sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Hebron: um microcosmo do conflito Israelo-Palestino


A cidade é conhecida pela sua divisão em zonas militarizadas, em que há muitas famílias israelenses vivendo sob segurança de soldados israelenses em condomínios bastante destoantes em pleno território palestino

  Moara Crivelente no BRASIL DE FATO

Andar pelas ruas de Hebron, na Cisjordânia, é tirar uma foto do conflito Israelo-Palestino. Tudo o que uma pessoa interessada pelo assunto lê nos relatórios das organizações internacionais e das ONGs de defesa dos direitos humanos ou em notícias um pouco mais dedicadas, está lá. E no caminho até lá.
Desde a turística e belíssima Jerusalém antiga, saindo de seu portão Damasco – assim chamado por ser voltado a esta cidade, segundo uns, ou por ter sido construído por pessoas que vieram de lá, segundo outros – e caminhando pelas ruas comerciais ocupadas por bazares, é possível pegar um ônibus até Belém, que já fica em território palestino. Fui acompanhada até a rodoviária pela Hibah, a moça palestina que conheci no hotel. Me guiou pelas ruas labirínticas dentro da cidade antiga de Jerusalém, até o portão de Damasco, passando por muitos bazares, ou mercados de rua.
Para chegar a Belém é necessário passar por um dos postos de controle israelenses – os famosos check points – chamado 300. Na ida, as pistas que se tem sobre isso são os muros, as torres de vigilância e os soldados armados, pois não foi necessário parar. Chegando em Belém, o ônibus me deixa em uma das ruas do centro e ali procuro pelo ônibus que me levará até Hebron. Finalmente estou na Palestina, e ver as bandeiras erguidas em muitas esquinas é bastante especial. Recebo uma SMS no celular, me dando as boas vindas a este país diferente, como quando se entra em qualquer outro território nacional decentemente reconhecido.
Em Hebron, porém, a experiência se torna um tanto mais intensa. A cidade é conhecida pela sua divisão em zonas militarizadas, em que há muitas famílias israelenses vivendo sob segurança de soldados israelenses em condomínios bastante destoantes, assentamentos, em pleno território palestino. Outra vez, nenhuma novidade. Caminhar até a Mesquita de Ibrahim – ou Abraão – e ser questionada pelo soldado israelense no posto de controle sobre a minha religião, sim, foi uma novidade. Vê-los entrar pelas escadas que levam à Mesquita com os seus M-16 em punho, sim, foi uma novidade, algo que um muçulmano não deve apreciar.
Nas ruas do mercado antigo praticamente abandonado, conheci um guia palestino, empenhado em mostrar aos “turistas ativistas” a realidade em que ele vive. Pensei nessa nova modalidade de turismo a ser criada – ou nomeada, uma vez que já existe: o turismo ativista. Com todo o cinismo de alguém realmente impotente, ouvi dele e de outros palestinos com quem conversei todas as críticas, importâncias e ênfases que os ativistas preocupados com a situação dos palestinos dão às diferentes camadas dessa realidade política tão violenta.
O que realmente me despertou esse pensamento foi quando um dos vendedores das poucas lojas abertas me explicou e quase me deu um certificado da produção local dos lenços palestinos que eu estava comprando. “É realmente feito aqui, é produção local, originalmente palestina, não é made in China, nem em Israel”, dizia o senhor enquanto contava os meus shekels, a moeda israelense. Sou muito familiarizada com a iniciativa política bastante interessante de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) em que muitos palestinos e, outra vez, ativistas internacionais, estão se empenhando. Assim mesmo, ainda admirando a iniciativa – e tomando parte nela – não pude deixar de me sentir um pouco ridícula quando conversando com esses senhores nas lojas.
Jamal, o guia palestino que me encontrou no bazar, me convenceu a segui-lo em um tour pela desgraça palestina. Eu estava em Hebron justamente por ler sobre a representatividade tão gráfica que esse lugar tem sobre a situação. Começamos pelo próprio bazar, seguindo pelas ruas da cidade antiga de Hebron, e ele me levou pra ver as pracinhas de uns quatro metros quadrados feitas entre os túneis-ruelas em que estão muitas casas. Me mostrou alguns tijolos novos em ruas que cheiravam a esgoto, em que as crianças brincavam. Acompanhando esses novos tijolos e pracinhas se podem ver placas já gastas de países como Alemanha, Espanha e, claro, Estados Unidos – através da sua USAID – assinando a autoria da beneficência, da chamada cooperação internacional.
Depois disso, passamos por um dos postos de controle israelenses para chegar ao próximo bairro, entregando as nossas mochilas para serem revisadas e passando por detectores de metais. Entraríamos em um território misto, onde havia muitas famílias israelenses. Passaríamos de forma mais rápida, se os soldados fossem experientes e maduros, ou menos rápida se fossem mais jovens que eu, com seus 18 a 21 anos, e estivessem flertando entre eles, com as suas armas a tira-colo. Também as soldados-Barbie, com seus longos cabelos loiros e óculos de sol, fazem parte da trupe que controla a vida dos palestinos em filas, esperando para passar de uma rua a outra, até as 21h – quando os postos são fechados.
Depois disso, passamos pela rua literalmente dividida no meio, que leva a um terraço panorâmico. Jamal me explica que temos que andar do lado direito, pois estou com ele, que é palestino. Os judeus andam do outro lado, e os carros têm que fazer alguma manobra especial um tanto confusa. Algum momento depois, entramos em outra rua emblemática, em que um mercado tradicional palestino subsiste com poucas lojas abertas – segundo Jamal, há mais de 1000 lojas por essas ruas, mas apenas 100 funcionam, já que os comerciantes locais tiveram que deixarem a cidade.
Nesta rua, as lojas são protegidas por redes metálicas acima, como uma rua com teto. O motivo são os israelenses, que vivem nas casas de cima, nos prédios, e que costumam jogar lixo e pedras contra o comércio palestino. Por outro lado, as suas janelas, assim como as palestinas, são protegidas por grades ou simplesmente fechadas, pelo constante arremesso de pedras, uns contra as casas dos outros.
Seguindo adiante, a Rua Al-Shuhada, ou Rua do Mártir, é conhecida como “rua fantasma”. As casas e os comércios dessa bela rua, apesar de bem construídos, estão totalmente vazios e, em muitos casos, depredados. Os portões das lojas estão chumbados e as janelas das casas, destruídas. São por volta de 50 prédios abandonados só na cidade velha, pela violência entre israelenses e palestinos, pelos excessivos postos de controle e pela presença militar israelense. De fato, no final da mesma rua, passamos por outro posto de controle para entrar em um assentamento israelense, de decentes prédios residenciais, escola e sinagoga.
Há vários assentamentos como este em toda Hebron. Segundo Jamal, perto de sua casa, atrás da Mesquita de Ibrahim, moram ao redor de 400 israelenses. Em outros, espalhados pela cidade, moram várias famílias. São eles: Beit Hadassa, Beit Rumanu, Tal Irmida e Abraham Avinu, com mais ou menos 20 famílias cada. Do topo do terraço panorâmico em que ele leva muitos turistas-ativistas se podem ver bandeiras israelenses pintadas em caixas d’água ou nos topos dos prédios, tudo disposto estrategicamente dentro do campo de visão das três torres de controle militar, instaladas nas colinas de Hebron. Dali Jamal me mostra também a escola construída pela Agência da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA, em inglês), em meio às ruas vazias e aos postos de controle militar.
A sensação de insegurança, segundo Jamal, é constante. A presença militar israelense, os assentamentos e os comércios abandonados, além dos postos de controle e da má relação com os vizinhos judeus são fatores cotidianos que aumentam a tensão, para não falar da realidade de viver literalmente sob ocupação. As forças policiais da Autoridade Palestina não podem carregar armas nessas regiões, por exemplo, mas a insatisfação com a instituição instaura o cinismo na voz dos palestinos a quem pareço estar lembrando que ela existe. Os Acordos de Oslo, assinados no começo dos anos 1990, supunham a restauração da autoridade palestina na região, mas Hebron foi um caso particular.
Com o Acordo de Hebron, a cidade foi dividida em regiões: H1, sob autoridade palestina, em que os judeus não podem entrar; e H2, que era ainda habitada por mais de 30.000 palestinos e ficou sob controle militar israelense, com severas restrições de movimento, vários postos de controle, fechamento de comércios e toques de recolher para os palestinos. O motivo alegado é o de que lá vivem também centenas de judeus, devido a uma ligação religiosa com o local, e os palestinos não podem se aproximar das áreas em que vivem os judeus sem permissão das Forças de Defesa de Israel (IDF).
Jamal conta que a cada 3 meses as forças israelenses entram em sua casa e reviram até o seu quarto, numa programação constante de controle. À volta da casa dele há, pelo menos, 10 prédios abandonados, em que antes viviam palestinos. A ONU, em alguns momentos, tentou remediar a situação, num esforço por desacelerar o abandono da região e dos comércios, mas a situação de insegurança física, social e econômica não permite que uma vida normal e decente seja parte da realidade palestina em Hebron. Às sextas-feiras muitos muçulmanos voltam à cidade para rezar na Mesquita de Ibrahim, mas deixam a região em seguida.
A volta de Belém para Jerusalém é diferente. É necessário parar no posto de controle 300, fazer uma fila, ser questionado e revistado pelos soldados, no caso dos palestinos. Como sou estrangeira, o motorista me pediu para ficar no ônibus; os soldados subiram, me perguntam sobre o motivo da minha visita ao território palestino, os nomes das pessoas que lá conheço e checaram o meu passaporte. No caso de outro posto de controle, tive que descer do ônibus, entrar na fila, responder aos soldados as mesmas perguntas e também sobre os nomes próprios dos meus pais, para que introduzissem o meu passaporte no sistema de segurança, digitalizando-o, e olhassem a minha mochila. Este é Calândia, um dos postos de controle mais conturbados entre Ramallah e Jerusalém. Mas essa é uma outra história.

Moara Crivelente é cientista política está terminando o Mestrado em Comunicação dos Conflitos Internacionais Armados e Sociais na Universidade Autônoma de Barcelona.

IV Congresso Internacional de Pedagogia Social trouxe um importante retorno social para a educação brasileira


Cristiano Morsolin
Adital
Aconteceu no final de Julho em Campinas o IV Congresso Internacional de Pedagogia Social.
O IV CIPS ocorreu em duas universidades de Campinas (UNICAMP e UNISAL) e em São
Paulo (PUC/USP/MACKENZIE).

