sábado, 30 de janeiro de 2010

Esses odeiam os movimentos populares....

Conheça os inimigos da Reforma Agrária


Por Carlos Bandeira

Depois de conseguirem emplacar a CPMI contra a Reforma Agrária, os setores mais conservadores do Congresso Nacional passaram a escalar o seu time de parlamentares. Foram convocados inimigos do povo brasileiro para atuar na CPMI e nos bastidores. Esses parlamentares têm como características o ódio aos movimentos populares e o combate à Reforma Agrária e às lutas sociais no nosso país.
São fazendeiros e empresários rurais, que foram financiados por grandes empresas da agricultura e colocaram seus mandatos a serviço do latifúndio e do agronegócio. Nas costas, carregam denúncias de roubo de terras, desvio de dinheiro público, rejeição à desapropriação de donos de terras com trabalho escravo, utilização de recursos ilícitos para campanha eleitoral, devastação ambiental e tráfico de influência.
Essa CPMI faz parte de uma ofensiva desses parlamentares, que tem mais três frentes no Congresso. Até o fechamento desta edição, os nomes dos parlamentares indicados para a CPMI contra a Reforma Agrária já tinham sido lidos, mas os trabalhos não tinham começado. A CPMI pode se arrastar até junho de 2010. O Jornal Sem Terra deste mês de dezembro (nº 299) apresenta os deputados e senadores que estão na linha de frente na defesa dos interesses da classe dominante rural.
KÁTIA ABREU / Senadora (DEM-TO) / Suplente na CPMI
• Formada em psicologia.
• Presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), eleita em 2008 para três anos de mandato. Foi presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins (1995-2005).
• Dona de duas fazendas improdutivas que concentram 2.500 hectares de terras.
• Apresentou 23 projetos no Senado e apenas três foram aprovados, mas considerados sem relevância para o país, como a garantia de visita dos avós aos netos.
• Torrou 60% das verbas do seu gabinete com propaganda (R$ 155.307,37).
• É alvo de ação civil do Ministério Público na Justiça de Tocantins por descumprir o Código Florestal, desrespeitar povos indígenas e violar a Constituição.
• Integrante de quadrilha que tomou 105 mil hectares de 80 famílias de camponeses no município de Campos Lindos (TO). Ela e o irmão receberam 2,4 mil hectares com o golpe contra camponeses, em que pagaram menos de R$ 8 por hectare.
• Documentos internos da CNA apontam que a entidade bancou ilegalmente despesas da sua campanha ao Senado. A CNA pagou R$ 650 mil à agência de publicidade da campanha de Kátia Abreu.
RONALDO CAIADO / Deputado Federal (DEM-GO)
• Formado em Medicina.
• Foi fundador e presidente nacional da União Democrática Ruralista (UDR).
• É latifundiário. Proprietário de mais 7.669 hectares de terras.
• Dono de uma fortuna avaliada em mais de R$ 3 milhões
• Não teve nenhum dos seus 19 projetos aprovados no Congresso.
• É investigado pelo Ministério Público Eleitoral por captação e uso ilícito de recursos para fins eleitorais. Não declarou despesas na prestação de contas e fez vários saques “na boca do caixa” para o pagamento de despesas em dinheiro vivo, num total de quase R$ 332 mil (28,52% do gasto total da campanha).
• Foi acusado de prática de crimes de racismo, apologia ou instigação ao genocídio por classificar os nordestinos como “superpopulação dos estratos sociais inferiores” e propor um plano para o extermínio: adição à água potável de um remédio que esterilizasse as mulheres.
ABELARDO LUPION / Deputado federal (DEM-PR) / Titular na CPMI
• É empresário e dono de diversas fazendas (três delas em São José dos Pinhais).
• Foi fundador e presidente da União Democrática Ruralista do Paraná.
• É um dos líderes mais truculentos da bancada ruralista na Câmara dos Deputados.
• Faz campanha contra a emenda constitucional que propõe a expropriação de fazendas que utilizam trabalho escravo.
• Apresentou somente cinco projetos no exercício do mandato. Nenhum foi aprovado.
• Sua fortuna totaliza R$ 3.240.361,21.
• Fez movimentação ilícita de R$ 4 milhões na conta bancária da mãe do coordenador de campanha. É réu no inquérito nº 1872, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), por crime eleitoral.
