domingo, 12 de dezembro de 2010

Pensamento Social Espírita e Economia Solidária



Escreve: Sinuê Neckel Miguel no sitio PENSE
Em: Novembro de 2010

INTRODUÇÃO

Em princípio, a muitos pode causar alguma estranheza abordar conjuntamente economia e Espiritismo (1). Em parte, o objetivo desse artigo é desfazer esta impressão mais ou menos generalizada, mostrando as conexões entre os dois conhecimentos e avançando, assim, na proposição fundamental que pretendemos tornar patente: a de que o pensamento social espírita pode ir ao encontro da economia solidária.

Importa frisar que o objetivo deste breve ensaio, caracterizado como um esboço argumentativo, não é sustentar um argumento científico – deseja-se, isto sim, ensaiar filosoficamente a conexão conceitual entre pensamento social espírita e economia solidária.

Dentre outras possibilidades, o pensamento social espírita pode ser entendido como a aplicação das Leis Morais (expostas e refletidas na 3ª Parte d’O Livro dos Espíritos) ao conjunto da sociedade, encarando a vida dos indivíduos na sua permanente conexão com o todo social (2). Partindo do pensamento social espírita pode-se erigir ainda uma ação social espírita.

De outra parte, a economia, na sua origem etimológica, é “o cuidado, a gestão da casa” e por consequência daqueles que nela habitam (3). Nesse sentido, o seu fim último é o bem comum. Por isso economia deve ser a gestão da riqueza para o bem comum, abarcando tanto uma teoria quanto uma prática para realizar tal objetivo.

Como o Espiritismo proclama a máxima cristã de “amar ao próximo como a si mesmo”, parece-nos evidente, portanto, que o bem comum é (ou deveria ser) um ponto de contato fundamental com a economia. Aliás, numa acepção moral absoluta, o bem, em última análise, só pode ser comum (4), pois todo o bem promovido em favor de si tem por consequência um benefício dos que estão próximos, sendo um acréscimo ao progresso da humanidade, enquanto todo o bem promovido em favor do próximo é, pela mesma razão, um benefício para si. Assim, a expressão “bem comum” visa apenas o reforço a uma característica fundamental à ideia de “bem”.

Já a economia solidária pode ser definida de diversos modos. Optamos porém pela seguinte: é
um sistema socioeconômico aberto, fundado nos valores da cooperação, da partilha, da reciprocidade e da solidariedade, e organizado de forma autogestionária a partir das necessidades, desejos e aspirações da pessoa, comunidade, sociedade e espécie, com o fim de emancipar sua capacidade cognitiva e criativa e libertar seu tempo de trabalho das atividades restritas à sobrevivência material, de modo a tornar viável e sustentável seu desenvolvimento propriamente humano, social e de espécie. (ARRUDA, 2003, p. 237).

Os seus princípios são: cooperação, autogestão, viabilidade econômica e solidariedade. Destacamos a autogestão como elemento central de contraposição ao capitalismo (5) (uma condição necessária, porém não suficiente para a sua superação) e a solidariedade como um elo importante com o Espiritismo. Marcos Arruda (ARRUDA, 2003, p. 233) entende que existe na humanidade uma solidariedade ontológica (a de seres da mesma espécie) que, contudo, não é suficiente para estabelecer a solidariedade como lógica predominante na totalidade das relações sociais. Por isso é preciso promover uma solidariedade consciente, o que exige um trabalho de transformação cultural baseado no imperativo racional de que só a solidariedade nos satisfaz plenamente (6). Em outras palavras, só a solidariedade nos leva à felicidade. Portanto, para alcançarmos as condições de felicidade geral, é necessário construir uma sociedade solidária.

Agora, voltemo-nos para o outro princípio destacado na economia solidária, o da autogestão. Mencionamos que este princípio constitui a economia solidária como uma alternativa ao capitalismo. Por quê? Basicamente porque a autogestão solidária prima pela valorização do trabalho acima do capital (7), relação inversa àquela estabelecida pela economia capitalista. Num empreendimento econômico solidário a remuneração deve ser totalmente baseada no fator trabalho, já numa empresa capitalista quem investiu capital é quem terá a maior remuneração.

Mas se a economia solidária é, idealmente, uma alternativa ao capitalismo, devemos responder a uma questão central: por que optar pela economia solidária? A nossa resposta, que pretendemos articular nesse pequeno texto, é: porque o capitalismo é injusto.

A INJUSTIÇA DO CAPITALISMO

Examinemos as razões — ao menos, as que nós consideramos principais — pelas quais o capitalismo deve ser considerado um sistema social injusto.

Em primeiro lugar oferecer capital não vale mais do que oferecer trabalho. Na empresa capitalista, os donos da empresa, por serem os proprietários dos meios de produção (8), têm o poder de se apropriar da riqueza produzida pelos trabalhadores. Essa riqueza tem um valor que é criado pelo trabalho.

Deste valor, que corresponde ao produto social, uma parte tem de ser paga aos trabalhadores, sob a forma de salários. O que resta constitui o lucro bruto, parte do qual os capitalistas redistribuirão como juros, aluguéis, renda da terra e tributos respectivamente a prestamistas, a proprietários de imóveis ou terras e ao Estado. (SINGER, 2008, p. 93)

O restante pode ser em parte reinvestido na empresa e em parte apropriado pelo capitalista para usufruto pessoal. Evidentemente, os capitalistas, por deterem os meios de produção, terão sempre mais riqueza que os assalariados. A relação de troca entre aqueles que oferecem o capital e aqueles que oferecem o trabalho é portanto extremamente desigual e por isso injusta. Afinal, por que deveríamos considerar a posse do capital como mais valorosa do que o exercício do trabalho? (9) Em suma, a repartição da renda no modo de produção capitalista, por se basear na partilha do produto social entre capital e trabalho, é eminentemente injusta, pois o primeiro é sempre mais remunerado que o segundo, sem qualquer justificativa moral para isso.

Neste momento, é importante lembrar o ensino dos Espíritos acerca da relação entre necessário/supérfluo. No capitalismo, os proprietários dos meios de produção (nas grandes empresas, os acionistas majoritários), ou os que detêm o poder de gerência dos meios de produção (a chamada “burguesia gerencial”, ricamente remunerada), têm a permanente possibilidade e inclusive o estímulo ao acúmulo pessoal, visando o gozo de supérfluos que lhes dá a visibilidade de um “status superior”, contribuindo para a manutenção das mesmas relações de poder que lhes conferem privilégios na hierarquia social. Pode-se argumentar que esse comportamento egoísta pode ser transformado pela livre-vontade dos próprios capitalistas, que passariam a utilizar a sua riqueza acumulada para finalidades altruísticas. Entretanto, levando em consideração que este comportamento egoísta prejudica enormemente a imensa maioria da população na Terra, devemos simplesmente aguardar pela transformação moral da elite econômica do planeta, ainda que apelando para a sua consciência? Penso que este raciocínio falha por ignorar o princípio democrático de regulação social. Quando alguém comete qualquer crime (reconhecido social e legalmente como tal) deve ser penalizado de acordo com a legislação vigente. Não nos limitamos a esperar que os criminosos transformem-se moralmente fazendo apenas apelos a sua consciência. Enquanto sociedade, procuramos, isto sim, coibir e punir o crime. Da mesma maneira entendemos a questão social. A apropriação desigual da riqueza com base no regime da propriedade privada dos meios de produção afeta toda a sociedade de modo desigual e injusto, portanto cabe a sociedade organizada dar uma resposta coletiva e democrática — inclusive juridicamente — a tal problema.

Com base nas questões 711 e 717 d’O Livro dos Espíritos, podemos dizer que aqueles que se apropriam dos bens da Terra para além do que deviam, acumulando supérfluos e impondo a escassez do necessário para multidões, “desconhecem a lei de Deus e terão de responder pelas privações que ocasionaram”. Se considerarmos que o capitalismo estimula a concentração do supérfluo para poucos e a escassez do necessário para muitos, então este sistema social deve ser condenado.

Em segundo lugar, a origem do capital não tem relação necessária com o mérito. Isto porque em grande medida o capitalista herda parte do seu capital. E, conforme os estudos históricos e O Livro dos Espíritos, a origem do capital encontra-se frequentemente na astúcia e no roubo (LE 808 e 808a). Portanto, embora seja possível a aquisição meritória de capital, esta modalidade não explica a totalidade e sequer a maioria do montante da distribuição de capital no planeta. Lembrando o quanto é importante a noção de mérito para a Doutrina Espírita, vale destacar que um sistema social que produz desigualdade para além das consequências da desigualdade de mérito, é essencialmente injusto. Para ilustrar o raciocínio, citemos por extenso as questões 806 e 806-a d’O Livro dos Espíritos:

806. A desigualdade das condições sociais é uma lei natural?
- Não; é obra do homem e não de Deus.
806-a. Essa desigualdade desaparecerá um dia?
- Só as leis de Deus são eternas. Não a vês desaparecer pouco a pouco, todos os dias? Essa desigualdade desaparecerá juntamente com a predominância do orgulho e do egoísmo, restando tão-somente a desigualdade de mérito. Chegará um dia em que os membros da grande família dos filhos de Deus não mais se olharão como de sangue mais ou menos puro, pois somente o Espírito é mais puro ou menos puro, e isso não depende da posição social.


Excetuando os progressos no sentido de diminuir a essencialização da desigualdade social (noções como “pureza de sangue”, associadas à de “nobreza”, estão praticamente em desuso na maior parte do globo terrestre), cumpre destacar que estamos longe de uma sociedade em que reste “tão-somente a desigualdade de mérito”.

