domingo, 13 de dezembro de 2009

Dois pesos,duas medidas...

O muro de Berlim vinte anos depois

Latuff2 Carlos Latuff

Chegou a hora de pôr fim à globalização?


Elaborado como uma alternativa,sobretudo para os países em desenvolvimento,o paradigma da Desglobalização não deixa de ser pertinente para as economias capitalistas centrais.11 pilares da alternativa.
Walden Bello* 
www.kaosenlared.net/noticia/chegou-hora-pr-fim-globalizaco
      
 Princípios de cooperação da Alternativa Bolivariana para las Américas (ALBA), "transcende a lógica do capitalismo".
O atual desmoronamento global,o pior desde a Grande Depressão de há 70 anos, veio cravar o último prego no ataúde da globalização. Já assediada por fatos que mostravam o incremento da pobreza e da desigualdade, quando os países mais pobres experimentaram pouco ou nenhum crescimento econômico, a globalização viu-se definitivamente desacreditada nos dois últimos anos, quando o processo, anunciado com pompa e circunstância, da interdependência financeira e comercial, inverteu a sua marcha, para se converter em correia de transmissão, não de prosperidade, mas de crise e colapso econômicos. Elaborado como uma alternativa, sobretudo para os países em desenvolvimento, o paradigma da Desglobalização não deixa de ser pertinente para as economias capitalistas centrais.

O fim de uma era

Nas suas respostas à atual crise econômica, os governos falam à boca pequena de coordenação global, mas incentivam programas separados de estímulo econômico para revitalizar os seus mercados nacionais. Ao fazê-lo, os governos adiaram o crescimento orientado para a exportação, motor principal de tantas economias, rendendo ainda tributo de rigor à promoção da liberalização comercial como meio de contrariar o afundamento global concluindo a Ronda Doha de negociações comerciais sob os auspícios da Organização Mundial de Comércio. Reconhece-se cada vez mais que não há possibilidade de regressar a um mundo centralmente dependente do gasto ilimitado dos consumidores norte-americanos, visto que estes se escondem na bancarrota e ninguém se apresenta a ocupar o seu lugar.
Para além disso, seja mediante acordos internacionais ou unilateralmente executadas por governos nacionais, é mais seguro que se imponha um montão de restrições ao capital financeiro, à desbragada mobilidade daquele qual foi o detonador da presente crise.
No entanto, o discurso intelectual não mostrou demasiados sinais de ruptura com a ortodoxia. O neoliberalismo, com a sua ênfase no livre comércio, a primazia da empresa privada e um papel minimalista do Estado continua sendo a língua franca dos fabricantes de políticas.
Os críticos do fundamentalismo de mercado que pertencem ao establishment, incluindo luminárias como os Prêmios Nobel Joseph Stigitz e Paul Krugman, emaranharam-se em intermináveis debates sobre o grau de duração que devem ter os programas de estímulos e sobre se o Estado deveria manter a sua presença intervencionista na indústria automóvel e no sector financeiro, ou, se, uma vez conseguida a estabilização, deveria devolver as companhias e os bancos ao sector privado. Além disso, alguns, como o próprio Stiglitz, continuam a crer no que eles entendem como benefícios econômicos da globalização, na condição de reduzir os seus custos sociais.
Mas as tendências em curso estão transbordando a toda a velocidade tanto aos ideólogos da globalização neoliberal como a muitos dos seus críticos, e desenvolvimentos impensáveis há poucos anos vão ganhando vida. "A integração da economia mundial está em retrocesso prático por toda a parte", escreve The Economist. Ainda que a revista observe que as corporações empresariais continuam crendo na eficácia das cadeias de oferta global, "como qualquer cadeia, estas são tão fortes como o seu elo mais fraco. O momento perigoso chegará quando as empresas decidirem que este modo de organizar a produção chegou ao seu fim".A "desglobalização", um termo que The Economist me atribui, é um desenvolvimento que a revista, o primeiro bastião mundial da ideologia do livre mercado, considera como negativo. No entanto, creio que a desglobalização é uma oportunidade. Com efeito, os meus colegas de Focus o­n the Global South e eu fomos os primeiros a propor a desglobalização como um paradigma geral para substituir a globalização neoliberal. E fizemo-lo há uma década, quando as tensões, as pressões e as contradições que esta trouxe consigo se tornaram dolorosamente evidentes.
 Elaborado como uma alternativa, sobretudo para os países em desenvolvimento, o paradigma da desglobalização não deixa de ser pertinente para as economias capitalistas centrais.