• Sofre duas representações por apresentar - em troca de benefícios financeiros – uma emenda para as transnacionais Nortox e Monsanto na Câmara, liberando o herbicida glifosato.
• A Nortox e a Monsanto financiaram a sua campanha em 2002. A Nortox contribuiu com R$ 50 mil para o caixa de campanha; já a Monsanto vendeu ao parlamentar uma fazenda de 145 alqueires, por um terço do valor de mercado.
• Participou de transação econômica fraudulenta e prejudicial ao patrimônio público da União em intermediação junto à Cooperativa Agropecuária Pratudinho, situada na Bahia, para adquirir 88 máquinas pelo valor de R$ 3.146.000, das quais ficou com 24.
• Deu para parentes a cota da Câmara dos Deputados, paga com dinheiro público, para seis voos internacionais para Madri e Nova York.
ONYX LORENZONI / Deputado Federal (DEM-RS) / Titular na CPMI
• Formado em medicina veterinária. É empresário.
• Membro da “Bancada da Bala”, defendeu a manutenção da venda de armas de fogo no Brasil durante o referendo do desarmamento.
• Gastou 64,37% da verba do seu gabinete com propaganda (R$ 230.621
• Campanha financiada por empresas como a Gerdau, Votorantin Celulose, Aracruz Celulose, Klabin e Celulose Nipo.
• Teve apenas um projeto aprovado em todo o seu mandato.
ALVARO DIAS / Senador (PSDB-PR) / Titular na CPMI
• Formado em história. É proprietário rural.
• Foi presidente da CPMI da Terra (2003/2005), que classificou ocupações de terra como “crime hediondo” e “ato terrorista”.
• Não colocou em votação pedidos de quebra de sigilos bancários e fiscais de entidades patronais, que movimentaram mais de R$ 1 bilhão de recursos públicos. Não convocou fazendeiros envolvidos em ações ilegais de proibição de vistorias pelo Incra.
• Divulga na imprensa de forma ilegal fatos mentirosos sobre dados sigilosos das entidades de apoio às famílias de trabalhadores rurais para desmoralizar a luta pela Reforma Agrária.
• Não declarou R$ 6 milhões à Justiça Eleitoral em 2006. O montante é referente à venda de uma fazenda em 2002.
LUIS CARLOS HEINZE / Deputado Federal (PP-RS)
• Formado em engenharia agrônoma.
• É latifundiário. Dono de diversas frações de terras, totalizando 1162 hectares.
• Fundador e primeiro-vice-presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (1989-1990).
• Seus bens somam mais de R$ 1 milhão.
• Nenhum dos seus projetos foi aprovado durante esta legislatura.
• Campanha foi financiada pela fumageira Alliance One, responsável por diversos arrestos irregulares em propriedades de pequenos agricultores.
• Defendeu o assassinato de três fiscais do trabalho em Unaí (MG), declarando que “os caras tiveram que matar um fiscal, de tão acuado que estava esse povo...”, justificando a chacina promovida pelo agronegócio (2008).
• É contra a regularização de terras quilombolas (descendentes de escravos), que representaria, para ele, “mais um entulho para os produtores rurais”.
VALDIR COLATTO / Deputado Federal (PMDB/SC)
• Formado em engenharia agrônoma. Proprietário rural.
• Foi superintendente nacional da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) (2000-2002).
• Foi superintendente estadual do Incra em Santa Catarina (1985- 1986) e secretário interino da Agricultura de Santa Catarina (1987).
• Desapropriou área de 1.000 hectares para fins desconhecidos na mata nativa quando presidiu o Incra, causando prejuízos de R$ 200 milhões para o poder público.
• Apresentou projeto que tira do Poder Executivo e do Poder Judiciário e passa para o Congresso a responsabilidade pela desapropriação de terras por descumprimento da função social.
• É contra a demarcação das terras indígenas e quilombolas.
• Autor do projeto que transfere da União para estados e municípios a prerrogativa de fixar o tamanho das áreas de proteção permanente nas margens dos rios e córregos. Com isso, interesses econômicos locais terão maior margem para flexibilizar a legislação ambiental e destruir a natureza.
• É um dos pivôs de supostas irregularidades envolvendo o uso da verba indenizatória na Câmara dos Deputados.
(Fonte: Jornal Sem Terra)

