Banco
do Vaticano tenta transferir 23 milhões de euros para contas numeradas.
Suspeita de Lavagem. Calvi e Sindona, fizeram escola. Por Wálter
Maierovitch. Foto: AFP
1. Para quem acredita em milagres, pode começar a genuflexão e agradecer. Afinal, por mais que o diabo tente, é sempre vencido.
Mas, como alertava o pranteado padre Vicente, da igreja de Santo
Antonio do bairro da Barra Funda, em São Paulo, o diabo é trabalhador,
“labuta 24 horas”. Para todos os meninos da época, a fala do padre
Vicente impressionava, até porque não conseguíamos ver o diabo e só se
ouvia sobre as “infernais roubalheiras” do então governador Adhemar de
Barros.
De repente, em menos de um mês, três fatos vêm à luz e revelam mistérios escondidos dos cidadãos comuns. Milagres!!!.
Vamos a eles, para entender melhor sobre os 23 milhões de euros,
pertencentes ao banco do Vaticano, apreendidos ontem por ordem da Justiça italiana.
Primeiro fato – Roberto Calvi, apelidado Banqueiro
de Deus por operar as finanças do Estado do Vaticano nos anos 60 e 70,
não morreu enforcado pendurado na ponte londrina onde o seu corpo foi
encontrado pela polícia, em 17 de junho de 1982.
A Justiça italiana concluiu, definitivamente, neste mês de setembro,
pelo envenenamento de Calvi. Calvi foi envenenado, assim como o
banqueiro Michele Sindona.
Sindona era o banqueiro da Máfia. Quando simulou o seu sequestro,
permaneceu hóspede da Máfia, que se encarregava de enviar mensagens com
exigências, de vários pontos do planeta. As mensagens eram elaboradas e
datilografadas pelo próprio Sindona. Do seu esconderijo, chamado de
cativeiro nos bilhetes da falsa vítima.
Além de banqueiro da Máfia, Sindona era o mentor do cardeal Paul
Marcinkus, diretor do Banco do Vaticano, conhecido pela sigla IOR —
Instituto para as Obras Religiosas.
Foi Sindona que ordenou a Marcinkus a colocação de Roberto Calvi à
frente das finanças do Vaticano. Aí, o Banco Ambrosiano, operado por
Sindona, passou a usar a IOR para lavar dinheiro sujo e reciclar
capitais.
Sindona era membro da Loja Maçônica P2 de Licio Gelli, uma holding
no sistema de lavagem de dinheiro elaborado pelo chamado Banqueiro da
Máfia, que mandava em Calvi, o Banqueiro de Deus.
Para Giulio Andreotti, o banqueiro Sindona era o herói que havia
salvado a lira italiana e mantido em pé o meio circulante italiano.
Andreotti, atual senador vitalício, de 92 anos, foi sete
vezes primeiro-ministro da Itália. Por decisão da Suprema Corte italiana
de Justiça (Corte de Cassação) foi condenado por associação à Máfia e
teve a punibilidade extinta por prescrição.
Sindona morreu envenenado em 3 de março de 1986, em cela individual
do cárcere de Voghera. Recebeu do carcereiro uma xícara de café.
Para o leitor que quiser se aprofundar, recomendo o livro intitulado
Il Caffè di Sindona, dos magistrados Giuliano Turone e Gianni Simoni.
Segundo fato – Duas semanas atrás, o presidente da
Itália, o respeitado Giorgio Napolitano, promoveu uma tocante homenagem
ao corajoso e dedicado advogado Giorgio Ambrosoli.
Ambrosoli era o responsável pela liquidação da Banca Privata Italiana, quebrada por Sindona.
As apurações financeiras conduzidas por Ambrosoli, por evidente,
incomodavam Sindona, que resolveu mandar matá-lo e restou
definitivamente condenado por isso.