O Unisal Campinas, campus São José, sediou nos dias 25, 26 e 27 de julho, o IV Congresso Internacional de Pedagogia Social & Simpósio de Pesquisa Pós-Graduação, evento dedicado a discutir as teorias, as práticas e a profissionalização da Pedagogia Social, entendida como Teoria Geral da Educação Social. A quarta versão teve como tema "a hora e a vez da Educação Social". A escolha do tema foi impulsionada pelos pareceres favoráveis no Congresso Nacional ao projeto de lei 5346/2009, que torna a Educação Social uma profissão.
A realização do evento se deveu ao esforço conjunto de várias universidades em reunir pesquisadores e professores do Brasil e do exterior (Uruguai, Colômbia, Angola, Espanha, Portugal) num evento que trouxe um importante retorno social para a educação brasileira.

Geraldo Caliman, professor da Universidade Católica de Brasília, Programa de Mestrado e Doutorado em Educação Cátedra UNESCO Juventude Educação Sociedade (muito conhecido na Europa, como experto da "Università Pontificia Salesiana" de Roma(1)declarou que "A Pedagogia Social é uma disciplina da área da Educação que estuda a dimensão social da educação em suas diferentes manifestações: na educação não-formal, nas situações de conflito (recuperação de dependências, prevenção de violências), e nas intervenções miradas que se utilizam das técnicas de animação sociocultural. A Educação Social como prática da Pedagogia Social existe no Brasil há muito tempo. Mas somente agora o Brasil tenta sistematizar Pedagogia Social como teoria geral da educação social. Estamos no "IV Congresso Internacional de Pedagogia Social”, uma série que se iniciou em 2006 e se repete em 2008, 2010 e agora em 2012 (2).

Roberto da Silva, 54 anos, é paulista, formado em Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso, tem cursos de mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), onde atua como professor e pesquisador. No campo da Educação, criou 21 Centros Educacionais Unificados (Ceus), nos principais bolsões de pobreza de São Paulo, onde os jovens estão mais vulneráveis à violência e às drogas. Cada Ceu é um complexo educacional, cultural e esportivo, com jornada de ensino ampliada.
O professor é um dos principais organizadores de um encontro nacional sobre Pedagogia Social: "O Congresso Internacional de Pedagogia Social, em sua quarta edição, foi um evento dedicado a discutir de maneira ampla teoria, prática e profissionalização da Pedagogia Social, entendida como Teoria Geral da Educação Social. A quarta versão tem como tema "A hora e a vez da Educação Social".
A escolha do tema foi impulsionada pelos pareceres favoráveis no Congresso Nacional Brasileiro ao projeto de lei 5346/2009, que torna a Educação Social uma profissão. Caso seja aprovado, o fato será um marco em nosso país, pois demandará, tanto no âmbito das políticas públicas de formação de trabalhadores sociais quanto no âmbito da formação acadêmica, profissional e técnica e ainda no âmbito das iniciativas de requalificação, aperfeiçoamento e especialização profissional, uma alocação de recursos humanos e materiais e uma logística consideráveis. Este novo quadro será reforçado institucionalmente no evento por meio da Assembleia Geral da ABRAPSOCIAL- Associação Brasileira de Pedagogia Social mostrando a importância, portanto, do fortalecimento no âmbito acadêmico, político e institucional da Pedagogia Social e da Educação Social. A sua realização é também um esforço conjunto de várias universidades em reunir pesquisadores e professores do Brasil e do exterior num evento que poderá trazer um importante retorno social para a educação brasileira.
Como uma teoria das práticas institucionais e como disciplina científica ao mesmo tempo, a Pedagogia Social conta com tradições próprias de pensamento na Europa e em certa medida na América Latina. Ainda assim, o que no Brasil entendemos como Teoria Geral da Educação Social será problematizada enquanto teoria dos conflitos sociais, os quais marcam as instituições e os sujeitos, notadamente em espaços não escolares. Decorre daí a nosso ver, a importância de um congresso internacional, que com um amplo leque de atividades, ajude a fortalecer o debate teórico, as práticas humanas e a profissionalização na área (3).

Debates

Carlos Brandão (UNICAMP) e Danilo Streck (UNISINOS) debateu com Rúbia Cristina Cruz e atual presidente da Associação Brasileira de Pedagogia Social a inserção da Educação Social na política educacional brasileira após a regulamentação da Educação Social no país, que pode ocorrer a partir do parecer favorável emitido pelo congresso brasileiro em 14.12.2011. São questões importantes para este debate as políticas de financiamento e de formação inicial e continuada, o papel das ONGs, o perfil profissiográfico do Educador Social, a estruturação de uma carreira e a atuação do profissional da Educação Social em diferentes espaços, inclusive escolares.
Erineu Foerste (UFES) e Francisca Rodrigues de Oliveria Pini (IPF), com mediação de Jacyara Silva de Paiva (Universidade Estácio de Sá-ES), apresentaram um amplo painel sobre os diferentes campos de atuação do Educador Social, abordando, simultaneamente, o campo de trabalho, a formação e a pesquisa, apontando para as possíveis contribuições da Educação Social em áreas tradicionalmente não atendidas pela Educação Escolar, especialmente a alfabetização de adultos, a educação prisional o campo e a rua.
Representante do Conselho Regional de Psicologia de Campinas, o experiente Padre Haroldo Rahm, fundador da instituição que leva o seu nome, juntamente com Verônica Regina Muller, coordenadora do Programa Multidisciplinar de Estudos, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente, da Universidade Estadual de Maringá, debateram com João Clemente de Souza Neto as perspectivas atuais para o trabalho de temas difíceis com crianças e adolescentes, tais como sexualidade, drogas e ameaças de morte, referenciadas em experiências bem sucedidas no Brasil.
Jorge Camors (UDELAR-Uruguai), conduziu o painel de discussões sobre as experiências e o atual estágio de desenvolvimento da Educação Social em diferentes países da América Latina e África. Cristiano Morsolin abordou a sua luta como educador social de rua para acolher os jovens urbanos ameaçados pelas máfias nas grandes cidades colombianas. A mesa se completa com as contribuições do colega Francisco Macongo Chocolate, de Angola, que versou sobre a infância e a escola e a educação social em seu país. São países com diferentes histórias e diferentes propostas educacionais, mas que enfrentaram questões pontuais recorrendo aos princípios da Educação Social, especialmente no enfrentamento das altas taxas de homicídio decorrentes do narcotráfico, na superação de limitações impostas por longos períodos de guerra ou na integração da população indígena ao sistema escolar (4).
A Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade, uma rede de pesquisas internacional coordenada pelo Prof. G. Caliman lança o Relatório Anual 2011 (Clique aqui para ver o relatório)(em inglês e português). O relatório é enviado à UNESCO e contem todas as atividades realizadas pelos docentes pesquisadores e Universidades associados às redes (5).
Carta aberta à ONU: é necessária uma visão mais completa da realidade das crianças que trabalham ou vivem na rua
Prossegue o debate sobre as modalidades de abordagem à problemática dos meninos e meninas que trabalham na rua.
Para o operador de redes internacionais para a defesa dos direitos da criança na América Latina e co-fundador do Observatório Selvas, Cristiano Morsolin, a violência social, nas suas mais diversas manifestações como conflito armado, criminalidade, violência institucional e de gênero, "é um dos problemas mais graves que existe hoje na América Latina”.
Na ordem do dia dos trabalhos da 19ª Sessão do Conselho dos Direitos Humanos, em Genebra (de 27 de fevereiro a 23 de março 2012), foi a apresentação de uma relação global sobre as crianças, eles/elas, que trabalham ou vivem na rua. Uma carta aberta ao Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Sra. Navanethem Pillay, firmada por 74 especialistas do mundo acadêmico e da sociedade civil de tudo o mundo, toma as distâncias e propõe um novo método.
A carta, realizada com a contribuição de 74 especialistas de todo o mundo, através da coordenação de Cristiano Morsolin, para a América Latina, e de Antonella Invernizzi e Brian Milne, para a Europa, África e Ásia, abre-se manifestando de imediato uma preocupação: "Examinamos os documentos e o material apresentados no sítio, e acreditamos que se deva criar um questionário mais amplo e melhor estruturado de tais conhecimentos, para sustentar e promover políticas válidas e eficientes, como também para promover os direitos das crianças que trabalham e/ou vivem na rua; estão ausentes alguns aspectos que requerem um aprofundamento maior, como, por exemplo, a importância de reconhecer os direitos econômicos, sociais e culturais (DESC) das crianças e dos adolescentes”.
A carta aberta assinala, além disso, o limitado do estudo, que analisa somente os anos de 2000 a 2010, esquecendo toda a produção acadêmica precedente: "Não estão incluídas todas as opções derivadas das pesquisas e das experiências anteriores a 2000, que acreditamos deveriam estar disponíveis para o planejamento e a formulação de políticas e programas. Não sabemos se este é um resultado esperado ou não; todavia, parece que a abordagem baseada nos direitos humanos está esmagada pela perspectiva protecionista e/ou assistencialista, mas não por uma visão inclusiva”.
Os especialistas propõem um exame exaustivo sobre: as exigências de pesquisa e as metodologias; a agência das crianças e adolescentes e a sua participação; o conjunto das pesquisas e da experiência adquirida nos últimos 30 anos; a variedade dos contextos econômicos, sociais, culturais e políticos; uma abordagem baseada nos direitos humanos, que seja de orientação aos governos e às organizações.
"Acreditamos que seja fundamental que nesse processo se reflitam todas as abordagens e todas as metodologias” – sublinha-se na carta apresentada por ocasião da atual Sessão do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra.
Entre os subscritores da carta estão o Reitor da Universidade Politécnica Salesiana, do Equador, Pe. Javier Herrán; Jaap E. Doek, Presidente da Comissão ONU pelos direitos da criança no 2001-2007; Lucero Zamudio, coordenadora da Rede Latino-americana de Mestrados em direitos da infância; Maurício Roberto da Silva, Professor da Universidade Chapecó-Santa Catarina; Manfred Liebel, coordenador da rede de Universidades Europeias ENMCR; Aurelie Leroy-CETRI (6).
Essa carta foi apresentada no IV Congresso Internacional de Pedagogia Social CIPS e no Brasil teve o apoio do Senador Cristovam Buarque (7).
Sobre o assunto, interveio também o Ministro para a Cooperação Internacional e a Integração, da Itália, Andrea Riccardi. Respondendo às 74 Personalidades do mundo acadêmico e da sociedade civil que em abril último enviaram uma Carta Aberta ao Alto Comissário da ONU, Sra. Navanethem Pillay, o Ministério italiano sublinhou a "importância de submeter a exame, na tutela dos direitos das crianças que trabalham e vivem na rua, todo o denso patrimônio experiencial e cultural amadurecido com o andar dos anos. Quanto se pede é que o louvável esforço, mantido pelo Alto Comissário pelos Direitos Humanos em favor do bem-estar de todas as Crianças e Adolescentes do Mundo, possa utilizar entre os seus instrumentos uma moldura de referência mais flexível, que possa levar em conta as diversas abordagens com as quais se tentou enfrentar um tema de tamanha delicadeza e complexidade”.
"A construção de um quadro adequado de referência seria possível através de uma rede de especialistas (provenientes, p. ex., do mundo universitário, das associações especializadas da sociedade civil e das agências da ONU) que trabalhem juntos. Nos anos ’90s esse diálogo foi levado à frente pelo Grupo de trabalho internacional sobre o trabalho de menores (IWGCL). É necessário prosseguir nessa direção” – sustenta Cristiano Morsolin, um dos Promotores da Carta Aberta.
Na América Latina, enquanto isso, já estão sendo feitas pesquisas sociológicas sobre o fenômeno dos meninos e meninas de rua, com análises comparadas aos resultados emersos em países e contextos socioculturais diferentes, que mostraram as caminhadas de emancipação infantil e as boas práticas construídas (8).
O Observatório SELVAS vai lutando pela aplicação da Convenção Internacional. O cumprimento dos direitos de meninos, meninas e adolescentes está longe de se consagrar como eu analisei na nota "20 anos da Convenção dos Direitos da Criança: A infância ainda em risco,que foi publicada na web da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal de Brasília (9), o tema do trabalho infantil no Brasil esta na mia nota "BRASIL: 12 de junho, dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil”, que foi publicada por o ex Vice-Ministro Gonzaga Patriota (10).

