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domingo, 26 de janeiro de 2014

FST - POA - 2014



No Fórum Social Temático, em Porto Alegre, o ministro Gilberto Carvalho informou dados de pesquisa realizada pela ONU apontou que a concentração de riquezas nas mãos dos mais ricos é cada vez maior, com exceção do Brasil e países da América Latina. Estes países conseguiram neste período melhorar a qualidade de vida para todos com melhor distribuição de renda. Em outro evento no FST- POA ficamos sabendo que na Grécia 60% dos jovens estão desempregados e a população moradora de rua aumentou em 30%. Na Espanha o índice de desemprego chegou a 26%. É o capital monopolista e a política neoliberal mostrando as suas verdadeiras garras.E por incrível que pareça entre alguns manifestantes de ruas no Brasil ainda tem jovens denominando de Bolsa esmola um programa que já retirou milhões de pessoas da linha da pobreza e que viabilizou a capacitação profissional e posteriormente a emancipação econômica dos programas de distribuição de renda, elevando desta forma, pela primeira vez em nosso país, o IDH- Ìndice de Desenvolvimento Humano aos níveis dos países chamados desenvolvidos.Enquanto isso o Fórum Econômico Mundial em Davos discute "alternativas" para enfrentar as consequências que o Neoliberalismo gerou: Concentração de Renda, Desemprego e Desigualdades cada vez maiores. A avaliação dos países ricos é que estes fatores poderão gerar instabilidade ao "mundo", leia ao capitalismo monopolista. Enquanto que no FST, Gilberto Carvalho defende que é necessário amadurecer quais os passos e elementos constitutivos de um novo projeto. E como combinar a presença forte na luta social com o poder institucional. Já Tarso Genro defendeu que o Estado ( gestor de nações) tem que pautar políticas públicas que gerem movimentos contra hegemônicos: "Um outro Modelo Econômico um outro modelo político, para isso avalia que devemos iniciar por reestruturar os pactos e uma restruturação constitucional de forma que se faça uma consertação política e que retire o Estado do controle do capital. A mesa foi democrática falas criticas desde a mesa as manifestações do público. Chico Whitaker fez referência a sua luta dos últimos 2 anos, contra as usinas nucleares que considera um enorme risco a humanidade, já as manifestações do público abordaram a temática da inclusão de jovens na política e mesclando com mais políticas públicas para as pessoas deficientes físicos, mais espaço para as mulheres, pela libertação da Palestina e combate ao racismo. Quem foi saiu renovado. E sabedor que um outro mundo é possível e está sendo construído no Brasil e na América Latina. Parabéns a diversidade e aos debatedores.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Monsanto e o poder do veneno


Monsanto e o poder do veneno

Editorial do jornal Brasil de Fato: via blog do MIRO


Os ratos alimentados, a vida toda, com o milho transgênico da Monsanto desenvolveram câncer, problemas hepático-renais e morte prematura em índices bem superiores aos que receberam outro tipo de alimentação. 

Um estudo publicado em 2012, liderado pelo pesquisador francês Gilles-Éric Séralini, mostrou que 50% dos machos e 70% das fêmeas morreram de forma prematura, contra, respectivamente, 30% e 20% dos do grupo que não comeram o milho do Monsanto. 

Se não bastasse a gravidade da denúncia, uma vez que o milho é um dos principais alimentos dos seres humanos, o caso explicitou a outra face da gigante empresa estadunidense do agronegócio: sua ingerência política nos âmbitos científicos. 

A revista, a Food and Chemical Toxicology, mesmo reconhecendo que o artigo de Séralini é sério e não apresenta incorreções, se retratou da sua publicação, dizendo que o estudo não é conclusivo. 

A retratação ocorreu depois de uma agressiva campanha contra o trabalho do pesquisador francês e, pasmem, após a revista ter contratado como editor especial Richard Goodman, ex-funcionário da Monsanto! 

Não faltaram espaços nos meios de comunicação para cientistas, dos centros de pesquisas financiados pela Monsanto, pela Syngente e pela Bayer, repetirem críticas – parciais e inexatas – apenas horas depois da publicação do artigo. 

A agência de notícias Adital, que publicou essas informações, não esqueceu de lembrar que o mesmo tipo de perseguição sofreu o mexicano Ignacio Chapela, quando publicou na revista Nature um artigo em que denunciava que o milho camponês da região de Oaxaca/México havia sido contaminado pelo transgênico da Monsanto. 

A repetição dessa prática fez com que a Unión de Científicos Comprometidos con la Sociedad emitisse um comunicado condenando a pressão que as empresas transnacionais fazem para que as revista científicas se retratem dos estudos que confirmam danos à saúde pelo consumo dos seus produtos. 

O Prêmio Nobel de Medicina/ 2013, Randy Schkman, já havia alertado sobre a promiscuidade das revistas científicas com os grandes grupos empresariais, causando danos à ciência. 

Em julho, a ONG europeia, protetora do meio ambiente, Amigos da Terra e a Federação para meio Ambiente e Proteção à Natureza Deutschland (BUND) se prepararam para apresentar um estudo sobre os efeitos do herbicida glifosato no corpo humano. Os herbicidas que contêm glifosato são carros-chefe da Monsanto. O estudo seria apresentado em 18 países. Misteriosamente, dois dias antes da publicação do estudo, um vírus paralisou o computador do principal organizador do evento. Em nenhum momento se responsabilizou a Monsanto pelo ocorrido. 

No entanto, não são desconhecidas as estreitas relações que essa empresa mantém com serviços secretos estadunidenses, com as forças armadas, em empresas de segurança privadas e, principalmente, junto ao governo dos EUA. 

É possível que as relações que a empresa mantém com esse poderoso aparato, com inimaginável capacidade investigativa e repressiva, tenham vínculos com os numerosos relatos de ataques cibernéticos regulares, com padrão profissional, que sofrem os críticos da Monsanto. 

Com todo esse poderio políticoeconômico, a empresa estadunidenses foi mencionada, inúmeras vezes, com uma ativa coautora do golpe de Estado paraguaio, em junho de 2012, que afastou o presidente democraticamente eleito, Fernando Lugo. 

O educador Juan Diaz Bordenavce, falecido em novembro de 2012, escreveu que, entre os dez fatores que serviram como detonadores do golpe, estava o “aumento da proibição de sementes transgênicas, o que poderia afetar os enormes lucros da multinacional norte-americana Monsanto”. 

Com o passar dos dias, evidenciou- se ainda mais a participação das transnacionais Monsanto e Cargill, em conluio com a oligarquia latifundiária, as elites empresariais e sua mídia, na execução do golpe. 

Essa folha corrida da Monsanto é mais um elemento favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, proposta no STF pela OAB, solicitando fim das doações de campanha eleitoral por pessoas jurídicas. 

Não causa surpresa ver que ministros do STF, safos, como Gilmar Mendes, se posicionem contrários à ação da OAB. Os campos de atuação e os interesses comuns ficam cada vez mais evidenciados.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

MPF/MS denuncia 19 pessoas por homicídio de cacique guarani-kaiowá

 


A ação aconteceu no dia 18 de novembro de 2011 e resultou na morte do cacique Nízio Gomes e em lesões corporais ao indígena Jhonaton Velasques Gomes | Foto: Comunidade Guaiviry
 
Da Redação do SUL21
 
O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul denunciou 19 pessoas a responderem como réus na Justiça por vários crimes relacionados à expulsão dos indígenas do acampamento Guaiviry, instalado em área mata nativa de propriedade rural, localizada no sul do estado mato-grossense.
A ação aconteceu no dia 18 de novembro de 2011 e resultou na morte do cacique Nízio Gomes e em lesões corporais ao indígena Jhonaton Velasques Gomes. Foram utilizadas ao menos seis armas de fogo calibre 12 na ação, ainda que com munição menos letal. Sete réus continuam presos.
O crime repercutiu internacionalmente e colocou em foco o “ambiente onde imperam o preconceito, a discriminação, a violência e o constante desrespeito a direitos fundamentais” dos 44 mil guarani-kaiowá e guarani-ñandeva que vivem em Mato Grosso do Sul, como descreve a denúncia do MPF.
Crimes
Dos 19 acusados, 3 respondem por homicídio qualificado, lesão corporal, ocultação de cadáver, porte ilegal de arma de fogo e corrupção de testemunha; 4, por homicídio qualificado, lesão corporal, ocultação de cadáver, porte ilegal de arma de fogo; e 12, por homicídio qualificado, lesão corporal, quadrilha ou bando armado e porte ilegal de arma de fogo.
As investigações revelaram que, após a ocupação da área de mata da fazenda pela comunidade indígena, em 1º de novembro de 2011, um grupo iniciou planejamento com o objetivo de promover a retirada violenta dos indígenas. Na madrugada de 18 de novembro, iniciou-se a ação. O objetivo era a expulsão violenta da comunidade indígena. Ao chegar na trilha que dá acesso ao interior do acampamento, o grupo abordou o cacique Nízio Gomes (55 anos), que ofereceu resistência. Iniciou-se intenso confronto, em que Nízio Gomes foi alvejado, resultando em sua morte. O corpo de Nízio Gomes até hoje não foi localizado, mesmo com a realização de buscas até em território paraguaio.
Homicídio apurado mesmo sem o corpo
Sobre a não localização do corpo ou dos restos mortais, para o MPF há provas e indícios suficientes do homicídio qualificado do cacique Nízio Gomes. Além das declarações dos réus e do depoimento de testemunhas, laudo pericial apontou a existência de vestígios de sangue em fragmentos de madeira e na terra do interior da trilha do Tekoha Guaiviry. Exame de DNA confirmou ser “perfil genético de indivíduo do sexo masculino, geneticamente relacionado à mãe e aos filhos de Nízio Gomes”.
Com informações do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul

domingo, 4 de novembro de 2012

Filósofo Peter Singer: “Furacão Sandy não foi um evento ‘natural’.

 



Entrevista com Peter Singer, filósofo australiano, Professor de Bioética da Universidade Princeton, autor de diversos livros sobre ética, direitos dos animais, ecologia e sustentabilidade.
 