Como Sindona lavava dinheiro para a Cosa Nostra norte-americana,
ficou facial a contratação nos EUA, por intermédio da famiglia Gambino,
de um killer para assassinar Ambrosoli.
William Arrico, killer norte-americano, foi enviado à Itália e, no
dia 12 de julho de 1979, em Milão, matou a tiros Ambrosoli. Ele estava
saído da sua casa e o governo italiano nunca lhe forneceu escolta,
embora pedida.
Para Giulio Androtti, em declarações ao jornal Corriere della Sera da semana passada, Ambrosoli “estava procurando encrenca”.
Só para lembrar e destacou o jornalista italiano Paolo Manzo, –em
matéria sobre a fala de Andreotti e que está publicada na revista CartaCapital desta
semana–, o senador Andreotti, homem do Vaticano na política italiana
(mandava no Partido da Democracia Cristã, extinto depois do escândalo da
Operação Mãos Limpas.), comparece diariamente às missas e recebe a
comunhão. Na Itália, sabe-se que já consumiu “quantidades industrias” de
hóstias consagradas.
Como se percebeu, e os protestos na Itália foram pesados,
Andreotti demonstrou como a influência mafiosa ainda domina o seu
pensamento, ou seja, quem procura acaba mesmo por merecer a morte.
Terceiro fato – Ontem, a juíza Maria Teresa Covatta, por provocação
de Stefano Rocco Fava, da magistratura do Ministério Público, determinou
o seqüestro de 23 milhões de euros e deu sinal verde a processo
apuratório contra a cúpula que dirige o IOR: o IOR é dirigido por três
gestores laicos (Ettore Gotti Tedeschi, Paolo Cipriani e Massimo Tuli) e
sob fiscalização de um colégio de cardeais, cujos membros nomeados pelo
papa têm mandato por cinco anos.
A comissão de cardeais é presidida por Tarcisio Bertone, secretário
de estado, e segundo na hierarquia da Igreja. O cardeal Bertone é o
homem da confiança do papa Ratzinger. Pelo New York Times, o cardeal
Bertone, quando com Ratzinger no antigo Tribunal da Inquisição,
acobertou casos de pedofilia.
O sequestro de valores do IOR levantou suspeitas em face de duas
ordens de transferências eletrônicas: 20 milhões ao banco JP Morgan,
agência de Frankfurt, e 3 milhões para o banco italiano Fucino.
As transferências não obedeciam as regras internacionais. Regras
baixadas para evitar a lavagem de dinheiro, em especial por organizações
terroristas.
O IOR tentava realizar a transferência para contas-correntes
identificadas apenas por números: contas sem identificar o nome do
beneficiário.
No âmbito da União Européia, desde 2007, é proibido a remessa de
capitais só com número codificado do destinatário da transferência. São
exigidas informações completas sobre o beneficiário.
–2. Em nota, a secretaria de estado do Vaticano, cujo secretário é
Bertoni, comunica ter a máxima confiança nos atuais gestores do IOR, que
apoiará as investigações, mas que as contas de remessa eram para
instituições religiosas e de caridade.
O estatuto do IOR estabelece ser sua missão “ promover a custódia e a
administração dos bens móveis e imóveis transferidos ou sob guarda do
IOR e destinados às obras religiosas e de caridade”.
–3. PANO RÁPIDO. O dinheiro sequestrado estava depositado em conta do
“Credito artigiano”, que ficaria com um saldo, depois das
transferências, de 5 milhões de euros.
É a primeira vez que ocorre esse tipo de intervenção e sequestro de capitais da Santa Sé.
A Corte de Cassação Italiana, equivalente ao nosso Supremo Tribunal
Federal, firmou jurisprudência no sentido de a Justiça italiana ter
competência para apurar sobre transações, com circulação na Itália, do
banco da Santa Fé. Em outras palavras, não há imunidade e, assim, lavar
ficou mais difícil para quem usava o banco Vaticano.