NOTAS:

(1) CALIMAN, G. Pedagogia Social na Itália. In: SOUZA NETO, J.C. – SILVA, R. da – MOURA, R. (Org.) Pedagogia Social. São Paulo: Expressão e Arte – UNESCO, 2009, p. 51-60.
(2) http://socialeducation.wordpress.com/2012/08/06/iv-congresso-internacional-de-pedagogia-social-campinas-sp/
(3) http://www3.fe.usp.br/secoes/inst/novo/eventos/detalhado.asp?num=697
(4) http://www.fe.unicamp.br/cips4/ementas.html
(5) http://socialeducation.files.wordpress.com/2012/08/relatc3b3rio-final-cc3a1tedra-unesco-ucb-2011-2012.pdf
(6) http://www.infoans.org/1.asp?sez=1&doc=7633&Lingua=5
(7) Especialistas alertam que urbanização exclui milhões de crianças , 07 MARÇO 2012 http://cristovam.org.br/portal3/index.php?option=com_content&view=article&id=4704:especialistas-alertam-que-urbanizacao-exclui-milhoes-de-criancas&catid=160:infanciaejuventude&Itemid=100124
(8) http://www.infoans.org/1.asp?sez=1&sotSez=13&doc=7902&lingua=5
(9) http://www.direitoshumanos.etc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7409:20-anos-da-convencao-dos-direitos-da-crianca-a-infancia-ainda-em-risco&catid=17:crianca-e-adolescente&Itemid=163).
(10) http://gonzagapatriota.com.br/2011/12-de-junho-dia-nacional-de-combate-ao-trabalho-infantil/

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Mudar currículo não melhora o ensino médio, diz professor da USP

Redação do CORREIO DO BRASIL

Ensino médio necessita de ações abrangentes para evoluir

Até o final de outubro, um grupo de trabalho formado pelo Ministério da Educação (MEC) deverá apresentar propostas para o ensino médio. O pacote, que inclui reforma curricular e adoção da jornada ampliada, é uma resposta às médias sofríveis desse segmento na edição 2011 do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Desde que a avaliação começou a ser realizada, em 2005, as médias das séries iniciais do ensino fundamental evoluíram praticamente três vezes mais rápido do que as do antigo colegial. Conforme declarou o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, as principais razões são o excesso de disciplinas e a oferta das aulas no período noturno, na maioria dos casos, com estudantes defasados em relação à idade e serie.
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao MEC e responsável pelo Ideb, o ensino médio praticamente não avançou como deveria. Em comparação com 2009, as médias de 2011 caíram em nove estados (Acre, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Sul e Rondônia) e o Distrito Federal (DF).
Ficaram abaixo da média estabelecida para o ano em cinco estados (Alagoas, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Sul e Sergipe), além do DF. Houve melhora em 11 (Amapá, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins). Na avaliação em geral, a média nacional do ensino médio ficou em 3.7, enquanto a dos anos iniciais foi de 5.
Para Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), especialista em temas como avaliação e gestão educacional, as mudanças em estudo são inócuas. “Se o currículo for mudado, quem vai dar essas aulas?”, questiona.
- Antes de quaisquer mudanças que venham a ser feitas os professores precisam ser preparados. E não é o que está acontecendo – diz o especialista, alertando para o fato de o ensino médio ser responsabilidade dos estados, e não da União. Na comparação que ele faz, modificar o currículo, com redução das disciplinas, é como trocar a colher com que se administra o remédio sendo que o ideal é passar a dar um medicamento adequado, prescrito conforme a doença.
Alavarse, aliás, discorda do ministro Mercadante também quanto ao suposto excesso de disciplinas. Segundo ele, português e matemática compõem a maioria da grade curricular, sobrando pouco espaço para outras matérias pedagógicas obrigatórias. “É preciso repensar o que está sendo ensinado e como isso está sendo feito, muitas vezes em escolas que nem banheiro têm.”
O especialista critica também a proposta de ensino médio ampliado, de difícil implementação. “Mais de 45% desses alunos estudam à noite ou porque precisam começar a trabalhar ou porque já são trabalhadores que não puderam estudar quando adolescentes. O ideal seria terminar o ensino médio aos 17 anos”, diz. “E se a tendência for de acabar com o ensino noturno, como esses alunos vão fazer para poder estudar?”

Mudanças no Ideb

Por causa do lento avanço do ensino médio no Ideb, o MEC estuda também substituir as provas de português e matemática pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A medida, segundo o ministério, é aumentar a amostragem dos alunos desse nível de ensino.  Por meio de sua assessoria de imprensa, o MEC afirmou não haver ainda nenhuma decisão tomada a respeito. E a Prova Brasil, um dos componentes do Ideb – o outro são as taxas de aprovação, continua a ser aplicada no 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, para avaliar o desempenho dos estudantes em leitura e cálculos básicos.
Seja como for, Ocimar Munhoz Alavarse critica a possibilidade de inclusão do Enem. “Os objetivos são diferentes. A Prova Brasil deveria ser mantida para preservação da série histórica. Essa mudança me parece o caso do gordo que quer trocar a balança na esperança de estar mais magro em outra.”

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

John McLaughlin & The 4th Dimension - To the One - 2010


http://img855.imageshack.us/img855/1538/1281105145johnmclaughli.jpg
  1. "Discovery" 6:19
  2. "Special Beings" 8:38
  3. "The Fine Line" 7:43
  4. "Lost and Found" 4:26
  5. "Recovery" 6:21
  6. "To the One" 6:34
Todas as canções escritas por John McLaughlin
http://img580.imageshack.us/img580/1568/johnmclaughlin.jpg

John McLaughlin – guitar, producer
Gary Husband - drums, keyboards, percussion
Etienne Mbappé – bass
Mark Mondesir – drums, percussion
Créditos: LOOOLOBLOG

Ainda obrigatório, ensino religioso será questionado no STF

Duas ações diretas de inconstitucionalidade pedem fim do atual modelo de Ensino Religioso no Brasil | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Rachel Duarte no SUL21

Uma das mais antigas discussões da humanidade está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). A obrigatoriedade do Ensino Religioso na educação pública pode entrar na pauta dos ministros ainda este ano. Duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) questionam a oferta do ensino religioso no formato atual. Movida por entidades que cobram o princípio da laicidade no país, as ações correm o risco de não entrar na pauta se o julgamento do Mensalão se arrastar até novembro, quando ocorre a aposentadoria do ministro relator, Ayres Britto. Enquanto o tema não tem um desfecho na corte, as normas de aplicação da lei ficam ao cargo dos estados – o que gera inevitáveis distorções, como o pouco espaço para religiões de matriz africana e a ausência de discussões sobre ateísmo.
A Constituição Federal de 1988 determina a oferta do ensino religioso nas escolas da rede pública de ensino fundamental, com matrícula facultativa – ou seja, cabe aos pais decidir se os filhos vão frequentar as aulas. A advogada da ONG Ação Educativa, uma das autoras da ação no STF, Ester Rizzi, explica que o tema é tão polêmico, quanto antigo no Brasil. “Esta discussão sempre existiu. É a maior polêmica de todas as constituintes desde 1924. Desde lá se questiona a obrigatoriedade ou não do ensino religioso. Luta perdida, na minha visão que acredito no estado laico, quando em 88 a Constituição tornou obrigatória”, explica.
Com a última reedição da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996, passou a ser obrigação do estado o financiamento do ensino religioso. “O texto original não previa que o ensino religioso se constituísse como uma disciplina isolada. A mudança assegurou a religiosidade e mudou o caráter confessional, onde o aluno dizia a sua opção religiosa”, diz Ester.
O ensino religioso é hoje a única disciplina delegada por uma lei e sem qualquer diretriz curricular sobre seu ensinamento. A ONG Ação Educativa realizou estudo em 2008 nos estados brasileiros e constatou diversas invasões à laicidade no ensinamento da religiosidade no país. “No Rio de Janeiro, por exemplo, foi feita uma lei municipal que regulamenta o ensino confessional obrigando os professores a serem aprovados por autoridades religiosas para dar aulas ou não. Está previsto em concurso público esta norma”, diz Ester Rizzi.
Nos materiais didáticos oferecidos na rede pública a entidade também acusa omissão com alguns credos. “Mesmo quando o estado tenta o pluralismo, geralmente não inclui as religiões de matriz africanas e os ateus”, cita.