Outra razão pela qual o capitalismo deve ser considerado injusto é que esse sistema social se alimenta e fomenta a desigualdade. De certo modo já trouxemos esse argumento, porém importa destacar o ciclo vicioso da desigualdade inerente ao capitalismo. Nesse modo de produção é necessária a existência de uma desigualdade básica: a de classes – isto é, a existência dos proprietários dos meios de produção e os proletariados (por definição, os que não possuem meios de produção). Esta desigualdade fundamental inviabiliza qualquer tentativa de promoção da igualdade social, a exemplo da transferência de renda via tributação. Isto por uma razão: quem detém os meios de produção detêm o poder econômico e quem detém o poder econômico, cedo ou tarde, detêm o poder político. Esta equação é demonstrada pela história da humanidade. Além disso, se o capitalismo se alimenta da desigualdade social, ele também a fomenta com a tendência à acumulação e concentração do capital. Por um lado, os capitalistas não podem permitir a igualdade na repartição da renda, pois isso significaria a sua ruína enquanto detentores do monopólio dos meios de produção, já que os assalariados poderiam todos se tornar empreendedores a lhes fazer concorrência, abandonando o posto de assalariado e tornado-se também proprietários de meios de produção.

Por outro, as empresas mais fortes tornam-se vitoriosas no mercado concorrencial, em detrimento das mais fracas. Sendo mais fortes, tendem a vencer e permanecer vencendo e derrubando cada vez mais empresas, à medida que se expandem. No limite, só restam gigantescos conglomerados empresariais, que se fundem rumo aos monopólios, deixando baixíssima possibilidade de empreendedorismo para os micros e pequenos empresários. Esta é a conhecida tendência monopolística do capitalismo.

Quanto à questão igualdade/desigualdade, lembremos mais uma vez O Livro dos Espíritos. Se já vimos que a desigualdade das condições sociais deve desaparecer, é oportuno verificar, em particular, a posição dos espíritos, na obra supracitada, quanto à desigualdade das riquezas. Apesar da igualdade absoluta das riquezas não ser possível, em função da diversidade das faculdades e dos caracteres dos indivíduos (LE 811), o bem-estar é relativo e cada um poderia gozá-lo, se todos se entendessem bem... Porque o verdadeiro bem-estar consiste no emprego do tempo de acordo com a vontade, e não em trabalhos pelos quais não se tem nenhum gosto. Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. O equilíbrio existe em tudo e é o homem quem o perturba. (LE 812; grifo nosso)

Destaquemos dois aspectos da questão. Primeiro: não existe bem-estar na vida dos encarnados sem um mínimo de condições materiais (10). Portanto, a busca por equiparações na renda, na justa distribuição da riqueza, continua sendo fundamental para gerir os recursos, os bens da Terra, no sentido de atender às necessidades de todos, mesmo que uma igualdade absoluta seja inviável e mesmo oposta à justiça baseada no mérito. Segundo: o bem-estar está diretamente ligado ao trabalho. Este aspecto remete ao nosso último argumento para a condenação moral ao capitalismo.

Então, por fim, mas não menos importante, afirmamos que o capitalismo não permite a evolução integral dos espíritos. No capitalismo, para a manutenção do poder dos proprietários dos meios de produção, é importante manter a divisão entre gestão e execução do trabalho, ou entre trabalho intelectual e trabalho manual, ou entre trabalho criativo e trabalho repetitivo, mecânico. Os trabalhadores assalariados não devem dominar a totalidade do processo produtivo, pois isso, acrescido de algum capital (o que pode ser obtido com a soma de diversos pequenos capitais ou mesmo através do Estado), lhes daria o poder de produzirem autonomamente a sua riqueza, o seu sustento, sem a necessidade do “patrão”.

Como vimos, é fundamental para o capitalista manter a mão-de-obra assalariada. E, além disso, é fundamental ainda manter uma mão-de-obra assalariada desempregada, o chamado “exército industrial de reserva”, para o controle dos salários pelos capitalistas, já que se todos estivessem empregados, os trabalhadores assalariados poderiam barganhar livremente o seu salário, buscando a sua elevação, sem o risco de demissão, pois não haveria trabalhadores desempregados para os substituírem (sendo crucial a sua manutenção no quadro das empresas para a manutenção do mesmo nível de produção). De tudo isso concluímos dois problemas para examinarmos à luz da Doutrina Espírita: no capitalismo o desemprego é estrutural (nunca acabará) e o trabalho é intelectualmente limitado e limitante no que concerne a imensa maioria da população mundial.

Em razão desses problemas, cabe tratarmos da questão buscando n’O Livro dos Espíritos a Lei do Trabalho. Sabemos que o trabalho é conceituado como sendo toda ocupação útil (LE 675) e que é imposto ao ser humano encarnado em consequência da sua natureza corpórea, funcionando como uma expiação e um meio de aperfeiçoar a sua inteligência (LE 676). A ideia de trabalho como ocupação útil é de caráter social, pois se trata de sermos úteis aos nossos semelhantes (LE 679). Portanto, não basta uma utilidade egoísta, é necessário beneficiar o próximo, e o próximo inclui toda a humanidade (ou mesmo toda a criação de Deus). Lembrando, é claro, que o trabalho que se caracteriza como um aperfeiçoamento de si (LE 679), por extensão é também um bem para o próximo. Em suma, o trabalho é um fator de desenvolvimento importantíssimo para o Espírito; sem trabalho não há evolução. Sendo assim, um sistema social que necessita do desemprego para se estruturar não pode atender plenamente a uma demanda fundamental do ser humano para a sua evolução.

Não obstante, resta notar que “a natureza do trabalho é relativa à natureza das necessidades” (LE 678). N’O Livro dos Espíritos esta questão (678) parece indicar apenas que quanto menor forem as nossas necessidades materiais, menos material será o trabalho. A ideia de “necessidades”, nesse contexto, parece mesmo estar restrita às necessidades de consumo, de uso de produtos e serviços. Porém, gostaríamos de tentar extrapolar esta noção para provocarmos uma reflexão sobre um dos problemas colocado mais acima, a saber, o da característica limitada e limitante do trabalho assalariado da imensa maioria da população. Já vimos que o trabalho serve ao aprimoramento da inteligência e agora, ainda, pretendemos fazer notar que diante de uma necessidade, de uma demanda, por um maior desenvolvimento intelectual, a organização social deve atribuir às pessoas a consecução de um trabalho menos material, isto é, um trabalho mais intelectual. Portanto, interpretando a noção de necessidade na questão 678 como significando não apenas uma “necessidade de consumo”, mas também uma “necessidade de exercício”, de um fazer intelectual, podemos avançar a tese de que o tipo de trabalho ofertado no capitalismo está aquém das necessidades evolutivas dos seres humanos.

Os seres humanos precisam, para a sua evolução integral, de um trabalho que lhes tragam bem-estar (LE 812) e que lhes favoreçam o aprimoramento da inteligência e da moral, na base dos valores da solidariedade, da cooperação e da autogestão. A possibilidade de exercer plenamente estes valores no campo do trabalho encontra-se na economia solidária.

EM DEFESA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Terminada enfim a argumentação contra a opção capitalista, chegamos à defesa da alternativa da economia solidária. A economia solidária estabelece a centralidade do trabalho frente ao capital. Todos que trabalham recebem integralmente a sua parte da riqueza produzida. O trabalho é a base da remuneração e não o capital. Quem mais trabalha, mais recebe, e quem decide não trabalhar não pode continuar num empreendimento econômico solidário. A solidariedade, entretanto, torna o trabalho um empreendimento “familiar”, no qual todos se ajudam, compreendendo as possibilidades e necessidades particulares; o caráter do trabalho, animado pela solidariedade, ganha em democracia e libera-se das relações hierárquicas.

A economia solidária também promove a propriedade coletiva dos meios de produção, baseando-se em modelos associativistas e cooperativistas. Se verificarmos o que é dito sobre a propriedade n’O Livro dos Espíritos, mais uma vez encontraremos interessantes subsídios para a nossa reflexão. Da questão 880 a 885, Kardec insiste no ponto de vista liberal que defende firmemente o direito à propriedade privada. As respostas dos espíritos, entretanto, relativizam o direito à propriedade, subordinando-o ao critério de justiça. A propriedade só é legítima quando “foi adquirida sem prejuízo para os outros” (LE 884) e o que for acumulado como fruto de um trabalho honesto deve servir ao próximo, já que a intenção deve ser a de “auxiliar o seu semelhante” (LE 883-a). Na questão 881 fala-se ainda em ajuntar o que necessitamos para viver e repousar através de um trabalho honesto, “em família, como a abelha” e não “como um egoísta”. Ora, a propriedade privada dos meios de produção, por alijar o próximo (que não a possui) do direito a usufruir da riqueza que produz como fruto do seu próprio trabalho, não preenche os requisitos morais que a Doutrina Espírita prescreve para a legitimação da propriedade. Isto é, já que a propriedade privada dos meios de produção traz em última instância um “prejuízo para os outros” (os que não detêm essa propriedade), ela, a nosso ver, enquadra-se na categoria de propriedade ilegítima. Por mais consagrada que seja na nossa sociedade esta categoria de propriedade, devemos ter muito cuidado para não absolutizá-la como inevitável e como a mais justa das formas legais. Nesse sentido citamos a questão 885 para nossa meditação:

885. O direito de propriedade é sem limites?
- Sem dúvida, tudo o que é legitimamente adquirido é uma propriedade, mas, como já dissemos, a legislação humana é imperfeita e consagra frequentemente direitos convencionais que a justiça natural reprova. É por isso que os homens reformam suas leis à medida que o progresso se realiza e que eles compreendem melhor à justiça. O que num século parece perfeito, no século seguinte se apresenta como bárbaro.


