terça-feira, 5 de outubro de 2010

Fundamentalismos religiosos são ameaça à democracia brasileira


Um dos problemas que afloraram nesta eleição é o da emergência dos fundamentalismos religiosos católicos e protestantes, tentando influir nas decisões políticas do país. Até mesmo a famosa organização fascista-católica Opus Dei, de grande penetração na Península Ibérica, estaria presente em São Paulo, apoiando o candidato do PSDB.

Infelizmente, as eleições presidenciais não se resolveram no primeiro turno. Ter-se-á que voltar às urnas no próximo dia 31 de outubro. Nesta data, quando chegar a noite, o novo presidente(a) será conhecido de todos brasileiros. Ao que parecia, no primeiro turno, o processo eleitoral teria resolvido a mesma questão. Mas isto não ocorreu. Os resultados impuseram a celebração do segundo turno e para isto os candidatos e eleitores terão que se posicionar. A política é cheia de surpresas, de revelações que precisam ser claramente avaliadas.

A disputa voltará a ser, com mais ênfase, a luta contrária ao candidato-síntese das direitas do país. É possível que ambos disputantes digam – verdade ou mentira – que eram ambientalistas desde criancinhas, bem como, sempre defenderam os princípios religiosos, como mais importantes do que os de natureza laica, isto é, os relacionados à política real.

Equívocos sobre equívocos serão cometidos na tentativa de se obter a vitória final. É quase impossível evitar que tal ocorra, quando o objetivo se esvai em trinta dias e o que se quer é vencer de qualquer modo. De todo o jeito, é preciso lembrar que o presidente da República não é e nem será o proprietário das crenças de ninguém e que o Brasil é um país plural, onde convivem modos diversos de se crer. O que se espera é que o futuro presidente(a) garanta a continuação das conquistas dos trabalhadores, as ampliem e eleve o país a um novo patamar possível, do ponto vista social e cultural.

Um dos problemas que afloraram nesta eleição é o da emergência dos fundamentalismos religiosos católicos e protestantes, tentando influir nas decisões políticas do país. Até mesmo a famosa organização fascista-católica Opus Dei, de grande penetração na Península Ibérica, estaria presente em São Paulo, apoiando o candidato oficial do PSDB. O fundamentalismo de origem protestante renovada teria tido o seu peso nas eleições em vários níveis. Padres e pastores ultraconservadores instaram seus fiéis a apoiarem determinados candidatos e participaram na rede de intrigas sociomidiáticas que vem caracterizando esta eleição. Esta atitude vinha sendo desenvolvida em várias campanhas e problemas nacionais. Desta vez, surgiu com maior força e, talvez, para ficar.

O problema dos grupos religiosos fundamentalistas não é de natureza teológica. Eles demonstram possuir, onde atuam, uma visão política antiga que flerta com o fascismo. Segundo estas organizações, a verdade que acreditam devem ser estendidas a todos. As pessoas deveriam simplesmente obedecer como cordeiros a determinação desta minoria. Apesar de numerosos, eles são minoria e não são tão organizados como parecem ser. Suas opiniões flutuam como folhas ao vento, porque são determinadas pelo que ouvem nos seus templos e nas redes de comunicação que dominam. O recado que passaram é que existem e precisam ser considerados. Entretanto, não é difícil ver que suas convicções, quando ultrapassam o terreno religioso, são facilmente moldáveis pelas exigências que pesam sobre todo mundo, vindas da sociedade de consumo e do espetáculo, isto é, do capitalismo contemporâneo.

As próprias características das religiões professadas pelos mais fundamentalistas os aproximam de problemas materiais bastante concretos. O autor destas linhas não crê que o problema seja exatamente o aborto, praticado na ilegalidade por pelo menos três milhões de brasileiras a cada ano. Pensa que existem muitos que não crêem de fato nas mesmas coisas ditas nos templos, nos programas religiosos da TV e das emissoras de rádio, na imprensa religiosa e nos canais internéticos dominados pela ortodoxia da fé. De algum modo, eles sabem disto tudo, mesmo que neguem ou façam de conta que o mundo é exatamente o que eles acham que deveria ser. De fato, o que desejam é ser reconhecidos e precisam para isto provocar e aprender os limites de suas ações. Não se vive o mundo medieval e nem mesmo o da Reforma e o da Contra-Reforma. Queira-se ou não, religião é coisa fundamentalmente de foro íntimo, compartilhada entre iguais em lugares específicos.

