sábado, 24 de julho de 2010

Palavras de Mujica, presidente do Uruguai

Nesta vida, não se trata somente de produzir: também é preciso desfrutar.

Fonte: http://www.elfinancierocr.com/blog/coaching/?p=2651

Tradução: Renzo Bassanetti


Vocês sabem melhor do que ninguém que no conhecimento e na cultura não há só esforço, mas também prazer.
Dizem que as pessoas que correm pela Rambla (avenida à beira-mar em Montevidéu) chegam num ponto em que entram em uma espécie de êxtase, onde já não existe o cansaço e fica somente o prazer.
Creio que com o conhecimento e a cultura acontece a mesma coisa. Chega-se a um ponto onde estudar, ou pesquisar, ou aprender, já não são um esforço, mas sim um prazer.
Que bom seria se esses manjares estivessem à disposição de muitas pessoas!
Que bom seria se, na cesta de qualidade de vida que o Uruguai pode oferecer à sua gente houvesse uma boa quantidade de consumos intelectuais, não para ser elegante, mas sim para dar prazer.
Porque pode se desfrutar disso com a mesma intensidade com que se pode desfrutar um prato de talharim.
Não há uma lista obrigatória das coisas que nos fazem felizes!
Alguns podem pensar que o mundo ideal é um local repleto de shoppings centers. Nesse mundo, as pessoas são felizes porque todos podem sair cheios de sacolas de roupa nova e de caixas de eletrodomésticos.
Não tenho nada contra essa visão, digo somente que essa não é a única possível.
Digo que também podemos pensar em um país onde as pessoas escolhem arrumar as coisas em vez de jogá-las fora, escolher um carro pequeno em vez de um grande, escolher agasalhar-se em vez de aumentar a intensidade da calefação.
Desperdiçar não é o que fazem as sociedades mais maduras.
Vão para a Holanda e vejam as ruas repletas de bicicletas.
Lá vocês vão se dar conta de que o consumismo não é a escolha da verdadeira aristocracia da humanidade.
É a escolha dos noveleiros e dos frívolos.
Os holandeses andam de bicicleta, usam-na para trabalhar mas também para ir aos concertos ou aos parques.
Isso é por que chegaram a um nível em que sua felicidade quotidiana se alimenta tanto de consumos materiais como intelectuais.
Dessa forma, amigos, vão e contagiem o prazer pelo conhecimento.
Paralelamente, minha modesta contribuição será de tratar de que os uruguaios andem de bicicletada em bicicletada.
A EDUCAÇÃO É O CAMINHO
E, amigos, a ponte entre este hoje e este amanhã que queremos tem um nome e chama-se EDUCAÇÃO (com maiúsculas). E olhem que essa é uma ponte comprida e difícil de atravessar, porque uma coisa é a retórica da educação e outra coisa é que nos decidamos a fazer os sacrifícios que implicam em lançar um grande esforço educativo ou sustentá-lo através do tempo.
Os investimentos em educação são de lento rendimento, não atraem a nenhum governo, mobilizam resistências e obrigam postergar outras demandas, mas é necessário fazê-los.
Devemos isso a nossos filhos e nossos netos.
E é preciso fazê-lo agora, quando ainda está fresco o milagre tecnológico da Internet e abrem-se oportunidades nunca vistas de acesso ao conhecimento.
Eu me criei com o rádio, vi nascer a televisão, depois a televisão colorida, depois as transmissões via satélite.
Depois, resultou que na minha televisão apareciam quarenta canais, incluindo os que transmitiam diretamente desde os Estados Unidos, Espanha e Itália.
Depois, vieram os celulares e depois o computador, que no início só servia para processar números.
Em cada uma dessas vezes, fiquei com a boca aberta.
Mas agora, com a Internet, esgotou-se a capacidade da minha surpresa.
Sinto-me como aqueles humanos que viram a roda pela primeira vez.
Ou como os que viram o fogo pela primeira vez.
Estão se abrindo as portas de todas as bibliotecas e de todos os museus; vão estar à disposição todas as revistas científicas e todos os livros do mundo.
Provavelmente também todas os filmes e todas as músicas do mundo.
É estarrecedor.
Por isso, necessitamos que todos os uruguaios e, sobretudo, os uruguaiozinhos, saibam nadar nessa corrente.
É preciso entrar nessa corrente e navegar nela como um peixe na água.
Conseguiremos isso se está sólida a matriz intelectual da qual falamos antes.
Se nossas crianças sabem raciocinar nesse sentido e sabem fazer-se as perguntas que valem a pena.
É como uma rodovia de duas pistas, lá em cima o mundo do oceano da informação, aqui em baixo preparando-nos para a navegação transatlântica.
Escolas de turno integral, faculdades no interior, ensino superior massificado. E, provavelmente, inglês desde o pré-escolar no ensino público, porque o inglês não é o idioma que falam os ianques, é o idioma com o qual os chineses se entendem com o mundo. Não podemos ficar de fora.
Essas são as ferramentas que nos habilitam a interagir com a explosão universal do conhecimento. Esse mundo novo não nos simplifica a vida, mas a complica. Nos obriga a ir mais longe e mais fundo na educação.
Não há tarefa maior diante de nós.

