quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sardenberg faz apologia do capitalismo e atribui crise aos gregos



“Não, a culpa não é do mercado”. Este é o título de um artigo de Carlos Alberto Sardenberg, publicado nesta quinta-feira, 23, pelo jornal O globo. O tema é a crise na Grécia, que o jornalista, especializado em economia, atribui aos próprios gregos.

Por Umberto Martins no PORTAL VERMELHO


Afinado, desde sempre, com a ideologia neoliberal, Sardenberg revela preocupações com o fato de que já “se espalha” pelo mundo “o entendimento de que o mercado, os banqueiros e a União Europeia, com suas exigências de austeridade, são os culpados pelas desgraças da Grécia”.

Resta a resignação

Qual nada, argumenta o funcionário das Organizações Globo, remando contra a maré e o novo senso comum que se forma acerca deste tema, em defesa da verdade neoliberal. O mercado, os banqueiros, o FMI, a União Europeia, e o capitalismo (este sistema maravilhoso, perene e insuperável), não têm culpa alguma no cartório. Muito pelo contrário.

Os trabalhadores gregos, ignorantes ingratos que esbravejam em Atenas contra a troika e a oligarquia financeira, deveriam erguer as mãos para o céu e agradecer ao capitalismo, e aos seus personagens e agentes, pelo (suposto) surto de prosperidade que precedeu a crise da dívida.

Suportar com estoicismo e resignação os venenos impostos pela troika, abdicando dos protestos e "arruaças" nas praças, eis a receita do nosso articulista, digo articulista das Organizações Globo, ao povo. Mas o escriba desconfia que os rebeldes gregos rejeitam seu diagnóstico impecável e os sábios conselhos que dele emanam. “Se perguntarem aos manifestantes nas ruas de Atenas, eles dirão que tudo ia bem até que a crise financeira estragou tudo”, lamenta.

Estado irresponsável

Sardenberg admite que os manifestantes “têm razão num ponto - a vida de fato estava melhorando”. Afinal, comenta, os salários subiram 22% no país helênico entre 2001 e 2010. O PIB per capta “saiu da casa dos US$ 20 mil dólares/ano para os 30 mil, nível de país quase desenvolvido (o Brasil, por exemplo, de renda média, tem cerca de US$ 12 mil). Finalmente, do início do século até a eclosão da crise, a Grécia cresceu, na média, 4% ao ano”.

O que explica este desempenho que quase estava conduzindo a Grécia ao Olimpo pelo menos até os trágicos acontecimentos de 2008? O especialista responde sem pestanejar: “A adesão à moeda comum, o euro, em 2001. A taxa de juros caiu rápida e fortemente, barateando o financiamento para investimentos e consumo. Crédito barato, eis o nome da coisa. Mais que isso, a adesão ao euro foi a cereja do bolo.”

“E não esqueçam”, conclui. “O chamado mercado, o sistema capitalista global, propiciou nada menos que três décadas de expansão. Muitos países perderam a chance, outros aproveitaram. A Grécia aproveitou muito. Muito. O chamado mercado, o sistema capitalista global, propiciou três décadas de expansão.”

Claro, a defesa apaixonada do mercado, banqueiros e iniciativa privada, não pode prescindir da defesa do Estado mínimo e crítica ácida a tudo que é público. “E finalmente, o Estado manteve o controle de 40% da economia - com a ineficiência e a corrupção das entidades estatais, e o costumeiro viés favorável aos funcionários de mais alto nível”.

Bode expiatório

Meio a contragosto, ele reconhece em uma parcimoniosa linha: “Sim, os bancos emprestaram irresponsavelmente para o governo grego, sabe-se agora”. E daí? Isto não abala sua conclusão de que a culpa cabe aos gregos, que gastaram dinheiro a rodo, sem pesar consequências. “Gastaram por conta, sem se preocupar, por exemplo, com a expansão dos investimentos”.