É difícil imaginar que todos os eleitores que votaram sob a influência fundamentalista sejam tão radicais, e acreditem na teoria e na prática que suas verdades são inabaláveis. Certamente, entre as ovelhas existem muitas que podem ser desgarradas e entre os padres, os pastores, nem todos, são tão obedientes assim às ordens da conservação. Como quaisquer seres humanos, eles têm dúvidas e esperam ser ensinados a partir de outras fontes de autoridade, além das que se apropriaram de suas consciências. É provável que alguns queiram ser eles mesmos, por não serem absolutamente alienados ou loucos. Esses podem vir a rejeitar posturas de grupo que não contemplem diferenças individuais. Podem se dividir e votar no segundo turno de modo diverso.

Para convencê-los é preciso repolitizar o debate. A agenda básica do país não é a perseguição às religiões minoritárias e às suas crenças. Espera-se que isto jamais seja o mote de qualquer governo. O Brasil é um país tolerante a qualquer crença e a qualquer movimento religioso. As pessoas devem ser livres para acreditar no que quiserem, mas precisam ser educadas para entender que suas crenças e o modo em que vivem não são únicos. Alguém precisa lhes dizer que não se está na Idade Média, na época do nazifascismo e da ditadura militar. Todos podem ser livres responsavelmente, sabendo os limites sociais de suas liberdades. Ninguém deve impor aos outros, o que acredita como certo e inelutável. A luta é pelo convencimento livre de pressões e imposições é uma conquista que abrange a todos. Mesmo que se saiba que o problema de alguns é o da falta de escolas sérias e de mídias que realmente complementem o processo educacional.

Acha-se estéril uma discussão retórica sobre o problema do aborto. Esta não é uma questão a ser tratada no calor de uma eleição. De outro lado, mais cedo ou mais tarde ele será legalizado. Isto já ocorreu há muito tempo nos EUA, no Canadá, na Europa Ocidental e em Cuba. No Oriente inúmeras nações o legalizaram, tais como a China, a Índia, dentre outras. A América Latina é um bastião contrário, cada vez mais solitário. Todavia, há inúmeros sinais de ruptura. O mais recente foi sua legalização na cidade do México. A marcha é inexorável e precisa ser conhecida de todos. Se ele vier, quem for contrário poderá continuar a sê-lo. Ninguém será obrigado a fazê-lo. Tal como as religiões, isto é, em grande parte do mundo atual, uma questão de foro íntimo. O que tem que acabar é a hipocrisia e a exploração radical das crianças no mundo real.

Luís Carlos Lopes é professor e escritor.