“Em primeiro lugar, deixe-me dizer que o furacão Sandy não foi um evento ‘natural’.” Com essas palavras, surpreendentes na boca de um filósofo da ciência, o australiano Peter Singer começa a entrevista que você lê a seguir. Professor de bioética da Universidade Princeton – pesquisador e ambientalista incansável na denúncia dos riscos do aquecimento global e na defesa dos direitos dos animais -, Singer espanta-se tanto diante dos que creem em um Deus onipotente e intervencionista a zelar pela vida dos homens quanto dos que relutam em acreditar nos dados científicos que atestam os efeitos nefastos da ação humana sobre o clima da Terra.
Com o número de mortos em decorrência do Sandy aproximando-se da centena na sexta-feira e a campanha presidencial virtualmente paralisada nos Estados Unidos diante da tragédia, pelo menos um sintomático efeito político se fez sentir: o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, um independente que já esteve afinado com os republicanos, declarou apoio à reeleição de Barack Obama. Alarmado com a magnitude da destruição na cidade, Bloomberg tomou partido na celeuma sobre o tema ambiental, que divide democratas, defensores do investimento em energias verdes, dos “negacionistas” republicanos, que refutam a ideia de que o aquecimento global seja causado pela ação do homem.
Para Peter Singer, chegamos ao ponto em que não basta intensificar preparativos para emergências de grandes proporções em nossas metrópoles. Será preciso tomar uma atitude radical em relação às emissões de gases do efeito estufa, nas formas de geração de energia e em nossos próprios padrões de consumo – antes que seja tarde demais. “Tempestades extremas como essa”, diz o professor, “evidenciam nossa ingenuidade ao imaginarmos que o conhecimento científico é suficiente para nos proteger delas.”
As imagens do furacão Sandy sobre Manhattan lembram muito os filmes de catástrofe em Hollywood, que atraem multidões aos cinemas. Qual é o efeito desses grandes eventos naturais sobre a autoestima e a imaginação do homem atual?
Em primeiro lugar, deixe-me dizer que não devemos admitir que o furacão Sandy foi um evento “natural”. Cientistas que pesquisam mudanças climáticas induzidas pela atividade humana já haviam previsto que eventos climáticos extremos iriam se tornar mais comuns. Por sua intensidade e força, é praticamente certo que o furacão esteja conectado aos danos que causamos ao meio ambiente. No que se refere ao clima, assim como às plantas, animais e tudo o que chamamos de “ambiente natural”, não existe mais “natureza” neste planeta: estamos vivendo numa era em que a atividade humana afeta tudo, em todas as partes do mundo. Dito isso, tempestades extremas como essa, e também terremotos e tsunamis, evidenciam nossa ingenuidade ao imaginarmos que nosso conhecimento científico é suficiente para nos proteger deles. Às vezes podemos prever esses eventos, o que evidentemente nos ajuda a salvar muitas vidas, mas ainda assim eles mostram quão pífios podem ser nossos melhores esforços para enfrentá-los.
Então eles abalam, além de cidades, as nossas crenças?
Exato. Esse é um fator curiosamente ignorado muitas vezes. Em 1755, após um terremoto e um tsunami devastarem Lisboa, matando dezenas de milhares de pessoas, filósofos iluministas questionaram como o mundo poderia ter sido criado por um ser onipotente, onisciente e benevolente. Este não pode ser o melhor dos mundos, disse Voltaire por meio de seu personagem Cândido. Concordo com ele e me intriga o fato de cristãos tradicionais testemunharem semelhantes calamidades – com milhares de mortos, incluindo crianças, com sofrimento generalizado – e continuarem a crer em um deus com semelhantes atributos.
Mesmo com as previsões dos cientistas e com as precauções tomadas pelas autoridades americanas, a usina nuclear de New Jersey entrou em ‘estado de alerta’ devido à tempestade. Por mais que nos preparemos para tais eventos, chegaremos a estar seguros?
A energia nuclear é uma atividade inerentemente perigosa, e desastres como o tsunami que atingiu a planta nuclear de Fukushima deixaram isso bastante claro. Tanto que países como a Alemanha já acordaram para a necessidade de abandoná-la. Mesmo quando as probabilidades de algo dar errado são extremamente baixas, se isso acontece as consequências podem ser um desastre de proporções inéditas – e podem tornar uma extensa região inabitável por séculos. Claro que a energia nuclear não contribui para o aquecimento global e é, compreensivelmente, uma alternativa atraente aos olhos de muitos. Mas há outras opções mais seguras que o nuclear ou as termoelétricas a carvão, como a energia solar, eólica e hidrelétrica, com eficiência razoável e menor produção de lixo.
O sr. afirma que o Sandy não pode ser chamado de evento ‘natural’, mas alguns cientistas têm dito que, embora intenso, ele não foi tão diferente de outros furacões ou ciclones.
Sandy poderia ser chamado de “normal” no contexto de um fenômeno que ocorresse uma vez a cada cem anos. O problema é que esses “desastres naturais” têm tido frequência cada vez maior, de um a cada década. Seria difícil dizer, diante de um único furacão, que ele é resultado do aquecimento global. Mas no atual cenário de furacões, enchentes e secas cada vez mais frequentes no mundo, eu não chamaria o Sandy, de forma alguma, de “fenômeno natural”.
Ou seja, a partir de agora as pessoas terão que desenvolver uma certa ‘consciência de sobrevivência’ para enfrentar desastres cada vez mais comuns?
Prefiro dizer que as pessoas – e os governos – terão de levar realmente a sério as mudanças climáticas. Nós temos de reduzir as emissões de gases antes que a situação se torne ainda pior. Mas enquanto isso não acontece as pessoas podem se preparar para perdas e desastres cada vez mais frequentes nas grandes cidades.
Quanto os urbanistas de hoje estão preparados para enfrentar essa situação?
O planejamento urbano começa a centrar foco na antecipação de emergências, mas é muito difícil estar preparado para ocorrências de tão grandes proporções. Na construção do novo World Trade Center em Nova York, por exemplo, a polícia solicitou que a base do edifício fosse forte o bastante para resistir a uma grande explosão. Só que esse é apenas um tipo de emergência possível. Existe, como se pôde perceber agora na cidade, muito pouca proteção para barrar as inundações. Mesmo as instalações de energia elétrica nova-iorquinas não estão protegidas: enquanto falamos aqui, a parte baixa de Manhattan continua às escuras, e pode levar dias até que a energia seja religada.
A campanha presidencial americana parou por causa do furacão. Grandes tragédias, como o furacão Katrina em 2005, sempre afetaram a política, mas de início parece haver um acordo tácito para enfrentá-las. Por quê?
Num primeiro momento, há a sensação de que todos devem se unir e trabalhar juntos para reduzir os danos. Mas é um sentimento que não dura muito. O Katrina, no fim, foi devastador para a administração Bush, principalmente porque a Fema (Federal Emergency Management Authority, agência governamental responsável pela prevenção de catástrofes) fez um trabalho péssimo – e ficou revelado que Bush havia nomeado um amigo político sem experiência no assunto para a chefia da agência. Agora, tanto as agências meteorológicas quanto a Fema fizeram um trabalho muito melhor do que no caso Katrina.
Aparentemente, Obama e Romney têm visões distintas sobre a importância da Fema.
De fato. E espero que os apoiadores do presidente Obama deixem bem claro que Mitt Romney disse, no ano passado, que pretendia extinguir a Fema e atribuir suas funções aos Estados. Depois do furacão Sandy ele já mudou o discurso, não quer mais abolir a Fema… O que prova que diz qualquer coisa para ser eleito. Há uma clara diferença entre os dois candidatos nesse assunto. Depois de Bush ter diminuído o status da Fema, Obama felizmente o recuperou. Mas os republicanos insistem na ideologia de reduzir o poder do governo federal, mesmo quando é óbvio ser impossível para as autoridades individuais dos Estados lidarem com um problema como o do furacão Sandy, que afeta vários deles.
Segunda-feira, quando as estatísticas americanas registravam menos de uma dezena de mortos, 52 pessoas já haviam morrido por causa do Sandy no Haiti. Nessas grandes tragédias as vidas das populações mais pobres contam menos?
É fato que populações pobres, distantes dos centros internacionais de mídia, recebem muito menos atenção. É um problema que sempre vimos e estamos vendo de novo agora. E vale ainda notar que pessoas mortas em furacões, terremotos, tsunamis e ataques terroristas ganham muito mais atenção do que as que perdem a vida por razões relacionadas à pobreza, à falta de saneamento, água potável ou atendimento médico. De acordo com a Unicef, as mortes de 8 milhões de crianças a cada ano em decorrência de fatores como esses poderiam ser evitadas. Isso é mais do que 20 mil óbitos por dia – tragédia muito maior que a do furacão Sandy, seja no Haiti, seja nos EUA. Uma tragédia cotidiana, que não rende imagens cinematográficas na TV; simplesmente não é noticiada.
Essa semana, uma corte italiana condenou por homicídio culposo sete sismólogos que não previram um terremoto que matou 300 pessoas em 2009. O que achou do caso?
Um absurdo e uma ameaça à pesquisa científica. Como podemos incentivar que pesquisadores deixem as universidades para prestar serviço em áreas de significância pública se os ameaçamos de prisão quando algo dá errado? Não está claro sequer se esses cientistas cometeram algum engano nesse caso – eles podem ter agido com base nas evidências que eram disponíveis. Podiam ter feito melhor? Como saber? E, ainda que tivessem cometido um equívoco genuíno, jamais se justificaria condená-los por homicídio culposo!
O que já aprendemos sobre a prevenção de grandes tragédias naturais?
Que não se pode esperar proteção completa diante de terremotos ou eventos climáticos extremos. Mas certamente podemos construir edifícios mais sólidos, erguer barragens anti-inundação e proteger os equipamentos de infraestrutura essenciais ao funcionamento das cidades. Organizações como a Geohazards International, por exemplo, têm sido pioneiras no desenvolvimento de projetos como o de parques altos em cidades costeiras, sujeitas a tsunamis, que podem acolher a população tão logo ocorra um alerta de terremoto oceânico. O problema, obviamente, é que tudo isso custa dinheiro, e quando os riscos de que determinado evento ocorra são pequenos, tendemos a não querer gastar com isso.
Como lidar com o potencial de destruição da natureza quando precisamos desesperadamente preservá-la da destruição humana?
O melhor que podemos fazer a ambos, a natureza e nós, é reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Nesse sentido, não podemos ignorar que um dos fatores de maior geração desses gases é a produção de carne – especialmente a bovina, pois as vacas produzem metano, que contribui 72 vezes mais para o aquecimento global que o dióxido de carbono. Sem uma mudança efetiva em nossos padrões de consumo, não vamos conseguir desacelerar a mudança climática que torna cada vez mais frequentes desastres como o furacão Sandy.
***
Com informações do Jornal O Estado de São Paulo.

sábado, 3 de novembro de 2012

Incra quer ampliar Brasil Sem Miséria para a questão agrária

 



Trabalhadores rurais ligados a quatro movimentos sociais de Alagoas montaram acampamento no centro da capital em protesto contra o que eles denominam "o engessamento da Reforma Agrária". A mobilização, que ocorreu durante toda quarta-feira (31), seguiu durante um seminário realizado no Estado com a presença dos superintendentes do Nordeste e do presidente do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Guedes.