Mais do mesmo nos requerimentos

Carlos Bandeira, de Brasília
É fácil encontrar o fio da meada dos 17 requerimentos apresentados pelo deputado Moreira Mendes (PPS-RO) na CPI do MST: a reportagem da Revista Veja, da primeira semana de setembro. 
Está tudo lá. Não há nada além do que foi publicado pela revista. A reportagem da Veja,que colocou na sua capa um boné do MST cheio de notas de reais e dólares “desvenda” uma suposta estratégia do movimento para fazer a captação de dinheiro público para fazer ocupações de terra. 
“VEJA teve acesso às movimentações bancárias de quatro entidades ligadas aos sem-terra. Elas revelam como o governo e organizações internacionais acabam financiando atividades criminosas do movimento”, anunciou a reportagem. 
No entanto, não foram apresentadas as tais “movimentações bancárias”. Nem foi anunciado de onde essas informações saíram. Ou seja, nada de concreto. Existe uma hipótese para a origem das informações sobre os convênios dos ministérios com entidades sociais: são informações confidenciais da CPI da Terra e a CPI das ONGs.
Uma coisa parece muito estranha. Ainda não são proibidos os convênios de governos com entidades prestadoras de serviços públicos no país. Também não se apresentou elementos concretos para questionar o resultado desses trabalhos. Até aí, não há nada de ilegal. 
Além disso, Veja não deu provas concretas de que esse dinheiro foi desviado para fazer ocupações de terras e protestos contra grandes empresas.
No entanto, a matéria da revista Veja foi exatamente a motivação para a instalação de uma CPMI para investigar as entidades da reforma agrária. Criou um clima fértil para se convencer os parlamentares a assinar o requerimento. 
Só que, no primeiro lote de requerimentos, Moreira Mendes propõe investigar justamente os “fatos” e "conclusões" que sustentaram a instalação. Diante disso, se pode fazer duas leituras. 
Ou não haveria motivos para uma nova comissão, uma vez que as "novas" denúncias têm origem nas CPIs da Terra e das ONGs, ou o deputado Moreira Mendes está propondo que se investigue mais uma vez o que já foi investigado nessas duas comissões de inquérito.
Será que os parlamentares estão sem trabalho?  É difícil de acreditar. Moreira Mendes está na política há mais de 30 anos. Atua dia e noite no Congresso em defesa da indústria de armamentos, que apoia seu trabalho com o financiamento das suas campanhas eleitorais. Com esse ímpeto, chegou a uma fortuna de dois bilhões de reais como advogado e fazendeiro.
Ou existe uma intenção ainda não anunciada? Do jeito que está, essa CPMI vai requentar o que já foi levantado nas investigações anteriores e render matérias para a imprensa para desmoralizar os movimentos sociais.
Carlos Bandeira é jornalista.

Torturadores não merecem anistia...

Democracia brasileira depende de punição de crimes da ditadura


Seminário sobre o direito à memória e a verdade discutiu os mitos que conduzem à impunidade, até hoje, dos responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura militar. Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos, se esta punição não vier, o país jamais sairá da atual fase de transição democrática. “Não nos iludamos, a democracia não está consolidada no Brasil”, afirmou.
Recontar a história, para que o que aconteceu não se repita. Este é o principal objetivo dos milhares de brasileiros e brasileiras que lutam pelo direito à memória e à verdade aos que morreram durante a ditadura militar ou seguem desaparecido mais de vinte anos depois. Manchete nas páginas da imprensa, o tema vem sendo debatido no país, onde muitos defendem que não se deve mexer no passado. Num seminário realizado nesta quinta-feira (28), durante as atividades do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, promotores e sociólogos debateram a importância de garantir este direito para que o país ultrapasse uma fase ainda de transição para a democracia. E, com propriedade, desconstruíram os argumentos míticos que há décadas conduzem à impunidade daqueles que cometeram crimes contra a humanidade.

Uma das idéias centrais no debate público sobre o tema é que os crimes da ditadura prescreveram, ou seja, passou-se muito tempo e agora não há mais como responsabilizar eventuais culpados. Desde o início do século passado, no entanto, crimes como tortura e desaparecimento forçado, quando praticados pelo Estado de forma geral e sistemática contra grupos sociais, são considerados crimes contra a humanidade. Em 1914, entrou em vigor uma convenção das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil, que estabelece este conceito. Décadas mais tarde, outra resolução da ONU definiu que crimes contra a humanidade não prescrevem.