Golpe no Equador: O fantasma persiste em rondar nosso continente


Enquanto os olhares do mundo se distraiam voltados para as disputas eleitorais brasileiras, o soturno – e nem um pouco sorrateiro – fantasma das ditaduras se preparava para nos assombrar, mais uma vez. Pouco mais de um ano após o golpe que solapou a democracia em Honduras, na tarde de ontem, 30 de setembro de 2010, a América Latina viveu mais um episódio de atentado contra um governo em exercício.
O alvo dessa vez foi o progressista e democraticamente eleito governo de Rafael Correa, presidente do Equador. Essa contradição é no mínimo pedagógica. É um balde de água fria no otimismo cego que em época de eleições toma conta da parca democracia que conquistamos. Otimismo que também nos impede de enxergar no que realmente estamos metidos.
O que sabemos até o momento é que o estopim da crise – que, felizmente, parece já estar sendo controlada – foi o protesto realizado pela Polícia Nacional do Equador contra um projeto de lei aprovado na quarta-feira (28/9) pela Assembleia Nacional. Um dos artigos da legislação prevê reduções nos benefícios salariais da categoria. Para o governo e a ampla maioria dos movimentos sociais daquele país, o rechaço à lei foi usado como um pretexto para uma truculenta tentativa de golpe de Estado.
Por mais que os poderosos veículos de imprensa do Brasil e de outros países de nosso continente se esforcem para afastar a ideia de golpe, colocando-a como mera especulação, as ações que se sucederam na empreitada frustada de instauração de uma crise naquele país não ocorreram gratuitamente.
O Equador vive hoje um processo de politização e mobilização popular impulsionado, dentre outros diversos motivos, pela eleição do governo Correa. Está também em curso um processo de mudanças profundas que está afetando as oligarquias locais. Uma das ações desse processo foi a instauração de uma auditoria da dívida pública daquele país, que trabalhou em busca da verdade sobre o endividamento público e, assim, levantou diversas irregularidades no pagamento das dívidas contraídas com bancos privados e possibilitou a redistribuição dos gastos do Estado equatoriano. A medida, que é defendia pelo candidato do Psol à Presidencia da República do Brasil, Plínio Arruda Sampaio, também altera os ânimos da elite de nosso país que, por isso mesmo, faz questão de descredibilizar e destratar o candidato por todos os meios dos quais dispõe.
Além disso, em 2009, contrariando os interesses dos EUA, o Equador fez a opção de não renovar o acordo que mantinha em seu território a base militar de Manta. É sabido que o governo de Correa não desperta a simpatia de Washington. Ou seja, motivos existem de sobra.
As experiências de governos progressitas como o de Correa no Equador, que resistem democraticamente em nosso continente, colocam-se como um dilema para as elites nacionais e para a direita. Nesse contexto, os golpes, o autoritarismo e o atropelo das instâncias democráticas estabelecidas e em atividade voltam a ser uma aposta para os setores reacionários mais atrasados. O que mais nos importa é questionar por quais razões continuamos a testemunhar essa postura de truculência pela qual as elites, quando contrariadas, insistem em se impor. A relação dessa postura com as dívidas que colecionamos com o nosso passado é grande e não diz respeito apenas à história de violação e assassinato inaugurada pela colonização européia. Diz respeito também a um acerto de contas mal feito com a ditadura militar. E nesse quesito, o Brasil é um belo exemplo, afinal por aqui torturadores e mandantes continuam a assombrar, vangando livres e gratos pela cumplicidade da Justiça.
Não podemos subestimar a força do passado, tampouco deixar ser apagada nossa memória, pois é do esquecimento que ressurgem os fantasmas. Há pouco vivenciamos a tragédia de Honduras, ontem foi o Equador. As elites de nosso continente são as mesmas de ontem e seu caráter também é o mesmo, basta que enterremos nossa memória para vermos a palavra se realizar: golpe.
A verdade que nos resta é que a postura de truculência golpista persiste em reaparecer em nosso continente. Não podemos aceitar que os fantasmas das ditaduras militares continuem a passear livremente pela América Latina e o Caribe, contra os ventos de mudanças sociais e políticas em curso em muitos países do continente. É preciso termos tudo isso vivo em mente, para que não estejamos sujeitos ao mesmo destino no dia em que conquistarmos as mudanças sociais profundas e necessárias que ainda não foram realizadas por nenhum governo em nosso país.

* Raul Marcelo é deputado estadual pelo PSOL em São Paulo, membro da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo e da Frente Parlamentar de Solidariedade a Cuba e candidato à reeleição.

Tarso monta governo a partir de novembro. Prioridade atual é eleger Dilma

Bruno Alencastro/Sul21
Tarso (D) viajou a Brasília para reunião com Dilma Rousseff / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Rachel Duarte