Boicote Acadêmico contra Israel? Umberto Eco não entendeu nada

por PACBI

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Este artigo de opinião tem uma história por trás. Quando o duro artigo de opinião de Umberto Eco contra o boicote cultural a Israel apareceu no jornal italiano L'espresso , a PACBI (The Palestinian Campaign for the Academic and Cultural Boycott of Israel, A Campanha Palestina para o Boicote Acadêmico e Cultural a Israel) decidiu que seria necessário refutá-lo. Dois membros da PACBI contataram o jornal através de um colega italiano para pedir que fosse publicada uma refutação no jornal. Depois de muita negociação e muitos emails trocados com um dos editores, a refutação foi reduzida a um mínimo, e o jornal concordou em publicá-la em 2 de julho de 2010 na sua secção de cartas . Todavia, ficou aparente que a versão publicada fora ainda mais reduzida, e que as identidades dos autores não haviam sido incluídas. Isto é na realidade um triste comentário sobre o estado da liberdade de imprensa na Itália, onde se permite que figuras influentes defendam livremente Israel e seus atos criminosos enquanto àqueles que se opõem não é concedido espaço para expressar sua oposição a essas opiniões.
Em 14 de maio de 2010, nas páginas do L'espresso [1] , Umberto Eco atacou os crescentes esforços na Itália em apoio à Palestinian Campaign for the Academic and Cultural Boycott of Israel (PACBI), argumentando que "qualquer posição política, qualquer polêmica contra um governo, não deveria envolver todo um povo e uma cultura inteira”. Nós concordamos, Mas quão relevante é isto para o debate sobre os méritos de um boicote acadêmico contra Israel? Nossa campanha tem consistentemente mirado Israel e suas instituições cúmplices, e não indivíduos.

Uma das mais importante lições aprendidas a partir da luta global contra o apartheid na África do Sul é que recusar tratar nos termos habituais com instituições que são cúmplices em violações graves e persistentes dos direitos humanos não é somente justificado; é um dever ético para intelectuais conscientes em todo o mundo. Ao se tornarem coniventes com políticas contrárias à lei internacional e que infringem direitos fundamentais, as instituições tornam-se responsáveis e portanto imputáveis. Todas as instituições acadêmicas de Israel, sem exceção, estão nesta categoria, tornando imperativo o apelo ao seu boicote a fim de para apoiar os direitos palestinos e por fim à ocupação de Israel e ao sistema de discriminação racial que se enquadra na definição de apartheid da Convenção para a Supressão e Punição do Crime de Apartheid da ONU.

Numa época em que Israel está desconsiderando a lei internacional com completa impunidade, atacando embarcações civis que transportam ajuda humanitária para 1,5 milhões de palestinos que sofrem sob anos de um sítio ilegal israelense, matando e ferindo grande número de trabalhadores voluntários desarmados e outros ativistas, o silêncio acadêmico israelense é mais ruidoso que nunca. Mas isso era previsível. Nunca na sua história as instituições acadêmicas, associações profissionais ou organizações de acadêmicos de Israel condenaram a ocupação. Nunca vocalizaram qualquer oposição aos repetidos encerramentos militares de universidades palestinas, muitas vezes por quatro anos consecutivos, para não falar da negação de direitos sancionados pela ONU aos refugiados palestinos. Quando estudantes palestinos foram detidos durante a primeira intifada (1987-92) por portar livros técnicos ou professores presos por dar aulas "clandestinas", a academia israelense permaneceu vergonhosamente silenciosa, e os acadêmicos israelenses na maior parte continuaram a propagar a imagem enganosa de Israel como uma "democracia" esclarecida.

