sábado, 30 de julho de 2011

Sílvio Tendler quer massificar documentário sobre agrotóxicos




Sílvio Tendler
Sílvio Tendler (d) lançou na última segunda o documentário "O veneno está na mesa"| Foto: TV Brasil/Divulgação


Felipe Prestes no Sul21


“O veneno está na mesa”, novo documentário do cineasta Silvio Tendler lançado na última segunda-feira (25), traz o relato de especialistas e agricultores e coloca em xeque a atual modelo de produção de alimentos. “O que me motivou a falar sobre o tema foi ter descoberto que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos. Cada brasileiro consome, em média, 5,2 litros por ano”, diz o cineasta, em conversa com o Sul21. “Estamos sujeitos a um envenenamento”, alerta o documentarista, que quer massificar a audiência sobre seu documentário.
Tendler nunca fora ligado à causa agroecológica. Um alerta do escritor uruguaio Eduardo Galeano há cerca de dois anos o fez ter maior interesse pelo tema. Depois de percorrer o Brasil, recolhendo depoimentos em Estados como Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, o cineasta faz defesa ardorosa de um novo modelo de agricultura. “A grande conclusão do filme é que se a gente quer continuar vivendo e salvar o planeta temos que buscar outro modelo, de agricultura orgânica, temos que abandonar os transgênicos e os defensivos agrícolas, que nada mais são do que agrotóxicos”, afirma.
Durante a conversa por telefone, Tendler afirmou que “estamos sujeitos a um envenenamento” e chamou atenção para o fato de que, muitas vezes, o consumidor pensa no agrotóxico apenas quando vai escolher verduras ou legumes. “Por estar no trigo e na soja, o agrotóxico está em muitos outros produtos, como pães e pizzas”.
Entre os depoimentos mais estarrecedores do documentário, o cineasta destaca o que ocorreu com uma agricultora que sofreu uma esclerose múltipla gravíssima com apenas 32 anos de idade. Desde os doze anos, ela trabalhava na lavoura de fumo no Rio Grande do Sul.
Segundo Tendler, é bem mais difícil estabelecer quais são os efeitos dos agrotóxicos para os consumidores do que nos agricultores que manejam estes produtos. Mas ele afirma que o crescimento da incidência de algumas doenças como o Mal de Alzheimer e o câncer indicam uma relação, defendida por especialistas, embora não haja provas. “Acho que não vale a pena pagar para ver”, sentencia.
O filme mostra ainda uma pesquisa realizada com 62 mulheres no Mato Grosso, que mostra que todas as 62 tinham agrotóxico no leite. “Bem não pode fazer. Você vai querer que seu filho tome agrotóxico pelo leite materno?”, questiona Tendler. E apresenta alternativas ao atual modelo de produção, como a história de um pequeno agricultor e a experiência da Argentina, onde a presidenta Cristina Kirchner abriu investigação oficial sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde.
A película também traz dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que mostram que, em 2009, 30% de cerca de 3 mil produtos analisados traziam níveis acima dos toleráveis de agrotóxicos.  Após o lançamento do filme, no Teatro Casa Grande, Rio de Janeiro, uma especialista da Anvisa participou de debate. Letícia da Silva falou sobre a pressão exercida pelas transnacionais fabricantes de agrotóxicos. “Primeiro, tentam desqualificar nossos argumentos com pesquisas científicas mostrando que os agrotóxicos não fazem mal; depois, recebemos pressão diretamente de deputados ligados à bancada ruralista; por fim, entram com ações na justiça para continuar a venda dos agrotóxicos”, disse Letícia, segundo o portal do MST.
Silvio Tendler acredita que o filme, com duração de 50 minutos, não ficará restrito a um grupo pequeno de militantes das causas ecológicas e de esquerda. “Acho que este filme não tem clivagem entre direita e esquerda. Todos podem se interessar por este tema, ninguém apenas por ser de direita vai querer gerar um monstro”, diz. Para que a divulgação do tema seja efetiva, ele afirma que a película será distribuída gratuitamente e disponibilizada na internet. “O importante é que as pessoas assistam”, resume.

Mundo árabe, Revolta, reação ou revolução?



Os acontecimentos no mundo árabe revelam bem como a situação internacional é caracterizada por grandes perigos mas simultaneamente por reais potencialidades de desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos.
Quando, no início deste ano, os tunisinos e os egípcios saíram à rua exigindo melhores condições de vida e direitos democráticos muitos foram os que afirmaram que, numa região tradicionalmente fustigada pelo domínio colonial e imperialista, nada iria ficar na mesma. A questão é saber que sentido terá essa evolução, se avanços de carácter progressista e democrático, se novas e mais sofisticadas formas de exploração e domínio imperialista e neocolonial.

Efeito dominó?

