Podemos discordar do regime político de Cuba, que se mantém sob o
domínio de um partido único. Mas é preciso seguir o conselho de Spinoza:
não lisonjear, não detestar, mas entender. Entender, ou procurar
entender. A história de Cuba – como, de resto, de quase todo o
arquipélago do Caribe e a América Latina – tem sido a de saqueio dos
bens naturais e do trabalho dos nativos, em benefício dos colonizadores
europeus, substituídos depois pelos anglossaxões.
E, nessa crônica, destaca-se a resistência e a luta
pela soberania de seu povo não só contra os dominadores estrangeiros,
mas, também, contra seus vassalos internos.
Já se tornou lugar comum lembrar que, sob os governos títeres, Havana
se tornara o maior e mais procurado bordel americano. A legislação,
feita a propósito, era mais leniente, não só com o lenocínio, e também
com o jogo, e os mais audazes gangsters de Chicago e de Nova Iorque
tinham ali os seus negócios e seus retiros de lazer. E, mais: as
mestiças cubanas, com sua beleza e natural sensualidade, eram a atração
irresistível para os entediados homens de negócios dos Estados Unidos.
A Revolução Cubana foi, em sua origem, o que os marxistas identificam
como movimento pequeno burguês. Fidel e seus companheiros, no assalto ao
Quartel Moncada – em 1953, já há quase 60 anos - pretendiam apenas
derrocar o governo ditatorial de Fulgencio Batista, que mantinha o país
sob cruel regime policial, torturava os prisioneiros e submetia a
imprensa à censura férrea. A corrupção grassava no Estado, dos contínuos
aos ministros. O enriquecimento de Batista, de seus familiares e
amigos, era do conhecimento da classe média, que deu apoio à tentativa
insurrecional de Fidel, derrotada então, para converter-se em vitoria
menos de 6 anos depois. Os ricos eram todos associados à exploração,
direta ou indireta, da prostituição, disfarçada no turismo, e do
trabalho brutal dos trabalhadores na indústria açucareira.
Foi a arrogância americana, na defesa de suas empresas petrolíferas, que
se negaram a aceitar as novas regras, que empurrou o advogado Fidel
Castro e seus companheiros, nos dois primeiros anos da vitória do
movimento, ao ensaio de socialismo. A partir de então, só restava à Ilha
encampar as refinarias e aliar-se à União Soviética.
Os americanos, sob o festejado Kennedy – que o reexame da História não
deixa tão honrado assim – insistiram nos erros. A tentativa de invasão
de Cuba, pela Baía dos Porcos, com o fiasco conhecido, tornou a Ilha
ainda mais dependente de Moscou, que se aproveitou do episódio para
livrar-se de uma bateria americana de foguetes com cargas atômicas
instalada na Turquia, ao colocar seus mísseis a 100 milhas da Flórida,
no território cubano.
A solução do conflito, que chegou a assustar o mundo com uma guerra
atômica, foi negociada pelo hábil Mikoyan: Kruschev retirou os mísseis
de Cuba e os Estados Unidos desmantelaram sua bateria turca, ao mesmo
tempo em que assumiram o compromisso de não invadir Cuba – mas
mantiveram o bloqueio econômico e político contra Havana. Enfim,
ganharam Moscou e Washington, com a proteção recíproca de seus espaços
soberanos – e Cuba pagou a fatura com o embargo.
O malogro do socialismo cubano nasceu desse imbróglio de origem. Tal
como ocorrera com a Rússia Imperial e com a China, em movimentos
contemporâneos, o marxismo serviu como doutrina de empréstimo a uma
revolução nacional. O nacionalismo esteve no âmago dos revolucionários
cubanos, tal como estivera entre os social-democratas russos, chefiados
por Lenine e os companheiros de Mao.
Os cubanos iniciaram reformas econômicas recentes, premidos, entre
outras razões, pelo fim do sistema socialista. Ao mesmo tempo tomaram
medidas liberalizantes, permitindo as viagens ao exterior de quem
cumprir as normas habituais. É assim que visita o país a dissidente
Yoani Sánchez (que mantém seu blog na internet de oposição ao governo
cubano). Ocorre que ela não é tão perseguida em Havana como proclama e
proclamam seus admiradores. Tanto assim é que, em momento delicado para a
Ilha, quando só pessoas de confiança do regime viajavam para o
Exterior, ela viveu 2 anos na Suíça, e voltou tranquilamente para
Havana.
É sabido que ela mantém encontros habituais com o escritório que
representa os interesses norte-americanos em Cuba, como revelou o
WikeLeaks. Há mais, ela proclama uma audiência que não tem, como
assegura o sistema de registro mais confiável, o da Alexa.com. (citado
por Altamiro Borges em seu site) em que ela se encontra no 99.944º lugar
na audiência mundial, enquanto o modesto jornal O Povo, de Fortaleza,
se encontra na 14.043ª posição, ou seja dispõe de sete vezes mais
seguidores do que Yoani. Há mais: ela afirma que tem 10 milhões de
acessos por mês, o que contraria a lógica de sua posição no ranking
citado. O site de maior tráfego nos Estados Unidos é o do New York
Times, com 17 milhões de acessos mensais.
Apesar de tudo isso, deixemos essa senhora defender o seu negócio na
internet. É seu direito dizer o que quiser, mas não podemos tolerar que
exija do Brasil defender os direitos humanos, tal como ela os vê, em
Cuba ou alhures. Um dos princípios históricos do Brasil é o da não
interferência nos assuntos internos dos outros países. O problema de
Cuba é dos cubanos, que irão resolvê-lo, no dia em que não estiverem
mais obrigados a se defender da intervenção dos estrangeiros, que vêm
sofrendo desde que os espanhóis, ainda no século 16, ali se instalaram.
Foram substituídos pelos Estados Unidos, depois da guerra vitoriosa de
Washington contra o frágil governo da Regente Maria Cristina da Espanha.
Enfim, o generoso povo cubano, tão parecido ao nosso, não teve, ainda,
a oportunidade de realizar o seu próprio destino, sem as pressões dos
colonizadores e seus sucessores.
Dispensamos os conselhos da Sra. Sánchez. Aqui tratamos,
prioritariamente, dos direitos humanos dos brasileiros, que são os de
viver em paz, em paz educar-se, e em paz trabalhar, e esses são os
direitos de todos os povos do mundo. Ela, não sendo cidadã de nosso
país, não deve, nem pode, exigir nada de nosso governo ou de nosso povo.
Dispensamos seus avisos mal-educados e prepotentes, e esperamos que
seja festejada pela direita de todos os países que visitará, à custa de
seus patrocinadores (como o Instituto Millenium), iludidos pelo seu
falso prestígio entre os cubanos.