Israel, de fato, impôs um cerco estrito a instituições palestinas de educação superior durante as últimas três décadas. Que estas instituições tenham sobrevivido e estejam florescendo é um testemunho de sua determinação e perseverança em resistir a seu modo a um opressivo regime militar determinado a silenciar a voz da academia palestina. Em Gaza, Israel impõe um boicote acadêmico geral, entre outras formas de cerco, ao evitar a quase todos os estudantes entrarem ou sairem da Faixa. A última manifestação do cerco a universidades palestinas – boicote, na verdade – foi o ato arrogante e desdenhoso de Israel ao negar entrada ao renomado intelectual Noam Chomsky para falar na Birzeit University.

Compreendendo a arraigada conivência da academia israelense com as estruturas de opressão naquele país, o eminente historiador israelense Ilan Pappe declarou já em 2005 que "o boicote atingiu a academia porque a academia em Israel optou por ser oficial" [2] Citando a pesquisa de outro acadêmico israelense que mostrou que "de 9000 membros da academia em Israel, somente 30 a 40 estão ativamente engajados na leitura de críticas significativas, e um número menor, apenas três ou quatro, estão ensinando aos seus alunos de maneira crítica sobre o sionismo e assim por diante". Pappe conclui que "a academia escolheu ser a propaganda oficial de Israel. ... A academia é o mais importante embaixador de Israel na alegação de que somos a única democracia no Oriente Médio".

Durante a guerra de agressão de Israel a Gaza em 2008-2009, quando mais de 1400 pessoas, predominantemente civis, foram mortos, milhares de lares foram destruídos junto com dezenas de escolas e abrigos da ONU, hospitais e clínicas foram alvejados e a maior universidade palestina foi bombardeada por F-16's, a academia israelense não foi somente um "observador neutro". Várias universidades contribuíram ativamente para os crimes de guerra cometidos contra palestinos.

Por exemplo, a Universidade de Tel Aviv colaborou diretamente no desenvolvimento de armas e doutrinas militares que foram usadas na agressão maciça de Israel a Gaza, uma guerra que foi condenada pelo Relatório Goldstone e pela Assembléia Geral das Nações Unidas como constituindo crimes de guerra e possivelmente crimes contra a humanidade. [3]

Outras universidades em Israel não fizeram melhor. Um estudo [4] encomendado pelo Israeli Alternative Information Center (AIC – Centro de Informação Alternativa Israelense) documenta inúmeras facetas da cumplicidade acadêmica em Israel. O Ariel College foi construído em território ocupado palestino, tornando-o uma colônia "acadêmica" ilegal. Da mesma forma um dos dois campi da Universidade Hebraica, construído na Jerusalém Leste ocupada, em violação direta à Quarta Convenção de Genebra. O Technion desempenha um papel chave no desenvolvimento de sistemas de armamento usados contra civis palestinos. De fato, a cumplicidade institucional com as instituições militares e de segurança israelenses são a norma em toda a academia, que se orgulha abertamente desta parceria.

Mesmo a defesa das mais básicas exigências de liberdade acadêmica para palestinos sofre a oposição da esmagadora maioria dos acadêmicos israelenses. Ao expressar "grande preocupação com respeito à deterioração em curso do sistema de educação superior na Cisjordânia e na Faixa de Gaza", quatro acadêmicos judeus-israelenses em 2008 redigiram uma petição [5] pedindo ao seu governo que "permitisse a estudantes e professores livre acesso a todos os campi nos territórios...". Tendo sido a petição enviada para todos os 9.000 principais acadêmicos israelenses, somente 407 a assinaram – pouco mais de 4%.

Apesar da cumplicidade generalizada, a PACBI tem sistematicamente feito distinção clara entre visar instituições e visar acadêmicos individualmente; rejeitamos a segunda opção, focando todas as nossas energias num boicote institucional. Isso decorre da nossa oposição, de princípio, a testes políticos ou "listas negras".

Inspirados pela luta da África do Sul pela liberdade, a PACBI e o crescente número de campanhas de boicote acadêmico ao redor do mundo acreditam que a academia israelense não deveria ser automaticamente isentada do boicote, especialmente quando seu papel em disfarçar e perpetuar crimes de Guerra está fora de dúvida.

[1] espresso.repubblica.it/dettaglio/boicottiamo-i-latinisti-israeliani/2127031
[2] Meron Rapoport, "Alone on the Barricades" (entrevista com Ilan Pappe), Haaretz. 6 May 2005
[3] www.electronicintifada.net/downloads/pdf/090708-soas-palestine-society.pdf
[4] alternativenews.org/images/stories/downloads/Economy_of_the_occupation_23-24.pdf
[5] www.pacbi.org/etemplate.php?id=792&key=407


O original encontra-se em www.odsg.org/... . Tradução de RMP.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .