sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Mensagem do sub-comandante Marcos...

“NÃO FAÇAMOS DE NOSSA FORÇA UMA FRAQUEZA”.


Hermann Bellinghausen. La Jornada,

San Cristóbal de las Casas, Chiapas.“Queremos dizer-lhes, pedir, que não façamos de nossa força uma fraqueza. O ser tantos e tão diferentes nos permitirá sobreviver à catástrofe que se aproxima e levantar algo novo. Queremos lhes pedir que este novo seja também diferente”. Foi com estas palavras que, ontem à noite, o Subcomandante Marcos resumiu a mensagem principal da delegação zapatista no encerramento do primeiro Festival da Digna Raiva.

“Vocês e nós temos visto e ouvido esta raiva acumulada”, afirmou perante os participantes que abarrotavam as salas da Universidade da Terra até a última sessão do evento.

“Não nos preocupa quem, ou como, ou com que vai se dirigir esta raiva. Não nos preocupa a velocidade do sonho. Temos aprendido a confiar nas pessoas. Não precisam de quem as dirija. Criam suas próprias estruturas para lutar a triunfar. Tomam em suas mãos seus próprios destinos, e o fazem melhor do que os governos impostos de fora”.

Por outro lado, “preocupa-nos o rumo e o destino”, disse. E que “o mundo que a nossa raiva vai parir se pareça com aquele no qual hoje sofremos”. Admitiu que o “EZLN teve a tentação da hegemonia e da homogeneidade”. Mas “os povos nos ensinaram que há muitos mundos e que o respeito mútuo é possível e necessário”. Na Outra Campanha “não nos propusemos a organizar e a dirigir o México inteiro”.

Ao tomar um conceito do pensador Jean Robert, declarou: “Reconhecemos nossos limites, nossas possibilidades, nossa ‘proporcionalidade’”. Pronunciou-se a favor “de fazer um trato entre nossas respectivas proporcionalidades, e que o país que sair disso, o mundo que se conseguir seja formado pelos sonhos de todos e de cada um dos espoliados”.

Na primeira parte de sua exposição, com o título “Alguns mortos dignos e raivosos”, Marcos respondeu, sem mencionar seus nomes, a questionamentos de Jesusa Rodríguez e Liliana Felipe publicados nesta segunda-feira no La Jornada: “Duas pessoas a quem queremos e respeitamos, talvez a seu pesar, nos perguntam de que serve ao movimento zapatista que Marcos desqualifique o movimento lopezobradorista. Que faço isso sempre que compareço na mídia, entre outras coisas, para insultar AMLO [Andrés Manoel López Obrador]. Bom, não estou na mídia, esse período já passou faz muito tempo”, assegurou, mas sim “ouvindo pessoas que lutam e pensam em vários cantos do planeta”.

Usou o tempo para explicar como o CCRI-CG do EZLN organiza o seu trabalho. Descreveu que os povos zapatistas integram regiões. Cada uma delas “tem uma estrutura organizativa, agora paralela à da autoridade autônoma” onde há “um comando coletivo organizativo”. Não militar, enfatizou.

Tzotziles, tzeltales, tojolabales, choles, zoques, mames e mestiços, “têm seus próprio problemas e ‘maneiras’ de enfrentá-los e resolvê-los”. O EZLN é “ponte de enlace entre as regiões”. Além disso, “cabe-lhe” representá-las diante do mundo externo.

Assim, “apesar de comandante de Los Altos, Hortênsia não fala com você sobre Los Altos, por sua voz fala a voz do EZLN”. O mesmo acontece com “qualquer um” do CCRI-CG. “Quando Marcos ou qualquer um de nós fala em público” não o faz “a título pessoal”.

Lembrou que em 2006, durante a caravana da Outra Campanha e “os dias mais detestáveis” da repressão em Atenco, “gritou-se contra nós e fomos agredido em atos públicos e reuniões por parte do movimento lopezobradorista. Se resistimos a 500 anos de tentativas de dominação e aniquilamento, 25 nas montanhas, 15 de assédio militar, não vemos porque não poderíamos resistir aos gritos histéricos, às calúnias, às mentiras, às desqualificações e aos vetos jornalísticos do ‘lopezobradorismo’”.

Os partidos políticos, disse, “podem dizer uma coisa e fazer o contrário”. Isso pode ser constatado “em qualquer lugar onde têm o poder”, pois “seu critério de congruência é outro. Para eles é a quantidade que podem mobilizar, sem se importar com os métodos”. Por outro lado, “nós pensamos que cada um deve tornar-se responsável do que diz e faz”. O EZLN “tem se responsabilizado sempre, e coloca a vida nisso”.

Convidou a que “nos digam quem entre nossos ‘aliados’ são perseguidores, discriminadores e assassinos de indígenas. Nós já lhes dissemos quem entre seus dirigentes e ‘aliados’ o são. Aqueles que perseguem, hostilizam e cortam a água a nossos companheiros zapatistas de Zinacantán pertencem à CND lopezobradorista”. Asseverou que “dentro e fora” de seu território “são simpatizantes de AMLO; claro, além do governo federal, estadual, municipal, dos meios de comunicação (agora todos), do exército, da polícia estadual, da AFI, do CISEN, da CIA e demais amigos que os acompanham”.

Marcos questionou de que serviu ao lopezobradorismo “aliar-se com os Nuñez, Montreal, Muñoz Ledo, Sabines, Albores, Kanter, Iruegas, os ex-funcionários indígenas de Fox e os que votaram contra os acordos de San Andrés”. Onde são governo “desalojam, expropriam, reprimem, exploram, discriminam, cortejam o poderoso e entregam riquezas naturais ao estrangeiro”.

De que serve ao movimento lopezobradorista, pergunta, “não ver nem ouvir os mortos que são de sua responsabilidade. Podem dizer que isso não é AMLO”. Apesar disso, afirmou, “um dirigente deve assumir a responsabilidade pelo que dizem e fazem ele e o seu movimento. E os integrantes de um movimento também”.

Xangai - Mutirão da Vida (1998)




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Créditos: UmQueTenha
Comédia do poder



Breno Raigorodsky - correio da cidadania

A "Comédia do Poder" do Claude Chabrol, foi a última besteira que fiz no ano de 2008.

"Pare com isso, Breno" uma voz interna me dizia, "pare de alimentar idiossincrasias, o ano novo está chegando", insistia, enquanto eu chafurdava nas prateleiras da videolocadora no dia 30 de dezembro. "Dê-lhe mais uma oportunidade, ele era da turma do Truffau e do Godard, no Cahiers du Cinema, rodou 55 filmes em 50 anos de cinema...".

No verso da caixinha do vídeo vinha escrito que o filme relatava uma história real, de uma juíza francesa que tentou pegar um crime de Estado, onde a petrolífera ELF e o governo francês se envolvem nas maiores falcatruas com governos africanos. Dizia também que o filme tinha sido indicado para o Urso de Ouro do Festival de Berlim, além de ter como protagonista a ótima Isabelle Huppert, atual presidente do júri do Festival de Cannes 2009.

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Tudo bem, vamos lá, se dei tantas oportunidades ao Eric Rhomer, com seu amadorismo assumido, porque não uma nova chance para o verborrágico Chabrol?

Assistido o filme, faço minhas as palavras de um tal de Alexandre de São Paulo, que escreveu para o Guia da Semana na época: "O tema ou o enredo seria maravilhoso... Se fosse conduzido de alguma outra forma; nesse caso foi exposto de forma muito artificial. O filme abordou o assunto de um modo muito superficial e sem emoção; não há investigação, suspense, dinamismo, nada; os fatos já vêm mastigados e apenas são jogados na tela. Por incrível que pareça, a única expectativa que fica no ar é saber se a juíza teria ou não um romance com o sobrinho. Quando o filme acabou fiquei sem ação na poltrona; não queria acreditar que havia acabado; depois de alguns minutos comecei a sentir uma decepção. Um filme muito fraco!".

O cara pegou um tema de esquerda e achou que bastava pronunciar uma série de frases feitas para que o filme se sustentasse?! Que nada, o filme não tem estrutura, seus personagens são construídos de qualquer jeito, a vida pessoal da juíza sugere um drama pessoal que não se aprofunda nem é levado a sério. No fim não consegue cumprir a função de todo filme ideológico, que é o de denunciar de modo a convencer os adversários daquela determinada tese. Fala apenas para quem se satisfaz com meia dúzia de refrões progressistas e genéricos, uma chatice.

É o inverso do que um cara como o Bertolucci conseguiu, num filme como "O Último Imperador". Cenário político em movimento, dramas sociais e psicológicos bem colocados, personagens bem construídos, fazendo – a partir de uma produção hollywoodiana – um filme que convence até quem jamais pensou no que é discutido, ou seja, a possibilidade de uma pessoa mudar seus hábitos, superar a sua formação, a partir de um exemplo extremo – um imperador criado para ser o representante de Deus na terra, transformado em humilde jardineiro, feliz(?) com sua nova vida, no mínimo apto a conviver com as questões que a sobrevivência coloca.

É o inverso do que tantos outros diretores conseguiram desde que o cinema de denúncia e reflexão política existe como arma de propaganda, para o bem e para o mal. Pois todos sabemos o quanto o cinema serviu para – por exemplo – demonizar "inimigos da pátria", especialmente em época de guerra, quando os japoneses nos filmes da década de 1940 pareciam sempre assassinos histéricos e os inimigos do James Bond pareciam sempre saídos diretamente do inferno.

Para o lado progressista, temos uma história longa de filmes bem sucedidos, principalmente fora dos EUA. Filmes como os italianos da década de 1970, tendo em primeiro lugar o filme de Eli Petri com o Gian Maria Volonté no papel principal; Batalha de Argel, do Gilo Pontecorvo; a Classe Operária Vai ao Paraíso e tantos outros mostraram vários caminhos para fazer do cinema um modo de expressão da arte engajada.

Se esta era a intenção do francês Chabrol, não chegou lá.

Breno Raigorodsky é filósofo pela USP, publicitário e professor de enogastronomia. "Ou seja, um sujeito sem foco", como se define.