Fonte: Brasil de Fato

 



Representantes do Incra discutiram a ampliação do Programa Brasil Sem Miséria para a questão agrária, já que, segundo Carlos Guedes, os assentados não precisam apenas de terra, mas de programas do governo federal, a exemplo do Minha Casa Minha Vida, que devem atender o homem do campo.

Porém, a medida não agrada os trabalhadores rurais – principalmente do Movimento de Libertação dos Sem Terras (MLST), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MLT) e Comissão Pastoral da Terra (CPT) – que além de acamparem no centro de Maceió, distribuíram uma carta aberta a população e ao presidente do Incra.

Segundo Josival Oliveira, dirigente nacional do MLST, o movimento não senta com o governo federal, uma vez que os trabalhadores rurais vêm sendo ludibriados. “Eles enterram a política de Reforma Agrária e querem cobrir a luta camponesa com programas assistencialistas.”

Por sua vez, Guedes destacou que a ampliação do Brasil Sem Miséria vem sendo solicitado desde o final do ano passado e que não entende o porquê dos movimentos se revoltarem contra o Incra. O presidente do Incra acredita que seja pela forma diferenciada dos dois lados fazerem política. “Acho que seja por isso, porque nós fazemos política pautada na legalidade, na lei, enquanto eles têm outras maneiras, talvez seja por isso”, justificou sem entrar em pormenores.

“Não é bem assim que vemos”, destacou Zé Roberto, dirigente nacional do MST. “Os camponeses vêm sofrendo com os impactos da cidade, principalmente com a crescente onda de violência que chega ao campo. Os trabalhadores estão deixando o campo para vir para a cidade, num claro processo de êxodo rural.”

Os movimentos justificam também que se sentem abandonados pelo órgão e, segundo Carlos Lima, coordenador da CPT, os acampamentos e assentamentos sofrem com a falta de água encanada, energia elétrica e estradas. “Isso impossibilita que o camponês desenvolva o escoamento dos seus produtos para a cidade, principalmente em época de chuva, quando ficam ilhados durante dias”, especificou.

Para Lima, é preciso que haja uma política clara de Reforma Agrária e não apenas um programa assistencialista.

Terras

Em relação ao conflito agrário em Alagoas, quatro áreas são consideradas emblemáticas. Uma delas é a Fazenda Cavaleiro, localizada no município de Murici, zona rural, onde em 2011 cerca de 75 famílias foram despejadas a mando da Vara Agrária.

Na ocasião, metade das famílias foram para a beira da BR-101, em Murici, e a outra parte ocupou a praça Visconde de Sinimbú, no centro de Maceió. Os acampados pertencentes ao MTL permaneceram durante um ano e meio nas dependências da praça sobrevivendo com o preconceito da sociedade e das mais variadas formas de sustento, entre elas a de perambular pelas ruas colhendo garrafas Pet para vender.

Em decorrência deste conflito, Guedes se reuniu com o Comitê de Conflito Agrário e garantiu que sete áreas serão adquiridas pelo órgão no intuito de tentar minimizar a problemática. Ainda segundo ele, o dinheiro já está na conta e só basta a aquisição e posse.

“Temos que agir dentro da lei, porque temos exemplos claros que assentamentos com pendências na Justiça, o Supremo dá liminar de desapropriação. Não é isso que queremos”, concluiu Guedes.

“Esperamos que realmente seja feita a reforma agrária e que o sofrimento das famílias de trabalhadores rurais que vivem debaixo de lonas nas beiras das BR's em nosso estado seja solucionado”, concluiu Josival, dirigente nacional do MLST.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

“Não gastamos um copeque sequer com publicidade”


 
Kristina e seu marido Dmítri se mudaram há dois anos para a aldeia de Medoveevka, a 10 quilômetros de Krasnaia Poliana, onde se dedicam à produção de sabonetes artesanais.
 
“Não gastamos um copeque sequer com publicidade”
A grande maioria dos produtores de sabão industriais não perde tempo com reações químicas. Foto: Mikhail Mordásov

Na cozinha de Kristina Suderovskaia, artesã que fabrica sabonetes com suas próprias mãos, tudo tem um aspecto comestível e apetitoso. Na mesa há óleos de girassol e de oliva; em uma panela em fogo brando são derretidos blocos de óleo de coco e em outra, de palmeira.

Há leite de cabra, mel, ovos, folhas secas de eucalipto, botões de rosa e cestas de ervas frescas, colhidas todas as manhãs. Sobre a mesa há ainda um arsenal de frascos e garrafinhas com essências e substâncias.
Imagens:


Os ingredientes necessários para fabricar o sabonete não são mistério algum. Ali estão, anotados em folhas de papel sobre as prateleiras. As receitas são precisas, e calcula-se a proporção dos elementos até o último grão. A única coisa difícil é reproduzir uma receita do autor com a mesma exatidão.

Há três anos, Kristina Sudarevskaia, seu marido Dmítri e as filhas pequenas do casal se mudaram de Moscou para uma pequena aldeia montanhosa, Medoveevka, localizada a dez quilômetros de Krasnaia Poliana, em Sôtchi.

Os problemas de comunicação e eletricidade são comuns na região. A neve cobre as casas até o teto durante o inverno, enquanto ursos visitam com frequência os plantações de maçã no verão. No entanto, o ar e a água são puros, e as florestas e pastagens estão cheias de espécies da flora ameaçadas de extinção.

Não é preciso dizer que os muitos parentes e amigos de Cristina usam seus sabonetes e xampus artesanais. Qualquer novidade é testada primeiro na família, incluindo a filha mais velha Milana e a mais nova, Vlada, com apenas dois anos de idade.

Diferença de qualidade

Segundo Kristina, as pessoas ficam um pouco céticas em relação aos produtos. Primeiro compram em pequenas quantidades para testar, mas depois voltam para adquirir mais. “A diferença entre um sabonete artesanal e industrial é evidente”, rebate.

“Eu entendo, é realmente difícil de acreditar que posso fazer sabonete com leite de cabra, suco de cenoura fresco ou chá de margarida”, diz Kristina. “Por que usar componentes naturais, quando existem corantes baratos, aromatizantes e substitutos de todo tipo?”

Os moradores de Medoveevka seguem a tradição dos antigos produtores de sabonete; combinam gorduras vegetais com uma solução aquosa de soda cáustica (hidróxido de sódio) que provoca uma reação química. Ainda quente, são misturados os demais ingredientes, como óleos, infusões, leite e mel, entre outros.

A grande maioria dos produtores de sabão industriais não perde tempo com reações químicas. Eles usam uma base pronta para fabricação de sabonetes, que geralmente contêm uma quantidade enorme de substâncias nocivas, incluindo compostos de metais pesados.

Se você vir sobre o balcão algum sabonete artesanal transparente, liso e brilhante, é mais provável que tenha sido feito com qualquer uma dessas bases. O sabonete caseiro é esbranquiçado, um pouco turvo, e sua aparência é a mesma de uma barra de sabão comum.

Prazer em trabalhar

Kristina produz sabonetes artesanais há seis anos. Ela começou com algumas barras para uso pessoal e para amigos. Atualmente produz cerca de quatro toneladas de produtos por ano: sabonetes, xampus, géis, pomadas, esfoliantes e cremes.

Com o nome de “Sabonete Krasnaia Poliana”, seus produtos estão distribuídos em salões de spa, casas de banho turco, lojas e pontos de vendas de cosméticos naturais.  O sabonete de Medoveevka também recebe encomendas de clientes particulares da Rússia e do exterior.

“Não gastamos um copeque sequer com publicidade”, conta Dmítri Serov, marido de Kristina. “O marketing boca-a-boca funciona, e eu mesmo sou o gestor da marca”, completa.”

A proposta de fazer esse trabalho, segundo ele, não é comprar um iate no dia de amanhã. “Estamos fazendo isso para dar uma oportunidade aos nossos netos. Só um produto de qualidade pode ser lucrativo. As pessoas acreditarão nele e em 10 ou 20 anos continuará no mercado”, afirma.

Kristina ainda considera sua atividade como um hobby, e não uma empresa. Toda a renda obtida com as vendas e uma parcela significativa do salário do seu marido são gastos no desenvolvimento do negócio, incluindo matéria-prima, papel para embalagem, garrafas e jarras, trabalhos de designer e produção de etiquetas.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A greve do ensino público e as engenharias

Engenheiros deslocados da realidade de seu país, avessos às lutas dos trabalhadores e preocupados com seu próprio umbigo. Esses são os profissionais que queremos formar nas universidades públicas brasileiras?

