terça-feira, 4 de maio de 2010

Exploração dos trabalhadores nos grandes magazines.....


Ligadas a grandes redes, oficinas tratam imigrantes como escravos

No merchandising na novela das oito ou numa propaganda no horário nobre, atores consagrados cumprem o script ignorando a cadeia de produção dos grandes magazines. No mesmo horário, diversos trabalhadores – em geral latino-americanos – terminam sua jornada, iniciada muitas vezes há 12 horas, para dar conta das demandas dos mesmos anunciantes. A cada peça costurada, chegam a ganhar míseros R$0,10 e precisam ignorar seus próprios limites por um salário que supra minimamente as suas necessidades.


Por Priscila Lobregatte no Portal Vermelho
A rotina desses milhares de trabalhadores estrangeiros que buscam uma nova vida no Brasil não tem nada de sombra e água fresca. Passando por graves problemas financeiros ou refugiando-se de guerras civis, eles chegam com poucos recursos e topam qualquer trabalho. Os que estão em situação mais delicada, procuram albergues ou instituições de assistência até conseguirem recursos para se manter. O caldo criado pela miséria, o desconhecimento, o medo e mesmo a promessa de tempos melhores faz de muitos deles reféns de um sistema espúrio de exploração.

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Quase escravos

As ruas do Bom Retiro, espécie de paraíso das sacoleiras, é a Meca de quem quer comprar roupas por preços abaixo da média. Mas, o custo dessa pechincha é alto para os trabalhadores que fornecem essas mercadorias tanto para as lojas do bairro da capital paulista quanto para grandes redes de vestuário.

 
MTE flagra trabalhadora em oficina do Bom Retiro  
Em pequenas oficinas, que por vezes também servem de moradia, amontoam-se vários homens, mulheres e mesmo crianças que trabalham e vivem num ambiente insalubre e desumano. Fiscais do Ministério do Trabalho estimam que existam entre oito mil e 10 mil oficinas na Grande São Paulo que empregam cerca de 80 mil a 100 mil sul-americanos. Dos 50 mil estrangeiros anistiados em 2009, cerca de 32% (16 mil) são bolivianos que vivem em São Paulo. E uma fatia considerável deles se espalha por essas fabriquetas que prestam serviços terceirizados a grandes lojas, como a Marisa.


A rede, autuada em março, foi a primeira em que os fiscais comprovaram casos análogos à escravidão em ambiente urbano. Por isso, foi multada em R$ 634 mil e os fiscais recomendaram sua inclusão na “lista suja”, que divulga os nomes de ruralistas e empresas que exploram esse tipo de trabalho.

“Há indícios de outras situações idênticas à constatada na Marisa nas redes C&A, Renner e Riachuelo”, disse ao jornal Folha de S.Paulo (18/03/2010) Renato Bignami, chefe da Seção de Fiscalização do Trabalho Substituto do Ministério do Trabalho e Emprego. Ações como essa fazem parte do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, incluído no Plano Nacional de Direitos Humanos.

Além das ações nacionais, Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração do MTE, diz que a superintendência do ministério em São Paulo lançou projetos próprios como o Pacto pelo Trabalho Decente de Imigrantes. “Para isso, foi criada uma rede de entidades que assumiram responsabilidades na erradicação do trabalho escravo de imigrantes. As grandes cadeias de comércio do setor de vestiário foram convidadas a participar, já que de fato estas grandes redes devem monitorar suas cadeias produtivas de forma a não permitir a ocorrência de graves problemas como o uso de trabalhadores imigrantes em condições degradantes entre seus fornecedores”, declarou ao Vermelho.

Apesar do ineditismo do caso, a realidade da exploração dessa mão de obra não é novidade. “Temos denunciado essa situação desde 1990”, explicou ao Vermelho a presidente do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, Eunice Cabral. E, para se ter uma ideia de como a exploração e a informalidade aumentaram, ela completa: “naquele ano, éramos em nossa base, 180 mil trabalhadores no mercado formal. Hoje somos 80 mil. E no mesmo período, a produtividade do setor cresceu assustadoramente, da mesma forma como diminuiu o número de pessoas empregadas formalmente. Para piorar, vale lembrar que nosso setor não usa tecnologia de ponta em sua totalidade; 50% são maquinários mais modernos, mas a outra metade é formada por máquinas obsoletas”.

 
  Eunice: Não queremos um trabalhador mendigo (por Sindicato das Costureiras)
O sindicato vem trabalhando junto a órgãos de fiscalização – como o MTE, o Ministério Público a Polícia Federal, entre outros – a fim de coibir essa prática. “É muito comum haver casos como o da Marisa, que alegou não ter conhecimento de tal situação pelo fato de o trabalho ser terceirizado várias vezes na cadeia produtiva. Mas, como não sabia? Os documentos levantados pelo Ministério mostram isso claramente. Outra coisa: a empresa nunca desconfiou de uma peça ser feita por um valor tão baixo?”, questiona.


“Em geral, o trabalhador recebe R$ 0,10 por peça, valor que pode chegar ao máximo de R$ 0,40 e pode ser vendida, por exemplo, a R$ 40,00 na loja, ou seja, um lucro altíssimo. Além da questão humana, existe também o problema da concorrência desleal que prejudica as empresas que procuram agir corretamente. É um dumping social e econômico e é contra isso que temos lutado”, esclarece Eunice.

Para os trabalhadores formais, o piso da categoria varia entre R$ 766,12 e R$ 850,65, dependendo da função exercida. Se quiser ganhar o menor salário tendo como referência o valor mais baixo (e comumente adotado) por peça (R$ 0,10), o trabalhador informal terá de produzir mais de 7.600 roupas. A fim de alcançar um valor como esse para sua sobrevivência, eles chegam a trabalhar 16 horas por dia, especialmente em épocas de maior demanda, como Natal ou Dia das Mães.

No estilo dos piores coronéis do interior do país, muitos desses patrões retêm os passaportes para garantir a manutenção dos empregados. Não bastasse toda essa situação degradante, há ainda os problemas de saúde, como a bissinose, uma reação fibrosa crônica dos pulmões à inalação de poeira de algodão que os tecidos soltam durante a fabricação das roupas. A doença, comum a quem trabalha no ramo sem proteção, pode ser confundida com a tuberculose e a falta de tratamento rápido e adequado pode levar à morte. “Além da questão respiratória, nossos trabalhadores podem sofrer de tendinite, varizes e há até mesmo casos de câncer vaginal. As mulheres pegam restos de tecidos e fazem almofadinhas para melhorar o conforto na cadeira, o que por vezes acaba levando à doença. Tudo isso advém das péssimas condições de trabalho”, alerta Eunice.

O meio em que se dá a exploração da mão de obra estrangeira é também ameaçador. Na feira da Kantuta, realizada pela comunidade boliviana no bairro do Pari, em São Paulo, carros de luxo têm em seus vidros e capô placas onde se lê, em espanhol e português, “admitem-se costureiros”. Tentar falar com eles é quase impossível. Ninguém quer assumir fazer parte desse submundo.

Entre os trabalhadores, a situação é ainda mais delicada. Mariela, nome fictício de uma boliviana de 24 anos, embora seja um desses trabalhadores, prefere não falar. “Ganho menos do que o piso, mas meu patrão é bom. Não tenho problema”, hesita. “Mas, minha prima trabalhava demais e ganhava muito pouco”, contorna, tentando fugir do assunto. Porém, reconhece: “emagreci muito desde que estou nisso porque trabalho bastante e acabo comendo pouco”.

Eunice vai além: “já recebi ameaças anônimas por telefone”, mas “não me preocupo porque quando topei estar à frente do sindicato, sabia que minha vida não seria normal. Ainda assim, enquanto eu cumprir esta função – e este é o pensamento de nossa diretoria – vou trabalhar para mudar essa situação. Não queremos um trabalhador mendigo, nem que os estrangeiros deixem o país, mas que tenham uma vida e um trabalho dignos e seus direitos assegurados”.

As garras do império se voltam para o Brasil...

O império retoma o ataque
Escrito por Wladimir Pomar - no Correio da Cidadania
 
Segundo notícias recentes, porta-vozes do sistema financeiro internacional estão alertando seus acionistas de que o mercado de ações brasileiro estaria formando uma bolha, a economia do Brasil estaria aquecida e o real supervalorizado. Em outras palavras, parece estar findando a lua de mel entre o sistema financeiro internacional e a política de crescimento do governo brasileiro, embora tal sistema tenha sido um dos que mais lucraram nos últimos anos.
 
O desconfiômetro deve nos conduzir a uma análise mais cuidadosa do assunto, de modo a descobrir se há razões reais para o alerta, ou se se trata de jogada política, tendo em vista possíveis mudanças na política monetária brasileira. O Banco Central se apressou a tranqüilizar o sistema financeiro internacional, afirmando que o Brasil pode adotar medidas que impeçam um crescimento superior a 2% ao ano, desde que retire os incentivos fiscais e aumente a taxa Selic, a taxa básica de juros.
 