O que diria nosso colega (desta triste profissão) sobre os EUA, cuja dívida externa equivale a 40 dívidas soberanas da Grécia? Não é preciso ser um gênio em economia políticqa para compreender as relações de causa e efeito entre as dívidas estadunidenses (interna e externa, pública e privada) e o desastre financeiro que, desde 2008, perturba o sistema capitalista mundial. Devemos esquecer que a crise da dívida externa na Europa é uma continuidade óbvia e inevitável daquele que teve início no interior da maior potência capitalista do planeta?

Isolar a Grécia do contexto geral e apontá-la como bode expiatório da crise é muito fácil, até mesmo pelas particularidades do endividamento grego, que em muitos aspectos não é comparável ao da Irlanda, Espanha, Portugal ou Itália. Porém, é um truque ideológico que não ajuda a compreender as origens e natureza da crise que está em curso.

Socorro aos bancos

Apesar das singularidades nacionais, o fato é que a crise fiscal explodiu na Europa em consequência das custosas e generosas operações de socorro aos banqueiros levada a cabo pelos governos e envolvendo centenas de bilhões de euros. O norte-americano Paul Krugman (Prêmio Nobel de Economia em 2008), que não pode ser caracterizado como um intelectual de esquerda, já escreveu vários artigos explicando o fenômeno. Cito abaixo dois parágrafos de um de seus textos a respeito (“Zumbis gastadores”, de 2-12-2011), onde analisa os casos da Espanha e Itália.

“Antes da crise, a Espanha tinha um endividamento baixo, que recuava cada vez mais. A Itália tinha um alto endividamento herdado do passado, mas estava num constante processo de redução deste endividamento em relação ao seu PIB. Nenhum dos dois países estava gastando de maneira irresponsável – simplesmente não foi isto que ocorreu. Desde o início da crise o endividamento tem aumentado em relação ao PIB, mas é isto que ocorre quando tem-se uma crise econômica.

“Pois é, a Grécia. Mas a Grécia é agora uma pequena parte desta história. A Grécia (PIB de aproximadamente US$ 300 bilhões) equivale mais ou menos à Grande Miami (US$ 270 bilhões). Itália e Espanha são as grandes protagonistas, e estes países não estavam – repito: não estavam – agindo com irresponsabilidade fiscal.”

Valorização do capital financeiro

É evidente que o endividamento excessivo, antes e depois da crise, decorreu do processo de valorização do capital financeiro num ambiente liberal de desregulamentação e pletora de capital (ou excesso de liquidez) respaldada por taxas de juros reais negativas nos EUA, Europa e Japão. Objetivamente, a superprodução de capital e de mercadorias (imóveis) engendrou a crise, que Krugman caracteriza de Grande Recessão.

Sobre culpas e culpados, peço paciência ao leitor (ou leitora) para citar mais uma vez o economista estadunidense ao abordar a queda do PIB na União Europeia no último trimestre de 2011. “Essa retração está atingindo países que nunca se recuperaram da última recessão. Apesar de todos os problemas dos Estados Unidos, seu produto interno bruto finalmente ultrapassou seu pico anterior à crise; o da Europa, não. E alguns países estão sofrendo dissabores do nível da Grande Depressão: Grécia [que amarga mais de quatro anos de recessão] e Irlanda tiveram quedas de dois dígitos na produção; a Espanha enfrenta 23% de desemprego; e a retração atual da Grã-Bretanha já é mais prolongada que a que enfrentou nos anos 1930.”

O que explica a diferença, conforme Krugman, é a política econômica. “Alguns líderes europeus – e uma boa quantidade de players americanos influentes – ainda estão casados com a doutrina econômica responsável por esse desastre. As coisas não precisavam estar tão ruins. A Grécia estaria enfrentando um problema grave independentemente das decisões políticas tomadas, e o mesmo vale, em menor escala, para outros países da periferia da Europa.”