Por Felipe Addor*, para o Canal Ibase

Afinal, em que mundo vivem os cursos de engenharia das universidades públicas brasileiras?
Na minha primeira greve como professor, tive a oportunidade de ver de outra perspectiva o mundo em que vivemos no ensino de engenharia em uma universidade pública. O que se vê é um retrato da formação que nossos estudantes recebem.
Após alguns dias acompanhando o vigor do movimento, resolvo aderir à greve. A essa altura, mais de 40 universidades públicas já estavam em greve. Reuniões, assembleias, mobilizações, passeatas, movimentação virtual; todos na luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Enquanto isso, no Reino da Tecnologia, a movimentação é quase nula. Ninguém sabe, ninguém fala, ninguém vê. Estacionamentos lotados, salas de aula cheias, restaurantes com as tradicionais filas.
Afinal, em que mundo vivem os cursos de engenharia das universidades públicas brasileiras? (Foto: Guilerme Souza/Flickr)
Resolvi fazer uma última aula de debate sobre a greve. Nas trocas de ideias e argumentos, três questões subjetivas se destacam. Primeiro, a completa alienação sobre a situação. Para eles, que viviam naquela redoma tecnológica, nada estava ocorrendo; ou, pelo menos, nada que lhes dissesse respeito. “Professor, essa greve não vai dar em nada, quase ninguém está participando, só tem meia dúzia de professores”. Independente da posição dos professores das engenharias, é impressionante a capacidade de isolar seus alunos do mundo externo, do mundo real.
Segundo, a aversão às lutas dos trabalhadores. Embora essa palavra não tivesse saído em nenhum momento da boca dos estudantes, a clara impressão é que, na cabeça deles, grevistas são baderneiros, comunistas, preguiçosos; isto é, gente que não está a fim de trabalhar e que busca, por meio da greve, conquistar ainda melhores salários, mordomias; “esses professores querem que não haja avaliação para que subam na carreira e pedem melhores salários” (numa clara interpretação distorcida da proposta de novo formato de avaliação levada ao governo pelo Andes). Ou seja, estamos formando profissionais com a visão do patrão, do capital, em oposição ao trabalhador.
Terceiro, e mais pesado, é o enorme individualismo presente. Na verdade, é um individualismo burro, pois é imediatista. Preocupados com seus estágios, suas promessas de efetivação, suas possíveis oportunidades de concurso, suas viagens de férias, seus intercâmbios para a Europa, os alunos sequer consideram como algo relevante para suas vidas a luta por uma universidade pública decente, estruturada, de qualidade. É recorrente o argumento: os alunos são os únicos prejudicados, são as grandes vítimas das greves. Mentira, pois são os que mais se beneficiarão, no longo prazo, dos seus frutos. Não é preciso destacar que os avanços na estrutura e qualidade do ensino público superior (assim como as principais conquistas de lutas das classes trabalhadoras no mundo) são resultados unicamente das lutas travadas anteriormente (resumo das reivindicações e resultados das greves desde 1980: http://www.sedufsm.org.br/index.php?secao=greve).
O mais triste dessa última constatação é a consciência de que essa percepção individualista e imediatista é apenas o reflexo do raciocínio, da postura, dos ensinamentos da maioria dos professores dos cursos de engenharia em uma universidade pública. A corrente de vitimização dos alunos enquanto maiores prejudicados com a greve rompeu-se quando uma aluna disse: “eu defendo a greve, pois eu quero que, daqui a vinte anos, meu filho possa ter a oportunidade que eu tive de estudar de graça num dos melhores cursos universitários do Brasil”. O silêncio que se seguiu escancarava como aquela reflexão simples, ainda individualista, mas numa perspectiva inteligente, de longo prazo, foi um choque na estrutura de pensamento daqueles jovens e promissores engenheiros.
Engenheiros deslocados da realidade de seu país, avessos às lutas dos trabalhadores e preocupados com seu próprio umbigo. Esses são os profissionais que queremos formar nas universidades públicas brasileiras?

*Felipe Addor é professor do Departamento de Engenharia Industrial da UFRJ (Centro de Tecnologia), onde se formou em Engenharia de Produção. É fundador e pesquisador do Núcleo de Solidariedade Técnica da UFRJ (SOLTEC/UFRJ).

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Rappers contra o latifúndio


Assentados do MST montam grupo Veneno H2 e misturam arte e política em seu trabalho e letras


Joana Tavares,
de Belo Horizonte (MG)- BRASIL DE FATO


O grupo Veneno H2- Foto: Joana Tavares
O hip hop é conhecido como uma cultura da periferia das grandes cidades. Mas um grupo de jovens assentados decidiu que o rap também era música para o povo do campo se expressar e contar sua realidade. Carlos César, o Cesinha, já tem mais de 20 anos de estrada no rap. Mas foi no assentamento 17 de abril, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), próximo à cidade de Franca, em São Paulo, que ele conheceu Paulo Eduardo Pinheiro, o Mano Fi, e montaram um grupo. Depois entrou John Miller Souza, o John Doido, que entrou fazendo as bases no violão e passou a escrever e cantar também. Os três compõem o Veneno H2, que junta no nome os dois H´s do hip hop e a essência da cultura, misturado com o veneno do dia a dia, gíria para designar as dificuldades e ansiedades. “E também porque para o sistema somos puro veneno”, coloca Cesinha.
Eles entendem o rap como ferramenta de contestação social, e conseguem com seu trabalho dialogar com os jovens dos assentamentos, mas também com os mais velhos, de início resistentes ao estilo. Colocam ainda que a aproximação com a periferia urbana é possível e viável por meio do hip hop e se apresentam em bailes, eventos do MST e onde mais houver espaço para sua música militante. O Veneno H2 não tem equipamentos próprios, não tem sites ou redes de divulgação, e seus integrantes precisam garantir na enxada seu sustento material. Cantam a realidade como se apresenta a eles, sem deixar de lutar para transformar o dia a dia e construir outro vilarejo para a humanidade.
O Veneno H2 se apresentou no pocket show do Duelo de MCs, em Belo Horizonte, e conversou com o Brasil de Fato sobre a história do grupo, as dificuldades e sua forma de trabalho.

Brasil de Fato – Como começou o grupo?

John – Começou em 2004. Em 2005 o pessoal já estava fazendo as letras. Entrei depois, porque os meninos tinham letra, mas não tinham as bases, e aí eu fazia as bases no violão. A gente foi assim um tempo, com poucas letras e tudo. Em 2006, o Cesinha ganhou um CD de bases, daquelas bem antigonas, e começamos a trabalhar em cima e desenvolver mais letras. Como não tinha mais necessidade do violão, comecei a escrever também. Começamos a ter pegada de grupo em 2006. A gente tinha um caderno com 18 letras, aí a gente ia ensaiando pra decorar. De repente o caderno sumiu. Misteriosamente. Tinha muita gente que não apoiava, que achava que rap e sem-terra não tinha nada a ver, que queria manter aquela linha da cultura camponesa, sem abrir pra mais coisa. Desanimamos pra caramba, mas depois pensamos: se fizemos uma vez, dá pra fazer de novo.

Cesinha – É dessa época a música Militante da terra. Houve uma resistência, mas com o tempo ficou clara a necessidade de ter uma proposta mais política nas letras. Foi no assentamento 17 de abril que o grupo se formou. Tocamos o primeiro rap do Veneno H2 num encontro da juventude que o Instituto de Terras do estado de São Paulo (Itesp) fez na região, e fizemos o rap sem base, com o pessoal batendo na palma na mão. Quando o Jonh entrou, fizemos uma apresentação no aniversário do assentamento. Começamos a escrever junto a partir daí. Quando teve o lançamento do programa do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia Nacional do Abastecimento (Conab), o pessoal chamou a gente, mas não era pra gente cantar rap, era pra cantar uma música do MST. Nem testamos o som, começamos a cantar, não tinha microfone. Aí teve gente que até chorou com a música, que foi Militante da terra, com uma parte de uma música do movimento. O pessoal gostou demais e começou a perguntar se a gente tinha CD, como é que era. Falamos que a gente tinha dificuldade pra trabalhar e vontade de vencer o desafio. O pessoal então passou o chapéu, pra nos ajudar a gravar pelo menos uma faixa. Então em 2008, gravamos nossa primeira faixa, a Militantes da Terra, com a segunda versão.

John – A gente tenta discutir até chegar num acordo pra todo mundo. Depois disso, o pessoal viu que a proposta era interessante para a juventude, porque os jovens achavam bem interessante, viam que a gente era da mesma luta e estava ali tocando rap. Aí foi aparecendo mais espaços nos movimentos sociais e de grupos de extensão de faculdade. Depois de um tempo, a gente foi vendo a necessidade de buscar formação para desenvolver melhor os temas políticos, fazer um diálogo melhor. No começo, falo por mim mesmo, eu ia para os espaços pra cantar, não queria saber de plenária, de estudo, de nada. Era cantar, dar meu rolê, dar uma namorada... e isso não dava credibilidade. Não precisou ninguém chegar e dar um toque, a gente foi buscar formação.

Qual a ligação do hip hop com a luta?

Cesinha – O hip hop é mais uma ferramenta. Ele surgiu como um movimento social também, foi muito discriminado. Mas agora ele foi apropriado, ou melhor, expropriado pelo capital. Como todas as outras mercadorias, o hip hop está virando uma mercadoria também. Talvez não tão vulgar quanto outros ritmos que o sistema apropriou, mas se continuar pode ir pro mesmo caminho. Como uma ferramenta de luta – e o hip hop é muito flexível – a gente pode usar isso a nosso favor também. Não temos espaço na mídia, mas temos a mídia alternativa, temos contato direto com quem nos ouve. A gente vê o hip hop como uma forma de luta, porque vemos uma possibilidade de construir as letras de acordo com nossa cultura, com o que a gente viveu e podemos misturar tudo que a gente gosta, do funk a Bethoveen, rock, reggae, samba, até o sertanejo. Estamos pensando em colocar toques de viola no próximo CD, resgatando a cultura popular. O hip hop tem essa flexibilidade e essa simbiose, ele se junta com a cultura local.

John – O interessante é que a gente é do campo, somos assentados, filhos de assentados, nos conhecemos no assentamento, nossa raiz é totalmente o MST, porque foi a partir disso que tivemos formação. Mas se você for chegar pra juventude hoje, principalmente da cidade, e falar sobre organização de classe, sobre a questão da luta, é muito difícil, porque estão totalmente alienados pela mídia, têm um conceito muito negativo da política. Qual a ideia do hip hop? Colocamos vários elementos políticos nas nossas letras, para eles notarem que aquela política é o que eles estão vivendo, não tem um distanciamento, para eles buscarem fazer alguma coisa pra mudar aquela realidade. Porque ninguém vai mudar se não for a gente, porque o capital sempre vai explorar. É difícil esse diálogo com a juventude, até nas nossas próprias áreas, porque a gente sabe que muitas vezes o pessoal completa certa idade e quer ir embora, porque no assentamento não tem lazer, é só trabalho braçal... e no trabalho que a gente faz buscamos também espaços de lazer e de cultura.

E as pessoas mais velhas?

Cesinha – Uma coisa interessante também no decorrer da nossa história é que para conseguir o apoio da comunidade, trabalhamos primeiro com a juventude, mas depois fomos apresentando o hip hop para as pessoas mais adultas, para os idosos, que às vezes tinham resistência. Eles perceberam que o rap não era só o que eles conheciam por rap, que falava de droga, de arma. Viram que era nossa realidade retratada de forma bem sintetizada.

Qual a reação das pessoas da cidade quando conhecem o trabalho de vocês?

John – O pessoal do rap de Franca, a cidade mais próxima do assentamento, quando conheceu a gente ficou meio receoso, quando a gente falou que morava no assentamento tiraram um sarro da gente: “ah, vocês fazem rap da roça”. Mas depois ouviram nossas músicas e viram que a gente conta o cotidiano com conceitos políticos mesmo.

Cesinha – A primeira apresentação nossa em um baile de rap em Franca, a gente estava tão ansioso que ficamos meio travados, e falamos pra geral: “seguinte: esse é o rap do sem-terra e como somos novos, vamos deixar a música falar pela gente”. E a galera gostou muito, a partir de então conseguimos ter um diálogo melhor com a periferia. Estamos voltando para os bailes, para a periferia também. Quando a gente compara os problemas, vê que são basicamente os mesmos.