Os acontecimentos nesta região do Globo – rica em recursos estratégicos como o petróleo e o gás natural, chave de rotas fundamentais de transporte de mercadorias e de energia e onde se travam importantes batalhas em torno de recursos vitais como a água – são uma clara expressão das diferentes tendências e dinâmicas de fundo da actual situação internacional, marcada pelo aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e pela ofensiva do imperialismo face a essa mesma crise.
Contrariamente a teses que tentam apresentar as situações destes países como iguais, e a região como um bloco homogéneo reagindo de forma idêntica (a teoria do «dominó»), a análise da realidade demonstra como estamos perante situações muito diferentes entre si. Há evoluções distintas consoante a situação social e política de cada país e a sua relação com o sistema de domínio imperialista na região.
Analisando alguns indicadores económicos e sociais constam-se níveis muitos diferentes de desenvolvimento económico e social. Os valores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) vão desde o valor do Iémen (0,439 – 133.ª posição mundial) até o da Líbia (0,755 – 53.ª posição, o maior IDH de todo o continente africano)(1). As percentagens de população a viver abaixo do limiar nacional da pobreza vão desde valores muito baixos, como a Tunísia (3,8%)(2), a valores impressionantes, como no Iémen – 42% segundo dados do próprio regime iemenita, passando por valores como no Egipto, com 22%(3).
Igualmente importante é constatar as diferentes relações destes países com as principais potências imperialistas. Países como o Egipto, a Arábia Saudita, o Bahrein e o Iémen foram e são pilares fundamentais do domínio imperialista norte-americano na região. O Egipto de Mubarak, um dos mais importantes aliados dos EUA na região, alinhado com a política de Israel de genocídio do povo palestiniano, é o segundo país do Mundo que mais «ajuda» recebe dos EUA (essencialmente para manter o seu poderoso exército). A monarquia do Bahrein está às ordens da ditadura saudita e dos EUA, albergando no seu território a V Esquadra norte-americana. O Iémen (onde a intervenção e ingerência externas dos EUA e da Arábia Saudita foram determinantes para pôr fim ao processo revolucionário no Sul do país e onde o actual regime abraçou a «guerra contra o terrorismo») é um dos mais importantes pontos estratégicos para o domínio norte-americano do Golfo de Áden e da entrada para o Mar Vermelho. Por outro lado, países como a Síria e a Líbia, com notáveis histórias de luta contra o colonialismo, o imperialismo e a agressão sionista (no caso da Síria) e com políticas económicas que ao longo dos anos puseram as suas riquezas naturais ao serviço do desenvolvimento social, são, ainda hoje, países soberanos que apesar de alguns desenvolvimentos negativos (como a adesão da Líbia à «luta contra o terrorismo» de Bush, os acordos de Kadhaffi com o FMI e a progressiva rendição do Governo de Al Assad à «economia de mercado») representam obstáculos ao domínio do imperialismo norte-americano na região, e de forma crescente ao imperialismo europeu. A Síria é um importante ponto de apoio para os movimentos de libertação árabes, como é o caso dos movimentos palestinianos.
Não estamos portanto perante situações iguais com desenvolvimentos copiados a papel químico. Estamos, isso sim, perante a confluência de factores internos e externos vários que evoluem e se relacionam dialecticamente. Na região coexistem uma poderosa presença e ofensiva imperialista e movimentos vários de resistência, travando-se aí algumas das mais importantes batalhas geoestratégicas da actualidade.

A crise como pano de fundo

Se é importante ter presente as diferenças acima referidas, é necessário e possível identificar tendências que são indissociáveis do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e que estão na origem de alguns dos acontecimentos.
É o caso central do desemprego entre as gerações mais jovens. Os dados disponíveis sobre as taxas de desemprego revelam mais uma vez realidades diversas que vão de valores inferiores à actual taxa oficial portuguesa, como é o caso da Síria e do Egipto – com taxas de desemprego de 8,4% e 9,2% em 2010, respectivamente(4) –, até aos 13% da Tunísia(5), ou aos 34% do Iémen, segundo dados do próprio regime iemenita(6).
Se há tendência que marca a realidade da esmagadora maioria dos países do mundo árabe é um forte e continuado crescimento demográfico. O Egipto viu aumentar a sua população de 70 milhões de pessoas, nos últimos dez anos, para mais de 84 milhões(7). O resultado são sociedades extremamente «jovens» onde os sistemas económicos e políticos – marcados pela corrupção generalizada, pela entrega das receitas provenientes das suas riquezas naturais (como o petróleo) às grandes burguesias e ao capital estrangeiro, rendidos de forma crescente ao neoliberalismo, fiéis executantes das políticas do FMI e do Consenso de Washington, enfeudados ao imperialismo e aos interesses das multinacionais – não conseguem dar resposta à necessidade de criação de postos de trabalho que assegurem o direito ao trabalho e perspectivas de vida às imensas massas de população jovem.
Acresce que as políticas anti-sociais, decorrentes da ofensiva que visa transferir os efeitos da crise para as massas trabalhadoras e populares, acentuam estes fenómenos. Se é verdade que o problema vem detrás, as consequências da crise económica do capitalismo e as políticas neoliberais aplicadas na maioria destes países aumentaram a pressão de uma «panela» que já estava em situação limite, como o demonstram os valores apontados para o desemprego na região na faixa etária dos 15 aos 24 anos, cuja média se situa entre 30 e 40%, ou ainda a acentuação de enormes desigualdades sociais e a polarização da riqueza nesta região, bem visível nos elevadíssimos valores do índice de Gini.
Mas o caldo de revolta popular não se limita às questões centrais do direito ao trabalho e à polarização da riqueza. A crise alimentar e a crise energética estão também na origem das genuínas explosões de revolta. A acrescentar à falta de emprego e de perspectivas de amplas camadas da população, essencialmente jovens, somam-se as consequências do brutal aumento dos preços dos alimentos a nível mundial. De acordo com dados da Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO), o valor de mercado dos principais bens alimentares aumentou 138% nos últimos oito anos. Em Dezembro de 2010, os preços do trigo, do óleo, do milho, do arroz, da carne e do leite atingiram preços recordes e esperam-se novos recordes este ano. O milho aumentou 60%, o trigo 43% e o açúcar 77%. Consequência geral do agravamento da crise estrutural do capitalismo, tais aumentos tiveram, e continuam a ter, efeitos devastadores do ponto de vista social numa região que importa cerca de 60 a 70% dos seus alimentos, especialmente em países como a Tunísia e o Egipto, onde quase metade dos orçamentos familiares é consumida na alimentação. No Egipto, esta tendência fez-se ainda sentir de forma mais vincada se tivermos em conta a pressão demográfica num país com uma muito larga extensão territorial desértica, assim como as consequências das políticas de liberalização do sector agrícola e o progressivo esgotamento de terras aráveis das margens do Nilo.
A crise energética também teve influência em alguns destes países. Mais uma vez o Egipto é um caso sintomático. Por um lado, o crescimento acentuado da sua população determina um crescimento significativo do consumo energético do país, por outro, o facto de o país ter já atingido o seu pico de produção de petróleo e de ter entregue ao capital estrangeiro uma parte muito significativa da sua exploração petrolífera, fez com que passasse nestes anos da condição de país exportador de petróleo para país importador. As consequências rapidamente se fizeram sentir nos bolsos da população por via dos aumentos brutais do preço dos combustíveis e da energia.
Em conclusão, algumas das razões dos levantamentos populares em países como o Egipto, a Tunísia e outros países, residem na questão social e de distribuição da riqueza, ou seja na luta de classes, e são de facto indissociáveis do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo nas suas diversas vertentes – económica, financeira, alimentar e energética.