Com a autogestão, temos a possibilidade de um desenvolvimento integral do Espírito, pois a todos cabe a atividade eminentemente intelectual de gerência e direção além da atividade eminentemente material do trabalho manual. Para isso estabelece-se o rodízio das funções (uma diretoria pode manter-se por um ou dois anos, devendo ser substituída por novos membros, perfazendo idealmente a totalidade dos associados ou cooperados) e a polivalência de todos, dando o conhecimento de todo o processo produtivo, necessário para uma ideal coordenação de esforços. O processo decisório na condução do empreendimento econômico solidário se completa com a assembleia dos trabalhadores (na qual cada “cabeça” vale um voto) e outras instâncias que se mostrem eficazes na gestão democrática. Com tudo isso oferta ainda a possibilidade crescente de adoção de trabalhos que atendam às necessidades específicas de gosto e aptidão (inclusive com o horizonte aberto de desenvolvimento de novos gostos e aptidões), o que deve levar ao almejado bem-estar (LE 812).

Recordemos que o trabalho estrito, para a produção de valor, cobre quase um terço da vida adulta dos seres humanos, já que a maioria das pessoas trabalha cerca de oito horas diárias, subtraindo folgas semanais e férias remuneradas. Se excetuarmos ainda o tempo reservado ao sono, necessário ao descanso do corpo físico, que idealmente fica em torno de oito horas diárias, o trabalho para a produção de valor responde pela metade da ocupação do nosso tempo de encarnação. É muito! Em razão disso acreditamos que esta esfera da vida social deva receber maior atenção de todos, pois muito contribui para a qualidade da nossa existência.

A autogestão no trabalho deve concorrer também para a promoção de uma cultura política autogestionária. Isto é, uma sociedade que inclua a todos, enquanto cidadãos, na atividade de gerir a si mesmos, em todas as esferas da vida. Trata-se de assumirmos uma responsabilidade solidária perante nós mesmos e perante toda a humanidade, construindo coletivamente direitos e deveres, tomando decisões que afetam a si e ao outro. Uma cultura autogestionária e solidária corresponde, a nosso ver, à aplicação social da máxima cristã: “ama ao próximo como a ti mesmo” ou “faça aos outros aquilo que quer para si”. Nessa perspectiva, o modelo atual de Estado deve ser substituído paulatinamente por uma estruturação política radicalmente democrática, pautada pela livre associação, com ênfase na tomada de decisão direta e na representação organicamente ligada aos interesses coletivos, definidos do particular ao geral, com o envolvimento de todos. É claro que isto tudo exige um imenso trabalho cultural de educação para a autogestão solidária, ao qual ninguém pode se furtar se desejar contribuir para a realização de uma sociedade mais justa e amorosa.

No momento, já é possível notar que a economia solidária preenche, idealmente, o requisito moral de não cometer injustiças (o que a economia capitalista não consegue). Além disso, num sentido positivo, a economia solidária promove a justiça e o amor, conectando na sua prática os valores da cooperação, da autogestão e da solidariedade.

A essa altura, também, muitos já devem ter se questionado se a economia solidária equivaleria ao socialismo. De fato, a economia solidária pode ser considerada uma forma de socialismo, o socialismo autogestionário (NASCIMENTO, 2003, p. 226-232). Para Paul Singer, por exemplo, a economia solidária é, na sua idealidade, o socialismo por excelência, considerando as demais tentativas de implantação do socialismo como experiências pseudossocialistas, já que não passariam de economias centralmente planejadas (a exemplo da ex-URSS) ou de arremedos de autogestão numa economia de mercado (a exemplo da ex-Iugoslávia). Para os espíritas, vale considerar a idéia de um socialismo cristão (11), humanista e espiritualista, que não impõe, que não subvaloriza a criatividade e a vontade individual, mas que almeja a justiça, a solidariedade e o pleno desenvolvimento da humanidade. A este socialismo cristão consideramos equivalente ao que hoje se convencionou chamar de economia solidária (12).

AÇÃO SOCIAL ESPÍRITA

Para finalizarmos este pequeno artigo, faremos uma breve reflexão sobre a ação social espírita e a transformação da sociedade. Sabemos da complexidade do assunto que traz à tona a discussão acerca do papel do Espiritismo no mundo. Não pretendemos fechar opinião ou apresentar qualquer síntese de pensamento. Nem nos sentimos capazes para tanto. Trata-se apenas de esboçar algumas questões e sugestões para encaminharmos a proposta de inclusão da economia solidária como pauta da ação social espírita.

Fundamentalmente, a ação social espírita se justifica a partir de um diagnóstico sobre as demandas por melhorias que a nossa sociedade apresenta. Intervir na sociedade para contribuir com o progresso (13), eis o objetivo mais geral da ação social espírita. Existem muitas formas legítimas de intervenção, já que as necessidades, as carências existentes no nosso planeta são múltiplas. Queremos, no entanto, enfatizar a necessidade de contribuirmos, enquanto espíritas, para uma mudança na organização da sociedade. Defendemos o princípio de que só podemos superar definitivamente os problemas existentes se atuarmos nas suas causas, não tratando meramente de minorá-los enquanto efeitos. O raciocínio é análogo ao que se pode aplicar às doenças: tratar das causas das doenças é o único modo de nos vermos livres delas, enquanto que o tratamento sobre os sintomas serve apenas para aliviarmo-nos temporariamente da dor.

A resposta à questão 930 d’O Livro dos Espíritos resume e exemplifica bem esta relação entre um problema e a sua causa estrutural: “Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo, ninguém deve morrer de fome” (grifo nosso). Está claro aí que o problema da fome só pode encontrar solução numa mudança organizacional da sociedade. E quando falamos de uma proposta de aderirmos à economia solidária, estamos falando justamente de uma mudança organizacional da sociedade.

Comumente, porém, pensa-se que o Espiritismo prescreve que a mudança da sociedade ocorre exclusivamente a partir da reforma ou transformação (14) dos indivíduos, numa relação causal linear e unidirecional. Todavia, diversas passagens d’O Livro dos Espíritos nos sugerem que a relação entre transformação individual e transformação social é bidirecional, uma influenciando a outra recíproca e incessantemente. No próprio comentário de Kardec à questão 930 acima citada esse raciocínio se evidencia:

Com uma organização social previdente e sábia o homem não pode sofrer necessidades, a não ser por sua culpa. Mas as próprias culpas do homem são frequentemente o resultado do meio em que ele vive. Quando o homem praticar a lei de Deus disporá de uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e com isso ele mesmo será melhor.

Em reforço, podemos citar ainda uma passagem da resposta de Fénelon à questão 917, que faz referência às instituições sociais e à sua força influenciadora sobre a ação dos indivíduos:

(...) É o contato que o homem experimenta do egoísmo dos outros que o torna geralmente egoísta, porque sente a necessidade de se pôr na defensiva. Vendo que os outros pensam em si mesmos e não nele é levado a se ocupar de si mesmo mais que dos outros. Que o princípio da caridade e da fraternidade seja a base das instituições sociais, das relações de povo para povo e de homem para homem, e este pensará menos em si mesmo quando vir que os outros o fazem; sofrerá assim a influência moralizadora do exemplo e do contato.

Transformar as instituições é um modo eficaz de concorrer para a obra geral da criação – uma das finalidades da encarnação – e assim progredir (LE 132). Portanto, devemos nos dedicar a promoção do progresso geral para progredirmos individualmente. Precisamos “fazer o bem no limite das próprias forças, pois cada um responderá por todo o mal que tiver ocorrido por causa do bem que deixou de fazer” (LE 642). Neste particular, na questão 932 encontrarmos um alerta:

932. Por que, neste mundo, os maus exercem geralmente maior influência sobre os bons?
- Pela fraqueza dos bons. Os maus são intrigantes e audaciosos; os bons são tímidos. Estes, quando quiserem, assumirão a preponderância.


A educação aparece como a chave da transformação das instituições que sustentam e provocam os valores inferiores (LE 914). E, além disso, parece ser consenso que o Espiritismo encontra na educação o seu papel central de coadjuvante do progresso da humanidade, em consonância com o raciocínio exposto por Kardec n’A Gênese, cap. 18, itens 24 e 25.

Não obstante, educação não é somente escola, e evangelização não é apenas o ensino livresco de matéria cristã ou espírita. É neste sentido que queremos propor que as instituições espíritas assumam uma atividade educativa voltada para a autogestão e o cooperativismo. Diversas instituições espíritas já promovem em seus espaços ações educativas de cunho profissionalizante, visando à inclusão social para o mercado de trabalho. Por que não adotarmos então ações educativas que promovam a economia solidária, com o trabalho cooperativista e os valores da autogestão e da solidariedade? Esta prática seria ao mesmo tempo uma educação através do trabalho e uma educação do próprio trabalho, tornando-o solidário. Ao invés de inserir as pessoas num mercado de trabalho repleto de injustiças próprias ao capitalismo – solução apenas paliativa do problema da exclusão – poderíamos contribuir para a promoção de um novo tipo de trabalho, de num novo tipo de economia e de um novo tipo de sociedade, fundada nos valores da solidariedade, da autogestão e da cooperação, estreitamente relacionados ao ideal revolucionário francês (o qual Kardec referendou, como se pode verificar em Obras Póstumas) da tríade: liberdade, igualdade e fraternidade.

Para encerrarmos esse breve ensaio, uma última observação parece-nos crucial. Todos queremos a paz, o entendimento fraterno entre todas as pessoas. Porém, só atingiremos este ideal através da justiça:

812-a. É possível que todos se entendam?
- Os homens se entenderão quando praticarem a lei da justiça.