Por que o nome Veneno H2?

Cesinha – De começo eu queria montar uma banda soul, e pensei na palavra ‘veneno’ porque é uma gíria, que significa passar dificuldades, estar nervoso, ou estar eufórico com alguma coisa. “Estou no veneno pra sair e tomar uma com os amigos”, ou “Estou no veneno porque não tem comida em casa”, ou “passei um veneno porque fui despedido”. Vimos então que o veneno estava constante na nossa vida. O H2 é pelos dois ‘H’ do hip hop. E também porque para o sistema a gente é o puro veneno. Até a revista Veja esculachou uma música nossa, com um vídeo de uma apresentação no acampamento do Levante Popular da Juventude.

John – Com toda nossa simplicidade e dificuldade, não temos aparelhagem, equipamento, nada – só temos um pen drive com as bases e agora um computador que ganhei – conseguimos cutucar lá em cima com nossa mensagem.

Quais os próximos passos do grupo?

Jonh – Estamos divulgando os CD e também já construindo o próximo, temos algumas letras escritas já. Fiz um curso de desenvolvimento cultural pelo MST e aprendi técnicas de vídeo e edição, então estamos com a ideia de fazer um trabalho nosso nisso também. Não só um trabalho de música, mas fazer também oficinas de desenvolvimento cultural com o pessoal. A gente sabe a dificuldade que tem um grupo de rap de movimento social. Talvez a gente seja o único grupo de rap orgânico da base do MST, e somos convidados para ir em vários lugares do país, e fazemos isso, a oficina e depois cantamos o rap. Temos parceria com o Levante da Juventude, para levar a organização para a periferia também. E buscar cada vez mais conhecimento, porque a gente absorve e repassa nas letras. A gente quer ver também como trabalhar a questão da mística nas apresentações, até para mostrar o outro lado do MST, o lado verdadeiro da coisa.

Cesinha – É, a produção no setor da cultura. Estamos também discutindo de ver alguém – do movimento ou não – para a gente produzir. Fazer um clipe e chegar em mais pessoas, mais periferia, mais campo, para levar nossa visão de que a cultura, a música, não é só pra distrair, mas formar a consciência geral: de jovem, adulto, velho, criança. E trabalhar no lote, né?

John – É, porque a principal fonte de renda nossa é o trabalho braçal.

Ouça a música Nosso Vilarejo em:

sábado, 30 de junho de 2012

Fala-se em nome dos pequenos agricultores, mas, de fato, beneficiam-se os grandes grileiros'

 Gabriel Brito, da Redação-Colaborou Valéria Nader   





Cada vez mais, os grandes debates políticos e projetos de infraestrutura são cercados pelas questões ambientais, levantando posturas apaixonadas e açodadas, mas nem sempre respaldadas por alguma profundidade argumentativa e conceitual. Tal vazio verificou-se novamente com a recém-encerrada Conferência Rio+20, promovida pela ONU em reedição da célebre Eco-92. Com a diferença de que o tema da preservação ambiental adquiriu centralidade muito maior nesses últimos 20 anos, sendo o Brasil palco de extremadas contradições na área.

Após aprovar uma nova versão do Código Florestal, do agrado dos ruralistas e bombardeado por todas as vertentes do ambientalismo, a presidente Dilma Rousseff fez todo o esforço possível para angariar ao país uma imagem vanguardista de responsabilidade ambiental. No entanto, na análise de José Juliano de Carvalho Filho, entrevistado pelo Correio da Cidadania, tal visão simplesmente “não se aplica à realidade dos fatos da macroeconomia brasileira”.

Para o professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e membro da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA), todas as medidas do governo em questão no campo vêm no sentido de prejudicar a preservação ambiental, além de favorecer a concentração de terras. “Fala-se em nome dos pequenos agricultores, mas, de fato, beneficiam-se os grandes grileiros, abrem-se terras ao mercado e permite-se o avanço das monoculturas”, critica, deixando claro que o mesmo vale para outras decisões, como as MPs 422 e 458, também em benefício do agronegócio e em detrimento do meio ambiente e da justiça fundiária.

Para além das discussões nacionais, Juliano desacredita de cima a baixo os novos conceitos de responsabilidade ambiental que o capitalismo tentar erigir e dos quais já se apropria. “Não sei se defino ‘economia verde’ como camuflagem, enganação, talvez falte um termo elegante. É preciso uma ruptura com a forma capitalista, principalmente o capitalismo financeiro, e tirar tudo da mão do mercado para se almejar uma ‘economia verde’. Essas conferências servem como um espaço pra discutir, aumentar a conscientização, mas o fato é que os Brics e os países ricos não se comprometeram em nada. Não se trata de ver quem é de direita ou esquerda, a coisa é transversal, todos adotaram esse modelo macroeconômico”, resume.

A entrevista completa pode ser conferida a seguir.

Correio da Cidadania: Como o senhor avalia o novo Código Florestal aprovado no Congresso e o processo político que conduziu a este novo Código?

José Juliano de Carvalho Filho: Acho que segue aquilo que sempre acontece na nossa organização histórica, desde a escravidão. Um código que criou necessidades. Quem criou tais necessidades não foi o país, foram os ruralistas. O processo, em minha opinião, é uma história antiga, de duas vertentes, a do latifúndio e a ambiental. A tática foi criar um clima de insatisfação com o Código Florestal que vigorava e depois colocar o bode na sala. A partir disso, com o bode na sala (as propostas ruralistas), mal cheiroso, se discutiu o Código e suas alterações.

Dessa forma, foi um avanço muito grande em prol dos interesses dos chamados ruralistas – digo “chamados” porque deve ser a classe mais poderosa do país. Vai implicar em impactos muito negativos. Ainda estou tentando estudar se a MP editada pelo governo melhora ou piora a situação, mas o fato é que, comparando com o código anterior, esse é muito pior, pois permite mais derrubada de reservas, transformação legal de propriedades enormes em várias propriedades pequenas, consolidação de áreas agrícolas, além de outras contravenções do campo, como a anistia a crimes ambientais, contando também com uma justiça patrimonialista a serviço do latifúndio. São contraventores do campo, não querem recompor área, desmataram, grilaram.

O fato é que, no contexto geral, aumentou-se a vulnerabilidade da conservação ambiental brasileira, com claras vantagens aos ruralistas.

Correio da Cidadania: O que pensa dos argumentos que ressaltam que o Código supostamente protege os pequenos agricultores, o que se daria, por exemplo, pela não exigência de recomposição da reserva pra propriedades de até 4 módulos fiscais?

José Juliano de Carvalho Filho: É o agravante: discursar em favor dos pequenos. É idêntico ao que aconteceu no programa Terra Legal, por exemplo. Fala-se em nome dos pequenos, mas, de fato, beneficiam-se os grandes grileiros, abrem-se terras ao mercado e permite-se o avanço das monoculturas.

Em relação às populações tradicionais, continuarão como pobres brasileiros. Em linhas gerais é isso, com consonância muito grande com as medidas que passaram a ser editadas desde o fim do primeiro mandato de Lula, tais como as MPs que legalizaram grilagem e titulação de terras, dificultando algumas lutas indígenas pela terra, por exemplo. Não podemos esquecer de vários casos, como o dos guarani kaiowá, no Mato Grosso do Sul, em que se chegou a uma situação de barbárie total, com assassinatos, suicídios, esquartejamentos de índios, o que temos visto fartamente no noticiário.

É tudo muito consistente da parte deles, pois mexem com todas as regras passíveis de serem burladas. É o mesmo discurso da Transposição das águas do São Francisco, do Terra Legal etc. Faço trabalhos no campo desde os anos 70, já cansei de presenciar casos de políticas para o campo anunciadas como benéficas ao pequeno agricultor e que na verdade os prejudicava. Quando se dava crédito para pequenos em alguma área, eram as grandes empresas quem pegavam, de fato, os créditos subsidiados. A história se repete, com as mesmas relações sociais. Agora é a mesma coisa com o Código Florestal, chegando a um ótimo resultado em favor dos ruralistas. O país pagará tanto em danos sociais como ambientais.

Correio da Cidadania: Ou seja, têm sido, realmente, muitas e notórias as MPs que, nos últimos anos, beneficiam o latifúndio e os ruralistas, em detrimento da pequena produção e da agricultura familiar. E os governos Lula e Dilma seguem a tendência, certo?

José Juliano de Carvalho Filho: Sem dúvidas. Desde o final do primeiro governo Lula. A partir disso, editaram-se as MPs 422, 458 e tivemos o Terra Legal.

São duas questões a respeito da política agrária: se pegarmos todos os documentos de política agrária do PT, à época da primeira campanha vitoriosa, e também da segunda, tudo que define reforma agrária, ou seja, mexe com a estrutura agrária, como a revisão dos índices de produtividade, foi sumindo. Não ficou nada, de modo que não há compromisso do governo com a reforma agrária.

Paralelamente, podemos elencar mudanças nas políticas agrárias, com medidas que invariavelmente beneficiam o agronegócio. É uma mistura de capital fundiário de pessoas que investem no Brasil em parceria com “brasileiros” (entre aspas, porque o capital e seus agentes não têm pátria), avançando cada vez mais sobre as terras. A cana tem capital externo, o petróleo tem, e essa é a regra geral em nossas commodities. Como exemplo, no estado de São Paulo, os índices de Gini eram razoáveis, mas agora o estado é dominado pela cana, que vai crescendo sem parar, e o índice de Gini só se deteriora.

De um lado, uma série de medidas que favorecem o agronegócio e, por outro, uma série de medidas que dificultam a vida dos pequenos agricultores. Agora vemos projetos de políticas que visam criar obstáculos para a titulação e homologação de terras indígenas e quilombolas. De vez em quando se faz um mise en scène, mas os fatos são esses.

Com as alianças que fez pra governar, vemos que o governo acabou refém dessa classe ultraconservadora e nociva.

Correio da Cidadania: Em sua opinião, o governo Dilma já deixou clara sua política para o campo? Ela pode vir a beneficiar em algum momento a agricultura familiar e a reforma agrária?

José Juliano de Carvalho Filho: Acho que ainda não está claro. Mas, novamente, pegando os documentos da campanha presidencial, em determinado trecho vemos que tanto Serra, candidato do PSBD, quanto Dilma, candidata do PT, com suas coligações e tal, ao apresentarem seus programas no TSE mostraram as semelhanças na “política” agrária. Assim como na Carta aos Brasileiros, do Lula, neste caso os dois programas deixaram claro, além dos discursos e convenções, que ninguém tinha compromisso com a reforma agrária. O documento do programa petista terminou apenas com generalidades.