Os 11 pilares da alternativa

O paradigma da desglobalização tem 11 pontos chave:

• A produção para o mercado interno tem que voltar a ser o centro de gravidade da economia, antes da produção para os mercados de exportação.
 • O principio de subsidiariedade deveria respeitar-se como um tesouro na vida econômica, promovendo a produção de bens à escala comunitária e à escala nacional, se tal se puder fazer a custo razoável, a fim de preservar a comunidade.
• A política comercial – quer dizer, excedentes e tarifas— tem que servir para proteger a economia local da destruição induzida por mercadorias subsidiadas por grandes corporações com preços artificialmente baixos.
• A política industrial –incluídos os subsídios, tarifas e comércio— teria que servir para revitalizar e robustecer o sector manufatureiro.
• Algumas medidas, sempre adiadas, de redistribuição equitativa da renda e redistribuição da terra (incluindo uma reforma do solo urbano) poderiam criar um mercado interno vigoroso que serviria de âncora da economia e geraria os recursos financeiros locais para o investimento.
• Dar importância ao crescimento, dar importância à melhoria da qualidade de vida e maximizar a equidade reduzirá o desequilíbrio ambiental.
• Propiciar o desenvolvimento e a difusão de tecnologia que se conjugue bem com o meio ambiente, tanto na agricultura como na indústria.
• As decisões econômicas estratégicas não podem entregar-se nem ao mercado nem aos tecnocratas. Em seu lugar, deve-se aumentar o raio de alcance da tomada democrática de decisões na vida econômica, até que todas as questões vitais (como quais as indústrias a desenvolver ou condenar, que proporção de orçamento público se deve dedicar à agricultura, etc.) estejam sujeitas a discussão e a eleição democráticas.
• A sociedade civil tem que controlar e fiscalizar constantemente o sector privado e o Estado, um processo que deveria institucionalizar-se.
• O conjunto institucional da propriedade deveria transformar-se numa "economia mista" que incluiria cooperativas comunitárias, empresas privadas e empresas estatais e excluiria as corporações transnacionais.
• As instituições globais centralizadas, como o FMI e o Banco Mundial, deveriam ser substituídas por instituições regionais fundadas, não no livre comércio e no livre movimento de capitais, mas em princípios de cooperação que, para usar as palavras de Hugo Chávez na sua descrição da Alternativa Bolivariana para las Américas (ALBA), "transcenda a lógica do capitalismo".
Do culto à eficiência à economia eficaz
 O propósito do paradigma da desglobalização é superar a economia da eficiência estreita, cujo único critério chave é a redução do custo por unidade, para não falar na desestabilização social e ecológica que o processo induzido pelo respeito supersticioso desse critério traz consigo.
 É superar um sistema de cálculo econômico que, nas palavras de John Maynard Keynes, "converte todo o comportamento vital… numa espécie de paradoxal pesadelo de contadores". Uma economia eficaz, pelo contrário, robustece a solidariedade social subordinando as operações do mercado aos valores de equidade, justiça e comunidade e alargando a esfera do processo de tomada democrática de decisões. Para utilizarmos a linguagem do grande pensador húngaro Karl Polanyi no seu livro “A grande transformação”, para a desglobalização é mais importante como "reincrustar" a economia na sociedade, do que deixar a sociedade abandonada ao controlo da economia. O paradigma da desglobalização sustenta também que um modelo unidimensional extremista, como o neoliberalismo ou o socialismo burocrático centralizado, é disfuncional e desestabilizador. Em contrapartida, haveria que esperar e incentivar a diversidade, como na natureza. A teoria econômica alternativa tem princípios compartilhados, e esses princípios apareceram já substancialmente na luta contra e na reflexão crítica sobre o fracasso do capitalismo e do socialismo centralizados.No entanto, a articulação concreta desses princípios – os mais importantes dos quais acabam de ser mencionados — dependerá dos valores, dos ritmos e das opções estratégicas de cada sociedade.
 O pedigree da desglobalização
 Ainda que possa soar a radical, o certo é que a desglobalização não é nenhuma novidade. O seu pedigree inclui os escritos do eminente economista britânico Keynes, que, no momento culminante da Grande Depressão, ousou deixar dito isto: "Não desejamos… estar a mercê de forças mundiais que geram, ou tratam de gerar, algum equilíbrio uniforme, de acordo com princípios de capitalismo de laissez faire". Com efeito, prosseguia, para "um leque crescente de produtos industriais, e talvez também agrícolas, levantou-se-me a dúvida de o custo econômico da auto-suficiência ser bastante grande para contrabalançar as outras vantagens resultantes de reunir gradualmente o produtor e o consumidor no âmbito da mesma organização nacional, econômica e financeira. Acumula-se a experiência que comprova que o grosso dos processos da moderna produção em massa pode executar-se na maioria dos países e na maioria dos climas com uma eficiência praticamente idêntica".
 E com palavras que soam muito contemporâneas, concluía Keynes: "Eu simpatizo… mais com os que queriam minimizar do que com os que queriam maximizar a trama da conexão econômica entre as nações. As idéias, o saber, a arte, a hospitalidade, as viagens; todas essas coisas deveriam, pela sua própria natureza, ser internacionais. Mas deixemos que os bens se produzam em casa quando isso seja razoável e convenientemente possível; e, sobretudo, deixemos que as finanças sejam prioritariamente nacionais."