“Mas as coisas foram agravadas bem mais que o necessário pela maneira como líderes da Europa, e, mais amplamente, sua elite política, substituíram moralização por análise e fantasias pelas lições de história. Especificamente, a economia de austeridade do começo de 2010 – a insistência de que governos deviam cortar gastos mesmo em face do alto desemprego – virou moda nas capitais europeias.

“A doutrina afirmava que os efeitos negativos diretos do corte de gastos sobre o emprego seriam compensados por alterações na “confiança”, que os cortes de gastos radicais acarretariam um aumento dos gastos industriais e de consumo, enquanto os países que não conseguissem fazer esses cortes sofreriam uma fuga de capitais e uma alta das taxas de juros. Se isso lhe parecer algo que Herbert Hoover poderia ter dito, você está certo: parece mesmo e ele disse.

“Agora, os resultados estão visíveis – e eles são exatamente o que três gerações de análise econômica e todas as lições da História poderiam ter-lhes dito que ocorreria. A fada da confiança não apareceu: nenhum dos países que cortaram gastos viu o antecipado crescimento do setor privado. Em vez disso, os efeitos depressivos da austeridade fiscal foram reforçados pela queda dos gastos privados.”

Ideologia e interesses de classe

As ideias e ideologias, conforme notou Karl Marx, dialogam mais com os interesses do que com a ciência e carregam um forte caráter de classe. A crise mundial do capitalismo é uma só, embora se manifeste de forma desigual nos diferentes países. São muitas, porém, e no mais das vezes contraditórias, as análises e diagnósticos sobre sua natureza. As diferenças refletem os interesses contraditórios envolvidos objetivamente na realidade que é objeto de análise.

Diga-me o que pensa e eu te direi a quem serve, é o que convém afirmar neste caso, parodiando um grande filósofo grego. O funcionário das Organizações Globo sabe bem a quem e a que interesses serve. Felizmente, a classe trabalhadora, e não só na Grécia, já não se deixa levar pelo canto de sereia neoliberal.

No RS, Indexador é dúvida para pagamento do piso dos professores


Professores farão assembleia-geral no dia 2 de março em frente ao Palácio Piratini | Bruno Alencastro/Cpers

Samir Oliveira no SUL21

O governo do Estado divulgará, entre esta quinta-feira (23) e esta sexta-feira (24), um calendário para o pagamento do piso nacional do magistério. A previsão de reajustes para se chegar ao valor, hoje estabelecido em R$ 1.187,00 para uma jornada de 40 horas semanais, é uma reivindicação antiga do Cpers, que ainda demonstra cautela em relação à promessa do Palácio Piratini.
O núcleo do governo que estuda o tema se reuniu na quarta-feira (22) para finalizar as projeções, mas pouco se sabe sobre o resultado final do encontro. Uma das dúvidas é se o governador Tarso Genro (PT) optará por utilizar como indexador para o aumento do piso o mecanismo que já está previsto na lei – da qual, na condição de então ministro da Educação, é um dos signatários – ou uma ferramenta que ainda está sendo discutida na Câmara dos Deputados.
Conforme a redação da lei do piso, vigente desde 2008, a remuneração deve ser reajustada anualmente em janeiro tendo como base o custo por aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Por esse critério, em 2012 o piso sofreria um aumento de 22% e estaria em R$ 1.448,00.
Mas, desde 2008, tramita no Congresso Nacional um projeto do próprio governo federal que tenta alterar o critério de reajuste do piso. Pela proposta, o salário passa a ser reajustado pela variação da inflação, calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), o que reduziria bastante o percentual de aumento.
A medida sofreu alterações no Senado, que voltou a colocar no projeto o critério de reajuste pelo Fundeb. Mas a mudança foi derrubada pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Após toda a tramitação, a proposta se encontra na meda diretora da Câmara, pronta para ser votada em plenário e ir para a mesa da presidenta Dilma Rousseff (PT).
Também há incertezas quanto à posição do Palácio do Planalto sobre o assunto. A proposta de mudar o indexador do reajuste partiu do governo do ex-presidente Lula (PT), após o mesmo ter aprovado a lei determinando o aumento pelo Fundeb. A presidenta Dilma ainda não se manifestou sobre o tema e o Ministério da Educação  (MEC) ainda não aprovou o reajuste de 22%, o que dá esperanças a governadores e prefeitos que desejam que o critério adotado seja o do INPC.