No máximo, a Dilma poderia fazer algo como o Lula, ou seja, algumas pequenas medidas em favor dos pequenos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Entretanto, fazendo políticas que beneficiam acima de tudo o agronegócio em termos estruturais. O problema é que não se coloca a questão da propriedade como origem da pobreza e desigualdade social, o que é uma “aparente” contradição do programa petista.

Os ministérios da Agricultura e o do Desenvolvimento Agrário fazem política à parte um do outro. Aquilo que se entende como pequena política ficou subalterna; negros, pobres, índios, sem terras, podem fazer o que quiserem desde que não incomodem. Se começam a incomodar a grande política, isto é, aquilo que gira em torno da macroeconomia...

Não tenho esperança de grandes mudanças no mandato da Dilma. Os programas do PT têm a tendência de superconcentrar as terras e deixar avançar as grandes monoculturas de exportação. Já as MPs de benefício ao agronegócio tornam o governo refém de suas contradições políticas, o que redunda em políticas pífias para a reforma agrária. O que funciona mesmo é essa sustentação macroeconômica encampada pelo governo e suas metas. Temos uma especialização e reprimarização retrógradas, como diz o professor Reinaldo Gonçalves, opinião da qual compartilho.

Correio da Cidadania: Como o senhor situa as intervenções de Dilma, que não seguiu a campanha maciça de setores mais progressistas pelo veto ao novo projeto de Código Florestal, sancionando-o com 12 vetos e 32 emendas?

José Juliano de Carvalho Filho: É difícil responder com convicção, porque o melhor seria ter em mãos todas as versões: o Código Florestal anterior, de 1965, o novo, e aquelas versões que passaram e foram alteradas pela Câmara e Senado, comparando-as ponto a ponto e tendo uma avaliação mais concreta. É preciso ter cuidado com as matas ciliares, propriedades familiares, as águas... Tudo isso tem sido feito em prejuízo do meio ambiente, a exemplo também da questão das áreas consolidadas. É preciso ver tudo detalhadamente pra saber o que pode depois ser revertido na justiça. Mais que isso, não posso dizer ainda.

Correio da Cidadania: Como o senhor tem visto a atuação dos movimentos sociais, aqueles ligados ao campo em particular, bem como sua relação com o atual governo?

José Juliano de Carvalho Filho: Sou a favor dos movimentos, de modo que toda crítica que faço é no sentido construtivo, pois é neles que vejo esperança de mudanças reais na sociedade. Mas estão tímidos frente ao governo. Claro que fazem suas reivindicações por aí, mas estão tímidos. Reforma agrária e justiça no campo sempre foram conquistas, não concessões, mas as pressões por cooptação são muito fortes. E os movimentos deveriam estar mais agressivos.

Correio da Cidadania: O que pensa do papel jogado pelo Brasil, e da imagem que o país tentou vender de si, na conferência Rio+20? A propaganda oficial de desenvolvimento sustentável, com a exploração de “energia limpa”, condiz com nossa realidade?

José Juliano de Carvalho Filho: O papel do Brasil é uma grande contradição. Falando do documento final, de acordo com o próprio secretário da ONU, podemos falar que foi fraco. Não há medidas imediatas, de modo que é um fracasso maior ainda que a Eco-92, que pelo menos tinha propostas. O conceito de sustentabilidade não se aplica à realidade do nosso país e, na verdade, desde o documento que o criou, em 1987, não existiu de fato. Os povos do campo estão sendo prejudicados por essas medidas de dita sustentabilidade. Foi uma conferência muito fraca, do G-7 só a França esteve realmente presente, de modo que não saiu nada de muito importante desse encontro. Fica uma mistura de posições, ninguém sabe direito o que é isso (desenvolvimento sustentável), e todo mundo usa o conceito.

Correio da Cidadania: Falando em conceito, o que o senhor teria a dizer sobre a “economia verde”, a grande novidade no vocabulário do capitalismo global?

José Juliano de Carvalho Filho: O mercado se apropriou dessa história e começou a falar em “verde”. Um exemplo de agora, pequeno, mas emblemático do que acontece, é essa história das sacolinhas de supermercado. São eles, os supermercados, que vão mudar a cultura nacional sobre preservação ambiental? Na verdade, apenas defendem seu interesse econômico, que também está envolvido, uma vez que forneciam as sacolinhas gratuitamente aos seus clientes. A imagem que o Brasil deixou foi um pouco superior pela falta de representação dos outros países. Mas os resultados são fracos. Quais são os resultados e compromissos? Nenhuns.

Não sei se defino “economia verde” como camuflagem, enganação, talvez falte um termo elegante. Cada um entende de um jeito e passa a imagem de estar fazendo algo pela preservação. É o capitalismo buscando novas formas de se reproduzir. Com o atual momento, a Europa em sua crise não resolvida, além da concentração de renda de alguns países, é uma roupagem nova.

Não vejo esperanças de economia realmente verde, não vejo compromissos realmente sérios e um freio na acumulação capitalista. São questões políticas importantes e diretamente relacionadas. É preciso uma ruptura com a forma capitalista, principalmente o capitalismo financeiro, e tirar tudo da mão do mercado para se almejar uma “economia verde”.

Outro exemplo é esse mercado de carbono, que não faz sentido, seria muito melhor taxar as empresas poluidoras. Uma empresa poluidora compra créditos de Moçambique, polui por lá, contamina grande parte do meio ambiente local, das águas, e ficamos assim. Acontece aqui no Brasil também.

Essas farsas de mercado não vão deixar de seguir a lógica do capital. Daqui a pouco vão comercializar o ar que o teu neto vai respirar no futuro, vai tudo pro mercado. Dessa forma, tal como já vemos acontecer, teremos a monopolização das águas e bens naturais mais essenciais. Empresas como Nestlé e Coca Cola estão adquirindo territórios que lhes garantem abastecimento de água, o que na verdade é uma apropriação da natureza. A Monsanto é outro exemplo dessa monopolização, como se vê com as sementes, enquanto as propostas e denúncias da Via Campesina, ainda que sendo as melhores para os povos, são ignoradas.

Lendo os cientistas (aqueles que merecem consideração), vemos que podemos atingir um desequilíbrio mundial sem retorno, com falta de bens naturais, aumentando ainda mais a pobreza, a barbárie, as disputas, impedindo os agricultores de terem sementes, tendo que se suprir de Monsantos e afins... Tais conferências e governos beneficiam esse modelo, dando pouca esperança para a humanidade.

Servem como um espaço pra discutir, aumentar a conscientização, mas o fato é que os Brics e os países ricos não se comprometeram em nada. Não se trata de ver quem é de direita ou esquerda, a coisa é transversal, todos adotaram esse modelo. Usam seus argumentos de sustentabilidade e o mundo se encaminha para mais desastres, prejudicando as populações mais pobres, um dos resultados mais diretos desse “desenvolvimento sustentável”. Os resultados pífios, mornos, da reunião não mudarão isso. E o modelo macroeconômico do país beneficia tal lógica destrutiva. Elogiei algumas medidas do governo Lula, mas elas vêm acompanhadas dessas histórias, do aumento da força da monocultura e da concentração de terras. Os camponeses saem do campo, vão pra cidade e vemos se agravarem as questões agrárias, sociais e ambientais.

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania; Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Osmarino Amâncio: um seringueiro na luta por um projeto socialista no Brasil




  Flavia Alli   no CORREIO DA CIDADANIA


Osmarino Amâncio Rodrigues, seringueiro e militante, em Brasiléia (Acre), esteve presente em duras lutas contra a destruição do meio ambiente e enfrentamentos contra fazendeiros e o governo na expulsão da população acreana dos seringais. Esteve ombro a ombro com Chico Mendes, nos empates na floresta amazônica, opondo-se à entrada do capitalismo e à destruição da região pelas madeireiras, na década de 1970. Cercado por um cenário de angústia e miséria, Osmarino continua na resistência, organizando os trabalhadores em uma guerra incansável contra o capitalismo, o qual anda de mãos dadas com o governo petista.

Neste semestre, Osmarino viajou pelo Brasil em um circuito de debates e palestras organizado por sindicatos e movimentos sociais. Em suas passagens, abordou a criminalização dos seringueiros, o extermínio dos povos indígenas e nativos. Denunciou a compra de trabalhadores através de propinas, os projetos de capitalismo verde de Marina Silva e alertou sobre a destruição da Amazônia com o Novo Código Florestal. No movimento sindical, reafirmou a importância da organização dos trabalhadores por um novo projeto de sociedade e do fortalecimento de uma central sindical que reorganize o movimento na luta de classes.

Leia, abaixo, a íntegra da entrevista concedida por Osmarino Amâncio.

Em relação à organização dos trabalhadores no movimento sindical, quais as dificuldades encontradas, no Acre, para uma resistência de enfrentamento ao governo, e os ataques que ele vem apresentando em parceria com os setores da burguesia?

Osmarino Amâncio: Primeiramente, são as instâncias geográficas da floresta. Para mobilizar a associação, o sindicato, uma cooperativa dos extrativistas, depende de caminhar muito para fazer uma convocatória boa. Depois vem a falta de formação e informação, pois aquela população vive no isolamento, onde o único meio de comunicação é a rádio nacional de Brasília, ou uma rádio local. A gente só escuta a idéia do agronegócio e a política governamental fazendo a parceria com o setor da burguesia daquela região. Outra questão é a própria falta de educação, pois é um local precário, com a educação muito fragilizada. Na floresta, as pessoas em geral terminam apenas a 4ª série do ensino primário. Isso tudo não tem impedido a classe trabalhadora de resistir contra aqueles grandes mega-projetos de madeireiras, de mineradoras, de barragens, de hidrelétricas.

É um processo que chamamos de revolucionário na luta pela reforma agrária adequada àquela região. Uma luta pelo socialismo, pois nós não reivindicamos a propriedade privada. Nós não queremos títulos de propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. Mas, hoje, o Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela Marina Silva para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem criminalizado as lideranças dos seringueiros - os quais antes podiam colocar um roçado de subsistência, e já não podem mais queimar o roçado para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje, você não pode mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Assim, eles estão criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da reserva, andando armados. Esse é o mesmo órgão que dá licença para as barragens na Amazônia, para o manejo madeireiro, é o órgão que veio para facilitar a vida do agronegócio na Amazônia, das multinacionais e das ONGs. E, veio a serviço do grande capital, com a idéia da nova política da “economia verde” naquela região para exploração dos meios naturais.