Lutas que não nasceram agora

Muitas destas razões não nasceram agora, tal como não nasceram agora as contradições do capitalismo, a crise que lhe é intrínseca e as crescentes contradições de classe. Nem os povos do mundo árabe «acordaram» só agora para estes problemas, como alguns levianamente se apressaram a analisar.
Não! No Egipto e na Tunísia houve uma confluência de factores que adensaram as contradições de classe em dois países com violentos regimes ditatoriais, e portanto sem «válvulas de escape» que retirassem um pouco de pressão à «panela».
Como o demonstram as várias lutas e movimentos grevistas que há vários anos vinham marcando a realidade egípcia e tunisina, os problemas daquelas sociedades não nasceram agora. Nem foram as redes sociais e as novas tecnologias os factores determinantes para que, como por milagre, despertasse no povo uma nova consciência social. No Egipto, os utilizadores de Internet eram em Dezembro de 2010, 24,5% da população(8) e nessa altura a taxa de penetração do Facebook era aproximadamente 7%. Como referiu um activista egípcio na altura das grandes mobilizações na Praça Tahrir, o Facebook foi essencialmente usado para divulgar as acções e os seus resultados e não para organizar as acções e muito menos definir o seu conteúdo político.
A verdade é que os problemas destas sociedades já existiam e eram alvo da luta dos trabalhadores e das forças progressistas que viviam esmagadas pelas ditaduras apoiadas pelos EUA, a União Europeia e a Internacional Socialista.
Lutas que no Egipto foram violentamente reprimidas (como em 2008 e 2009) e que determinaram a criação de novos sindicatos dissociados da central sindical egípcia controlada pelo regime de Mubarak, que vieram a ter um importante papel na pressão grevista que acabaria por se revelar fundamental para o afastamento de Mubarak.
Lutas que, no caso da Tunísia, foram fundamentais para arrastar a UGTT para posições contrárias ao regime de Ben Ali, e para, por acção das diferentes forças progressistas, incluindo os comunistas, construir rapidamente uma frente popular e progressista que fez frente às sucessivas tentativas de esmagamento e subversão da revolta tunisina, demonstrando assim o quão importante é aliar à criatividade, e mesmo espontaneidade, das massas em movimento a acção de forças organizadas portadoras de projectos e estratégias de luta política e ideológica capazes de imprimir a movimentos de revolta o carácter de movimentos de real transformação social.
No entanto, as questões sociais não são as únicas que estão na origem destes levantamentos. Como é particularmente evidente nas situações do Iémen e do Bahrein, a revolta contra a presença estrangeira e o domínio norte-americano (não poucas vezes correctamente identificada pelas massas como uma das principais razões para muitos dos problemas económicos e sociais e para a corrupção generalizada) teve um peso importante no desenrolar dos acontecimentos. Tal como teve, aliás, no Egipto, a questão da solidariedade para com o povo palestiniano e a condenação do regime de Mubarak pelo seu apoio à estratégia dos EUA e de Israel, sobretudo após os acordos de Camp David em 1979, razão pela qual o novo regime, ainda que intimamente ligado aos interesses do imperialismo norte-americano, se viu forçado a tomar a decisão de abrir a passagem de Rafah, aliviando o criminoso cerco israelita à Faixa de Gaza.
Independentemente de ulteriores desenvolvimentos, os levantamentos em países como a Tunísia, o Egipto, o Iémen (país com largas tradições progressistas e mesmo revolucionárias) e o Bahrein associaram de forma natural a luta social a um sentimento anti-imperialista. Tal facto não pode ser desligado da História de resistência e luta dos povos do mundo árabe e é por isso que o imperialismo viu nestes movimentos reais perigos para o seu já de si decadente sistema de domínio económico, político e geoestratégico na região. Num tempo em que o imperialismo tenta retomar o velho projecto de Bush do «Grande Médio Oriente», os acontecimentos no mundo árabe têm uma importância central. Independentemente dos seus desfechos, despertaram nas massas reais sentimentos anti-imperialistas e isso coloca estes povos em rota de colisão com os projectos do imperialismo para esta região.