NOTAS

(1) Como podemos notar em alguns textos na Revue Spirite, Allan Kardec objetava que fossem discutidos assuntos como economia, política e religião nas sociedades espíritas, alegando que este tipo de assunto traria divisionismos que obstariam a unidade fraternal em torno dos princípios do Espiritismo. Assim, seria pertinente apenas a explanação genérica em torno de princípios morais amplos fundamentais à Doutrina Espírita. Entretanto, na prática Kardec imiscuiu-se nesses assuntos, opinando de acordo com o seu arcabouço cultural em temas como a desigualdade das riquezas (temática da economia), a igualdade de direitos e a liberdade de consciência (temas da política), e ainda diversos temas religiosos, como as doutrinas do céu e do inferno. De nossa parte, acreditamos que o Espiritismo, como corpo de conhecimento filosófico, toca em todos estes assuntos. O alcance e desenvolvimento das relações entre princípios morais gerais e suas consequências teóricas e práticas nos diversos campos do conhecimento e da ação humanos deve se efetivar através de um trabalho de reflexão e experimentação coletivos que parta de possíveis inferências de princípios básicos até a constituição de proposições mais complexas que permitam o teste na prática, tanto nas experiências individuais quanto coletivas. Sobre a relação entre política e Espiritismo, ver O Espiritismo e a Política para a Nova Sociedade: Reflexão e Ação para Espiritualizar o Social, de Aylton Paiva (PAIVA, 1996).

(2) Sobre o pensamento social espírita, ver Anais do I Encontro Nacional Sobre a Doutrina Social Espírita (1985) e Espiritismo e Sociedade, publicado em 1986 para o II Encontro Nacional Sobre o Aspecto Social da Doutrina Espírita (1987) em: http://www.viasantos.com/pense/livros.html.

(3) Esta definição etimológica de economia é usualmente utilizada por autores ligados ao movimento da economia solidária, que visam uma revisão crítica da própria ciência econômica de um modo geral.

(4) O bem exclusivamente para si, egoísta, em realidade não existe, não passa de uma ilusão. Os que pensam estar fazendo o bem para si, por exemplo, ao gastar grandes quantias de dinheiro para viver luxuosamente, na verdade estão fazendo o mal para si, por viciarem-se em prazeres egoístas que os afastam da relação amorosa com a humanidade.

(5) Entendo capitalismo como sendo, basicamente, um sistema socioeconômico baseado na propriedade privada dos meios de produção, encerrando uma contradição fundamental entre o caráter social da produção e o caráter privado da apropriação.

(6) Esta afirmação de Arruda é extremamente importante. A este respeito, o autor elabora engenhosamente uma reflexão filosófica utilizando-se de alguns dados científicos. Insiste, por exemplo, que o diferencial evolutivo do ser humano não é a agressividade nem a competitividade, mas sim a sociabilidade, a cooperação e a solidariedade. Para conhecer em detalhe estas proposições de Marcos Arruda ver Humanizar o Infra-humano: A Formação do Ser Humano Integral: Homo Evolutivo, Práxis e Economia Solidária (ARRUDA, 2003b).

(7) Capital, conforme Karl Marx, é uma relação social que, no capitalismo, assume o caráter de exploração do trabalho pelos capitalistas para a obtenção do lucro através da extração da mais-valia (o valor do trabalho não pago àquele que trabalha) da força de trabalho dos proletários (aqueles que não possuem os meios de produção). Com isso, além da produção de bens e serviços, obtêm-se o lucro e a manutenção do capital. O capital assume materialmente a forma de meio de produção.

(8) Meios de produção é tudo aquilo que serve à consecução da produção, incluindo terra, matéria-prima, instalações, ferramentas e mão-de-obra.

(9) É comum a muitos economistas alegar-se o fator “risco do negócio” como a contrapartida do empresário na relação capital-trabalho com o empregado. Entretanto, devemos indagar: risco equivale a trabalho? E ainda, o risco do investimento do capital em um dado negócio justifica moralmente o fato de o empregador ser mais bem remunerado que o empregado? Contudo, essa seria uma discussão válida, do ponto de vista prático e moral, somente se todos tivessem condições econômicas de optar por esse risco. Não obstante, mesmo no caso hipotético de uma igualdade econômica que desse a todos a condição de optar entre correr o risco do negócio ou trabalhar, ainda não percebo qualquer justificativa moral para dizermos que correr o risco do negócio é mais meritório do que trabalhar. Importa ainda a constatação de que, no mundo do trabalho, quem corre mais riscos em termos de sobrevivência ou de manutenção do atendimento a necessidades básicas para uma vida digna, é o operário e não o dono de empresa fartamente remunerado.

(10) Veja-se a resposta à questão 922 d’O Livro dos Espíritos, acerca da existência de uma medida comum de felicidade para todos os homens: “– Para a vida material, a posse do necessário; para a vida moral a consciência pura e a fé no futuro” (LE 922, grifo nosso).

(11) Um socialismo de tipo “cristão”, a ser adotado pelos espíritas, só é pertinente se o cristianismo for entendido à luz do Espiritismo, isto é, em seu caráter universalista, preservando-lhe apenas o estritamente universal – que são os seus postulados morais fundamentais, resumidos na lei do amor (assim, o cristianismo pertencente à história e seus agentes humanos, naturalmente repleto de imperfeições, é descartado dessa adjetivação). Este socialismo cristão deve ser ao mesmo tempo humanista – por valorizar o desenvolvimento do ser humano com base nos seus direitos e deveres fundamentais, e nas suas potencialidades evolutivas. E ainda, certamente espiritualista, por assentar as bases da fraternidade, da igualdade e da liberdade na existência imortal do Espírito. Para os espíritas, parece válido assumi-lo simplesmente como “socialismo espírita”. Que estas distinções, não sirvam, contudo, para impedir os espíritas de aproximarem-se de outros segmentos da sociedade que porventura abracem a causa de um socialismo carregado de valores e princípios equivalentes ou similares àqueles mais fundamentais ao Espiritismo.

(12) Afirmar um socialismo cristão não significa a busca por um Estado teocrático. O Estado laico é uma conquista importante que permite, entre outras coisas, a liberdade religiosa. Sendo assim, o que queremos destacar aqui é que há uma convergência de princípios entre socialismo, cristianismo e economia solidária.

(13) Apesar da grande diversidade de acepção do termo ‘progresso’, para os espíritas ele prende-se ao conceito de evolução, caracterizando-se como uma trajetória que vai do imperfeito ao perfeito. Os parâmetros são intelectuais e morais. A finalidade é a felicidade.

(14) Os termos ‘reforma’ e ‘transformação’ parecem ser equivalentes para Kardec, por utilizá-los, ao menos aparentemente, de modo indistinto. Preferimos, todavia, o termo transformação ao termo reforma por indicar, numa acepção corrente, uma mudança mais ampla e profunda, tanto a nível individual quanto coletivo.

BIBLIOGRAFIA

ARRUDA, Marcos. Socioeconomia solidária. In: CATTANI, Antonio David (org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.
________. Humanizar o infra-humano: a formação do ser humano integral: homo evolutivo, práxis e economia solidária. Petrópolis: Vozes, 2003b.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995.
________. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
________. A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
________. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1973.

NASCIMENTO, Claudio. Socialismo autogestionário. In: CATTANI, Antonio David (org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.

PAIVA, Aylton. O Espiritismo e a política para a nova sociedade: reflexão e ação para espiritualizar o social. Lins: Casa dos Espíritas Livraria Espírita Libertação, 1996.

SINGER, Paul. Aprender economia. São Paulo: Contexto, 2008.

Sinuê Neckel Miguel, bacharel em História pela UFRGS, mestrando em História pela Unicamp, pesquisa a história do movimento espírita brasileiro, tendo publicado artigos sobre o tema. Atuou como evangelizador infanto-juvenil e com a juventude espírita através do Grupo de Programação Juvenil (GPJ) - União Distrital Espírita (UDE) Partenon, de Porto Alegre-RS. Foi um dos idealizadores do GPDHE (Grupo de Pesquisa e Documentação Histórica sobre Espiritismo), no Rio Grande do Sul. Atualmente participa ativamente do NEUU (Núcleo Espírita Universitário da Unicamp).
E-mail: sinueneo@gmail.com

