Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Stefan Zweig intitulou Brasil, país do futuro seu livro de
ensaios lançado em 1941, quando veio conhecer o país que o acolheria e no qual
morreria no ano seguinte. Ora, pode ser aplicado ao futuro o que diz Eduardo
Galeano a respeito da utopia: como o horizonte, está sempre ali na frente, mas
não se pode alcançá-la, por mais que se caminhe em sua direção.
Prefiro afirmar que o Brasil é um país de contrastes. Com
população de 192 milhões de habitantes (dos quais 30 milhões na zona rural,
onde predomina o latifúndio com grandes extensões de terras improdutivas),
apenas 6,6 milhões de brasileiros se encontram na universidade. E dos 92
milhões de trabalhadores, quase a metade não tem carteira assinada.
Temos a maior área fundiária da América Latina e nunca se
fez aqui uma reforma agrária. Somos o principal exportador de carne e temos a
segunda maior frota de helicópteros das Américas, e convivemos com a miséria de
16 milhões de habitantes (dos quais 40% têm até 14 anos de idade e 71% são
negros e pardos).
As marcas de 350 anos de escravidão no Brasil ainda são
visíveis no fato de a maioria da população negra ser pobre e, com frequência,
discriminada. O Brasil, considerado hoje a 6ª economia do mundo, ocupa a
vergonhosa posição de 84º lugar no IDH da ONU (2012).
Embora 65% da renda nacional se concentrem em mãos de apenas
10% da população, o país experimenta sensíveis melhoras nesses primeiros anos
do século XXI. Graças aos programas sociais dos governos Lula e Dilma, 30
milhões de pessoas deixaram a miséria. O controle da inflação, o crédito
facilitado e a redução dos juros ampliam o segmento da classe média. A
desoneração da indústria automobilística e dos produtos de linha branca
(geladeiras, máquinas de lavar etc.) dão acesso a bens de consumo.
No entanto, 4 milhões de menores de 14 anos de idade ainda
se encontram fora da escola e submetidos a trabalhos indignos. Cinco milhões de
agricultores sem-terra se abrigam em precários acampamentos à beira de estradas
ou habitam assentamentos com baixo índice de produtividade. Dos domicílios,
47,5% carecem de saneamento básico. Isso abrange um universo de 27 milhões de
moradias nas quais vivem 105 milhões de pessoas.
Há cerca de 25 mil pessoas submetidas ao trabalho escravo, sobretudo
nos Estados da Amazônia, cujo desmatamento, provocado pelo agronegócio e a
exploração predatória feita por empresas mineradoras, não cessa de despir a
floresta de sua exuberância natural.
Na ponta mais estreita da pirâmide social, os brasileiros gastam,
em viagens no exterior, US$ 1,8 bilhão por mês! O rombo nas contas externas
atingirá, este ano, a cifra recorde de US$ 53 bilhões. Nos últimos anos, a
baixa cotação do dólar em relação ao real afetou a indústria nacional e
favoreceu a entrada de produtos estrangeiros.
Como a economia brasileira está ancorada principalmente na
exportação de commodities, a crise financeira mundial reduz progressivamente as
encomendas, tornando pífio o crescimento do PIB, previsto este ano para 1,2%.
Considerado o segundo maior consumidor de drogas no mundo
(atrás apenas dos EUA), o Brasil convive com expressiva violência urbana. Os
homicídios são a principal causa de mortes de jovens entre 12 e 25 anos.
Embora a situação social do Brasil tenha melhorado
substancialmente na última década (a ponto de europeus afetados pela crise
financeira migrarem para o nosso país em busca de emprego), falta ao governo
implementar reformas estruturais, como a agrária, a tributária e a política.
O sistema de saúde pública é precário e somente neste ano os
deputados federais propuseram dobrar para 10% do PIB o investimento federal em
educação. Convivemos com 13,6% de adultos analfabetos literais e 29% de adultos
analfabetos funcionais (sabem ler e assinar o nome, mas são incapazes de escrever
uma carta sem erros ou interpretar um texto).
Segundo o Instituto Pró-Livro, o brasileiro lê apenas 4
livros por ano. E apenas 5% da população é capaz de se expressar em inglês, dos
quais a maioria sem domínio do idioma.
O poder público brasileiro, com raras exceções, é avesso à
cultura. O orçamento 2012 do Ministério da Cultura é de apenas R$ 5 bilhões (o
PIB atual do Brasil é de R$ 4,7 trilhões). O que explica o país dispor de
apenas 3 mil livrarias, a maioria concentrada nas grandes cidades do Sul e do
Sudeste do país.
Apesar das dificuldades que o Brasil atravessa, somos um
povo viciado em otimismo. Temos, por hábito, guardar o pessimismo para dias
melhores...
Agora o nosso horizonte de felicidade se coloca na Copa das Confederações
em 2013; na Copa do Mundo em 2014; e nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016.
Como o nosso país estará no centro das atenções mundiais, o
governo apressa obras, reforma estádios, aprimora a infraestrutura e promete
festas que nos farão esquecer que ainda somos, socialmente, uma das nações mais
desiguais do mundo.