* Walden Bello, professor de ciências políticas e sociais na Universidade de Filipinas (Manila), é membro do Transnational Institute de Amsterdam e presidente da Freedom from Debt Coalition, assim como analista sênior na Focus o­n the Global South.
  Tradução: Guilherme Coelho

Um mundo maravilhoso...para Obama!

Por Elaine Tavares - Revista Pobres & Nojentas




Patética cena. Na platéia, de mãos dadas, a realeza. Olhos sorridentes, expressão de gozo e aquela serenidade dos saciados. No púlpito, o arrogante soberano do mundo. Recebia o Nobel da Paz e falava da necessidade da guerra . Nada poderia parecer mais cínico. Justificando a postura imperial dos Estados Unidos, Barak Obama insistia na sagrada missão que este país tem de levar a democracia ao mundo, nem que seja sob o fogo grosso. A imposição da “liberdade liberal” a todo custo, com canhões e bombas.

Grotesca cena, assistida por milhões de pessoas no mundo. Os reis, feito cortesãos, aplaudindo o imperador. E este anunciava a decisão de enviar mais tropas ao Afeganistão, mais mortes, mais destruição, mais dizimação da cultura, da vida. E os lambe-botas, assentindo, extasiados, vendo o dono do mundo, no seu terno vistoso, cuspindo balas. “A guerra é fundamental para preservar a paz...” Que o digam os estadunidenses empobrecidos, os que perderam as casas na crise imobiliária, os que ficaram sem emprego por conta da quebradeira de empresas privadas “competitivas”, os que tiveram de ver seu governo investindo um trilhão de dólares para salvar os bancos, enquanto eles mesmos tem de viver em tendas, sem saúde adequada, sem esperança. Que o digam as gentes dos EUA que observam o Nobel da paz gastar dez bilhões de dólares ao ano com a guerra no Iraque, os que vem seus filhos chegar em caixões.

A guerra dos Estados Unidos não é uma missão confiada por deus para levar boa vida às gentes. A guerra é uma imposição do capital que precisa se expandir. Quando a produção é demais e não há quem compre, é necessário criar alguma destruição para que as empresas possam ter a quem vender. Assim, destruir um país parece ser um bom negócio. Não tem nada a ver com democracia, liberdade e outros destes conceitos bonitos que os cínicos usam para enganar os incautos. O capital lambe os beiços e vai se sustentando mais um pouco, construindo países que foram arrasados pelas bombas.