RS forma professores para diversidade, mas também não fala sobre ateísmo 

No Rio Grande do Sul, a 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) promove formação de Diversidade Religiosa aos professores de Ensino Religioso. A intenção é ampliar a compreensão dos educadores sobre a relação transdiciplinar da religiosidade com outras áreas do conhecimento, respeitando a diversidade do contexto escolar. O primeiro módulo já ministrado com apoio do Conselho de Ensino Religioso do Rio Grande do Sul tratou de abordar a contribuição das tradições afro-brasileiras para a construção da cidadania.
A coordenadora do Ensino Religioso da 3ª CRE, Marisa Durayski, comentou que o curso totalizará 40 horas aula e o próximo módulo enfatizará as tradições indígenas. “No ano passado já promovemos um curso com as principais religiões, Judaísmo, Espiritismo, Hinduismo, entre outras”, fala. Porém, quando perguntada sobre ateísmo, ela disse que não foi pensado no curso. “Apesar de surgir nas palestras a pergunta sobre como lidar com alunos que não tem religião, não pensamos nisso. Pensamos a questão da cidadania e o respeito às diferenças de credo”, admite.
Para quem lida na ponta com os delicados limites dessa questão, torna-se um desafio garantir um ensino religioso que contemple as diferentes experiências e crenças encontradas em uma sala de aula. “Cada lugar tem a tendência a certas religiosidades. Em algumas regiões do estado não se admite o ateísmo. É uma cultura mais difícil de abordar”, fala coordenadora de Gestão de Aprendizagem da Educação Básica, da Secretaria Estadual de Educação, Ester Guareschi Soares.
Segundo ela, a política pedagógica do ensino público gaúcho é de não defender símbolos religiosos em sala de aula ou nas escolas e respeitar as diferentes manifestações culturais. “Sabemos que temos alunos com diferentes credos. Mas o estado é laico, e assim deve ser”, defende.
Ester explica que a atual gestão estadual desconstitui a assessoria de Ensino Religioso existente na Secretaria Estadual de Educação e incluiu a religiosidade no setor de Ciências Humanas. Além dos professores formados pelo Conselho de Ensino Religioso, em um curso de 360 horas/aula, o estado oferece professores formados em outras áreas do conhecimento para ministrar as aulas. “Filosofia, antropologia, entre outras. Não trabalhamos doutrina específica. Trabalhamos um aspecto cultural de busca da espiritualidade, desenvolvimento de valores como justiça, solidariedade e fraternidade. Este é o foco. Mesmo os que se dizem não-crentes, buscam o transcendente”, fala a coordenadora.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Paraísos fiscais, um porto seguro para multimilionários

 
dinheiroCarta Maior - [Sarah Jaffe - Alternet] Seis coisas que devemos saber sobre os 21 trilhões de dólares que as pessoas mais ricas do mundo escondem em paraísos fiscais. Ao mesmo tempo em que os governos cortam o gasto público e demitem os trabalhadores, em prol de uma maior "austeridade" obrigada pela desaceleração da economia, os super-ricos - menos de 10 milhões de pessoas - esconderam longe do alcance do arrecadador de impostos uma quantidade igual às economias japonesa e estadunidense juntas

Vinte e um trilhões - com "t" - de dólares. Eis o que as pessoas mais ricas do mundo escondem em paraísos fiscais internacionais. Embora a quantidade real possa ser maior, chegando aos 32 trilhões, uma vez que, claro, é quase impossível conhecê-la com exatidão.
Ao mesmo tempo em que os governos cortam o gasto público e demitem os trabalhadores, em prol de uma maior "austeridade" obrigada pela desaceleração da economia, os super-ricos - menos de 10 milhões de pessoas - esconderam longe do alcance do arrecadador de impostos uma quantidade igual às economias japonesa e estadunidense juntas.
Os dados são de um novo relatório da Tax Justice Network (Rede para a justiça tributária) [1] cujas conclusões são impactantes. As receitas fiscais perdidas graças aos refúgios fiscais extraterritoriais – offshore -, afirma o relatório, "são suficientemente grandes como para marcar uma diferença significativa em todas nossas medidas convencionais da desigualdade. Dado que a maior parte da riqueza financeira desaparecida pertence a uma pequena elite, o efeito é assustador".
James S. Henry, ex-economista chefe em McKinsey & Co, autor do livro The Blood Bankers (Os banqueiros ensanguentados) assim como de artigos em publicações como o The Nation e o The New York Times, procurou suas informações no Banco de Compensações Internacionais, no Fundo Monetário Internacional, no Banco Mundial, nas Nações Unidas, nos bancos centrais e analistas do setor privado, e descobriu os contornos da gigantesca reserva de dinheiro que flutua nesse lugar nebuloso conhecido como offshore. (E isso que só se ocupou do dinheiro em espécie: o relatório deixa de lado coisas como bens de raízes, iates, obras de arte e outras formas de riqueza que os super-ricos escondem, livres de impostos, nos paraísos fiscais extraterritoriais.)
Henry se refere a eles como um "buraco negro" na economia mundial e afirma que, "apesar de ter muito cuidado em ser cauteloso, por prudência, os resultados são assustadores."
Há uma grade quantidade de informação para analisar neste relatório, pelo que nos limitamos aqui a seis coisas que devemos saber sobre o dinheiro que os mais ricos do mundo escondem de nós.

1. Apresentamos-lhes o Top 0,001%

"Segundo nossas estimativas, pelo menos um terço de toda a riqueza financeira privada, e quase a metade de toda a riqueza offshore, é agora propriedade das 91.000 pessoas mais ricas do mundo: só 0,001% da população mundial", diz o relatório. Estes 91.000 que formam o vértice da pirâmide têm cerca de 9,8 trilhões de dólares do total estimado neste estudo, e menos de dez milhões de pessoas detém todo o volume de dinheiro em espécie.
Quem são essas pessoas? Sabemos que são os mais ricos, mas o que mais sabemos deles? O relatório menciona "especuladores imobiliários chineses e magnatas do software de Vale do Silício, com idades em torno de trinta anos", e em seguida estão aqueles cuja riqueza provém do petróleo e do tráfico de drogas. Não menciona, mas poderia, os candidatos presidenciais dos Estados Unidos. Por exemplo, Mitt Romney que recebeu fortes críticas por ter dinheiro guardado em uma conta bancária na Suíça e em investimentos nas Ilhas Cayman, segundo o site Politifact [2].
Os narcotraficantes têm necessidade, é claro, de ocultar seus lucros ilícitos, mas muitos dos outros super-ricos pretendem simplesmente evitar o pagamento de impostos, para o qual constroem complicadas redes de empresas e investimentos só para deduzir um pouco mais da fatura fiscal que pagam em seu país de origem. Tudo ajuda.

2. Onde está o dinheiro? É difícil saber

Offshore, segundo Henry, não é já um lugar físico, embora existam vários lugares, como Singapura e Suíça, que ainda se especializam em proporcionar "residências físicas seguras e fiscalmente interessantes" aos ricos do mundo.
Mas nestes tempos que correm, a riqueza offshore é virtual. Henry a descreve como algo nominal, hiperportátil, multijurisdicional, seguidamente lugar temporário de redes de entidades e acordos legais ou quase legais. Uma empresa pode estar situada em uma jurisdição, ser propriedade de um testa de ferro localizado em outro lugar e ser administrada por testas de ferro de um terceiro lugar. "Em última instancia, portanto, o termo offshore se refere a um conjunto de capacidades" e não tanto a um ou vários lugares.
Também é importante, afirma o relatório, distinguir entre os "paraísos intermediários" - lugares nos quais pensam a maioria das pessoas quando se fala de paraísos fiscais, como as Ilhas Cayman de Mitt Romney, as Bermudas ou a Suíça - e os "paraísos de destino", que incluem os EUA, o Reino Unido e inclusive a Alemanha. Estes destinos são desejáveis já que proporcionam "mercados de valores relativamente eficientes e regulados, bancos respaldados por grandes populações de contribuintes, e companhias de seguro. Além de códigos jurídicos desenvolvidos, advogados competentes, poder judicial independente e Estado de direito."
Assim, pois, os mesmos que escapam do pagamento de impostos distribuindo seu dinheiro por diferentes lugares, se aproveitam dos serviços financiados pelos contribuintes para fazê-lo. E nos EUA, alguns estados começaram, desde a década de 1990, a oferecer entidades jurídicas a baixo custo "cujos níveis de confidencialidade, proteção frente aos credores e vantagens fiscais rivalizam com os dos tradicionais paraísos fiscais secretos do mundo." Adicione a isso a porcentagem cada vez menor dos impostos que os ricos e as empresas estadunidenses pagam e verão que estamos começando a ter um aspecto muito atrativo para aqueles que tratam de camuflar seu dinheiro.

3. Grandes bancos resgatados dirigem este negócio

Mas quem facilita este processo? Alguns nomes familiares saem rapidamente à superfície quando se vasculha os dados: Goldman Sachs, UBS e Credit Suisse são os três primeiros, e o Bank of America, Wells Fargo e JP Morgan Chase estão no Top 10. Segundo afirma o relatório, "Agora podemos acrescentar algo a mais a sua lista de distinções: são os atores principais dos refúgios fiscais de todo o mundo e ferramentas chave do injusto sistema tributário global".
No final de 2010, os maiores 50 bancos privados administravam cerca de 12,1 trilhões de dólares em "ativos trans fronteiriços" investidos por seus clientes. É mais do que o dobro da cifra de 2005, e representa uma taxa média de crescimento anual superior a 16%.
"Desde bancos a empresas contábeis e advogados corporativos, algumas das maiores empresas do mundo são parte da trama de evasão fiscal global", escreve no The Guardian a investigadora financeira (e ex-trader de Goldman Sachs) Lydia Prieg. "Estas empresas não são pessoas jurídicas as quais possamos chamar a atenção para que paguem sua parte justa; sua razão de ser consiste em maximizar seus lucros e os de seus clientes."
"Até finais da década de 2000", afirma Henry, "a sabedoria convencional entre os capitalistas evasores era: 'O que existe de mais seguro que os bancos suíços, estadunidenses ou britânicos etiquetados como grandes demais para falir? '" Sem os resgates que acompanharam a crise financeira de 2008 – acrescenta - muitos dos bancos que estão escondendo dinheiro em espécie para os ultra ricos já não existiriam. "Dar por certo o apoio dos governos é precisamente a razão principal pela qual os super-ricos fazem seus negócios com os bancos de maior tamanho."