A contra ofensiva do imperialismo

Mas como seria de esperar o imperialismo não assistiu «sentado» ao questionamento do seu poder na região e as respostas não se fizeram esperar. Se o aprofundamento da crise do capitalismo; o acentuar do declínio económico relativo das potências do centro capitalista; a gigantesca movimentação das «placas tectónicas» da economia mundial com a entrada em cena das potências emergentes em busca de matérias-primas e recursos energéticos para sustentar os seus crescimentos económico e demográfico, são factores que já tinham desencadeado novos episódios da ofensiva das principais potências imperialistas para garantir e aprofundar o seu domínio desde o continente africano à Ásia Central, estes acontecimentos vieram acelerar projectos como o do «Grande Médio Oriente» – retomado em força por Obama na autêntica declaração de guerra aos povos da região que foi o seu último discurso sobre o mundo árabe – bem como velhos projectos de domínio da França, da Grã-Bretanha, da Itália e da Espanha que viram nestes acontecimentos, e na resposta de força a eles, uma oportunidade para aumentar o seu quinhão de saque das riquezas naturais da região e para subir um degrau na hierarquia do domínio imperialista na região, sonhando com a recuperação de posições perdidas com o fim dos seus impérios coloniais.
Não obstante contradições inter-imperialistas que de dia para dia se adensam, os EUA e as principais potências da União Europeia rapidamente se puseram de acordo, manobraram e conspiraram contra os povos em luta, tentando desde logo abrir frentes de ofensiva e ingerência que «reequilibrem» os «pratos da balança» de domínio na região.
Confrontado com a força imparável dos protestos populares na Tunísia e no Egipto, o imperialismo tentou recuperar espaço e ganhar tempo para conter e «domesticar» os levantamentos e, simultaneamente, reganhar alguma «credibilidade» completamente perdida com a defesa até ao limite dos ditadores. Tendo sido obrigadas a deixar cair Mubarak e Ben Ali, as principais potências imperialistas apressaram-se então em tentar promover figuras e definir soluções políticas que garantissem o essencial da sua cadeia de poder económico, político e militar, incluindo a promoção de forças islâmicas ditas «moderadas» como a Irmandande Muçulmana.
Simultaneamente foi lançada uma campanha ideológica e mediática de âmbito mundial em torno do conceito «revolução» (tão bem propalada pela cadeia Al-Jazeera, sedeada no Qatar e claramente ao serviço da reacção árabe e do imperialismo), que, tirando partido da volatibilidade da situação no terreno, da relativa debilidade das forças progressistas e do movimento operário, mantivesse dentro dos limites do «aceitável» as consequências das movimentações populares indo assim também ao encontro de sectores das burguesias nacionais que desejam uma espécie de «modernização» de um mesmo sistema de exploração e opressão ao qual necessitam conferir uma «capa» democrática. Trata-se de «revoluções de faz de conta» encharcadas com milionários pacotes de «ajuda» do FMI, do Banco Mundial e da União Europeia, que tentam impedir reais revoluções populares, democráticas e nacionais, acentuar a dependência destes países face às principais potências imperialistas mundiais e ao mesmo tempo comprar as burguesias nacionais e associar ainda mais os seus interesses aos interesses dos grandes grupos económicos transnacionais.
Trata-se de manobras que desde o início foram cuidadosamente preparadas pelos serviços secretos, agências e agentes do imperialismo norte-americano e europeu e que foram mais uma demonstração de hipocrisia e da sua determinação em não dar espaço e campo de manobra à soberania dos povos, à verdadeira democracia e ao respeito pela vontade popular.
Tal ficou bem patente na forma com os EUA e a União Europeia lidaram com as situações no Iémen e no Bahrein, dois pontos demasiadamente importantes do ponto de vista geoestratégico (tendo sempre presente o confronto e latente conflito militar com o Irão) para que aqui se possam jogar as cartadas das «revoluções faz de conta». Neste dois países a resposta a meses de poderosos movimentos de massas está a saldar-se por centenas de mortes e milhares de feridos, além de uma brutal perseguição e repressão. No Bahrein, a Arábia Saudita, às ordens da Administração dos EUA, enviou para o território (sob a capa de um mandato da Liga Árabe completamente instrumentalizada pelos EUA) 1500 soldados sauditas com a missão de esmagar pela força os protestos populares, atirando a matar sobre os manifestantes pacíficos. No Iémen, os EUA jogam a cartada da divisão étnica, bombardeiam o Sul com a sua força aérea em nome do combate à sempre conveniente e oportuna Al-Qaeda, e o regime de Ali Abdullah Saleh envolve-se em conspirações que permitam, em nome do «combate ao terrorismo», acentuar ainda mais a repressão sobre os movimentos populares.