“Reajuste pelo Fundeb é contraditório e irreal”, avalia secretário da Educação
Bruno Alencastro/Sul21
José Clóvis de Azevedo diz que INCP dialoga com variações reais da economia | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

O Palácio Piratini não esconde o desconforto de se ver diante da possibilidade de pagar o piso nacional do magistério tendo como base o reajuste anual calcado no custo por aluno do Fundeb. O assunto veio a público desde que o secretário estadual da Fazenda, Odir Tonollier (PT), disse que não seria possível pagar o piso até 2014 – como prometeu diversas vezes o governador Tarso Genro – caso esse critério de aumento fosse mantido.
Desde então, por mais que outros integrantes do primeiro escalão se esforcem em colocar panos quentes,  o tom do governo é o de aposta na mudança do indexador para o INPC. Em coletiva à imprensa no início deste mês, os secretários do Planejamento, João Motta (PT), da Casa Civil adjunta, Mari Perusso (PPL) e da Educação adjunta, Maria Eulália Nascimento (PT), confirmaram que o Piratini trabalha com o reajuste pela inflação, não pelo Fundeb.
“Não tem tesouro que cresça na mesma proporção”, havia dito Maria Eulária, em referência aos 22% de reajuste que o piso terá se for adotado o critério do Fundeb. Na ocasião, João Motta também reiterou as projeções do governo. “Essa discussão ainda não está definitivamente resolvida. No momento, trabalhamos com o INPC. Assim que sair uma posição (do governo federal) nos manifestaremos”, comentou.
Para o secretário estadual de Educação, José Clóvis de Azevedo (PT), calcular o reajuste com base no custo por aluno do Fundeb é “irreal” e não encontra parâmetros na economia do país. “O cálculo do valor total do Fundeb dividido pelas matrículas tende a gerar um índice cada vez maior, completamente contraditório com o crescimento da economia. Nenhuma economia cresce a índices tão elevados, esse cálculo é irreal”, entende o secretário.
Para José Clóvis, “o INPC dialoga com o crescimento real da economia”. Apesar das conjecturas, o petista evita comentar que critério será adotado pelo governo na elaboração de um calendário para o pagamento do piso ao magistério. “Temos a intenção de elaborar esse cronograma e apresentá-lo nos próximos dias, mas isso depende de vários ajustes. Temos que ver a perspectiva do indexador”, desconversa.

“Qualquer coisa diferente do que reza a lei resulta no não cumprimento do piso”, alerta Cpers

Rejane de Oliveira cobra aplicação integral da lei do piso | Ramiro Furquim/Sul21

O sindicato dos professores da rede pública gaúcha está atento para o calendário de pagamento do piso nacional que o governo estadual promete divulgar nos próximos dias. Para o Cpers, o cronograma precisa levar em consideração o que diz a lei – ou seja, que os reajustes terão como base o preço por aluno do Fundeb.
“Queremos o cumprimento da lei, foi isso que o governo prometeu para a categoria. Qualquer coisa diferente do que reza a lei resulta no não cumprimento do piso”, alerta a presidente da entidade, Rejane de Oliveira.
Ela lembra que o sindicato reivindica a apresentação do calendário desde que o governador Tarso Genro tomou posse. E garante que a categoria está pronta para negociar, inclusive em cima de uma proposta já consolidada pelo sindicato e que será apresentada durante a assembleia-geral do dia 2 de março, que será realizada na Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini. “Se o governo tem disposição de elaborar um calendário, podemos sentar para discutir”, assegura Rejane.