“Ou seja, na esfera internacional e também no Brasil, que trouxe esses conceitos para o seu ordenamento jurídico, esse argumento da prescrição não se aplica. Nem leis, nem decisões de tribunais e governos de países podem impedir que se investigue e puna aqueles que praticaram esses crimes com base nesta justificativa”, explica Domingos Sávio da Silveira, procurador da República.

O segundo argumento-mordaça para impedir a garantia do direito à memória e à verdade é que a Lei de Anistia pacificou o país, e que não há por que ser revanchista e voltar ao conflito. Na verdade, a Lei 6683, de 1979, anistiou os crimes políticos, eleitorais e conexos, dirigida aos que haviam sido perseguidos politicamente pela ditadura.

“Esta não era uma lei para os militares, ou vocês acham que eles iam admitir na lei que tinham torturado e matado nos porões? O poder não confessa o que praticou às escondidas. Esta foi uma lei unilateral, apresentada como pacificadora, para se tornar uma lei do esquecimento”, acredita Silveira. “A anistia aqui surgiu para que não houvesse acesso aos nomes de quem se envolveu nisso. Mas o Brasil precisa saber tudo. Nome completo e circunstâncias”, acrescenta o jornalista e sociólogo Marcos Rolim.

Em busca da democracia
O problema é que o país vive entre aqueles que não podem esquecer e aqueles que não querem lembrar. Para Boaventura de Souza Santos, professor catedrático da Faculdade de Economia e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em Portugal, Este é um momento difícil da transição da ditadura para um regime democrático.

“As vítimas e familiares e aqueles que lutam pela democracia sabem que, se esquecermos, isso pode voltar amanhã. E aqueles que não querem lembrar porque tem muito poder hoje, vivem uma vida que não querem abandonar. É por isso é tão difícil lembrar que nenhuma Lei de Anistia pode abranger crimes contra humanidade. E por isso esta é uma luta política do mais alto nível. Se a interpretação que for dada à Lei de Anistia no Brasil decidir apagar os crimes contra a humanidade, podemos dizer que a ditadura ainda está presente, pela incapacidade de este país saber a verdade”, acredita Boaventura.

Trata-se, portanto, de uma transição que precisa democratizar o passado, para democratizar o presente e o futuro. E uma transição que tem enfrentado resistências de várias formas, como a atuação dos próprios meios de comunicação neste debate.

“Quando os grandes veículos de comunicação reintroduzem em suas manchetes o termo pelo qual a ditadura designou a esquerda armada – “terroristas” –, forma-se um senso comum de que as duas partes cometeram crimes. E esta é uma disputa fundamental a ser travada. Pode-se fazer muitas críticas práticas e procedentes à esquerda que pegou em armas e praticou atos que não são sustentáveis do ponto de vista dos direitos humanos, mas do ponto de vista histórico, é inaceitável chamar essas pessoas de terroristas. É preciso lembrar que um dos princípios mais consagrados pelo liberalismo político no campo jurídico é o direito e o dever à resistência armada aos regimes autoritários”, acrescenta Marcos Rolim.

Ao final, na avaliação dos participantes do seminário, tal utilização de conceitos e princípios leva a uma compreensão perversa e que impede o direito à memória e a verdade. “Dizer que o direito à verdade é revanchismo é uma perversão do conceito de justiça. Sem contar que hoje são eles que se dizem defensores da liberdade de expressão. Essa era uma bandeira das forças progressistas, e hoje aparentemente é deles. Há, portanto, uma conexão e uma aliança sinistra entre quem tem privilégios hoje e quem tinha antes. E por isso uma luta pela memória é uma das mais democráticas que podemos viver”, afirma Boaventura.

Ficou claro, ao final do debate, que o mais importante é reescrever o passado. Não para punir criminalmente – apesar de isto ser absolutamente viável – mas para recompor a história do país e completar o quebra cabeça da nossa história. Se a verdade, como lembrou Rolim, é uma construção subjetiva, que pode ganhar novos significados a depender da interpretação e dos valores dados a cada fato, os movimentos que constroem as lutas do Fórum Social Mundial têm pela frente o esforço de decidir qual a memória coletiva sobre a ditadura militar que querem para o Brasil. Do contrário, sem jogar luzes sobre a tortura do passado, seguiremos longe da tarefa de banir, de vez, a tortura das práticas dos agentes estatais brasileiros e de conquistar, finalmente, a democracia em nosso país.


Fotos: Bia Barbosa