Um governo plural e de diálogo. Essa foi a primeira afirmação do governador eleito no Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), sobre como será o seu mandato nos próximos quatro anos. Já nesta segunda-feira, 4, Tarso reuniu-se com a coordenação geral da campanha para tratar das prioridades da coligação Unidade Popular pelo Rio Grande. A primeira tarefa será organizar uma comissão, responsável por levantar os problemas que possam encontrar ao assumir o Palácio Piratini. A definição do secretariado e o início da transição ficaram para novembro. Neste momento, a prioridade da Coligação é ajudar na eleição de Dilma Rousseff, no segundo turno.
Focar as ações no segundo turno é importante, também, para o o governador eleitor. Tarso vai trabalhar para evitar que o Rio Grande do Sul siga a tradição de ter um governo estadual contrário ao nacional, o que voltaria a acontecer com uma eventual derrota de Dilma nas urnas. O ex-ministro, assim como o senador petista Paulo Paim e alguns líderes do PT gaúcho foram convocados ainda no domingo (3) para uma reunião com a campanha da Dilma em Brasília. Tarso viajou na tarde desta segunda-feira, 4, para cumprir o compromisso.
O governador eleito do RS se colocou à disposição do PT nacional, mas alertou: não deixará de trabalhar na transição. “Nós vamos conciliar as duas atividades. Pois agora, precisamos ouvir os partidos da Frente sobre como pode ser o processo de composição do governo”, falou. Sobre os critérios que serão adotados afirmou: “vamos montar o governo com pessoas adequadas aos cargos e os partidos terão que oferecer os melhores”.
Possibilidades partidárias
Como já fora anunciado, antes mesmo da vitória de Tarso se confirmar, o PDT será chamado para compor o governo. Os rumores levantados às vésperas da votação sobre a possibilidade de o ex-governador Alceu Collares (PDT) integrar o governo, ou mesmo sua esposa Neuza Canabarro, não devem se confirmar, transformando-se em um mero boato. Collares disse ao Sul21 que não há convite e que já deu sua contribuição aos gaúchos, apesar de não ter se pronunciado sobre um possível convite à sua esposa.
Segundo o presidente do PDT, Romildo Bolzan Jr., é cedo para esta conversa, em razão da derrota recente do projeto apoiado pelo partido. Ele disse ainda que a decisão sobre o diálogo com a Coligação de Tarso será feita de forma coletiva, mas a independência do PDT será defendida por ele. “Se esse assunto chegar a mim, vou levar para as instâncias partidárias. Mas defendo que o PDT tem que ter posição de construção de estado e independência. Essa proposta tem que amadurecer”, falou.
O caminho para esta costura com o PDT deve ser trilhado pelos pedetistas que apoiaram Tarso na campanha. Entre eles, o prefeito de Taquara, Décio Hugentobler. As movimentações do tabuleiro passam pela formação da futura chapa à Prefeitura de Porto Alegre, em 2012. Mas, esta cota pode não ser ocupada pelo PDT, uma vez que a deputada federal Manuela D´Ávila (PCdoB) foi a quarta mais votada no país.
Independente do peso dos deputados federais ou estaduais da Coligação, Tarso afirmou que não irá fazer um governo fracionado, apenas por divisão de cargos. “Nós fazemos questão que a cabeça de chapa seja da Unidade, mas isso não implica que ela tenha o poder. Nós temos uma responsabilidade com a nossa Coligação, mas queremos formar um grande bloco político no estado. Então não haverá nenhuma postura absolutista”, disse.
Tarso ainda irá ouvir o PTB e o PP para saber o que os partidos pensam sobre o futuro do RS. Este diálogo também pode favorecer a indicação ao governo de quadros de partidos que não estiveram aliados com Tarso, no primeiro turno. Entre os mais próximos do governador eleito, o único que surgiu foi o do superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, Ildo Gasparetto, cotado ao cargo de secretário de Segurança.
Ampliar a Coligação é importante para o futuro governo Tarso ter maioria na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Pode, no entanto, esbarrar em resistências dentro do núcleo do partido e até mesmo entre as diferentes correntes dos 14 deputados petistas eleitos para a Assenbleia. Somando os deputados petistas aos quatro da bancada do PR/PSB/PCdoB, a Unidade Popular pelo Rio Grande tem 18 das 55 cadeiras, que compõem o parlamento gaúcho. Com o PDT, PTB e PP, o governo teria a maioria para aprovar projetos com tranquilidade.
As siglas que Tarso salientou que não irão compor o seu governo são as opositoras diretas à sua campanha nesta eleição: PSDB, PMDB e DEM. “Mas isso não quer dizer que não vamos dialogar com a oposição, pois tem quadros bons e que querem o melhor para o Rio Grande”, salientou.
Consertação da casa
O futuro governador Tarso Genro salientou que pretende voltar a cinco das mais de 300 cidades gaúchas que visitou durante a campanha, para agradecer pela confiança do voto.
Sem aprofundar qualquer análise sobre a situação do Rio Grande do Sul, ele disse que pretende governar de acordo com o programa de governo elaborado ao longo da campanha junto com os partidos aliados, entidades, movimentos sociais e população.
A fundamentação básica do plano de governo de Tarso Genro é o aumento da capacidade de investimentos, a recuperação das funções públicas do Estado, o desenvolvimento sustentável e uma participação forte e protagonista no cenário nacional.
O governo será organizado em redes, por meio do ProRedes RS, que será um comitê ligado ao gabinete do governador. O ProRedes RS terá o objetivo de definir metas e estabelecer as prioridades de desenvolvimento. O fortalecimento e a pluralidade dos mecanismos de participação popular, como o Orçamento Participativo e os Conselhos Regionais e Municipais de Desenvolvimento são prioridade. Há previsão de criar um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, nos moldes do Conselho de Desenvolvimento Nacional. A participação virtual e as redes sociais na internet também serão estimuladas.
Na rede da Educação, o programa prevê implantação do turno integral nas escolas de ensino fundamental e um Programa Universidade Para Todos (ProUni) específico para o Estado. Também está previsto o resgate e revitalização da Universidade Estadual (Uergs) e investimentos em pesquisa e tecnologia. Na rede da segurança pública está previsto o reforço na implantação do Pronasci – Programa de Segurança Pública com Cidadania, que alia ação policial com programas sociais. Além do trabalho integrado entre as forças policiais.