Jorge Cadima*
“Quem
disse que o crime não compensa? (…) O Departamento da Justiça [dos EUA]
resolve as acusações criminais utilizando acordos de adiamento do
processo, em que o banco paga uma multa e promete não voltar a violar a
lei». Para os banqueiros não há pistolas taser…”
A
Wells Fargo, uma das maiores instituições financeiras dos EUA,
confessou em tribunal que a sua unidade bancária Wachovia «não havia
monitorizado e participado [às autoridades] suspeitas de lavagem de
dinheiro por parte de narco-traficantes» (Bloomberg, 29.6.10).
O
montante do «lapso» é estonteante: 378 mil milhões de dólares. Trata-se
de dinheiro proveniente de «casas de câmbio» mexicanas nos anos
2004-07. A notícia acrescenta que «o Wachovia habituara-se a ajudar os
traficantes de droga mexicanos a movimentar dinheiro».
Martin
Woods, ex-chefe do combate à lavagem de dinheiro no Wachovia em Londres
informou o banco e as autoridades do que se passava. «Woods disse que
os seus patrões mandaram-no estar calado e tentaram despedi-lo».
Qual
foi a penalização do banco? Pagou 160 milhões de dólares de multa
(«menos de 2% dos seus lucros de 12,3 mil milhões em 2009») e prometeu
melhorar o sistema de vigilância. Se o fizer, «o governo dos EUA
deixará cair todas as acusações contra o banco em Março de 2011,
segundo o acordo alcançado» (Bloomberg 7.7.10).
Quem disse
que o crime não compensa? É sempre assim: «Nenhum grande banco dos EUA
– incluindo a Wells Fargo – foi alguma vez formalmente acusado de
violar a Lei dos Segredos Bancários ou qualquer outra lei federal. Em
vez disso, o Departamento da Justiça resolve as acusações criminais
utilizando acordos de adiamento do processo, em que o banco paga uma
multa e promete não voltar a violar a lei». Para os banqueiros não há
pistolas taser…
Entretanto, o México desintegra-se na
violência que «já matou mais de 22 000 pessoas desde 2006» (Bloomberg,
7.7.10). A carnificina – e a catástrofe social – não suscitam campanhas
indignadas.
Fosse na Venezuela, já haveria inflamados
comentaristas a invectivar contra o «Estado falhado» e exigir
«intervenções humanitárias». Mas aqui, não.
Talvez porque «o
Wachovia é apenas um dos bancos dos EUA e Europa que têm sido
utilizados para lavar dinheiro da droga». Ou porque, como afirmou o
chefe do Gabinete da ONU sobre Droga e Crimes (UNODC), no auge da crise
do sistema financeiro em 2008 «em muitos casos o dinheiro da droga era
o único capital de investimento líquido. […] empréstimos
inter-bancários eram financiados pelo dinheiro da droga e outras
actividades ilegais. Houve sinais de que alguns bancos foram salvos
desta forma» (Observer, 13.12.09).
Os EUA estão numa escalada
militar maciça na América Latina. O pretexto oficial é o combate ao
narcotráfico. Mas há um longo historial de ligação das intervenções dos
EUA com os tráficos de vária ordem.
Foi assim na Nicarágua,
no Kosovo, com o regime colombiano. É assim no Afeganistão. País que,
segundo o relatório UNODC de 2010 «é responsável por cerca de 90% da
produção ilícita de ópio nos últimos anos». Na página 38 há um gráfico
eloquente.
Praticamente inexistente até 1980, a produção
afegã de ópio cresceu de forma acentuada nos anos da ingerência
imperialista. A grande excepção foi 2001, o ano antes da invasão,
quando os talibã no poder erradicaram mais de 90% da produção. Depois
da ocupação EUA/NATO foram batidos todos os recordes de produção.
Grandes
alvos do tráfico de droga são os países vizinhos: a Rússia «livre» é
hoje «o maior mercado nacional de heroína afegã, um mercado que se
expandiu rapidamente desde a dissolução da URSS». E também as
ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, o Paquistão, a região
oriental da China e o Irão.
O relatório da ONU elogia o
papel deste último país no combate ao tráfico. «São frequentes os
combates mortíferos entre tropas iranianas e traficantes, como é
evidenciado pelos milhares de baixas sofridas pelos guardas
fronteiriços iranianos nas últimas três décadas». Entre 1996 e 2008 o
Irão «é responsável por mais de dois terços das apreensões de ópio a
nível mundial» e cerca de um terço das apreensões de heroína.
Em
meados do Século XIX o imperialismo britânico desencadeou as duas
Guerras do Ópio contra a China, em nome da «liberdade de comércio»… do
ópio. Parece que os EUA lhe querem seguir o exemplo.
* Professor da Universidade de Lisboa e analista de política internacional.
Este texto foi publicado em Avante nº 1.913 de 28 de Julho de 2010