4. A desigualdade é pior do que acreditamos

Com toda esta riqueza oculta em todo o mundo, impossível de contar e de tributar – afirma a Tax Justice Network -, não resta dúvida de que estamos subestimando a desigualdade de ingressos e riqueza realmente existente. Stewart Lansley, autor de The Cost of Inequality (O custo da desigualdade), assegurou a Heather Stewart, do The Guardian: "Não há absolutamente nenhuma dúvida de que as estatísticas sobre a renda e a riqueza dos de cima diminuem a magnitude do problema".
Ao calcular o coeficiente Gini, que mede a desigualdade em uma sociedade, disse, "Não se recolhem os dados dos multimilionários, e inclusive quando se faz, não é adequadamente".
Este é um assunto tão importante que a Tax Justice Network incluiu um segundo relatório, ao mesmo tempo em que o de Henry, titulado "Inequality: You don't know the half of it" [3] (Desigualdade: você não conhece nem a metade). O estudo detalha todos os problemas da forma em que agora calculamos a desigualdade; seguidamente parecem ser, em essência, que não temos uma medida exata da verdadeira riqueza dos super-ricos. Os dados sobre ingressos fiscais estão disponíveis, mas se na realidade há trilhões escondidos por todo o mundo nos paraísos fiscais, como calcular os ingressos reais dos mais ricos do mundo?
A desigualdade disparou em todo o mundo, segundo os cálculos frequentemente utilizados. Se o 1% superior da população dos EUA não só é dono de 35,6% da riqueza, por exemplo, mas que também tem um volume de dinheiro muito maior escondido em algum lugar, que significado tem isto para nós?
Não esqueçamos, afirma o relatório, que "a desigualdade é uma opção política. Ou seja, nós decidimos o quê fazer como sociedade baseando-nos no montante de desigualdade que consideramos tolerável ou justo. Se esse montante é muito maior do que pensamos, de que forma desvaloriza nossas prioridades? Muitos estadunidenses já estão mal informados acerca de seu nível de desigualdade, mas este estudo confirma que inclusive os supostos especialistas estão subestimando em muito o problema".

5. Os países "endividados" não devem, na realidade, nada

O relatório de Henry destaca um subgrupo de 139 países, de ingressos baixos ou médios, e destaca que segundo a maioria dos cálculos, os ditos 139 países tinham, em conjunto, uma dívida superior a quatro trilhões de dólares no final de 2010. Mas ao se tomar em conta todo o dinheiro que se acumula offshore, os países, na verdade, teriam uma dívida negativa de 10 trilhões de dólares, ou como Henry escreve:
"Uma vez tomados em consideração estes ativos ocultos e os ingressos que geram, muitos antigos países "devedores" seriam, de fato, países ricos. Mas o problema é que sua riqueza está depositada offshore, em mãos de suas próprias elites e seus banqueiros privados".
Henry afirma também que os países em desenvolvimento em seu conjunto terminam sendo credores do mundo desenvolvido, em lugar de devedores, e o foram durante mais de uma década. "Isto significa que se trata realmente de um problema de justiça tributária, não simplesmente de 'dívida'".
Mas essas dívidas, como afirmamos, recaem nos ombros dos trabalhadores desses países, que não podem desfrutar das vantagens dos sofisticados paraísos fiscais.
E isto, é claro, não é só um problema do mundo em desenvolvimento. Hoje em dia, afirma Henry, o mundo desenvolvido tem sua própria crise da dívida (vejam-se os problemas atuais da zona do euro). O economista francês Thomas Piketty afirma, "a riqueza depositada em paraísos fiscais é provavelmente de um montante suficiente para converter a Europa em um credor muito grande com respeito ao resto do mundo".

6. Quanto estamos perdendo?

Aqui está o centro da questão, não? É impossível saber a exatamente, é claro, devido a que as cifras são só estimativas, mas Henry calcula que se estes 21 trilhões de dólares não declarados obtivessem uma taxa de rendimento de 3% e os ingressos se gravaram em 30%, por si só gerariam receitas fiscais de cerca de 190 bilhões de dólares. Se a quantidade total de dinheiro colocada em paraísos fiscais fosse próxima a estimativa mais alta, ou seja, 32 trilhões de dólares, se obteriam cerca de 280 bilhões, o que é aproximadamente o dobro do montante que os países da OCDE gastam em ajuda ao desenvolvimento. Em outras palavras, uma enorme quantidade de dinheiro. E isso levando em conta que um rendimento de 3% é um cálculo muito prudente.
Estamos falando unicamente de impostos sobre a renda: os impostos sobre os lucros, impostos à herança e outros renderiam ainda mais.
Por isso Henry afirma que, no final das contas, poderíamos tomar este assunto como uma boa notícia. "O mundo acaba de localizar uma quantidade enorme de riqueza financeira que poderia ser utilizada para contribuir à solução dos problemas mundiais mais urgentes". "Temos a oportunidade de pensar não só acerca de como prevenir alguns dos abusos que conduziram a esta situação, mas também de pensar na melhor maneira de fazer uso dos ingressos atualmente não tributáveis que gera."

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Cordel da Regulamentação da Comunicação


A peleja comunicacional de Marco regulatório e Conceição Pública na terra sem lei dos coronéis eletrônicos
Por Ivan Moraes Filho, com mote de João Brant e contribuições de Ricardo Mello


Não sei se tu já pensasse
ligando a televisão
Num dia desse qualquer
xingando a programação
Sentada no seu sofá
Numa preguiça do cão

Por que tudo é tão igual?
Como as pessoas não são
Sempre o mesmo sotaque
é quem dá informação
E se alguém fala ‘oxente’
pode ver que é gozação

Pega o controle remoto
vai de botão em botão
procurando um bom debate
ou uma contradição
pense num troço difícil
nessa radiodifusão

Agora liga teu rádio
e presta bem atenção
vai girando o pitoquinho
ouvindo cada canção
duvido que tu encontre
som da tua região

Se fosse ver de verdade
como as coisas certas são
era mudar de canal
e saber outra versão
seja do crime ou do jogo
e até da votação

A emissora é quem ganha
direito de transmissão
tá ali porque o Estado
lhe cedeu uma concessão
que lhe dá algum direito
mas também obrigação

Só que devia ter regra
não é brincadeira não
garantir a todo mundo
liberdade de expressão
pelo menos é o que fala
nossa Constituição

Só que lá só tem artigo
Indicando a intenção
Ficam faltando as leis
que garantam ao cidadão
poder se comunicar
e falar sua razão

Essas leis tudo juntinha
podem vir num pacotão
O Marco Regulatório
para a comunicação
tá atrasado faz tempo
Mas não dá pra abrir mão

Ah, quando Marco chegar
vai trazer transformação
pra rádio comunitária
vai mudar legislação
que é pro povo perseguido
se livrar da opressão

Sistema público forte
vai ganhar mais dimensão
com seu lugarzinho guardado
vai ter mais programação
Se duvida de audiência
Me responda: por que não?

Promover diversidade
fim da discriminação
de cor, de raça, etnia
de credo ou de geração
de lugar ou de riqueza
gênero ou religião

E esse tanto de gente
Que só usando o bocão
Foi tomar conta de rádio
também de televisão
Usando o meio prum fim
ter força na eleição

Isso vai sair tudinho
Marchando em pelotão
E Marco também proíbe
de se fazer transação
pois o canal é do povo
o seu dono é a nação

Na hora de renovar
essa dita concessão
Não vai ser caldo de cana
Tem que fazer discussão
Porque não tem no canal
lei de usucapião

Serviço de internet
banda larga sempre à mão
Podendo também entrar
em forma de concessão
um jeito de garantir
universalização

E com a propriedade
dos meios de difusão
Nem vertical nem cruzada
pra acabar concentração
vamos democratizar
pra toda população

E pense que a propaganda
que vive dando lição
também tá necessitando
de uma legislação
sabendo que as crianças
precisam de proteção

Reclame de vinho ou pinga
do litoral ao sertão
brinquedo ou sanduíche
bonequinha ou caminhão
não pode ser para o filho
de Maria ou de João

E a grana que o governo
gasta com a produção
de tanto comercial
e mais veiculação
será que não precisava
de mais fiscalização?

Por isso tem os conselhos
que vão ter essa função
Tomar conta do Estado
em toda a federação
lutando por um direito
que é à comunicação

Ah, mas pra Marco chegar
precisa fazer pressão
Congresso compreender
que eles têm uma missão
ou representam o povo
ou repassam o bastão

Mas se a gente não se mexe
Espera tudo na mão
Aí fica mais difícil
de Marco botar queixão
Não muda nada, nadinha
fica como tá então

Democracia se faz
é com participação
Cada pessoa ligada
sem aceitar a invenção
que seu direito de escolha
é ver Gugu ou Faustão

Então essa é a peleja
pela comunicação
Mostrando a cara da gente
cidadã e cidadão
que junte o Marco da lei
trazendo transformação

Que venha com alegria
que faça a democracia
em rádio e televisão
dê lugar à diferença
garanta à gente presença
na hora da decisão

Ex-soldados israelenses revelam rotina de humilhação e violência contra crianças palestinas


Relatório da organização Breaking The Silence compilou dezenas de depoimentos que expõem os abusos do exército

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Crianças palestinas passam por corredor na cidade de Hebron, localizada na Cisjordânia, vigiadas por soldados israelenses em 13/06/12

Durante uma madrugada em 2009, todas as casas da cidade palestina de Salfit, localizada na Cisjordânia, foram invadidas por soldados israelenses. A ordem do Comando Central era prender todos que tivessem de 15 a 50 anos e levá-los para uma escola que havia se tornado provisoriamente um centro de detenção. Isso porque a Agência de Segurança de Israel, que realiza o serviço de segurança interna, queria coletar informações sobre as pedras que eram jogadas contra jipes militares nas estradas e ruas ao redor da cidade.

Os militares colocaram vendas e algemas de plástico, muitas vezes apertando-as, nos jovens e adultos. Por sete horas, os palestinos permaneceram sentados sem poder nem se mexer, sem acesso à água e comida, em um sol escaldante. Eles não sabiam por que estavam lá e nem o que seria feito pelos militares -- um dos jovens urinou nas calças. Muitos ficaram com as mãos roxas pela falta de circulação sanguínea e outros com os braços dormentes por causa das algemas. Um dos garotos, de apenas 15 anos, pediu para ir ao banheiro e, antes de ser levado por um soldado, foi espancado ainda no chão.

Essa é apenas uma das muitas histórias publicadas neste domingo (26/08) pela Breaking the Silence (Quebrando o Silêncio em tradução livre), uma organização de antigos oficiais do Exército de Israel dedicada à divulgação das ações militares nos territórios palestinos ocupados. Mais de 30 ex-soldados revelaram como trataram crianças e jovens palestinos durante as operações militares e prisões de 2005 a 2011, revelando um padrão de abuso.