'Liberdade de expressão' é falar o que o dono quer

Diário Liberdade - 121210_glob [Laerte Braga] O Departamento de Estado, a secretária de Estado para ser mais preciso, Hillary Clinton, ficou maravilhada com o relatório do agente William Waack sobre as possibilidades do candidato José Serra. Waack, que faz plantão na Globo no estilo sério – não sabe o que é isso – fez uma análise pré-eleitoral onde afirmava que Serra iria vencer. O comunicado aos patrões, os donos, foi feito via embaixada dos EUA no Brasil.
Deu tudo errado.
Um dos grandes problemas da mídia norte-americana é evitar que venham a público as brigas do casal Obama. Michele não aguenta mais, dizem uns poucos jornais e assim mesmo de periferia, as escapadas do marido com atrizes. Tentativa de imitar John Kennedy, pena que falte Marilyn Monroe.
Seguram as pontas também no que diz respeito aos documentos secretos revelados pelo site WikiLeaks.
No Brasil então nem é preciso recomendar à mídia privada que faça isso. É só estalar o chicote que William Waack sai pressuroso a fazer essas análises perfeitas onde tudo acontece ao contrário. A mesada deve diminuir, só essa consequência.
Waack cumpre um papel importante em mentir diariamente através dos telejornais da Globo e iludir uma parcela ponderável da opinião pública com aquele jeito de jornalista. Não é. Mande ele recitar o código de ética da profissão. É agente estrangeiro numa empresa que funciona como laranja do governo dos EUA.
E assim vai a Folha de S. Paulo, Veja, Estado de S. Paulo, Estado de Minas (o controle acionário não sei de quem é, mas da vergonha dos caras é de Aécio e sua turma, cortam até vírgula).
As últimas revelações do site WikiLeaks falam em pedido de um general Padilha, colombiano, traficante, no governo do narcotráfico, o de Álvaro Uribe, para que o presidente da Venezuela seja espionado, o do Equador idem e as informações coletadas repartidas com a Colômbia.
Em troca o general dava a mãe, a mulher, os filhos, as forças armadas colombianas e a própria Colômbia.
Os EUA, lógico, não aceitam de primeira para regatear, tomam conta na segunda.
São os tentáculos da elite como disse Julian Assange.
Silêncio total da mídia privada/vagabunda que vive pedindo e clamando por liberdade de expressão.
Quem é que vai dizer que os norte-americanos, está nos documentos, consideram que militares latino-americanos são susceptíveis de serem cooptados (comprados com brinquedinhos que soltam fogo) e golpistas.
Todo mundo sabe disso. A imensa e esmagadora maioria das forças armadas de países latino-americanos bate continência para Washington e se a turma exigir cai de quatro.
E cooptados é um termo leve, imagine quanto o tal brigadeiro comandante da Força Aérea “Brasileira” não ganhou de mimos para defender a compra de aviões fabricados pela Boeing. Que nem o general Heleno, comandante da Vale, quando permitiu ataques a reservas indígenas.
A mídia privada no Brasil é podre, fétida e sabe disso, não liga à mínima. Importante é prestar serviços aos donos, mentir, defender de mentirinha a liberdade de expressão, a canalhice diária de jornais, rádios e tevês, semanal ou mensal de revistas.
E colocar Julian Assange contra a parede agora da tal “segurança internacional.” A não ser que façam a coisa manu militari, ou seja, percam a vergonha total, neste momento, americanos e os povos da Europa colonizada já pensam duas vezes que entraram numa fria na armação contra o fundador do site.
O curso do processo vai custar caro e muitos outros documentos.
Vai ser longo. Rápido, só se passarem por cima das leis da antiga Grã Bretanha, hoje base militar norte-americana. Os caras ainda gostam de fingir que aquilo lá é uma nação.
Pelo menos para constar ao resto do mundo que o império onde o sol não se punha virou adereço da antiga colônia da América do Norte.
Grã Bretanha hoje só em filme antigo e aqueles negócios de rainha Vitória e piratas.
Imagino general colombiano negociando com embaixador dos EUA a troca de informações sobre Hugo Chávez e a cessão de uma base militar ao irmão do norte, rico e poderoso em brinquedinhos que cospem fogo.
General colombiano é que nem viciado longe da droga quanto encontra uma graminha ali. Cai e pasta.
Quando vê F-18 voando então, aí tem orgasmo e começa a gritar que é patriota.
Lá pelas tantas não percebe que é borboleta com várias cores e matizes, tudo terminando em malas de dólares.
Os bancos? Suíços ainda são os mais seguros. O país onde Hitler guardava o seu dinheirinho não perdeu o velho cinismo.
Lula deu uma traulitada nessa dita mídia independente. Os caras nem reagiram, iriam ter que discutir o assunto e isso não interessa a eles.
O que interessa é o show e está chegando a edição de 2011 do Big Brother Brasil. Felicidade geral e alienação idem.
O prostíbulo em sua casa. Tem diferença de general colombiano e de embaixador dos EUA?
Ou de William Waack fazendo análise para o Departamento de Estado?
Queria ver como o cara, ou o William Bonner, nos documentos que constam torturas, estupros, sequestros, assassinatos, etc, todo o repertório, como os caras iriam falar. “Fadas da liberdade”, ou terroristas?
Eles escondem, sentam em cima e ganham uma nota para fazer o leitor, telespectador, ouvinte, que distinto seja, de bobo.
É a “liberdade de expressão deles”. A expressão dos que pagam, logo, compram.
Vai um Moreira Franco aí? Tá baratinho, saiu do túmulo, está meio decomposto, muito formol, coisa de dez por cento, se quiser levar inteiro, tá soltando pedaço, faço por oito por cento.

Governo faz acordo com ruralistas e Código Florestal vai a votação na próxima terça

Na sessão extraordinária desta quarta-feira, dia 8, o líder do Governo, Cândido Vaccarezza (PT/SP), anunciou publicamente o que muitos já sabiam, mas ninguém confirmava: foi feito um acordo com líderes da bancada ruralista para votar na próxima terça, dia 14, o regime de urgência para a mudança no Código Florestal. Segundo Vaccarezza, o acordo seria para votar "apenas" o regime de urgência, e o mérito ficaria para o ano que vem.

A reportagem é do Instituto Socioambiental –
 
Não é "apenas" um regime de urgência. Se a proposta for aprovada, o projeto volta a plenário já no começo da próxima legislatura, para ser votado na frente da fila. Considerando que ele foi um projeto elaborado e aprovado por uma comissão amplamente dominada por parlamentares que historicamente defendem a mudança (anulação) no Código Florestal, na qual houve pouca possibilidade de debate real (praticamente todas as audiências públicas foram convocadas e organizadas por sindicatos rurais ligados à CNA), e que no começo do ano que vem temos uma nova legislatura, com 40% de deputados novos, colocar um projeto desses para ser votado logo de cara é um atentado ao bom senso.

O relatório Aldo Rebelo, como ficou conhecido, tem ainda muitos problemas, grande parte fruto da ausência de debate democrático. Premia todos os que fizeram desmatamentos ilegais no passado com a possibilidade de uma ampla anistia para quem ocupou indevidamente encostas e beiras de rio (mas os que cumpriram a lei nada ganham). Outro presente para os que não cumpriram a lei até 2008 é a diminuição da reserva legal para todos, incluindo a extinção para os imóveis de até 4 módulos, o que pode ser até 440 hectares, e corresponde a mais de 90% dos imóveis rurais no país. Algumas áreas hoje protegidas, como os topos de morro, deixam de ter qualquer tipo de proteção.

Para completar a obra, abre a possibilidade de que os municípios venham a autorizar desmatamento, o que significaria o fim de qualquer tipo de controle sobre o desmatamento no Cerrado e na Amazônia. Para saber mais sobre a proposta e suas consequências, acesse o site do sosflorestas.

A aprovação do regime de urgência significará fechar as portas para qualquer tipo de debate mais amplo sobre o projeto. Significará empurrar goela abaixo da sociedade como um todo um projeto que atende aos interesses de uma pequena parcela de um setor econômico, o agropecuário, pois nem todos os agentes desse setor são contrários à idéia de que é necessário conservar nossos ecossistemas e manter os serviços ambientais. As florestas, os rios, a biodiversidade, a qualidade de vida dos brasileiros, que não querem mais ter que conviver com enchentes e secas todos os anos, não podem ser rifados num acordo de ocasião. Isso não interessa à sociedade. E se não interessa à sociedade, não deveria interessar ao governo.

Se o líder Vaccarezza está falando em nome do Governo, é porque a presidente eleita Dilma quebrou sua palavra. Se não está falando em nome do Governo, então tem que voltar atrás nesse acordo, com o qual nem o líder do PT concorda. Com a palavra o Presidente Lula e a presidente eleita, que têm que se manifestar - e agir - até a próxima terça.

O Testamento de Howard Zinn


Ben Dandelion*no Odiario.info
Howard Zinn 
Howard Zinn entregou o original do seu último livro ao editor um mês antes da sua morte em 27 de Janeiro passado. Figura proeminente dos movimentos pacifista e antibelicista, Zinn foi o mais destacado dos inúmeros dissidentes norte-americanos. É sobre a importância deste seu último livro, A Bomba [The Bomb], publicado postumamente que Ben Dandelion nos fala.

Falecido este ano, Howard Zinn [1] era conhecido principalmente pela sua obra A Outra História dos Estados Unidos, um livro citado até nos Simpson e nos Sopranos, e que inspira a personagem interpretado por Matt Damon no filme Good Will Hunting. Este livro, que dá uma visão da história norte-americana dos últimos 500 anos de imperialismo, colonização e racismo, não foi academicamente bem recebido, e os seus críticos classificaram-no de polémico e com uma visão subjectiva da História. Em última análise, Zinn era um activista, oq eu deixava transparecer no seu trabalho académico tal como nos seus ensaios e textos mais políticos.
The Bomb [A Bomba], entregue ao seu editor um mês antes da sua morte, entra nesta última categoria. Nele, Zinn reúne dois ensaios, um intitulado «Hiroshima, breaking the silence» [Hiroshima, romper o sil~encio] e o outro The bombing of Royan [O Bombardeamento de Ruão]. Jovem desejoso de ser desmobilizado, Zinn recorda que celebrou o lançamento da bomba atómica, que significou para ele o final de uma guerra a que não queria voltar. Tinha participado no bombardeamento da cidade francesa de Ruão precisamente três meses antes. O ensaio rememora essa irreflectida comemoração, e o desejo de cumprir as ordens recebidas naqueles meses de 1945. Com provas históricas defende daquelas missões era necessária e interroga-se sobre o que precipitou uma acção militar que ia para lá da lógica militar e da sensibilidades morais.
Tal como Zinn, também eu mudei de mentalidade sobre a necessidade e glória da Guerra. Quando terminei o colégio quaker [3] aos 17 anos queria ser piloto de combate. Mas numa viagem pelo mundo em bicicleta cheguei à mesma conclusão de Zinn: não há nenhum «eles», não há mais do que um «nós» global. Digo com muita alegria que mudar de mentalidade não foi nenhuma e não deve assim ser considerada como um sinal de debilidade, como tanta vez sucede com os políticos, mas uma reflexão criativa. Naturalmente, agora que sou um pacifista comprometido, espero que as mudanças nas pessoas sigam o mesmo rumo que seguimos Zinn e eu próprio, em vez do contrário: passar de pacifistas a belicistas.
Contudo, Zinn também se entra por argumentos mais complexos que o do simples pacifismo. Crítico das descrições de qualquer parcela da humanidade como algo de «menor» consideração, Com razão, Zinn aponta que só desumanizando o inimigo estratégias como os bombardeamentos por saturação ou o lançamento de bombas atómicas podem ser consideradas possíveis por parte de pessoas que até as consideravam morais.
Recordo uma análise dos media do sociólogo Christie Davies que explicava como a humanidade podia em qualquer momento ser descrita como membros inominados de um grupo ou como dados estatísticos, e que o seu status moral na cobertura dada pela imprensa muda em função do grau de humanidade que se lhes atribui. «Dezoito mortos num acidente de autocarro» trata os mortos como estatística. É o que acontece no caso da guerra, em que desumaniza ou diaboliza o «inimigo» até ao ponto em que matá-lo já não se compreende como um assassínio. E onde já não são vítimas «inocentes» mas apenas «inimigos mortos».
Trata-se de um processo totalmente consciente dos Estados e dos meios de comunicação que pode ser comprovado na censura das imagens que documentam os efeitos das bombas atómicas nos anos seguintes à guerra. Zinn defende, implicitamente, que se nos colocarmos na situação do «inimigo» já não podemos justificar a acção militar proposta, então, estamos moralmente em falta. Isto pode desembocar numa espécie pacifismo, mas de uma classe tal que faz as críticas de forma diversa e pode com mais agudeza examinar cada acção proposta à luz de uma moral mais globalizante.
Nestes casos particulares, sobretudo na destruição de Ruão, na realidade povoado por aliados e não por inimigos, Zinn defende que motivos de orgulho militar, da experimentação de novas tecnologias (foi em Ruão que se usou pela primeira vez o napalm) e o desejo de vingança impuseram-se ao facto de nada disso ser estrategicamente necessário: O porto de Ruão era um elemento de diversão secundário que não representava qualquer ameaça ao rápido avanço para Berlim em Maio de 1945.
Dito isto, os mesmos «males» que se supunha que a guerra ia derrotar estavam implícitos nas acções dos aliados. Todas as potências aliadas tinham um historial de colonização e todas tinham anteriormente invadido outros países, tal como acusavam que faziam a Alemanha e o Japão. Todas defenderam os seus impérios contra os movimentos de independência nos anos seguintes a 1945.
Em última instância, todas promoveram acções militares com o resultado de milhares e milhares de civis mortos. Churchill descreveu o bombardeamento de saturação de Dresden como uma «contundente incursão». Então, o racismo tanto apontava o sistema social dos EUA como avivava a retórica de fazer avançar na guerra contra o Japão e a Alemanha. Também neste sentido, «eles» eram na realidade iguais a «nós». Apesar disso, a retórica da guerra liga-se a um «eles» considerado como algo menor.
Algumas partes de The Bomb não são fáceis de ler, tendo em conta que relatam o sofrimento infligido por bombardeamentos: é um livro que enfurecerá alguns. Alguns resistirão á sua análise histórica, à sua miscelânea de argumentos a favor, e haverá os que dirão que Zinn, simplesmente, não compreendeu a verdadeira natureza das decisões que havia (que ainda há) que tomar. O que mostra, no entanto, é a divisão que existe entre os que circulam pelos passeios do poder, e os que, como nós, não sabem realmente o que acontece e só sabem da defesa da necessidade que eles fazem de que a guerra continue.
Infelizmente o livro de Zinn continua oportuno e crucial. Como último testemunho de uma vida de trabalho académico e activismo, também nos serve para levarmos muito a sério tudo o que escreveu.