Os casos da Líbia e da Síria

É tendo em conta esta estratégia de resposta multifacetada e de força aos acontecimentos e as grandes tendências de fundo da situação internacional – nomeadamente a resposta de força do imperialismo à crise do centro capitalista, tirando partido da sua vantagem militar (resposta bem patente no conceito estratégico da NATO aprovado na sua Cimeira de Lisboa) – que devem ser analisados os acontecimentos na Líbia e na Síria.
As situações sociais nestes países diferem, para melhor, de situações em países já aqui analisados. Tal não significa que aí não existam problemas vários de ordem social, económica e política. Quer o governo Líbio, quer o Estado sírio e os dois Partidos Comunistas ali existentes reconhecem a existência de problemas. Estes sistemas políticos não são para os comunistas portugueses exemplos de democracia e participação popular, apesar das suas tradições progressistas e anti-imperialistas.
Mas seria um crasso erro de análise atribuir exclusivamente (ou mesmo maioritariamente) a factores internos as causas dos actuais desenvolvimentos nestes dois países. Se é certo que existe descontentamento popular e que a situação social se tem vindo a degradar em função da adopção progressiva da «economia de mercado livre», da aplicação das receitas do FMI (Líbia), da prossecução de políticas de privatização e de desinvestimento nas funções sociais (Síria), o facto é que se a situação rapidamente resvalou para conflitos armados internos isso foi fruto de poderosas acções externas de desestabilização e incitação ao conflito, que visaram preparar e justificar a ingerência e agressão externa a dois países que estão na mira do imperialismo norte-americano há vários anos e que, como é bem patente no caso da Síria, são alvos de constantes provocações e ataques.
O espaço disponível não permite a denúncia detalhada das múltiplas conspirações dos EUA e de países europeus como a Grã-Bretanha na preparação da agressão à Líbia, ou ainda a desmontagem de mentiras como «o banho de sangue» levado a cabo pelo regime Líbio em «bombardeamentos de civis pela força aérea». Acusações essas desmentidas pelo embaixador de Portugal em Tripoli, cujas declarações foram convenientemente ocultadas e ignoradas pelo Governo português, que votou no Conselho de Segurança das Nações Unidas a agressão e a interferência nos assuntos internos da Líbia num acto de claro desrespeito pela Constituição da República e pela Carta das Nações Unidas.
No caso da Líbia, a realidade está a encarregar-se de desmentir rapidamente a patranha da «protecção de civis», o eufemismo utilizado para justificar a aplicação do novo conceito estratégico da NATO de intervir militarmente em conflitos internos. Como o PCP denunciou, a resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas – um gravíssimo passo e precedente deste órgão no desrespeito pelo Direito Internacional e a soberania dos povos, demonstrativo do grau de instrumentalização a que a ONU está sujeita – visou avançar (apesar das contradições evidenciadas nas posições de países como a Alemanha) com uma típica guerra de agressão imperialista, que visa submeter, dividir ou ocupar o país com as maiores reservas de petróleo e gás natural não exploradas do continente africano. Uma guerra em tudo semelhante às guerras da Jugoslávia, do Iraque e do Afeganistão, construída com base em mentiras, em acções de desestabilização e divisão interna e numa poderosa campanha mediática de diabolização e isolamento do legítimo Governo líbio. Os bombardeamentos de complexos residenciais e de infra-estruturas civis várias (incluindo estruturas fundamentais para o funcionamento dos hospitais líbios), as centenas de mortos e milhares de feridos vítimas dos bombardeamentos da NATO, as denúncias da presença de instrutores da NATO no comando das operações em terra dos ditos «rebeldes», a utilização de mercenários iemenitas, egípcios e argelinos na guerra contra o exército regular líbio, são algumas das muitas provas do crime que a NATO ali leva a cabo, desrespeitando inclusive a já de si criminosa resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU.
As riquezas naturais da Líbia, a possibilidade de ali ser instalado o AFRICOM e, acima de tudo, o perigo que uma Líbia independente e soberana pode significar para os planos do imperialismo, numa região em convulsão social, são as reais razões desta guerra. Mas há uma terceira: é que esta agressão é desencadeada contra o povo líbio mas também contra todos os povos da região. Ela foi uma clara mensagem do imperialismo que pretende dizer às massas populares em luta que essa «estranha coisa» da vontade soberana e popular tem limites e que quem se mete com o sistema de domínio do imperialismo e o põe em causa «leva». É por isso que independentemente das críticas que se possam – e podem – fazer ao actual regime líbio, a solidariedade com a resistência deste povo à agressão externa é um dever internacionalista e um acto de solidariedade para com todos os povos da região e do Mundo.
Não sabemos quais serão os desenvolvimentos na Síria à altura da publicação deste artigo, mas os dados existentes apontam claramente para uma mesma estratégia de desestabilização externa e possível agressão militar. Aliás, Líbia e Síria fazem parte da conhecida lista, elaborada pela Administração norte-americana e divulgada pelo General Wesley Clark, de sete países que, após 2001, deveriam ser, mais cedo ou mais tarde, alvos de intervenção militar dos EUA e de invasão, nos quais se incluem o Iraque e o Afeganistão e também o Irão. A consolidação do eixo Irão/Síria na resposta à política criminosa e de genocídio de Israel, dos EUA e da União Europeia contra o povo palestiniano e na resistência ao projecto do «Grande Médio Oriente» são algumas das razões que estão por detrás da decisão de avançar com a desestabilização e possível agressão contra o povo sírio.
Nos media lança-se mais uma campanha de diabolização do Governo sírio e de incitamento à violência, ocultando-se cirurgicamente factos como o massacre de mais de uma centena de polícias sírios – que, como é óbvio, só pode ser o resultado de uma operação militar de considerável envergadura; a apreensão pelas autoridades sírias, nas semanas que precederam a deterioração da situação no terreno, de barcos e automóveis carregados de armamento proveniente do Norte do Líbano; a denúncia de que refugiados iraquianos a viver na Síria (cerca de um milhão) estariam a ser pagos para participar em manifestações contra o Governo de Bashar Al-Assad, ou ainda a revelação de que uma suposta bloguer síria lésbica, alegadamente vítima de repressão, era afinal um cidadão escocês.
Tal como na Líbia, na Síria a questão não é se existem ou não problemas. Existem e são bem denunciados pelos seus dois Partidos Comunistas. As lutas verdadeiramente populares por mais justiça social e avanços democráticos (que não começaram agora) têm a nossa solidariedade, tal como a luta de todo o povo sírio pela integridade territorial do seu país e pela recuperação dos territórios ocupados por Israel, com destaque para os Montes Golã.
O que está em causa na Síria neste momento é precisamente a sua soberania, independência e integridade territorial. É tempo de manifestar, sem tibiezas, a solidariedade a este povo, de condenar as manobras de desestabilização e de denunciar a tentativa de instrumentalização de dificuldades internas para a abertura de uma nova frente de guerra imperialista contra um país soberano do Médio Oriente. País que, ao longo dos anos, se tem recusado a submeter-se ao domínio imperialista na região, opondo uma tenaz resistência à política de terrorismo de Estado de Israel.