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Militares israelenses detêm jovem, por supostamente atirar pedras, durante manifestação em Ramallah em 21/02/12 

O documento está repleto de descrições de intimidações, humilhações, violência verbal e física e de prisões arbitrárias por parte dos militares israelenses em circunstâncias cotidianas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Os casos tratam de jovens e crianças que atiraram pedras ou outros objetos contra jipes militares, que participaram de protestos ou que simplesmente sorriram para um soldado, deixando-o irritado. Não faltam histórias também de palestinos presos e agredidos arbitrariamente: “O garoto não foi mal-educado e nem tinha feito nada para irritar. Ele era árabe”, se justifica um antigo sargento do Exército de Israel no relatório.
O argumento central da maioria das histórias é que, com as prisões e agressões, esses jovens aprenderiam que não podem jogar pedras contra os militares ou se manifestar de alguma forma entendida pelos israelenses como violenta. “Muitos dizem que os palestinos devem ser espancados, porque esta é a única forma que podem aprender”, conta um antigo militar não identificado.

Apesar de alguns ex-soldados repetirem essa justificativa, a maioria admite que as ações não tiveram resultados. Pedras continuaram a ser atiradas, pneus foram queimados e protestos realizados, mas as ações militares permaneceram as mesmas. “Muitas vezes me senti muito ambivalente, incerta do que estava fazendo e em que lado eu estava nisso tudo”, diz uma sargenta.
Arrependimento

A imagem de crianças espancadas, feridas por tiros de bala de borracha e de pólvora, humilhadas e apavoradas, marcou muitos dos militares envolvidos nas ações e hoje, eles decidiram relatar a indiferença adquirida dentro do Exército. “Ele cagou nas calças, eu escutei, presenciei a humilhação. Eu também senti o cheiro. Mas, eu não me importava”, lembra um ex-sargento sobre a detenção de uma criança.
“O que nós fazíamos não era nada em comparação com o que eles faziam”, conta um militar, em referência ao batalhão de patrulha das fronteiras. “Eles não davam a mínima. Saíam quebrando o joelho das pessoas como se não fosse nada. Sem piedade”, lembra, indignado.

"Você nunca sabe os seus nomes, você nunca fala com eles, eles sempre choram, cagam em suas próprias calças ... Há aqueles momentos incômodos, quando você está em uma missão de prisão, e não há espaço na delegacia de polícia, então você pega a criança de volta, coloca uma venda nela, joga ela em uma sala e espera a polícia para vir buscá-lo na parte da manhã. Ele fica ali como um cachorro", descreve um ex-militar.

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Detido em manifestação, jovem é espancado por soldados israelenses e aparece com feridas na cabeça em Ramallah em 15/05/12

O documento abrange também casos em que os próprios militares provocavam palestinos para poderem revidar. Eles estariam "entediados". O ex-primeiro sargento de um batalhão em Hebron revela que seu grupo jogava granadas dentro de mesquitas durante cerimônias e que um comandante impedia as pessoas de saírem da reza por horas até alguém jogar um coquetel molotov ou atirar pedras. Ele diz que usavam as crianças como escudos humanos e que apontavam armas em sua cabeça para os deixar apavorados. “Foi somente depois que comecei a pensar nessas coisas, nós perdemos todo o senso de compaixão”, conclui.
Ódio

Apesar de os soldados possuírem remorso e arrependimento, eles contam que muitos de seus companheiros e eles próprios odiavam os árabes e estavam convictos do que faziam. “Eles eram vermes e em algum ponto, eu lembro que eu os odiava [palestinos]. Eu era um racista. Estava tão zangado com eles pela sua sujeira, sua miséria, a porra toda”, afirma um sargento de Hebron.

O relatório revela que os militares tinham que seguir regras de procedimento em suas ações, mas que na experiência cotidiana isso não funcionava. Para prender um palestino, tinham que vendá-lo e algemá-lo; para conter uma manifestação ou impedir um palestino de fugir, deveriam atirar contra suas pernas a uma distância de 20 metros; para bater em um palestino com o cassetete, não podiam atingir a cabeça.

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Jovens palestinos atiram pedras contra militares israelenses em Ramallah (15/05/12); soldados responderam com tiros de bala de borracha
“Nos disseram para não usar o cassetete na cabeça das pessoas. Eu não lembro onde disseram que era para bater, mas assim que a pessoa está no chão e você está a espancando com um cassetete, é difícil de distinguir”, diz um ex-sargento de Ramallah, na Cisjordânia. Outro sargento lembra de um protesto: “O cara do meu lado atirou no chão para fazê-los correr e de repente, ele disse ‘Oops!’. Eu olho e vejo uma criança sangrando no chão. Quatro palestinos foram mortos naquela noite. Ninguém falou conosco sobre isso. Não houve nenhuma investigação”.

As declarações foram reunidas para mostrar a realidade do cotidiano dos soldados israelenses em relação ao povo palestino. “Lamentavelmente esta é a consequência moral de tantos anos de ocupação dos territórios palestinos”, explica Yehud Shaul da Breaking the Silence.

Para acessar o relatório, clique aqui.

domingo, 26 de agosto de 2012

Chomsky: Assange deveria ser condecorado


Quando, na quarta-feira, 15 de agosto deste ano, era iminente que Julian Assange obteria o asilo político que tinha solicitado ao governo do Equador, escrevi ao professor Noam Chomsky, um dos pensadores mais importantes da atualidade para que me respondesse umas perguntas sobre o asilo, a geopolítica que rodeia este caso e a liberdade de expressão.
Há vários meses, havia mantido uma breve correspondência com o professor Chomsky, que ainda não tinha podido materializar uma entrevista para GkillCity. Cruzamos um par de e-mails e, ainda que tenha me advertido que tinha uma fila de solicitações de entrevista que costuma programar para meses depois, iria fazer o possível para respondê-las.
No domingo, dia 19, recebi um e-mail às 10h08, com uma breve introdução de Chomsky, o linguista e filósofo norte-americano, que devolvia o questionário respondido. Segue uma tradução de suas respostas:
Professor Chomsky, sabemos que está sobrecarregado com pedidos de entrevistas, por isso, quero agradecer a você por esta oportunidade. Queremos conhecer a sua opinião sobre o mais recente caso diplomático que colocou Equador no centro da atenção internacional: o asilo político a Julian Assange.
 
O governo dos EUA emitiu uma declaração que diz que este é um problema dos britânicos, equatorianos e suecos. Você acha que é um argumento honesto? Os Estados Unidos realmente estão interessados no destino de Julian Assange?

A declaração não pode ser levado a sério, simplesmente. A sombra que paira sobre toda esta questão é a expectativa de que a Suécia envie de forma rápida Assange aos Estados Unidos, onde as chances de que receba um julgamento justo são praticamente zero. Isso é evidenciado pelo tratamento brutal e ilegal a Bradley Manning e a histeria generalizada do governo e dos meios de comunicação sobre Assange.
Além disso, para aqueles que acreditam que os cidadãos têm o direito de saber o que o seu governo planeja e faz, isto é, aqueles que têm um persistente afeto pela democracia, Assange não deveria enfrentar um processo judicial, mas, pelo contrário, ser condecorado com uma medalha de honra.
 
Em uma entrevista com Amy Goodman, do Democracy Now!, você disse que a maior razão para os segredos governamentais é proteger esses mesmos governos de seus povos. Pela primeira vez na história, o mundo está vendo a verdadeira cara da democracia?
 
Qualquer um que estude documentos antes secretos logo adverte que o sigilo governamental é um esforço para proteger os formuladores de políticas públicas do escrutínio popular, não para proteger o país dos inimigos. Não há dúvida de que o sigilo às vezes é justificado, mas é raro, e, no caso dos vazamentos feitos pelo WikiLeaks, eu não vi um único exemplo que o tivesse merecido.
No entanto, esta não é - de nenhuma maneira - a primeira vez que documentos vazados expuseram "a verdadeira face da diplomacia". Os Papéis do Pentágono são um caso famoso, mas a verdade é que este é um problema constante. Os registros expostos, inclusive documentos que oficialmente deixaram de ser secretos, são geralmente bastante impressionantes, embora seja muito raro que esta informação se torne conhecida do público em geral e, até mesmo, pela maioria da academia.
 
Sobre a questão específica do asilo concedido pelo Equador a Assange, afirmou-se que o governo equatoriano mostrou ambiguidade em relação à liberdade de imprensa: por um lado, mantém um contante confronto retórico (que tem sido levada ao tribunal, come os casos do Diario El Universo e dos jornalistas Juan Carlos Calderón e Christian Zurita, autores do livro O Grande Irmão) e, por outro lado, dá asilo a Assange. Você vê contradição nisso também? Ou você tem uma leitura diferente?
 
Pessoalmente, penso que só em circunstâncias extremas deve ser usado o poder do Estado para restringir a liberdade de imprensa, não importa o quão miserável e corrupto seja o comportamento da mídia. E, certamente, tem havido muitos abusos graves, por exemplo, houve um escândalo internacional há alguns anos, quando as leis britânicas sobre calúnias foram usadas ​​por uma grande empresa de mídia para destruir um pequeno jornal dissidente por publicar uma crítica a uma notícia publicada pela grande corporação. Isso não gerou praticamente nenhuma crítica.
 
O caso do Equador deve ser analisado individualmente, mas para além de todas as conclusões, não tem por que pesar na concessão de asilo a Assange, assim como a vergonhosa supressão da liberdade de expressão no caso britânico que mencionei não teria por que pesar, se a Inglaterra outorgasse asilo a alguém que tema ser perseguido. E ninguém diria o contrário em caso de qualquer estado poderoso ocidental.
 
Já que estamos falando de ambiguidades, há um duplo padrão na aplicação da lei pelos britânicos, já que no caso Pinochet a extradição solicitada por Baltazar Garzón foi rejeitada?
 
A norma governante é a subordinação aos interesses do poder. Raramente há um desvio.
 
Qual é, na sua opinião, o futuro imediato do caso Assange? A polícia britânica vai invadir a Embaixada do Equador? Assange pode deixar o Reino Unido e, depois disso, ficar de fora de qualquer risco, inclusive chegando ao Equador?

Praticamente não há nenhuma possibilidade de Assange poder sair do Reino Unido, ou da Embaixada do Equador. Eu duvido que a Inglaterra vá invadir a embaixada, o que seria uma violação do direito internacional radical, mas tampouco creio que essa opção deva ser descartada. Vale a pena lembrar, por exemplo, o assalto à Embaixada do Vaticano feito pelas forças dos EUA depois de invadir o Panamá, em 1989. As grandes potências consideram-se imunes ao direito internacional e as classes educadas geralmente protegem essa posição. Minha previsão é que os britânicos vão esperar até que Assange não tolere mais estar confinado em uma pequena sala na Embaixada (que de fato é um apartamento de tamanho modesto).
 
Em um aspecto mais amplo, e para terminar esta entrevista, Slavoj Zizek disse que não estamos destruindo o capitalismo, mas testemunhando como o sistema destrói a si mesmo. São os movimento Occupy, a crise financeira na Europa e nos Estados Unidos, o surgimento de América Latina e de outras regiões antes marginais e o caso Wikileaks sinais da derrubada do sistema capitalista?

