical exigiram a divisão dos Estados Unidos em dois,
para brancos e negros, na Black Power Conference, em 1967.
Vinte e quatro horas antes de sua morte, Martin Luther pronunciou o
célebre discurso em que anunciava ter avistado a terra prometida.
“Talvez eu não consiga chegar com vocês até lá, mas quero que saibam que
nosso povo vai atingi-la”, declarou ele, como se previsse a proximidade
da morte.
Seu assassinato provocou consternação internacional. As inquietações
raciais se agravaram em Chicago e Washington. Depois de anunciar o fim
dos bombardeios no Vietnã e sua desistência de se recandidatar à Casa
Branca, o presidente Lyndon Johnson chegou a adiar uma viagem ao
exterior.
Em memória a King, no ano de 1983, os Estados Unidos tornaram feriado
nacional a terceira segunda-feira de janeiro (ele havia nascido em 15
de janeiro de 1929).
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