A teologia que move a sede de poder dos Estados Unidos não nasceu agora, não é exclusividade do jovem imperador. Ela vem de longe na história, e nós, na América Latina, já a sentimos na pele desde quando este país decidiu roubar as terras mexicanas no início do século XIX. Desde lá, as doutrinas de guerra vem assolando nossas vidas, com invasões armadas, invenção de governos ditatoriais fantoches, invasões culturais, invasões empresariais. Tudo isso em nome do “deus” dinheiro, tudo em nome do poder.

Ontem, na entrega do cínico Nobel da Paz, o jovem imperador escrachou a doutrina. Sem pejo. “Não há paz sem a guerra!” E os poderosos – defendeu com seu nariz empinado - tem o direito de impor sua vontade ao mundo. Porque tem os canhões. Michele, vestida como uma imperatriz, deu o toque familiar, limpando tal qual uma dona de casa típica, o fato do marido sob os holofotes. A Globo terminou aí sua matéria, com um riso de admiração no rosto de Bonner e Fátima, eles próprios um casal modelo. E, nas casas, as gentes sorriram. “Quão lindo é esse homem, e quê coragem em defender a guerra!” Enquanto isso, lá longe, no Oriente Médio, as bombas seguem caindo, assim como no Afeganistão, em Honduras, na Colômbia. Mas tudo bem, são só luzes. E é natal...


A razão cínica domina o mundo. Já não há disfarces. Mas eu acredito que uma hora dessas, as gentes acordarão e, decididas, dirão: Já basta! Ou isso, ou a barbárie.

Eleições no Chile....

Candidato do partido comunista chileno convoca a esquerda a se unir

do site opera mundi

 Enviada especial Lamia Oualalou |

 A pedido do site chileno de notícias El Mostrador, o grafólogo Rodrigo Farías analisou as assinaturas dos quatro candidatos para a eleição presidencial de hoje. Ele reconhece na escritura do candidato da direita Sebastián Piñera, que lidera as pesquisas, um caráter de “empresário incansável e oportunista”, enquanto julga que a assinatura de Eduardo Frei, o candidato da Concertação, a coligação de centro-esquerda, e a de um bom “administrador da estabilidade”.
O ex-socialista Marco Enriquez Ominami, que decidiu ser candidato com apenas 36 anos, ganha a qualificação de “garoto inteligente, encantador de serpentes”. Mas é o outro dissidente da Concertação, o também ex-socialista Jorge Arrate, que recebeu às palavras mais positivas. O grafólogo considera que ele tem a assinatura de “um idealista diplomático”: “Sua escritura é uma mistura interessante de idéias sólidas, mas expressadas de um jeito afável e diplomático”.
Pelo grafólogo, a forma aguda de algumas letras é signo de convicções rígidas, e vinculadas com o passado. As curvas da assinatura indicam, porém, um hábil negociador, “um sedutor capaz de harmonizar posturas diametralmente opostas”.   
Assessores próximos de Arrate asseguram sorrindo, que o grafólogo acertou em seus comentários.  E apoiadores e adversários de Jorge Arrate concordam numa avaliação: a candidatura de Jorge Arrate é a única que pode realmente ser qualificada de esquerda.
Jorge Arrete discursa em comício 