Longe disso. A crise financeira na Europa poderia ser resolvida, mas está sendo usada como uma alavanca para minar o contrato social europeu; é basicamente um caso de luta de classes. Os registros da Reserva Federal dos Estados Unidos parecem melhor do que a do seu homólogo europeu, mas é ainda muito limitada, e há outras medidas que podem ser tomadas para aliviar a crise nos EUA, que é uma crise de desemprego, principalmente. Para a população em geral, o desemprego é a maior preocupação, mas as instituições financeiras, que têm uma posição dominante na economia e no sistema político, estão mais interessadas ​​em reduzir o déficit e que seus interesses prevaleçam.
Em geral, existe uma enorme lacuna entre o interesse público e as políticas públicas. Este é um só caso. A ascensão da América Latina é um fenômeno com significado histórico, mas está longe de remover o sistema de estado capitalista. E enquanto o Wikileaks e os movimentos Occupy são irritantes para os poderosos - e uma grande ajuda para o público -, não são uma ameaça para os poderes fácticos dominantes.
 
Muito obrigado, professor Chomsky, pelo seu tempo e sua respostas. Esperamos vê-lo em breve no Equador.

Eu tinha planejado uma visita há alguns anos, mas uma emergência me impediu de fazê-la. Espero concretizá-la mais cedo ou mais tarde.
Fonte: GkillCity

sábado, 25 de agosto de 2012

''Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos''


“As cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas”, declara a antropóloga Lúcia Helena Rangel





  
   "O índio nunca tem um lugar", afirma a antropóloga - Foto: Reprodução
“A cada ano voltamos a falar dos mesmos problemas”, diz a antropóloga Lúcia Helena Rangel, ao comentar os dados do Relatório de Violência 2011 contra as comunidades indígenas. Segundo ela, as situações de violência e descaso com os povos indígenas são recorrentes e se manifestam não só através dos conflitos territoriais, mas também em casos de racismo e na tentativa de suprimir os direitos das comunidades assegurados na Constituição Federal. “Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e a portaria 303 da AGU são exemplos disso. A cada dia aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos”, assinala em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
De acordo com a antropóloga, como as mudanças propostas contra os direitos indígenas sempre “esbarram no princípio constitucional”, surge um “movimento no âmbito do Legislativo para modificar o princípio constitucional”. Para ela, as elites brasileiras não querem reconhecer os direitos indígenas e criam indisposições entre a população e as comunidades, gerando um discurso racista, especialmente diante dos indígenas que vivem nas cidades. “O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente, mas quando analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões”, aponta. E dispara: “Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos. Então, o índio nunca tem um lugar”.
Lucia Helena Rangel é doutora em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP com a tese Os Jamamadi e as armadilhas do tempo histórico. É professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Também é assessora do Conselho Indigenista Missionário – Cimi (Regional Amazônia Ocidental) e do Cimi Nacional.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os dados mais alarmantes do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil? Comparando com os relatórios anteriores, o que destaca?
   
   
A antropóloga Lúcia Helena Rangel no lançamento do relatório de 2010
Foto: Renato Araújo/ABr

Lucia Helena Vitalli Rangel – É difícil mencionar o que é mais alarmante, porque algumas situações se repetem a cada ano, com variações. Assim, em determinados momentos, o desmatamento chama mais atenção, em outros, a saúde etc. No ano de 2011, registramos um quadro grave, que já tinha sido destacado em anos anteriores e que diz respeito à situação da saúde dos povos do Vale do Javari, no estado do Amazonas. O Vale do Javari é uma área muito grande, demarcada, e que abriga diversos povos, sendo que muitos deles possuem comunidades isoladas no meio do mato, com os marubos, corubos, os matis, os canamari. Entretanto, as populações que vivem na beira dos rios estão sofrendo de verdadeiras epidemias de malária, de hepatite e das doenças aéreas: gripes, tuberculose, pneumonia. Nessas comunidades, a mortalidade infantil é muito alta. As lideranças indígenas relatam que nos últimos dez anos houve 300 mortes. Não temos como saber, de fato, qual é o tamanho dessas populações, mas vamos supor que seja algo em torno de três a quatro mil pessoas. Nesse caso, 300 mortes em 10 anos é muito.
Outro caso grave, identificado através do relatório, é a situação do povo guarani kaiowá do Mato Grosso do Sul, onde há uma taxa de homicídios de cem mortos por cem mil pessoas. Essa taxa é maior do que a do Iraque, e quatro vezes maior do que a taxa nacional. O Conselho Indigenista Missionário – Cimi já denunciou os casos de genocídio, e essas denúncias já chegaram à ONU, a organismos internacionais, e várias delegações já foram ao Mato Grosso do Sul para constatar tal situação. Entretanto, não se toma nenhuma providência. Outro problema muito complicado é o desmatamento. Este ano destacamos violações ao patrimônio indígena, depredação, retirada ilegal de recursos naturais, incêndios criminosos etc.
Comparando os dados deste relatório com os relatórios anteriores, não temos como dizer se a situação dos indígenas melhorou ou piorou. Às vezes piora, às vezes melhora, mas isso não significa nenhuma tendência nem de melhorar, nem de piorar. A cada ano voltamos a falar dos mesmos problemas.

Qual a situação dos xavantes no Mato Grosso? Os conflitos também estão atrelados à disputa pela terra?

No caso dos xavantes, a situação mais complicada é a da terra indígena Marãiwatsèdè. Essa terra está foi invadida por fazendeiros e está em litígio há muitos anos. As comunidades não se conformaram com as ocupações indevidas e tentam reaver o seu território na integralidade. Além de terem acesso a pouca terra, eles são pressionados pelo desmatamento oriundo da pecuária, do agronegócio, da soja, das queimadas, do envenenamento de rios etc. Além disso, a mortalidade infantil entre os xavantes foi alarmante nos anos de 2009 e 2010.
Há uma relutância da Funai diante destes conflitos, porque o órgão cria projetos, faz levantamentos, identifica as terras que devem ser demarcadas, mas não conclui tais projetos, e mesmo quando há conclusão, quando os relatórios são publicados, não há continuidade nas ações. Tanto no Rio Grande do Sul como em Santa Catarina há estradas em que se veem placas indicando “Cuidado, indígenas na estrada”, como se eles fossem animais selvagens.

Quais são as etnias que mais sofrem por causa da violência e dos conflitos de terra?

No extremo sul da Bahia, o povo pataxó tem sofrido há décadas pressões e violências brutais, tais como assassinatos, emboscadas em estradas, tiroteios, incêndios de escolas, de casas, de roçados por parte de fazendeiros que não querem admitir que as terras dos pataxós e dos tupinambás, que vivem nessa região, sejam demarcadas. Eles afirmam que o governo do estado da Bahia concedeu as terras para eles e, portanto, têm mais direitos do que os índios. Entretanto, ninguém leva em conta que o próprio governo da Bahia foi o primeiro a violar os direitos indígenas ao conceder as terras a um fazendeiro qualquer, considerando que muitos deles nem eram daquela região.
Outras etnias vítimas da violência são os guarani e os kaingang, no Sul; os guarani kaiowá, no Mato Grosso do Sul, os guajajara e os awá-guajá, no Maranhão; os turucá, em Pernambuco e no Norte da Bahia. Outra situação interessante de apontar é o caso de Roraima, da terra indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem os povos uapixana, macuxi, e outros. Ali havia registros de violência brutal durante muitos anos. A luta foi longa, mas finalmente em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal – STF corroborou a homologação que já havia sido feita pelo então presidente da República, concedendo aos indígenas a terra, os relatos de violência, em 2011, praticamente sumiram dos relatórios. Isso prova que a situação dos indígenas melhora se as terras forem demarcadas.
Por mais que haja posições contrárias de alguns senadores e deputados, que dizem que os índios de Roraima vivem nas cidades no meio do lixão, devemos lembrar que essa situação é muito anterior à demarcação. O que nós comparamos não é a situação dos indígenas que vivem na cidade de Boa Vista, mas a situação de violência dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol.

A disputa pela terra é a principal razão pelos conflitos entre indígenas e não índios? Que outros problemas são gerados em decorrência da não demarcação das terras?

O pano de fundo é a questão da terra. Entretanto, não podemos reduzir tudo a essa questão. Mas inúmeros problemas vêm daí, porque quando uma terra não está reconhecida, os índios não têm acesso à assistência de saúde, não recebem programas de educação escolar, não recebem insumos agrícolas, projetos de alimentação etc. Então, trata-se de uma questão fundiária, de disputa pelas terras indígenas e de não reconhecimento dos direitos indígenas às suas terras. Os indígenas têm um modo de vida baseado na relação com a terra, com o território, com a natureza. E essa relação é a base da vida deles.
No Mato Grosso do Sul, cerca de dez reservas indígenas de guarani kaiowá foram demarcadas. A Funai levou todas essas comunidades para dentro dessas terras, e elas viraram um barril de pólvora por causa da superlotação. Há conflitos internos entre comunidades que não se entendem; há casos de alcoolismo, falta de perspectiva etc. Além disso, eles não conseguem trabalhar a terra porque não tem espaço para isso. Então há consequências graves por causa da falta de demarcação das terras.

Como vê o projeto desenvolvimentista brasileiro, que propõe a expansão do parque energético em áreas ocupadas por comunidades indígenas e tradicionais, como o caso do Xingu e do Tapajós? Como ficam os povos indígenas diante desses projetos?

Cada rio da bacia amazônica tem um tipo de potencial hidrelétrico, e são todos discutíveis, porque alguns rios têm um potencial maior, outros, menor. O quanto isso vai beneficiar a produção econômica, as cidades brasileiras, a população que vive nas cidades, também é uma coisa a ser discutida, porque os mais prejudicados com essas construções, com esses empreendimentos, são as populações ribeirinhas e as populações indígenas.
No rio Madeira, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio estão sendo feitas em uma região onde há comunidades indígenas isoladas, que ainda não fizeram um contato regular com os agentes do Estado brasileiro e a sociedade. O que vai acontecer com essa gente, nós não sabemos. Por onde eles vão escapar? Eles vão morrer ou não? Vão pegar epidemia ou não? Não há como saber.