Os povos terão a última palavra…

Os acontecimentos no mundo árabe estão intimamente ligados às tendências de fundo da situação internacional. É um facto que a resposta do imperialismo se revelou forte, articulada e sofisticada e conta com enormes recursos económicos, políticos e militares e amplo apoio dos media dominantes. Mas também é verdade que, apesar das insuficiências, indefinições e debilidades das forças progressistas e revolucionárias na região, os povos do mundo árabe se levantaram, reganharam dignidade e estilhaçaram preconceitos construídos ao longo dos últimos anos em torno do famigerado conceito de «choque de civilizações». Oprimidos e enxovalhados pelo discurso do imperialismo durante décadas, estes povos voltaram a demonstrar que os trabalhadores e os povos, unidos, mobilizados e protagonizando poderosos movimentos de massas, têm de facto poder para transformar o Mundo. Esperamos que, apesar da dimensão da contra-ofensiva do imperialismo nesta região, os povos saibam de que lado da barricada é necessário estar em cada momento, assegurando que, numa situação extremamente complexa e plena de contradições, sejam eles a ter a última palavra, derrotando a reacção e transformando revoltas em verdadeiras revoluções.
Notas
(1) Relatório do Desenvolvimento Humano 2010 (PNUD).
(2) Banco Mundial – dados relativos a 2005.
(3) Banco Mundial – dados relativos a 2008.
(4) FMI – World Economic Outlook – Abril 2011.
(5) Idem.
(6) Economic Annual Report – Ministry of Planning and International Corporation.
(7) Relatório do Desenvolvimento Humano 2010 – PNUD.
(8) ITU – Agência das Nações Unidas para as tecnologias da informação e da comunicação – dados de Dezembro de 2010.

Época, IstoÉ e os atentados na Noruega

Por Mauro Malin, no Observatório da Imprensa: via BLOG DO MIRO

Duas das mais importantes revistas semanais brasileiras, Época e IstoÉ, poderiam ter disputado, no fim de semana de 23-24/7, para saber quem foi capaz de errar mais na avaliação dos violentíssimos atos terroristas cometidos na sexta-feira (22/7), na Noruega, por um fascista local.

IstoÉ errou de cabo a rabo: simplesmente atribuiu o atentado à Al Qaeda. Ilustra a reportagem com uma foto de prédios abalados em Oslo e outra de Ayman Al-Zawahiri, sucessor de Osama bin Laden.

A revista, como as demais, apresentou a Noruega como um cenário político idílico. Esse engano se repetiu em todas as mídias. Ou quase. Na noite de terça-feira (26/7), Alberto Dines abriu o programa do Observatório de Imprensa na TV com um comentário que colocou em contexto histórico o ato aparentemente desvairado de Anders Behring Breivik:

“O monstro de Oslo certamente agiu sozinho, mas ele não estava nem está sozinho. Breivik faz parte de uma legião mundial de extrema-direita que não nasceu agora, começou nos anos 20 do século passado e levou a humanidade à mais sangrenta guerra de todos os tempos. A ideologia de Breivik só difere do nazifascismo no acréscimo do ingrediente religioso. De resto, nada a diferencia do rancor hitlerista e fascista. Sua xenofobia é gêmea do Tea Party americano. O antissocialismo que levou Breivik a atacar a sede do governo e massacrar 68 jovens conterrâneos num acampamento de verão é o mesmo que leva a direita americana a travar o orçamento do país com o pretexto de que Barack Obama é socialista. A pacífica Noruega foi invadida em 1940 pelas tropas de Hitler, que lá instalaram um ditador local, chamado Quisling, cujo nome tornou-se sinônimo de colaborador do nazismo. A Segunda Guerra Mundial ainda não acabou.”

Os suspeitos habituais

A Época evitou a imagem de uma Noruega isenta de riscos, mas os atribuiu exclusivamente à hostilidade de fundamentalistas islâmicos devido à participação do país no contingente da Otan que combate o Talibã no Afeganistão e à reprodução, em jornais noruegueses, de charges dinamarquesas que, em 2005, provocaram a ira de religiosos muçulmanos.

No fim da reportagem, mencionou a hipótese de o ataque ter sido promovido pela extrema direita norueguesa, dada a nacionalidade do atirador preso, mas isso não abalou o tom geral do texto, encimado por um subtítulo onde se lia: “Um duplo atentado à [sic] bomba e a tiros, endereçado ao governo norueguês, lembra o Ocidente de que o sinistro legado de Osama bin Laden continua à espreita”.

Presente desenraizado?

Veja esperou para dar as informações corretas, embora não tenha deixado de mencionar a hipótese de uma ação de fundamentalistas islâmicos. O que não saiu a contento foi o cenário norueguês. O clichê usado na capa da revista, “Terror no país da paz”, patenteia granítica ignorância histórica.

Por sinal, a reportagem afirma, logo no início, para criar um mote com o qual “amarra” o texto no final, que Alfred Nobel, antes de morrer, em 1896, estabeleceu que a entrega do prêmio que leva seu nome seria feita na Noruega, porque ela era “um país sem apego ao militarismo e dirigido por uma elite tolerante”.

Ocorre que em 1896 a Noruega não era um país, mas parte da Suécia (desde 1814, após uma dominação pela Dinamarca que remontava a meados do século 16). Tornar-se-ia independente em 1905 e, num plebiscito, escolheria como rei um príncipe dinamarquês. O regime é desde então essencialmente democrático, em molde parlamentarista.

O colaborador norueguês

A Noruega independente é um país pacífico, que ficou fora da Primeira Guerra Mundial e teria repetido essa escolha na Segunda se não tivesse sido invadida por Hitler. A Alemanha importava da Suécia o ferro que era escoado pelo porto norueguês de Narvik e daí pelo Mar do Norte. Hitler adiantou-se aos britânicos, que teriam invadido o país para cortar esse fluxo. O exército da Noruega resistiu dois meses aos alemães até capitular, tempo suficiente para a família real e o governo buscarem refúgio.

Forças antinazistas norueguesas impuseram ao invasor uma resistência nada desprezível, que, juntamente com a possibilidade de ataque dos Aliados, obrigou Hitler a manter no país 300 mil soldados que teriam sido preciosos em outras frentes de batalha.

O Quisling mencionado por Dines no programa de TV, Vidkun Quisling (sobrenome aportuguesado como quisling, sinônimo de quinta-coluna), foi primeiro-ministro entre 1942 e 1945, sob a égide de um “comissário civil” alemão, o nazista Josef Terboven. Das fotos que ilustram este texto (publicadas na Coleção 70º Aniversário da II Guerra Mundial, 1939-1945, vol. 4), uma mostra Quisling durante uma visita a Berlim e outra é de seu julgamento.