Mundo empresarial
O economista Roberto Pizarro, um veterano da Unidade Popular nos anos 1970, decidiu apoiá-lo. “É verdade que Marco [Enriquez Ominami] acabou com o velho modelo da Concertação, ele expressa uma demanda de participação dos mais jovens, e tem propostas bem progressistas. Mas economicamente, ele é muito liberal”, explica Pizarro.
De fato, o principal assessor econômico de MEO, como é chamado o jovem candidato, é o liberal Paul Fontaine, que já anunciou que na hipótese de um segundo turno entre Eduardo Frei e Sebastián Piñera, ficaria com o candidato da direita.
O mundo empresarial é  da mesma opinião. “Dos quatro candidatos, o único que nos parece perigoso para os negócios é Arrate, os outros tem mais ou menos a mesma proposta, com um pouco mais, um pouco menos de intervenção do Estado”, avalia um grande empresário, pedindo anonimato. “Mas tem que reconhecer que este homem tem firmeza nas idéias, é o único realmente coerente”, completa.
Denunciando a falta de primárias na escolha do candidato da Concertação, Jorge Arrate costurou uma aliança com a esquerda. A coligação “Juntos podemos”  tem como núcleo o Partido Comunista, que tem uma votação expressiva no Chile, apesar de não ter peso no Congresso, por causa de seu sistema eleitoral.
“Nossa candidatura era muito forte no começo, agora temos que reconhecer que perdemos apoiadores, que foram captados pelo fenômeno MEO, muito midiático”, conta Roberto Pizarro.
Divisão da esquerda
Poucos dias antes da eleição, Jorge Arrate convidou Eduardo Frei, e o independente Marco Enríquez-Ominami para conversar sobre uma aliança em um eventual segundo turno. O objetivo da aproximação entre os três seria evitar a vitória do opositor Sebastián Piñera, favorito nas pesquisas.
Para a analista política Marta Lagos, diretora de do instituto Latinobarómetro, “é importante entender que esta liderança de Piñera não significa que o Chile foi para direita. Se adicionar os votos de Frei, Arrate, e MEO, chega-se a um resultado bem superior a 50%. A única razão da provável vitória da direita é a divisão da esquerda”, explica.

“Minha disposição segue sendo a mesma, a disposição para sentar e dialogar. Não queremos La Moneda [o palácio presidencial no centro de Santiago] para a direita”, explicou Arrate durante uma entrevista à rádio Cooperativa. Uma aliança entre os candidatos de esquerda e centro-esquerda, anunciada antes do primeiro turno seria uma maneira de “notificar ao país que Sebastián Piñera não será presidente do Chile”, acrescentou.
Intenções de voto
O postulante da Concertação, Eduardo Frei, anunciou durante seu último comício que aceitava a proposta do candidato de “Juntos Podemos”. O ex-presidente (1994-2000) afirmou ter entendido o chamado de Arrate. “Ele nos convidou a trabalhar juntos na segunda volta, os progressistas, os democráticos, os que acreditam na liberdade e no respeito dos direitos humanos”, disse na cidade de Concepción.
O apelo de Arrate pode ter resultado no aumento das intenções de votos em seu favor. “Ele cresce à medida que MEO baixa”, analisa o sociólogo Eugenio Tironi. “Arrate esta atraindo os eleitores da Concertação que não querem votar no Frei, mas que fazem questão de não ser confundidos com a direita”, completa.
Tironi considera que uma boa votação de Arrate no primeiro turno seria um sinal positivo para a esquerda, “já que seus votos irão automaticamente para o Frei no segundo turno”. Isso poderia contribuir na mudança do cenário eleitoral.
 
Créditos: Sitio da Marcia

"Povo na merda" em fim de mandato?