Hidrelétricas

Em Altamira, onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, vive uma população indígena que já tem contato regular com a sociedade. Ocorre que essa população da região da Volta Grande já foi deslocada em momentos anteriores. Então, trata-se de uma população que tem essa memória, que sabe o quanto custa um empreendimento desses. Quando a Transamazônica foi construída, essa população não foi ouvida, os impactos não foram avaliados corretamente, e o próprio Ibama reconhece isso.
Diante de empreendimentos como Belo Monte, os empreendedores e os representantes do Estado dizem para a população de Altamira o seguinte: “Os indígenas não querem que vocês tenham acesso à energia”. Então cria um conflito que é insuportável.
No Tapajós, acontece a mesma coisa. O complexo hidrelétrico de Tapajós vai alagar terras indígenas. Prioritariamente, quase todas as hidrelétricas que foram construídas nesse plano de desenvolvimento afetaram os povos indígenas, a exemplo de Itaipu, Tucuruí entre outras.
Por causa da transposição do rio São Francisco, por exemplo, o povo Truká foi afetado pela transposição do rio, porque o canal dividiu a terra deles ao meio, e usou parte do território para instalar canteiros de obras. Os próprios indígenas denunciam e reclamam das consequências, como o aumento do alcoolismo, da prostituição, da falta de emprego e da diminuição das terras agriculturáveis. Nesse caso do rio São Francisco, transpõe-se o rio para irrigar terras, mas quem está na beira do canal perde área cultivável. Quer dizer, trata-se de um contrassenso da obra ou de uma falta de respeito pelos indígenas que viviam ali. Por que o canal tem que cortar a terra ao meio?

   
   
"o artigo 231 da Constituição reconhece o direito dos
indígenas às suas terras", afirma a antropóloga - Foto: Reprodução
Os índios têm clareza dessa situação, das implicações das obras? No caso de Belo Monte, por exemplo, algumas etnias estão divididas. Eles acabam sendo cooptados pelo Estado?

É sempre assim. Têm aqueles que, em troca de algum dinheiro ou algum benefício, trabalham para que a obra se realize. A consequência disso, depois da obra pronta, é um conflito interno muito grande, porque aqueles que se beneficiaram não dividem o benefício com toda a comunidade.
Um exemplo são os indígenas que vivem próximo ao rio Tocantins. O povo xerente foi afetado pela hidrelétrica do Lajeado, que teve a barragem construída no “pé” da terra deles. À época, algumas lideranças se apressaram e quiseram convencer todo mundo de que eles deveriam aceitar o dinheiro da mitigação do impacto – e a mitigação do impacto nessas obras acaba sendo sempre o dinheiro. Então, quando eles aceitam, recebem um valor monetário determinado, para implementarem projetos dentro da área. Mas com esse valor, criam uma associação, constroem uma sede na cidade, compram veículos (tanto ambulâncias como camionetes e caminhões), computadores, telefones. Posteriormente, tudo isso gera uma fase de insatisfação e reclamações. Aumentam os conflitos entre as comunidades que vivem dentro da mesma área, porque umas ganharam mais dinheiro, outras ganharam menos benefícios. Claro, não cabe à empresa que vai construir a hidrelétrica resolver esse problema, mas a atuação dos agentes do Estado podia levar em conta essas coisas, porque elas são conhecidas.
Agora, quando alguém oferece dinheiro para as comunidades, todo mundo fica enlouquecido pelo dinheiro. Então, esse é um problema muito sério e muito complicado. Quem sou eu, por exemplo, uma professora e antropóloga, para dizer a um indígena que, se ele aceitar esse dinheiro, posteriormente enfrentará muitos problemas? Trata-se de outro processo de conscientização, de análise, que demandaria um esforço diferente no tratamento dessas questões com os indígenas. A pressa em propor essas formas de mitigação é que faz com que alguns indígenas também se sintam atraídos e aceitem, de “mão beijada”, coisas que trarão consequências graves para a sua comunidade.

De acordo com os dados do Cimi, a homologação das terras indígenas diminuiu drasticamente de 145 registros no governo Fernando Henrique Cardoso para 79 no governo Lula e apenas três no governo Dilma. Quais as razões dessa redução? O que essa mudança na política governamental sinaliza?

Cada governo enfrenta um tipo de pressão. Da gestão Lula para cá, o governo tem cedido demais às pressões dos fazendeiros, das empreiteiras, daqueles interessados ou nos grandes projetos, nas grandes obras ou no agronegócio. O governo faz alianças políticas e depois tem que dar a contrapartida. Isso é evidente, no caso do Mato Grosso do Sul, porque há uma pressão muito forte do governo estadual, dos empresários do agronegócio. Até o judiciário, no Mato Grosso do Sul, é contra os indígenas, sendo que existem leis, que há uma Constituição Federal. Mas ninguém respeita.

E ainda são publicadas a portaria 303 da AGU, a PEC 215...

Exatamente. Estamos vendo ações cada vez mais fortes contra o direito às terras dos povos indígenas. A PEC 215 e a portaria 303 da AGU são exemplos disso. A cada dia aparece uma nova portaria ou um novo projeto de lei querendo modificar o artigo 231 da Constituição, ou modificar a aplicação dos direitos.
Outro exemplo foram as discussões em torno da mudança do Código Florestal, que acabou sendo aprovado na Câmara Federal através dos piores princípios. Por exemplo, em 2010 as discussões das mudanças do Código Florestal desencadearam um verdadeiro vandalismo. No Mato Grosso, as terras indígenas foram afetadas pelo desmatamento de uma forma violenta. Segundo a Polícia Federal, cem terras indígenas foram afetadas, além de 20 unidades de conservação.

Como compreender tais portarias diante do artigo 231 da Constituição Federal?

A Constituição Federal é uma “salva guarda”, ela resguarda os direitos cidadãos. Então, o artigo 231 da Constituição reconhece o direito dos indígenas às suas terras, a ocupação originária etc. Portanto, o reconhecimento do direito é constitucional, e é o princípio mais importante. Agora, a aplicabilidade do direito não depende somente da Constituição Federal; há de ter uma regulamentação. No caso dos povos indígenas, a regulamentação acontece através do Estatuto do Índio. Depois de 1988, quando a Constituição foi promulgada, deu-se início à discussão de elaborar um novo Estatuto do Índio, porque o Estatuto que vigora até hoje é de 1970.

Que aspectos do Estatuto do Índio deveriam ser atualizados?

Teria de fazer um novo estatuto, porque o vigente foi baseado em outros princípios, como o princípio da integração do índio à comunhão nacional, o princípio de que as terras indígenas devem ser protegidas ou administradas pela Funai e o princípio de que, em nome da segurança nacional, as terras indígenas podem ser violadas. Entretanto, o direito Constitucional de 1988 modifica esse princípio, como modifica também o princípio da tutela. Então, há de ter um novo estatuto, porque o atual foi elaborado durante a ditadura militar.
Há mais de 20 anos uma nova proposta de Estatuto do Índio tramita no Congresso Nacional e na Câmara Federal. O novo texto nunca foi votado, porque primeiro os deputados querem votar a Lei da Mineração, a mudança do Código Florestal, para tirar os direitos indígenas, e depois fazer o Estatuto do Índio. Mas como as mudanças sempre esbarram no princípio constitucional, há outro movimento no âmbito do Legislativo, para modificar o princípio constitucional. Não há meio das nossas elites reconhecerem os direitos indígenas e, assim, começam a inventar coisas. Por exemplo, no Mato Grosso do Sul inventaram que os índios queriam 600 milhões de hectares, área maior do que o estado do Mato Grosso do Sul. Mas eles não querem 600 milhões de hectares; querem o pedaço que lhes cabem. Essa distorção fomenta a discórdia, criam uma indisposição entre a população local e os indígenas. Ações como essa geram racismo, preconceito. Parece que não há nem um pouco de vergonha em manifestar isso contra os indígenas.
Além disso, outros dizem que alguns índios não são mais índios, porque têm cabelo crespo, moram na cidade, são “misturados”, quer dizer, eles têm menos direitos do que os outros. Num país mestiço como o nosso, onde todo mundo é misturado, os índios não podem ser misturados. Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos e não tem direitos. Então, o índio nunca tem um lugar.

De acordo com os dados do censo, existem 305 etnias indígenas no país. Como estão os estudos atuais sobre essas culturas? Há conhecimento desta diversidade?

Para os antropólogos, essa diversidade é uma realidade, e como tal é considerada. Entretanto, nem os antropólogos possuem este número, porque só o IBGE consegue fazer um censo nacional e ter esse alcance. O que os pesquisadores conseguem nas universidades, nos seus laboratórios de pesquisa, é sistematizar os dados. Foi importante o IBGE publicar essa informação de 305 etnias. Não sei exatamente como é a definição de etnia do IBGE, mas são muito provavelmente relativas à autodenominação da comunidade ao falar o nome do povo. Supunha-se que fossem 280 etnias, mas o IBGE fala que é 305. É um dado mais preciso e importante.

O que os dados do censo revelam sobre os indígenas brasileiros? Algum dado lhe surpreendeu?
No censo do ano 2000, havia um dado da população autodeclarada indígena. Desses, 52% viviam em cidades e 48% viviam nas terras indígenas, em aldeias. Então, no censo de 2010, inverteu o número. A população indígena que vive na cidade está em volta de 47% e 48% e a população que vive em aldeia está em torno de 52% e 53%. O dado demonstra que a população indígena que vive em cidades é muito grande, e o Estado, através da Funai, reluta em reconhecer essas comunidades como sendo comunidades indígenas, porque não quer lhes atribuir direitos. Então, aqueles índios que vivem na cidade não são considerados indígenas. Portanto, estão excluídos do artigo 231. O Estado não demarca as terras e não quer assumir a população que vive nas cidades. Quem vai para a cidade não vai de modo forçado, obviamente. Quando, porém, analisamos a situação das terras – no Sul, no Sudeste e no Nordeste –, observamos que a quantidade de terras demarcadas não suporta a população indígena dessas regiões. Então, a migração é um recurso para as comunidades.
Além disso, as cidades brasileiras sempre foram ambientes vetados aos indígenas. Quando iam para as cidades, eles eram presos, escorraçados, expulsos. Quando iam ao médico, iam e voltavam para casa escoltados pela Funai. A Constituição, bem ou mal, é democrática, e nesse sentido abriu direitos que não estavam previstos, como a ampliação do direito de ir e vir, que é um direito civil do cidadão. Então, a conquista do ambiente humano também é uma conquista para os indígenas, que eles não têm mais que ficar escondidos nos fundos das fazendas, trabalhando quase como escravos, visto que não possuem terra e não têm lugar para onde ir. Então, há uma série de movimentos dessa população que vão configurando também novos perfis. Nesse sentido, os dados do IBGE são muito importantes para pensarmos essas questões e para aprofundarmos em nossas pesquisas.