Rachel Duarte no Sul21
O governo do Rio Grande do Sul pretende implantar, já no início do próximo ano, um novo sistema de avaliação do ensino público. A proposta, que será apresentada neste segundo semestre, desagrada ao Cpers, que não concorda em vincular questões quantitativas, como o resultado dos alunos, ao aumento salarial, além de ver riscos ao atual plano de carreira, que já pressupõe uma avaliação. Já o governo ressalta que o sistema a ser implantado não terá prêmios nem castigos.
“O governo fará mudanças na avaliação de mérito já existente no Estado e não irá implementar a meritocracia”, diz o secretário de Educação, José Clóvis Azevedo. Sem entrar em detalhes, Azevedo afirma que serão ampliados os itens de avaliação e serão construídos indicadores. “A pontuação é muito vaga hoje. Temos que fazer a diferenciação entre avaliação de mérito e meritocracia. Meritocracia envolve prêmios e castigos, não vamos andar nesta linha”, garante.
Os professores receberão pontos por cada curso de aperfeiçoamento que realizarem, enquanto o atual sistema restringe a apenas um certificado de formação. Não serão aplicadas provas como forma de ascensão dos professores no plano de carreira. “Os professores já estão concursados”, justifica o secretário.
Azevedo explica que o desempenho do professor em sala de aula será avaliado pelas comissões já existentes nas escolas, com a participação da comunidade escolar. “A criatividade dos professores para ensinar, a participação deles em projetos comunitários e as propostas para a escola serão avaliados”, exemplifica.
O governo ainda não definiu, mas a tendência é fazer um decreto para implantar o sistema no próximo semestre.
“Este governo está fora da lei”
O ato que vai reempossar a professora Rejane de Oliveira na presidência do Cpers, no próximo dia 19 de agosto, servirá de protesto da entidade contra “qualquer mudança no plano de carreira sem diálogo com a categoria e contra a meritocracia”. Segundo Rejane, o governo só muda o nome, mas a metodologia proposta segue a lógica mercantil.
A presidente do Cpers critica a avaliação quantitativa, que aplica um mesmo método para toda a rede, sem respeitar a realidade de cada escola. “Um professor que atua na escola rural tem uma realidade. O que atua na escola urbana tem outra. E, muitas vezes, as condições estruturais não são as mesmas. Isso influencia no cotidiano do professor”, explica.
“Não é possível falar em qualidade sem falar em cumprir os 35% da receita líquida para investimentos em educação, previstos na Constituição Federal. E no cumprimento do piso nacional. Este governo está fora da lei”, critica a sindicalista. O Cpers defende a aplicação do piso nacional da categoria ao atual plano de carreira, sem a necessidade de pontuações para elevar os salários.
O Cpers usa como argumento um documento assinado pelo governo do Estado, após reunião com o sindicato. “Reafirmamos nossa posição contrária à meritocracia e ao modelo de avaliação efetivado por meio do SAERS (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul), que já foi extinto. Não estabeleceremos a política de diferenciar salário a partir de verificação de resultados, nem vamos promover competição entre escolas e professores, o que só aprofundaria a desigualdade”, diz o texto.
A experiência de Canoas
Nesta semana, em almoço com jornalistas no Palácio Piratini, Tarso Genro disse que considera bom o modelo de avaliação implementado em Canoas, na região metropolitana, mas aplicado a um número restrito de professores, o que dificultaria a transposição para o plano estadual.
O modelo de Canoas foi discutido com sindicatos e a comunidade escolar. A categoria, no entanto, está descontente. “O prefeito se comprometeu em rever alguns pontos, mas até agora não alterou nada”, diz o presidente do Sindicato dos Professores de Canoas, Jari Rosa de Oliveira. No último dia 14, cerca de 300 professores protestaram em frente à prefeitura.
Segundo Jari Oliveira, a principal queixa é quanto à gratificação pela Regência de Classe (domínio do professor em sala de aula). “Nós agregávamos 30% do salário. Agora foi criado um novo mérito: o Valor Pessoal Nominalmente Identificado (VPMI), onde acréscimos no salário ocorrem somente mediante qualificação na formação do professor”, explica. Outro fator é o controle das faltas por licença saúde. “Os professores que faltarem um dia perderão 30 pontos”, reclama o professor.
Avaliação por mérito e meritocracia
A coordenadora do Programa de Pós Graduação em Educação da Unisinos, Edla Eggert, considera positiva a polêmica, pois abre a possibilidade de que experiência de pesquisa cheguem ao conhecimento do poder público. “Teoria e prática precisam estar afinadas. Isso contribui com os governos para evitarem a lógica do ‘apagar incêndios’, já que os pesquisadores tem acúmulo”, defende.
Para a pesquisadora, a metodologia de avaliação do ensino deve respeitar a realidade de cada lugar. “Não adianta ver números para avaliar um processo que tem todo um caminho para a garantia da aprendizagem dos alunos. O produto final é apenas um dos aspectos para se aferir o ensino. Com elementos apenas quantitativos isso é ignorado. O simples olhar da régua é comprometedor”, alerta.
A professora lembra que avaliação não é algo novo e existem diversas experiências, como as realizadas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a instância máxima para avaliação da pesquisa cientifica no Brasil. “A avaliação feita por eles é muito consistente e o professor só recebe bolsa se tiver um projeto e defendê-lo. Então, já temos instrumentos de avaliação por mérito no Brasil. Não é algo novo”.
“Não podemos temer a avaliação que farão da gente. Temos uma cultura punitiva que vem da nossa tradição no Brasil, mas nem tudo que vem de cima é ruim. Temos que ter cuidado e se articular melhor”, diz a pesquisadora.
Edla Eggert disse ainda que o Plano Nacional de Educação, em discussão no Congresso Nacional, prevê aspectos que vão ao encontro de melhorias da avaliação do ensino. “Apesar das emendas que foram acrescentadas e que não contemplam os professores, é uma importante bandeira para implementar as modificações e qualificações que os Estados também desejam”, afirma.
Colaborou Felipe Prestes.