Milton Temer
Milton Temer
 Milton Temer - portal do PSOL

Nada mais justo do que reconhecer a peremptória declaração do presidente Lula. Fundamental é "tirar o povo da merda". Só alguém de muita sensibilidade popular, portador de imenso senso de comunicação com o coração e a alma dos mais humildes é capaz de expressar de forma tão profunda onde realmente chafurda o povo miserável do nosso país.
Mas fica no ar a pergunta óbvia que nenhum repórter "astuto", lamentavelmente,  se propôs fazer a propósito da afirmação. Depois de tantos anos no governo, a quem Lula dirigia o oportuno impropério?  A quem responsabilizava pelo que, de forma correta, estabelecia como prioridade naquele instante de retórica bem popular? Havia ali algum propósito de auto-crítica contra sua própria administração? Ou havia ali um ato falho, tendo em vista estar ele ao lado de Roseana Sarney, parte decisiva da família que não só assola os dramáticos espaços geográficos do estado do Maranhão, mas de todas as instituições ditas republicanas desta malfadada República? E com cuja família Lula mantém estreitos laços de aliança política.
Quem responder AMBOS terá, sem contestação, acertado.
Porque não chafurdam na merda outros segmentos - não tão numerosos, mas seguramente bem mais providos de poder sobre a riqueza nacional - ao qual, tanto Lula quanto Sarney prestam absoluta vassalagem. Recebendo, evidentemente, os bonus do que escapole às abas do chapéu que acoberta os privilégios que são constantemente ofertados a seus mentores.
Não chafurdam na merda os banqueiros que determinam, a partir dos prepostos bem distribuídos pelos postos-chave da economia nacional, a partir Conselho Monetário e do Banco Central, as linhas mestras de uma macroeconomia diretamente voltada para a defesa de seus interesses. São os juros, recorde em todo o mundo, dos títulos de nossa dívida pública que lhes enche, sem riscos, as burras com lucros pantagruélicos.
Não chafurdam na merda os ruralistas e latifundiários do agronegócio, a partir do papel de garoto-propaganda que o presidente da República lhes oferta em suas infindáveis viagens por todos os continentes. E a partir das infindáveis anistias para inadimplências fraudulentas que impõem, principalmente, ao Banco do Brasil. Estão aí os R$ 10 bilhões de multas perdoadas, por Lula, aos desmatadores, na contramão das desculpas esfarrapadas do ridículo ministro do Meio Ambiente, em seu esforço para demonstrar não ter sido bigodeado pela decisão presidencial à sua revelia.
Não chafurdam na merda os especuladores do famigerado "mercado", os de fora e seus cúmplices e dependentes internos, certos de que, a qualquer abalo no fluxo de ganhos sem produção de que se favorecem na esteira dos juros-recorde que o governo patrocina, o dinheiro público estará às ordens para garantir os lucros. Certos de que nada mudará na esteira de isenções tributárias com que são premiados, cada vez mais.
Não chafurdam na merda as grandes multinacionais, principalmente as montadoras de automóveis, com as constantes isenções de IPÌ que estimulam um consumismo predador, e incessante. Que terminam por transformar nossos espaços urbanos em corredores de eterno e fatigante engarrafamento. Um consumismo que cria ilusões permanentes nessa insaciável classe média concentrada na idéia de que é preciso ter o novo, jogando fora o velho, mesmo que continue funcionando bem.
Não chafurdam na merda as grandes empreiteiras, linhas de transmissão de um incessante e crescente processo de transferência de recursos públicos para poucos bolsos privados, em obras não raro desnecessárias, mas essenciais na manutenção das mamatas e comissões que as emendas ao Orçamento propiciam a eminentes parlamentares sem escrúpulos, mas com imensa capacidade de vender seus votos.
Chafurdam na merda, junto com o povo, a educação e a saúde públicas, sem recursos para atender demandas mínimas da população que mais delas necessita, por conta das migalhas que lhes são destinadas na sobra do que é destinado aos pagamentos dos serviços da ilegal dívida pública.Chafurdam na merda os que dependem da seguridade social pública, tendo em vista o ataque permanente que sofrem as instituições que a constituem, com a divulgação constante de falsos déficits para justificar maiores arrochos.
Sobre isto é que deveriam refletir os que tudo apostam, sem senso crítico, nas reduzidas e limitadas políticas públicas do atual governo. E sobre isto deve operar a esquerda combativa, que não se rendeu nem se vendeu. Sem sectarismo. Não se deixando embolar na hipocrisia e na cretinice que marcam os comportamentos de PSDB, dem-PFL,PMDB e PPS - a direita em todos os seus matizes -. Porque estes são totalmente identificados com as medidas mais reacionárias e concentradoras de riqueza da atual política, e só fazem oposição ao pouco que deve ser estimuladosó a avançar: a diplomacia independente para questões fundamentais da conjuntura internacional, tais como a ação correta no Oriente Médio e na América Latina. No essencial, combatem Lula pelo viés do mais desprezível preconceito, ou  para com ele disputar o controle privado das verbas e cargos públicos do aparelho do Estado.
 
Milton Temer é jornalista