N. do T.:
[1] Artigos de Howard Zinn em odiario.info:
«Sacco e Vanzeti» www.odiario.info/?p=311 e «A História tem de ser criativa», www.odiario.info/?p=143.
[2] People´s History of the United States: 1492 to present, não está traduzido em Portugal. Há traduções em castelhano com o título de La otra historia de Estado Unidos de Ed. Hiru, Hondarribia/Fuenterrabía, 1997 e Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2004.
[3] Os quakers, comunidade religiosa nascida na Inglaterra do século XVII, que se distinguiu pelo seu activo pacifismo e o seu compromisso humanitário.

* Ben Dandelion é Professor honorário da Universidade de Birmingham.

Led Zeppelin inesquecível....

BBC Sessions - 1997



Disco 1
(Marzo - Junio 1969)

1. "You Shook Me" (Dixon/Lenoir) - 5:14
2. "I Can't Quit You Baby" (Dixon) - 4:22
3. "Communication Breakdown" (Bonham/Jones/Page) - 3:12
4. "Dazed and Confused" (Page) - 6:39
5. "The Girl I Love She Got Long Black Wavy Hair"
(Bonham/Estes/Jones/Page/Plant) -3:00
6. "What Is and What Should Never Be" (Page/Plant) - 4:20
7. "Communication Breakdown" (Bonham/Jones/Page) - 2:40
8. "Traveling Riverside Blues" (Johnson/Page/Plant) - 5:12
9. "Whole Lotta Love" (Bonham/Dixon/Jones/Page/Plant) - 6:09
10. "Somethin' Else" (Cochran/Sheeley) - 2:06
11. "Communication Breakdown" (Bonham/Jones/Page) - 3:05
12. "I Can't Quit You Baby" (Dixon) - 6:21
13. "You Shook Me" (Dixon/Lenoir) - 10:19
14. "How Many More Times" (Bonham/Jones/Page) - 11:51


Disco 2
(Abril 1971)


1. "Immigrant Song" (Page/Plant) - 3:20
2. "Heartbreaker" (Bonham/Jones/Page/Plant) - 5:16
3. "Since I've Been Loving You" (Jones/Page/Plant) - 6:56
4. "Black Dog"(Jones/Page/Plant) - 5:17
5. "Dazed and Confused" (Page) - 18:36
6. "Stairway to Heaven" (Page/Plant) - 8:49
7. "Going to California" (Page/Plant) - 3:54
8. "That's the Way" (Page/Plant) - 5:43
9. "Whole Lotta Love" (Bonham/Dixon/Jones/Page/Plant) - 13:45
10. "Thank You" (Page/Plant) - 6:37



http://img819.imageshack.us/img819/7950/bioledzeppelin1.jpg 

Jimmy Page
John Paul Jones
Robert Plant
John Bonham
 
Créditos: Looloblog

Entendendo o genocídio sionista na Palestina

Mantida em sigilo, destruição de vilas palestinas é revelada após incêndio em Israel

O trágico incêndio nas florestas que forravam o Monte Carmel, na cidade israelense de Haifa e que resultou na morte de 41 pessoas e na destruição de um patrimônio nacional, trouxe à tona um tema incômodo para a história de Israel. No local, nos anos 1940, viviam centenas de famílias palestinas, que foram forçadas a abandonar suas propriedades pelo exército israelense. Somente uma pequena comunidade de palestinos permaneceu no local.

Efe

Placa aponta para a vila árabe de Ein Hawd, na região de Haifa, em Israel

O maior incêndio da história de Israel demorou quatro dias para ser extinguido e revelou a falta de preparo e de logística para enfrentar uma situação de tamanhas proporções. Cerca de 20 países enviaram ajuda aérea, equipamentos técnicos e pessoal para apagar as chamas, inclusive carros de bombeiro dos territórios palestinos.

Formada principalmente por árvores coníferas, como eucaliptos, as florestas foram criadas a partir de1948 pelo FNJ (Fundo Nacional Judaico), uma organização criada em 1901 para criar e desenvolver terras na Palestina para judeus. Após a criação do Estado de Israel, o FNJ se tornou um instrumento da expansão judaica.

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A denúncia de que no local havia vilas palestinas é corroborada pelo historiador palestino Jonny Mansour, que estuda a trajetória da comunidade palestina de Haifa. Ele vive na parte baixa da cidade e pôde observar a destruição da floresta no Carmel. De acordo com ele, onde hoje há cidades israelenses e parques naturais, havia vilas palestinas. “Um dos lugares que foram queimados foi a vila de Umm-Al-Zinnat, completamente destruída”, afirmou ao Opera Mundi.

De acordo com um mapa disponibilizado pela organização pró-palestina BagPoud, que mostra a localização de antigas vilas palestinas no terrítória da Palestina, a região de Haifa era ocupada por mais de dez cidades palestinas.

Conforme conta o historiador israelense Illan Pappè no livro Limpeza Étnica da Palestina, diversos pontos habitados por palestinos foram alvo de uma política de antirrepatriação nos anos 1940, logo após a criação do Estado de Israel: “a maior parte das atividades já para o final das operações de limpeza étnica de 1948 estavam focadas em implementar a política de antirrepatriação de Israel em dois níveis. O primeiro era nacional, introduzidas em agosto de 1948 por uma decisão do governo israelense de destruir as vilas tomadas e transformá-las em novos assentamentos judeus ou em florestas ‘naturais’. O segundo era diplomático, esforçar-se ao máximo para amenizar a pressão internacional crescente sobre Israel para permitir o retorno dos refugiados.”

Efe

Judeu reza próximo a incêndio em Haifa. Local era habitado por palestinos 60 anos atrás

Mansour contou a história da vila de Ein Hod (chamada pelos palestinos de Ayn Hawd) antes de maio de 1948, a mais famosa entre as vilas ocultas que emergiram do fogo do Carmel.  “Em 1948, o exército israelense disse aos moradores que deixassem a vila momentaneamente e que a eles seria permitido retornar. Uma parte da população armou um acampamento em uma caverna próxima à vila original. Mas perceberam que não poderiam voltar, pois viam a construção de uma cidade judaica. Os palestinos permaneceram próximo a sua antiga vila e durante o incêndio, ficaram a pouquíssimos metros do fogo”. Tanto a cidade judaica quanto a vila palestina foram evacuadas pelas autoridades israelenses durante o incêndio.

Aspecto europeu

Além de encobrir a “limpeza” feita em localidades palestinas, as florestas de coníferas que compõem os parques nacionais serviram também para tentar dar a Israel um aspecto mais europeu. O jornalista Max Blumenthal, em artigo no site Electronic Intifada, explicou como isso foi feito no Monte Carmel.

“O FNJ plantou centenas de milhares de árvores sobre vilas palestinas ainda recém-destruídas como al-Tira, ajudando a estabelecer o Parque Nacional Carmel. Uma área da face sul do Monte Carmel lembrava tanto a paisagem do Alpes Suíços que foi apelidada de ‘Pequena Suiça’. Claro, as árvores do FNJ eram pouco adaptáveis ao ambiente da Palestina. A maioria das amostras que o Fundo planta em um lugar como Jerusalém simplesmente não sobrevive, e requer plantação frequente. Em outros lugares, as folhas das coníferas mataram espécies de plantas nativas e causaram dano ao ecossistema. E, como vimos na queimada do Carmel, as chamas das árvores do FNJ se espalharam como um pavio inflamável no calor seco”.