Por vontade própria

O que importa aqui não é a narrativa histórica, mas sinalizar para o leitor a força que teve e tem na Noruega, como na Europa inteira, nos Estados Unidos e alhures, a extrema-direita racista, antissemita, xenófoba.

Quisling era um homem da elite norueguesa, filho de conhecido pastor luterano. Foi ministro da Guerra entre 1931 e 1933. Depois, fundou o Nasjonal Samling, agremiação nacionalista que acabaria transformada em partido nazista, com escassos votos (2% nas eleições de 1935), embora tenha chegado a 45 mil filiados sob a ocupação hitlerista. Logo após o desembarque alemão, em abril de 1940, tentou sem êxito formar um governo pró-nazista. Não foi aceito. Só em 1942 conseguiu tornar-se primeiro-ministro.

Essas informações servem para sublinhar que Quisling não foi um colaborador “forçado”, ou alguém que se deixou cooptar em nome do “mal menor”. Era nazista convicto. Uma parte da intelectualidade norueguesa simpatizava com o nazismo – como, de resto, acontecia em todos os países.

O caso mais notório foi o do escritor Knut Hamsun, autor do celebrado romance A Fome e Prêmio Nobel de Literatura em 1920. O cartaz de propaganda nazista reproduzido abaixo mostra a expectativa de entendimento entre nazistas e noruegueses “contra o bolchevismo”.

Punição radical

Quisling, acusado de corrupção, assassinatos e traição, foi julgado, condenado e executado em outubro de 1945. Segundo Tony Judt (Pós-Guerra – Uma História da Europa desde 1945), na Noruega todos os integrantes do Nasjonal Samling (ele dá o número de 55 mil) foram julgados, “além de outros 40 mil indivíduos; 17 mil homens e mulheres receberam penas de detenção e trinta sentenças de morte foram expedidas, das quais 25 levadas a cabo. Em nenhum outro local as proporções [de punição a colaboracionistas pró-nazistas] foram tão elevadas”.

Segundo algumas interpretações, penas punições adotadas podiam ser classificadas como retaliações. Esse rigor era tanto antinazista como anti-alemão. Não funcionou para “sepultar” o radicalismo de direita, como se deu a entender depois da guerra (minha geração cresceu com essa ideia na cabeça, até que, no Brasil, a ditadura militar, com suas indisfarçáveis inclinações fascistas, enterrou ilusões).

Teimosa erva daninha

Giogio Almiranti fundou o Movimento Social Italiano, sucessor do Partido Nacional Fascista, em 1946. Franco, o ditador espanhol, governou de 1939 até morrer, em 1975. O ditador Antônio de Oliveira Salazar morreu em 1970, mas só em 1974 Portugal se viu livre do regime por ele instaurado em 1933.

Em 1999, a revista The Economist publicou um artigo cujo título é expressivo: “Fascismo ressurgente?”. O motivo imediato era a ascensão, na Áustria – país que teve proporcionalmente o maior número de nazistas, mas não os puniu em escala comparável à da Noruega e mesmo às de outros países ocupados por Hitler −, de Jörg Haider e seu Partido da Liberdade. Haider, que morreu num acidente automobilístico em 2008, propagandeava sua admiração por algumas políticas de Hitler.

Em relação à Noruega, a The Economist assinalava o crescimento do Partido do Progresso, de Carl Hagen (cerca de 15% dos votos nas eleições daquele ano; hoje, é o segundo partido no Parlamento, com 41 cadeiras), mas não o considerava uma ameaça à democracia escandinava, “menos ainda um herdeiro da depravação de Vidkun Quisling”. Entre as características do Partido do Progresso, a revista apontava o empenho em “espremer o estado de bem-estar social” e “um sopro de agressividade anti-imigrantes”.

Armas da direita

Com o terrorista Breivik o sopro virou vendaval, voltado contra noruegueses que seriam complacentes. O Christian Science Monitor disse na quinta-feira (28/7) que a oposição ao multiculturalismo e os sentimentos anti-imigrantes são “supreendentemente comuns” na Noruega.

Breivik não é louco. Ele aparentemente agiu sozinho, mas, como constatou Dines, não estava nem está sozinho. Com raríssimas exceções, atentados de direita de grandes proporções ou intensa repercussão política produziram recuos da democracia nas últimas décadas.

Isso aconteceu, por exemplo, na Itália (1976, assassinato de Aldo Moro; os autores se imaginavam de esquerda radical; 1980, atentado de Bolonha) e nos Estados Unidos (1995, bomba de Oklahoma, detonada por um simpatizante da milícia, governo Clinton; 2001, Torres Gêmeas e Pentágono, governo G.W. Bush).

Teria acontecido no Brasil em 1981, truncando a reconquista democrática, se a bomba destinada ao Riocentro não tivesse explodido no colo do sargento que a portava.

A Segunda Guerra Mundial derrotou Mussolini e Hitler, mas não o fascismo, que brota e rebrota indiferente ao grau de severidade com que seus praticantes tenham sido punidos após a vitória aliada.

As revistas que noticiaram o terror em Oslo informaram, na edição do mesmo fim de semana, que a prefeitura de Wunsiedel, sul da Alemanha, decidiu destruir o túmulo do segundo homem na hierarquia nazista, Rudolf Hess, exumar seus ossos, cremá-los e jogar suas cinzas no mar, para acabar com a peregrinação de neonazistas ao cemitério onde ele estava enterrado havia quase 25 anos.

A consciência dessa desafiadora realidade está um pouco distante das redações brasileiras.