Ou seja, o Banco Central, numa penada, mudou toda a perspectiva de crescimento do país. Por um lado, avisou ao governo que a política monetária deve manter tranqüilos os acionistas dos bancos internacionais. Por outro, informou aos empresários que não devem investir na ampliação de sua capacidade produtiva. Primeiro, porque isso pode causar fricções com o sistema financeiro internacional. E depois porque vale mais a pena aplicar no jogo de ações da bolsa de valores, que lhe garante um rentismo certo.
 
Estranhamente, essa encenação entre o sistema financeiro internacional e o Banco Central brasileiro ocorre no momento em que o PT acena para a possibilidade, com a continuidade do governo democrático e popular, de adotar medidas para reduzir de forma mais consistente os juros e a especulação financeira, estimular os investimentos produtivos para aumentar a oferta e continuar estimulando a demanda através do crédito.
 
Em outras palavras, o sistema financeiro e o Banco Central comunicaram à candidatura Serra que podem dizer publicamente que os planos de crescimento da candidatura Dilma não passam de euforia sem base na realidade. Algo, aliás, que já vem fazendo parte da campanha da oposição e da grande imprensa a respeito da implementação do PAC. Portanto, as notícias parecem ter mais motivação política do que econômica e financeira.
 
É evidente que a redução do ritmo de crescimento e a elevação das taxas de juros podem ter um efeito perverso sobre o emprego, a renda dos trabalhadores, o endividamento das famílias, o mercado interno. Ou seja, tudo que já se conhece da política levada a cabo, por vários anos, pelos governos Collor e FHC. A posição a adotar, num caso como esse, seria pressionar o governo para manter firmeza em sua política de crescimento, rebaixamento dos juros e enquadramento do sistema financeiro em seu papel de financiador da produção.
 
Apesar disso, intelectuais às voltas com a crise de ideais preferem atacar a política de crédito do governo, concordando com o sistema financeiro internacional quanto à possibilidade de uma bolha na venda a longo prazo. Além de a admitirem, para demonstrá-la utilizam o famoso método do absurdo, argumentando que ela pode estourar, se o emprego e a renda dos endividados não crescerem e se os investimentos produtivos voltados para o mercado interno não ocorrerem. Em outras palavras, se o pára-quedas não abrir, o saltador se esborrachará; se o freio não funcionar, o caminhão baterá; se o trilho abrir, o trem descarrilará. O absurdo pode ir ao infinito.
 
A política de crédito tem por base justamente as políticas de investimentos produtivos, rebaixamento dos juros, crescimento do produto interno, crescimento dos empregos, ampliação da renda e do mercado interno, configurando um novo projeto nacional que combine o desenvolvimento das forças produtivas, com distribuição de renda e ampliação dos direitos democráticos. Nesse processo, a disputa entre os interesses populares e os interesses capitalistas se manterá em tensão permanente, sendo difícil prever por quanto tempo tais interesses poderão ser harmonizados num projeto comum.
 
De qualquer modo, a intelectualidade tem um papel fundamental na análise do desenvolvimento desse processo, colocando-se firmemente ao lado dos interesses populares e buscando as táticas que os ajudem a evitar as armadilhas que o capital financeiro, em especial, vai antepor para tentar romper o projeto comum. Se algum dia o projeto se romper, a única forma de conservar a razão e ganhar a maioria do povo será fazer com que a responsabilidade por tal rompimento seja clara e totalmente dos interesses capitalistas.
 
Para tanto, a intelectualidade de esquerda necessita voltar a enxergar sua existência como uma expressão da divisão social, da divisão de sociedade em classes. Procurar se referenciar à classe ou às classes que representa, consciente ou inconscientemente. Ela não pode intervir nos rumos da História sem compreender e representar interesses e necessidades históricas de classe, sem aderir a tais interesses, nem ligar-se organicamente a eles.
 
Pela ausência de uma análise de classe mais acurada da sociedade brasileira, e pela ação da síndrome do manual, há entre nós uma miríade de intelectuais que não conseguem enxergar a realidade como ela é, nem os desvios que ela impõe à política para alcançar os objetivos estratégicos. Com isso, como vimos, podem negar-se a si próprios e a seus interesses de classe, e argumentar como os liberais e os neoliberais. O que pode ser dramático, nos momentos em que o império contra-ataca.
 
Wladimir Pomar é escritor e analista político.