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De acordo com Blumenthal, que visitou a cidade de Ein Hod, os próprios habitantes reconhecem que ali viviam palestinos. Ao questionar uma israelense se ela sabia que, onde atualmente há um bar, funcionava uma mesquita, ela responde: "Mas tudo em Israel é assim. Esse país inteiro foi criado em cima de vila árabes. Então é melhor deixar de lado isso."

Em seu livro de memórias, David Ben-Gurion, o primeiro chefe de governo de Israel, escreveu: "Quando olho pela minha janela e vejo as árvores, elas trazem um significado de beleza e encanto pessoal maior do que os que senti na Suíça e na Escandinávia. Porque cada uma dessas árvores foi plantada por nós."

Efe

A característica da floresta no Monte Carmel, formada principalmente por coníferas, dificultou a extinção do fogo

Investigação

Após o luto pelas mortes provocadas pelo incêndio no Monte Carmel, agora as atenções da mídia e da população se voltam para a investigação dos culpados pelo desastre. E não sobram críticas para o governo do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu.

A imprensa do país já chama o incêndio de a “Segunda Guerra do Líbano”. Em 2006, o exército de Israel não conseguiu destruir o grupo Hizbollah, alvo das operações. O fracasso foi um dos fatores para a queda do então primeiro-ministro Ehud Olmert.

Muitos israelenses questionaram a habilidade do governo em lidar com desastres ecológicos. O fogo só foi extinguido após a ajuda de países da Europa, além de Chipre, Egito, Jordânia e Turquia, com quem Israel tem tido estremecimento nas relações nos últimos dois anos. E, por último, carros de bombeiros foram enviados dos territórios ocupados da Palestina.

O chefe da Defesa Civil da cidade de Belém, Ibrahim Ayish, disse à agência de notícias palestina Maan que 21 homens da Cisjordânia e quarto carros de bombeiros totalmente equipados estavam ajudando israelenses e as forças internacionais que tentavam controlar o fogo perto de Haifa.

Efe

Netanyahu e o presidente israelense Shimon Peres premiam equipes de resgate de diversos países pelo auxílio dado

Netanyahu pode sair ileso do fiasco, mas o mesmo não pode ser dito de seu ministro de Interior, Eli Yishai. Em relatório do Controlador Geral do Estado, Micha Lindenstrauss, liberado na quarta-feira (08/12), Yishai foi apontado como principal culpado pela “deterioração e falta de preparo das forças de combate a fogo de Israel e dos serviços de ajuda de emergência”, informou o jornal israelense Haaretz.

O despreparo custou 41vidas (ardas prisionais que estavam em um ônibus preso no incêndio) e fez 17 mil pessoas serem evacuadas. O prejuízo pode chegar a dois bilhões de shekels (cerca de um bilhão de reais) entre perdas, reconstruções de casas, estradas e infraestrutura.

O controlador-geral já apontava em relatório de 2007 que o serviço de combate a fogo era o mais fraco entre as forças de resgate de Israel. E em relatório no início deste ano, declarou que a situação havia se deteriorado.

O Haaretz pediu em editorial do dia 6 de dezembro a renúncia do ministro do Interior. “Yishai acusa o Ministro das Finanças, Yuval Steinitz, e seus oficiais do Tesouro de ignorar suas requisições para aumentar a receita de combate a fogo. Mas ele mesmo não mostrou a mesma persistência que teveem suas batalhas contra os filhos de trabalhadores migrantes, ou à expansão dos assentamentos em Jerusalém Oriental”.

O controlador não decidiu ainda se fará uma investigação detalhada sobre o incêndio do Carmel. Segundo o diário israelense, ele esperará recomendação do Comitê de Aperfeiçoamento dos Serviços do Governo para uma investigação nacional dos eventos do incêndio após a apresentação do relatório ao próprio Comitê. 

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Gays e lésbicas de Portugal em campanha contra bullying homofóbico


Psiquiatra Gabriela Moita diz que a homofobia "é muitas vezes validada em família". Júlio Machado Vaz preferia campanha para todos.
A primeira campanha contra o bullying homofóbico está nas escolas desde Outubro A primeira campanha contra o bullying homofóbico está nas escolas desde Outubro (Foto: Nelson Garrido)

Num dos cartazes, três rapazes adolescentes surgem abraçados, quadro de ardósia em pano de fundo, com a frase "Ele é gay e estamos bem com isso". Na versão feminina, repetem-se os elementos, mas a frase muda, claro, para "Ela é lésbica e estamos bem com isso". A primeira campanha contra o bullying homofóbico está nas escolas desde Outubro, numa iniciativa que custou 50 mil euros, financiados em 85 por cento pela Comissão Para a Cidadania e Igualdade de Género.

Os adolescentes que aparecem nos cartazes "são jovens portugueses que, em regime pro bono, decidiram dar a cara pela campanha", como enfatizou ao PÚBLICO Sara Martinho, coordenadora do Projecto Inclusão da rede ex aequo, a associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes responsável pela iniciativa, inédita em Portugal. Além dos 20 mil cartazes, a campanha compreende a edição de 123 mil postais onde os jovens são desafiados a denunciar situações de discriminação, física ou verbal, por homofobia ou transfobia, através do site www.rea.pt/observatorio. "Em 2006, vinte queixas; em 2008, o número subiu para mais de noventa; e, no relatório deste ano, as queixas de situações de bullying homofóbico ou transfóbico já são da ordem das centenas", precisou Sara Martinho, para quem o aumento das queixas decorre, não tanto de um agravamento do problema, mas de uma maior sensibilização das pessoas.

Queixas de vários tipos

À rede ex aequo chegam queixas de vários tipos. Sobre um professor de uma escola de Lisboa que quis baixar a nota dada a um aluno depois de ter percebido que ele era gay. De alguém que viu um rapaz apedrejar duas raparigas de 16 anos por serem lésbicas. De insultos, de ameaças, de segregação. "Durante dois anos consecutivos, sofri tortura psicológica. Gozaram comigo, fizeram pouco de mim, falaram mal e fizeram-me sentir abaixo do pior animal que pode existir", queixou-se, sob anonimato, alguém de 15 anos, residente em Aveiro.

O que distingue a homofobia em contexto escolar da praticada noutros meios é que aquela tem como vítimas "jovens que ainda estão em processo de crescimento e que, muitas vezes, não têm maturidade nem ferramentas para se defenderem", sublinha Sara Martinho. "Uma das coisas que costumo dizer quando vou às escolas é que muitas crianças ainda não sabem o que é ser homossexual, mas já sabem que ser lésbica ou gay é uma coisa negativa e suja, do campo do insulto". Claro que a partir daqui "fica muito mais difícil conseguir que lidem com isso e com a sua própria sexualidade de forma saudável e natural", acrescenta Martinho.

Porque é assim e porque "este tipo de bullying acaba muitas vezes por ser validado pelas próprias famílias", a psicóloga Gabriela Moita - com uma pós-graduação em psicoterapia da criança e um doutoramento sobre a homossexualidade em contexto clínico - aplaude de pé esta campanha. "Todas as campanhas contra o bullying são fundamentais e, no caso da homofobia ou transfobia, a iniciativa tem a vantagem de mostrar que isso também é bullying porque se trata de um nicho menos cuidado, e o que se passa, muitas vezes, é que quando o menino chega a casa e comenta que o miúdo tal é gay o que os pais fazem é reforçar o preconceito."

Questionado quanto à pertinência de campanhas como esta, o sexólogo Júlio Machado Vaz é menos categórico. "Compreendo que determinados grupos sintam a necessidade, atendendo à xenofobia de que ainda são alvo, de chamar a atenção para o seu caso específico, mas prefiro que as campanhas sejam dirigidas ao público em geral". Porquê? "Porque o bullying contra homossexuais é apenas uma triste variante do bullying em geral e também aqui devemos ir por um caminho que nos leve cada vez menos ao acentuar das diferenças e cada vez mais ao acentuar das semelhanças".

Para seleção feminina de futebol afegã, competir é vitória

Por Rod Nordland no The New York Times

Time de mulheres tenta recuperar esporte feminino e treina em base de helicópteros da Otan, único local seguro na capital Cabul

Na primeira terça-feira de dezembro, a seleção feminina de futebol do Afeganistão tinha apenas mais dois dias para treinar antes de partir para sua primeira competição internacional.
Elas se revezaram nos chutes de longa distância ao gol, praticaram o bloqueio de pênaltis e driblaram a bola entre si em torno de um círculo. Em seguida, soldados armados irromperam através de um portão na lateral ordenando-lhes - educadamente – que fossem para um canto. Ouviu-se o barulho e vários helicópteros chegaram de uma vez, levantando poeira e detritos sobre seus rostos.