GT dá largada para a política de integração binacional


O secretário de Estado da Educação, Prof. Dr. Jose Clovis de Azevedo, enfatizou a acolhida que a Secretaria, professores brasileiros e uruguaios receberam da reitora da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Maria Beatriz Luce. “A possibilidade do diálogo entre nossas nações e instituições é importante para que continuemos construindo uma sociedade mais equilibrada”, salientou, destacando a importância da Mesa de Fronteira que debate temas relacionados à integração de políticas para a educação tendo como foco a integração binacional e do Mercosul. “Vivemos hoje um simbolismo muito grande, porque essa é uma necessidade de toda a nossa fronteira: virarmos de frente para nossos irmãos latino-americanos, integrarmos a ação de governos, com participação de universidades e escolas para atender às necessidades de nossos jovens, no Brasil e no Uruguai, em relação a uma educação de qualidade com cidadania”, enfatizou. Azevedo também falou à plateia de aproximadamente 400 professores que é possível avançar nas políticas de integração; para isso, é preciso iniciar esse processo.

Tarson Nunez destacou a importância que a integração binacional tem no governo Tarso Genro e o papel da Educação. “Nesse sentido a educação tem um papel fundamental, de produção e difusão de conhecimento; em regiões de fronteira isso significa políticas de integração”, salientou o Assessor para Relações Internacionais do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, exemplificando que entre as proposições estão a integração de gestores, o ensino das línguas portuguesa e espanhola nos dois países nas redes públicas de educação e a convergência de conteúdos de estudo. “Também no Uruguai, se discute qual a educação mais adequada para um projeto de desenvolvimento no Século XXI”, frisou.

A diretora-adjunta do Departamento Pedagógico da Seduc, Vera Regina Amaro, participou da mesa de fronteira para socializar políticas voltadas ao ensino da língua espanhola na rede estadual de ensino. Vera explicou que desde 2005 o Rio Grande do Sul trabalha para implementar a língua espanhola nas escolas, atendendo à lei 11.161, que torna obrigatório o ensino nas escolas de Ensino Médio brasileiras, facultando aos alunos a escolha. A região da Fronteira Oeste, no âmbito da 19ª  Coordenadoria Regional de Educação (Santana do Livramento), 27 escolas de Ensino Fundamental e 21 de Ensino Médio contam com o ensino do espanhol nas bases curriculares, nos municípios de Quaraí, Santana do Livramento, São Gabriel, Rosário do Sul e Santa Margarida do Sul. Nas quatro Coordenadorias (Bagé, Pelotas, Livramento e Uruguaiana), o número chega a 113 escolas de ensino médio.

Além disso, a diretora-adjunta do DP abordou temas como formação de professores – 40 deles nesta semana estão em curso de espanhol em Porto Alegre – e boas práticas envolvendo o ensino da língua, como a desenvolvida pelo professor Noelci Cunha, da Escola de ensino Médio José Antonio Flores da Cunha, de Livramento, que utiliza português e espanhol na alfabetização. “No entanto, temos clareza que para atingir as referências apontadas pelo Ministério da Educação de constituição de escolas bilíngues nas regiões de fronteira ainda temos um longo caminho a percorrer”, frisou Vera Amaro, destacando que o momento pode significar o início de parcerias conjuntas que não se restringem ao ensino do espanhol e português em escolas brasileiras e uruguaias, mas podem se concretizar por meio de intercâmbio de professores e alunos, formação de docentes, sistemáticas de trabalho e planejamento conjunto, entre outras.

O diretor do Departamento de Articulação com os municípios da Seduc, Glauber Lima, fez uma análise sobre a política de integração entre Brasil e Uruguai. Ele lembrou o anúncio do secretário Azevedo, que chega a R$ 1milhão para a região Fronteira Oeste. “Isso demonstra o compromisso da Secretaria com a Educação de qualidade social, com as melhores perspectivas”, declarou. Sobre a parceria, ele garantiu que o governo está apostando nesta política. “Estamos construindo um Grupo de Trabalho, que será composto por 12 integrantes do Brasil e Uruguai. Temos convicção de que faremos um ótimo trabalho de integração binacional”.

O superintendente da SUEPRO – Superintendência da Educação Profissional da Seduc, Pedro Maboni apresentou o Programa de Qualificação e Ampliação da Oferta de Educação Profissional e Tecnológica. De acordo com ele, o objetivo é formular e implementar a política pública para a Educação Profissional e Tecnológica, fomentando sua expansão e garantindo a qualificação do acesso e permanência do aluno através de políticas públicas integradoras que assegurem as modalidades de Educação Profissional ofertadas pelo Estado. “A educação profissional é propulsora indutora da promoção humana nos processos de interação socioeconômica nas diferentes comunidades e regiões de nosso Estado”.

A Educação Profissional no Estado constitui-se em uma rede composta por 151 escolas e um contingente de, aproximadamente, 30 mil alunos em 107 municípios.

A Secretaria da Educação pretende ampliar o número de professores com capacitação em projetos; ofertar capacitação para gestores em Educação Profissional, ofertar cursos de formação pedagógica e potencializar parcerias com instituições para habilitação de profissionais da área técnica em docência. Também tem trabalhado para adequar os cursos às necessidades locais e regionais, de acordo com os Arranjos Produtivos Locais (APLs), estabelecendo parcerias com os setores de produção, obtendo incentivos financeiros para o desenvolvimento da pesquisa em Educação Profissional. Outro eixo de atuação diz respeito à implantação gradativa de Institutos Estaduais de Educação Profissional que atuem com irradiadores do conhecimento tecnológico e profissional em parceria com o governo federal, apoiando a oferta de educação profissional desenvolvida em cada escola das Coordenadorias Regionais da Educação.

Maboni também informou as ações para implantação do Currículo Integrado na rede de Educação Profissional, reduzindo a fragmentação curricular e contemplando a formação humana integral. 
 
Fonte: SEDUC