Eles tiram o único modo de subsistência de vida dos trabalhadores. E a alternativa que dão para a gente é uma “bolsa verde”: 100 reais por mês, que não dá para comprar um saco de farinha, e ficamos impedidos de extrair os nossos produtos, pois estão proibindo fazer ramais para escoamento do produto dentro da reserva; ao mesmo tempo fazem vista grossa ao manejo madeireiro, que está muito acelerado na nossa região. Hoje, esses são os principais temas, pois se você não adere à bolsa verde, você tem que ceder ao plano de manejo. Se você não fizer o plano de manejo, tem que ceder a sua área como concessão para uma madeireira. Nenhum seringueiro tem condições de fazer plano de manejo, pois exige uma assistência técnica, um trabalho especializado. Assim, o trabalhador fica com sua área à mercê das madeireiras, das ONGS, para uma empresa multinacional fazer o plano.

O que mais preocupa é que não é só uma política do agronegócio, é uma política de Estado, do governo. O ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente obedecem à regra da monocultura, organizada pela Monsanto. Tem-se um grande investimento do BNDES, do Banco Interamericano do Desenvolvimento para as barragens na Amazônia, para o programa de manejo madeireiro e a política do mercado de carbono. Na nossa região tem mais de 20 mega-projetos, vão detonar com aquele bioma! Se não tivermos uma atitude radical de brecar esse avanço acelerado das multinacionais, a destruição será total. No Cerrado, por exemplo, estão sendo implementadas a monocultura da soja, a cana para o etanol e as barragens. A construção das barragens na Amazônia também atende a essa política. Temos agora a construção da BR do Pacífico, que corta a região meio a meio para escoamento dos produtos de exportação.

Portanto, são investimentos para a “integração” da América do Sul, que precisam ter uma atenção especial do mundo acadêmico, das comunidades de fora da Amazônia, para que possamos fazer um grande empate contra o Estado, contra a legalização dessa destruição através da certificação do Conselho de Manejo Florestal (selo FSC). Não é um empate contra os fazendeiros e madeireiras, e sim contra o Estado.

Aí, eu pergunto: o que é destruição? Se a pessoa consegue um selo de exportação, deixa de ser “destruição” e passa a ser “sustentabilidade”. Esse é o perigo da política “auto-sustentável”, que ao conceder a certificação dá a liberação para qualquer atrocidade naquele bioma. Lá está o maior banco genético do planeta! Se não tiver uma atenção para conhecer aquela região, vamos ficar sem Amazônia em pouco tempo.

O governo e as empresas têm muito dinheiro para injetar em organizações que combatem os trabalhadores na Amazônia, com respaldo logístico grande. De que forma eles têm intervindo na realidade e qual a resposta dos trabalhadores frente à situação?

Osmarino Amâncio: Quando nós organizamos os empates, na década de 1970 e 1980, 100% desse pessoal era analfabeto, não sabia ler e escrever. Mas eles tinham vontade de defender a vida. Quando se tem vontade de viver, criam-se as condições, o “anticorpo”, como chamamos na floresta. Na Amazônia, para viver, tem que se adaptar e criar anticorpos, pois não se vai enfrentar somente o Estado, a União Democrática Rural (UDR), as grandes indústrias, as mineradoras. Vai enfrentar também a cobra, a febre amarela, a malária. É uma série de inimigos que o seringueiro consegue combater. E conseguiu fazer esse enfrentamento. Mas o seringueiro está adaptado à floresta. Eu diria que o pessoal consegue sobreviver com a dor por conta da vontade de viver. Não tem um dia que o seringueiro não sinta dor na floresta. Ou ele é mordido por tucandeira, cobra, marimbondo, ou dá uma topada, sofre um corte... Ele convive diariamente com dor, estando adaptado a tais questões.

Para discutir a intervenção do grande capital na nossa comunidade, estamos nos organizando em associações. Cada seringal, cada comunidade que tem 50 ou 100 famílias, organiza um núcleo de base. Além dos sindicatos, das oposições sindicais, estamos também na discussão de desfiliação dos sindicatos da CUT, já que ela vive em lua de mel com o governo. Estamos em um processo de fortalecer a CSP Conlutas, uma central que para nós tem tido uma postura de defender as propostas da classe trabalhadora, a reforma agrária sob controle dos trabalhadores e o enfrentamento ao grande capital contra a depredação dos meios naturais.

Outro movimento é em direção às universidades, fazendo um desafio à juventude, ao setor acadêmico e intelectual. Vamos intervir na Rio+20, com todas as nossas idéias e documentos, denunciando o governo e as ONGS como USAID, WWF, Greenpeace, todas as entidades que defendem o “desenvolvimento sustentável” para evitar o aquecimento global, que acham só ser possível de evitar colocando os meios naturais no mercado. Isso diz respeito à política do mercado de carbono, por exemplo, que libera o norte e os países ricos (Japão, EUA, Alemanha...) para continuarem poluindo no resto do mundo e comprando terras na Amazônia. Assim como os grandes plantadores de soja vão continuar trabalhando no monocultivo do plantio e dizendo “nós podemos destruir aqui, mas estamos preservando na Amazônia”.

E tem um povo nativo que não é levado em consideração na região, o qual vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de subsistência. Esse povo está se tornando, para os governantes, o principal empecilho na implementação dos mega-projetos. Estão sendo criminalizados por uma coisa que sempre fizeram. Agora foi decretado em nossa região o “fogo zero”: todo mundo tem que cozinhar à lenha. Como você vai decretar “fogo zero”, quando o seringueiro cozinha à lenha? O trabalhador precisa do carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida, e queimar o seu roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos. Nós trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos igarapés, ou derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa sobrevivência. No entanto, o governo incentiva o desmatamento através do plano de manejo. Quando o governo o implementa, está incentivando essa destruição, pois a cada 50 mil hectares desmatados, cinco mil ficam sem floresta alguma.

Para nós a organização está se dando por um “trabalho formiga”, pois é muito difícil, devido ao deslocamento e locomoção para a convocação dos trabalhadores às reuniões no seringal. Cada seringal tem uma associação, um núcleo de base, onde são feitas as discussões. Porém, elas estão sendo minadas pelo governo com esses projetos, em que ele passa a pagar um salário para algumas lideranças fazerem propaganda dos programas governamentais. Isso traz muitas dificuldades ao movimento na região. Já conseguimos ganhar o sindicato de Xapuri, tiramos a pelegada, e estamos organizando a oposição sindical em Brasiléia. Será um processo difícil, mas não impossível, porque nós não temos opção. Ou a gente se organiza e enfrenta esse grande capital, ou então seremos expulsos, e eles farão toda a destruição na Amazônia.

Como é feita essa mencionada cooptação dos trabalhadores, de modo a retirá-los dos movimentos e eleições sindicais, e qual a interferência que isso tem causado na luta de classes?

Osmarino Amâncio: Essa “compra” das pessoas é feita de várias formas: oferecem bolsas de estudo, na Bolívia, para tirar as lideranças do movimento; pagam salários; dão cargos no governo. O último investimento foi 500 mil reais na compra de tratores, dizendo que se as pessoas fechassem com tal chapa, eles dariam tratores para a comunidade. Tínhamos quatro chapas disputando o sindicato; hoje estamos com duas... As pessoas que não têm consciência política ficam vulneráveis a serem compradas por essa política do governo, pois a pobreza é muito grande. A comunidade que ganha um trator acha uma coisa estupenda. E as pessoas não têm consciência da Bolsa Verde que estão assinando, a qual dura apenas dois anos – e não sabem que qualquer “deslize” os fará serem expulsos da reserva.

A criminalização é tática para o governo do estado do Acre. Ele atrelou todo o movimento, levou os parentes do Chico Mendes, por exemplo, que receberam cargos comissionados e salários do governo para fazerem o comercial do manejo madeireiro, ficarem contra o movimento e defenderem o governo. Nós estamos resistindo a isso há quatro décadas! A gente achava que com a CUT e o PT teríamos um alívio, mas essas entidades se voltaram contra nós, contra os próprios trabalhadores. A CUT vive em lua de mel com o governo. O PT obedece às regras do agronegócio. O Lula, antes de sair da presidência, disse que os usineiros eram os heróis! As áreas indígenas não foram demarcadas e a reforma agrária não foi feita nesse país! Nós sofremos um golpe, uma traição muito grande, inclusive pela Marina Silva, que criou a Lei de Florestas Públicas, a qual privatiza 50 milhões de hectares de floresta para promover a biopirataria. O próprio Estado cria, aparelha, atrela o movimento e as pessoas.

A luta de classes é uma luta muito dura. O Estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e cede... Mas é preciso reconhecer que se receber a propina a consciência vai se voltar contra si próprio. Por isso temos de fazer o trabalho em que acreditamos.

A aprovação do Novo Código Florestal vem para alargar as possibilidades de exploração na floresta amazônica, ou apenas para legitimar burocraticamente uma prática e uma política existente no país há décadas?

Osmarino Amâncio: O Novo Código Florestal só está legalizando toda a destruição que foi feita pelas multinacionais na Amazônia. Tem perdoado toda a atrocidade do desmatamento que foi feito, e consolidado a proposta da economia verde, facilitando o mercado dos bens naturais. O Novo Código Florestal é, mais do que nunca, concentrar terras nas mãos de quem têm condição financeira. Vem para legitimar aquelas mesmas pessoas que deveriam repor o estrago que fizeram, para oficializar as práticas do agronegócio, o monocultivo, a soja, o eucalipto, a cana para o etanol... E em nome do “desenvolvimento sustentável” temos uma lei que garante, sem critério algum, a implementação dessa política na Amazônia, de forma inconsequente. A BR do Pacífico, por exemplo, acabou de ser consumada.

O que vamos exportar? A madeira, os produtos naturais extraídos pelas empresas e pelo latifúndio. Uma lei do Sistema Nacional de Unidade e Conservação (SNUC) tirou o poder dos seringueiros de decidir sobre os projetos para a Amazônia. Antes havia um plano de utilização que dizia que qualquer projeto para a Amazônia teria de passar primeiro pelo crivo da assembléia dos seringueiros. O SNUC tirou esse poder.

Hoje, quem decide é o conselho deliberativo, criado pelas entidades governamentais. A criação da Lei de Florestas Públicas, da Marina Silva, facilitou a concessão para desmatar a região. Essa concessão dura 40 anos, e ao fim deste prazo, após explorar tudo o que poderia, ela pode ser renovada por mais 30 anos. Portanto, a lei privatiza a Amazônia por pelo menos 70 anos. Isso vai destruir com culturas milenares que vivem nesses locais, com a população nativa. Acabarão com a vida, sendo que ali se encontra o maior ar condicionado do planeta, o ar que refrigera a Terra!

A hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, tem 500 km² que serão inundados. A de Santo Antônio e Jirau são duas obras que estão ultrapassando os 40 bilhões de reais. Tudo isso daria para resolver o problema da educação, da saúde, implementar bancos de germoplasma, investir em pesquisa e evitar os desastres ecológicos, consequências do desastre econômico e social do sistema que vivemos. O Novo Código Florestal é o menino dos olhos do latifúndio, do agronegócio, do hidronegócio.

Nesse cenário, de que modo tem se dado a repressão aos povos indígenas e nativos daquela região com a entrada massiva das grandes corporações no extermínio dessa população?

Osmarino Amâncio: Primeiro, eles tentam usar essas populações que têm dificuldade de entender o que está por trás de cada projeto e passam a fazer a tal da “formação”, para convencer os índios a aceitar o plano de manejo madeireiro nas áreas indígenas. É a mesma coisa que a igreja fez quando queria “salvar” os índios e mandá-los para o céu. Assim, todos estão lá, virando evangélicos, obedecendo à cartilha governamental. A grande maioria é desinformada, e sem condições de avaliar o conteúdo disso. Essa é uma das práticas que eles têm usado.

A outra é a criminalização. Por exemplo, no meio indígena, os jovens quando completam 16 anos casam-se. Eles acusam esses jovens de estupro, ou até mesmo as lideranças, a fim de exterminar esse povo, impedindo sua reprodução. Os índios estão casando e ficando escondidos, pois não podem mais se relacionar, por serem acusados de estupradores. A justificativa seria uma lei no Brasil que diz que ter relações sexuais com uma menina menor de idade é estupro. No entanto, na floresta é cultural homens e mulheres se casarem com esta idade (16). Eles confundem a população, e acabam criminalizando não só os índios, mas os seringueiros também.

Podemos ver que não é somente com as leis e programas ambientais (Bolsa Verde, Plano de Manejo etc.) que eles criminalizam. Outras leis, como a questão da prostituição infantil, têm sido usadas para este fim. Nas cidades, por exemplo, o narcotráfico tem de fato praticado isso e o governo não fiscaliza. O exemplo é Belo Monte. Altamira tem 100 mil pessoas, mas estão chegando 120 mil para trabalhar, é um caos social. A prostituição naquele lugar vai triplicar, o narcotráfico vai se aproveitar da juventude, e como o Estado vai evitar o estupro e a barbárie? Não vai evitar! O Estado cria mecanismos, a gente vê como exemplo as obras da Copa do Mundo, pelos quais estão expulsando as populações dos bairros das periferias e jogando para fora das cidades e dos centros urbanos, indenizando com migalhas. As obras da Copa institucionalizam a criminalização, jogando as pessoas em lugares que não se tem estrutura para sobreviver, sem escolas, postos de saúde, transporte etc. É um problema orquestrado pelo próprio sistema, e nós estamos no meio disso tudo.

Eu assisti pela televisão o que fizeram em Pinheirinho (SP). Teve um despejo numa cidade inteira praticamente, para defender o Naji Nahas, para defender o sistema capitalista, a propriedade privada! A sociedade capitalista que vivemos é só barbárie! Na floresta, nós compreendemos que essas populações estão sendo expulsas de suas residências, sob o nome de “remoção”. O Estado tem utilizado de vários nomes para deturpar a realidade nua e crua que é esse sistema de acumulação de riqueza na mão de poucas pessoas.

Como o “capitalismo verde” de Marina Silva é compreendido pelos trabalhadores e seringueiros na Amazônia?

Osmarino Amâncio: Virou uma doença! As pessoas não entendem o significado da nova economia verde implementada na Amazônia. O desenvolvimento sustentável, na nossa compreensão, é diversificar uma economia sem ameaçar a fonte de renda e as gerações futuras. No caso, a implementação dessa economia verde está ameaçando a fonte de renda, pois, por exemplo, Belo Monte não é sustentável – tem gerado energia a um grupo de empresas para continuarem depredando a natureza, explorando trabalhadores e inundando uma grande área da floresta, que vai acabar com várias espécies e culturas. E tampouco a energia da usina vai servir para a população.

Outro exemplo é o manejo madeireiro. Se você tira toda a floresta para o manejo – sendo que ela é fonte de renda da população local, é ela que evita, também, o aquecimento global –, desequilibra ambiental e socialmente toda a região. Eu vivo da castanha, se acabar a floresta como vou sobreviver? Não fui ensinado a trabalhar na agricultura, e muito menos a região é propícia à agricultura. O aproveitamento racional daquela região não está sendo feito pelos grandes projetos de expansão com a proposta da economia verde. A Marina Silva organizou junto com o Lula este projeto, de mãos dadas com a Monsanto – o primeiro estrago foi a aprovação dos transgênicos – e depois veio a Lei de Florestas Públicas e o mercado de exportação dos bens naturais. Quem tem o selo de exportação pode destruir o que é ilegal de destruir, mas que por conta do selo vira “legal”.

O grande desmatamento vem do latifúndio, não dos pequenos proprietários. Em 1980, no estado do Acre, 10 pessoas eram donas de oito milhões de hectares de floresta – mais da metade do estado. A MANASA, hoje, é dona de 4 milhões de hectares de terra. As pessoas no governo foram as que tiveram mais capacidade de dar estrutura para o agronegócio, em especial o governo Lula com a Marina Silva no Ministério, e agora a Dilma Rousseff com essa ministra do Meio Ambiente (Izabella Teixeira). Eles não têm critérios para aprovar leis que destroem todo um potencial natural. As barragens são feitas sem discussão em audiência pública. É uma vergonha! Os projetos vêm todos prontos para serem implementados. Se as pessoas resistem, vão para o enfrentamento com o exército e a polícia. A Força Nacional, hoje, não sai de dentro da floresta para criminalizar os seringueiros e os índios.

E como se insere a Rio +20 nesse cenário?

Osmarino Amâncio: A Rio +20 será para selar, como um todo, entre sociedade e governo, uma proposta de “economia sustentável”. Esta proposta é uma idéia do modelo capitalista que temos, que se apropriou da natureza e da ecologia para ganhar muito dinheiro, sem se preocupar com o desastre que vai acontecer nas gerações futuras. A Marina foi a peça chave no Ministério do Meio Ambiente, arrodeada de ONGS e entidades que fazem o comercial do selo de exportação FSC. Isso é uma proposta perigosa, de lucro imediato, de concentração da riqueza da natureza. Não deveria estar se comercializando a floresta, pois ela é direito de todos. A natureza que se evoluiu para a humanidade tem hoje uma minoria de capitalistas se apropriando dela, que cria as leis e privatiza em nome da “sustentabilidade”.

É muita responsabilidade de todos fazer o enfrentamento a essa proposta que será selada na Rio +20. Essa é uma discussão que vem desde a década de 1970, em que já estávamos realizando os empates na Amazônia contra a destruição, depois veio a ECO-92 com essa discussão. O agronegócio não está preocupado com as consequências disso. Apenas com a soja, com a cana para o etanol, as barragens. Na Amazônia tem uma onda de açudagem em complemento às barragens, tudo pensado para a exportação dos meios naturais. O seringueiro que vive do seu roçado de subsistência, da castanha, da caça e da pesca, hoje é o vilão, considerado criminoso, mas ele vive há centenas de anos na floresta e nunca a destruiu. No entanto, é ignorado o que o grande capital faz, e é criminalizado o seringueiro que vive da sua cultura e costumes de subsistência na região.

Qual projeto que você acredita que falta para o Brasil e como se deve dar essa unidade entre movimentos populares, trabalhadores e juventude para superar o sistema que vivemos, especialmente sob essa nova capa verde?

Osmarino: O que todo mundo tem de ter consciência é que não se deve aderir a tal projeto, pois ele é do sistema capitalista. Tem que ser descartado! Temos que pensar que a sociedade capitalista não serve para a classe trabalhadora, não serve para a humanidade. Precisamos pensar numa sociedade socialista, numa sociedade humana, numa sociedade libertária. Em relação ao projeto econômico, é só respeitar as iniciativas das populações tradicionais que sempre sobreviveram sem financiamento de banco. Os índios, seringueiros e populações tradicionais nunca precisaram de dinheiro de banco. Tem que respeitar, pois cada povo indígena é uma nação. Índios, ribeirinhos, pescadores. O que a gente precisa, na verdade, é uma educação de qualidade. E o sistema capitalista não dá isso, além de excluir a classe trabalhadora das universidades, da escola, do acesso à educação. Precisamos de uma sociedade libertária. E o respeito a cada categoria, permitindo que implemente sua arte, sua cultura.

A educação precisa ter participação dos estudantes e professores na elaboração do que nela vai ser investido. Tem que ter transparência desde o calendário até os currículos formulados. A comunidade tem que participar deste processo e tem que estar de acordo com a necessidade de cada realidade. Temos de fazer este novo projeto econômico. Não podemos aceitar essa receita pronta, que já demonstrou não ser mais viável – um projeto para meia dúzia de pessoas, organizado pelas multinacionais, pelo agronegócio e o latifúndio.

Estamos em luta de classes, e temos de ter consciência disso. Temos de fazer um desafio à juventude, que em sua maioria está “viajando” na internet e acredita que vai promover uma mudança através dela, ou então passeando nos shoppings, delirando com o mercado de consumo. Só que precisa de três planetas para suportar a atual demanda. Se não tivermos cuidado com o conto do comercial do consumismo, não vamos evitar a depredação. As famílias nas grandes cidades têm três, quatro carros. A indústria automobilística é a que mais polui no mundo. No Brasil, Lula tirou o imposto dos carros para as pessoas comprarem mais. E, no entanto, não criou condições para a reforma agrária, não tirou a terra concentrada da mão de poucas pessoas.

Um projeto que não presta, portanto, devemos construir um novo. E o novo projeto todos sabem qual é: discutir o lucro, o respeito à vida, o fim da concentração de riqueza e da exploração do homem. Isso só vai ser possível quando a sociedade se rebelar, se levantar contra o sistema capitalista, dando um basta. Temos que apoiar as ocupações de terra, questionar a gestão das fábricas, da educação, da saúde. Temos de ir nos apropriando de acordo com a capacidade de mobilização que precisamos. E nesse sentido também acredito que a Conlutas pode ser um seio aglutinador destas categorias que querem confrontar a burguesia na luta de classes.

Flavia Alli é jornalista.