Foto: The New York Times


Integrantes do time de futebol feminimo afegão, antes de treinamento em Cabul

Mais uma vez, a Otan fazia uso de seu heliporto e as mulheres tiveram de desocupar o único local na capital onde podem jogar em segurança. "Eu odeio os helicópteros, mas em qualquer outro lugar nós não poderíamos jogar em público. Nós seríamos atacadas", disse Khalida Popal, oficial da confederação de futebol feminino e uma das jogadoras mais antigas da equipe.
Ela joga como zagueira na seleção, mas é uma atacante incansável quando se trata de promover o futebol feminino. "É assim que eu luto", disse ela. "Queremos enviar uma mensagem ao mundo para mostrar que as mulheres podem jogar futebol, estudar e trabalhar".
Nenhuma dessas atividades tem sido fácil para as mulheres do Afeganistão, mas o esporte tem sido particularmente difícil. Completamente proibidos durante o regime Taleban, os esportes femininos estão voltando aos poucos, prejudicados por baixos orçamentos e pela falta de segurança, mas principalmente pela falta de lugares para jogar em uma sociedade onde até mesmo modestas exposições do corpo são muitas vezes tratadas como um crime social.
"Onde quer que vamos as pessoas nos dizem: 'Por que vocês jogam futebol? Este jogo não é para mulheres'", disse Khalida.
Esforços
Embora o país tenha algum tipo de equipe feminina em 22 esportes, esses esforços estão apenas começando. Nas Olimpíadas de 2008, apenas uma mulher afegã competiu, em atletismo, enquanto duas competiram em 2004, de acordo com Shukaria Hikmat, chefe do Comitê Olímpico Afegão.
Os homens esportistas, por outro lado, têm conquistado bastante espaço apesar da guerra. Seus jogadores de críquete são heróis nacionais, principalmente depois que derrotaram a Escócia recentemente, e sua equipe de tae kwon do é uma potência asiática.


Foto: The New York Times
Chegada de helicóptero da Otan faz mulheres desocuparem único local na capital onde podem jogar em segurança
A equipe feminina de futebol voou para Bangladesh para sua primeira competição internacional oficial, um torneio promovido pela Federação de Futebol do Sul da Ásia. "Competir internacionalmente já será uma vitória", disse a técnica da equipe, Wahidullah Wahidi, especialmente porque as mulheres afegãs estarão jogando contra equipes provenientes de países onde o futebol feminino está bem estabelecido.
A equipe afegã tem muitas deficiências. A seleção pode usar o campo de futebol localizado dentro de uma base da Otan em Cabul apenas três vezes por semana – caso os desembarques dos helicópteros não atrapalhem. O presidente Hamid Karzai ordenou que o campo fosse colocado à sua disposição depois de uma performance inesperadamente forte em um amistoso contra o Paquistão.

Costumes


A capitã é uma estudante de 16 anos de idade, Roya Noori, uma atacante baixa com um chute feroz. Quatro das melhores jogadoras vivem na América e não tiveram oportunidade de treinar com a equipe antes do campeonato em Bangladesh. Mesmo suas roupas e sapatos esportivos são uma miscelânea de origem variada – calções ou mangas curtas não fazem parte do conjunto.
A maioria das jogadoras, no entanto, não usa lenços na cabeça – vestimenta obrigatória em público para as mulheres do país – por ser pouco prático. "Pode ser perigoso", disse Khalida. "Outra jogadora pode agarrá-la e estrangulá-la".
Khalida, 23 anos, é uma estudante de engenharia que vem de uma conservadora família pashtun. Quando ela demonstrou aptidão para o jogo, na escola, seu pai e irmãos se opuseram à ideia. Quase todos os 21 clubes femininos do Afeganistão ficam na capital.


Foto: The New York Times

País vem retomando esportes femininos, proibidos durante a época do regime talibã

"Eu consegui convencê-los demonstrando o meu amor pelo futebol e eles finalmente concordaram", disse ela. Isso foi há cinco anos. "Agora eles estão muito orgulhosos". Eles também estão preocupados. Como porta-voz do futebol feminino ela recebeu ameaças de morte e é muitas vezes insultada na rua, disse.
"Este é o direito civil de cada mulher", disse Wahidullah. "O esporte não deve ser apenas para os homens. O problema com o nosso país é que há tantos analfabetos, cerca de 85% do nosso povo, e as pessoas não conhecem nada melhor".
Em outubro, a equipe afegã teve um jogo amistoso com a equipe feminina das forças da Otan. "Nós queríamos mostrar-lhes que os afegãos são um povo amigável, não como as pessoas estúpidas com quem estão lutando", disse Popal.
A capitã da equipe da Otan era a sargento da Marinha Danielle Figueroa. "Eu percebi que menosprezo até mesmo a minha capacidade de jogar qualquer esporte", disse ela. "Não me dei conta, até semana passada, quando nós tivemos uma chance de conversar sobre como isso é novo para elas".
Sem interrupções de pousos de helicópteros, as mulheres do Afeganistão venceram a Otan por 1-0.

Tradução: no portal IG não havia créditos para o tradutor

Áreas rurais concentram 75% da pobreza mundial


Em todo o mundo, 925 milhões de pessoas seguem sofrendo fome crônica, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Cerca de 75% da pobreza mundial está concentrada em áreas rurais. Relator especial da ONU sobre direito à alimentação diz que camponeses de países pobres estão capturados por um círculo vicioso: os governos não investem o suficiente na agricultura e os produtores locais estão sendo expulsos de suas terras e lançados em periferias urbanas onde se afundam ainda mais na pobreza.

Nova York (IPS) – Por todo o mundo, camponeses estão sendo apanhados em um círculo vicioso: os governos não investem o suficiente na agricultura e os produtores locais estão sendo expulsos de suas terras e lançados em periferias urbanas onde se afundam ainda mais na pobreza. Isso só dificulta os esforços para aliviar o problema da desnutrição: em todo o mundo, 925 milhões de pessoas seguem sofrendo fome crônica, segundo dados divulgados em setembro pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

Olivier de Schutter, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direito à alimentação, assinalou que a solução mais sustentável é incrementar os investimentos agrícolas nos países em desenvolvimento do Sul para melhorar a renda dos camponeses e dar-lhes uma maior estabilidade no setor. De Schutter, que trabalha de forma independente, foi designado em maio de 2008 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra. Desde então, visitou a Nicarágua, Guatemala, Brasil, Benin e Síria. Segue a entrevista que ele concedeu a IPS:

IPS: Qual a importância da agricultura nas economias dos países em desenvolvimento?

Vários países em desenvolvimento dependem demasiadamente de um punhado de matérias primas, como o algodão, o café, o tabaco e o açúcar. Isso os torna muito vulneráveis a mudanças dos preços desses produtos e também significa que têm uma tendência a investir muito nestes cultivos para sua exportação e menos para o consumo local. Esse é o caso de quase todos os países da África Subsaariana. Neste contexto, eu estou sugerindo a esses países que façam duas coisas: primeiro, investir na agricultura para produzir alimentos internamente e, assim, tornar-se menos vulnerável no futuro aos aumentos de preços no mercado de alimentos, uma medida fundamental para a sua segurança alimentar.

Segundo, que diversifiquem suas economias para ter um setor secundário (a indústria) e outro terciário (os serviços) que possam absorver a mão de obra excedente e diminuir a dependência de um pacote limitado de cultivos de exportação como fonte de renda.

IPS: Uma maior produtividade agrícola impulsionaria as economias de alguns dos países mais pobres na África e Ásia?

Os investimentos na produtividade agrícola podem ser fundamentais se beneficiarem os camponeses, que são os mais pobres. Cerca de 75% da pobreza mundial está concentrada em áreas rurais. Melhorar a renda dessas pessoas fará com que comprem mais de produtores e provedores de serviços locais, com um importante efeito multiplicador nas economias, beneficiando também os setores da indústria e de serviços em seus respectivos países.

IPS: Que tipo de investimento está recomendando?

São necessários investimentos públicos e privados. Os países simplesmente não tem o orçamento necessário, muitos carecem de recursos. Certos investimentos provavelmente devem ser feitos pelo Estado, já que não existem incentivos ou são débeis para o setor privado. Por exemplo, os estados deveriam desenvolver serviços de extensão rural, infraestrutura e pesquisa agrícola. Deveriam criar escolas agrárias e apoiar organizações e cooperativas de camponeses.

Os investimentos do setor privado também são importantes e podem complementar os do setor público. Mas não devem tomar a forma de aquisições ou de compra de terra em grande escola, pois isso pode causar enormes perturbações sociais e políticas, constituindo um retrocesso nos esforços para melhorar o acesso a terras por parte dos pobres que, em geral, já tem pouco para cultivar. Então, qual é a alternativa? Creio que certas formas de contratos agrícolas podem garantir importantes benefícios para os camponeses, possibilitando que sejam apoiados por investimento e garantam o acesso à terra.

IPS: De quanto exatamente necessita a agricultura e quanto está sendo investido hoje? Qual é o déficit?

Estima-se que, para relançar a agricultura na África Subsaariana e cobrir 30 anos de esquecimento, são necessários entre 35 e 45 bilhões de dólares anuais durante um período de cinco anos (2010-2015). Isso é mais do que se prometeu até agora e, de fato, pouco dinheiro foi prometido para essa finalidade.

IPS: Quais são algumas das soluções para esta falta de responsabilidade?

A participação dos parlamentos nacionais e de organizações da sociedade civil, incluindo grupos de camponeses, pode ser muito importante para garantir que os governos tomem decisões bem informadas na base de uma adequada compreensão sobre o que os pobres necessitam. Eu recomendo a adoção de estratégias que sejam desenvolvidas em marcos participativos, por meio dos quais os governos estabeleçam pontos de referência para eles mesmos dentro de um prazo determinado e atribuam responsabilidades em diversos departamentos para a adição das medidas necessárias para atingir tais metas. Isso aumenta a responsabilidade do governo, já que terá que justificar a ausência de ações e explicar por que não cumpriu as metas que fixou para si mesmo.

IPS: O alimento pode ser usado como arma de guerra?

Pode sim. Interromper o transporte de ajuda alimentar a zonas afetadas pela guerra sob o pretexto de que a ajuda poderia terminar em mãos de guerrilheiros, matar de fome uma população para castigá-la por ser hostil ao governo central ou destruir cultivos para privar as pessoas de alimentos são graves violações aos direitos humanos. Em alguns casos podem constituir crimes de guerra ou contra a humanidade. No entanto, o mais frequente é o uso de alimentos como ferramenta política, para recompensar partidários e castigar adversários.

Tradução: Katarina Peixoto


Fotos: Unicef