Como não se cansaram de repetir o
economista James Galbraith e o economista e penalista William Black, não
podemos resolver a crise econômica, a menos que ponhamos na cadeia os
delinquentes que cometeram atos fraudulentos. E o ganhador do prêmio
Nobel de Economia, George Akerlof demonstrou que a negligência em
castigar os delinquentes de colarinho branco e, a fortiori, resgatá-los,
cria incentivos para que se cometam mais delitos econômicos e para que
se proceda a uma destruição futura da economia. Outro Nobel de Economia,
Joseph Stiglitz, acaba de dizer a mesma coisa.
Joseph Stiglitz - SinPermiso via Carta Maior
No dia 20 de novembro, Stiglitz declarou o que se segue ao Yahoo’s Daily Finance:
É um assunto realmente importante e nossa sociedade deve compreender cabalmente. Supõe-se que o sistema jurídico é a codificação de nossas normas e de nossas crenças, do que temos de fazer para que nosso sistema funcione. Se se percebe o caráter explorador em nosso sistema jurídico, então a confiança em todo o sistema começa a erodir. E esse é na verdade o problema que temos agora.
Uma multidão de práticas predatórias estão em vias de continuar como se nada tivesse ocorrido no sistema de crédito para a compra de automóveis. Por que está tudo bem para os maus empréstimos no setor automobilístico e não no mercado hipotecário? Há alguma razão de princípio? Todos sabemos a resposta: não. Não há razões de princípio, há razões de dinheiro. São as contribuições para as campanhas eleitorais, a troca de favores, as portas giratórias entre a política e os negócios, todas essas coisas.
O sistema está neste momento desenhado para estimular esse tipo de prática, apesar das multas [a referência é o ex-executivo da Countrywide, Angelo Mozillo, que acaba de pagar 10 milhões de dólares de multa, uma ínfima parte do que ganhou fradulentamente, porque ganhou centenas de milhões de dólares].
Conheço muita gente que diz: é um escândalo que tenhamos tido mais supervisão, controle e prestação de contas nos anos 80, quando se deu a crise de crédito e o arrocho, do que agora. Sim, aplicamos multas neles. E qual é a grande lição que se tira disso? Comporta-te mal, e o governo ficará com 5% ou 10% dos lucros mal havidos, que estarás muito tranquilo em casa, com várias centenas de milhões de dólares que ainda restarão para ti, depois de pagares umas multas que parecem enormes, mas que na verdade são muito pequenas em relação à quantidade de dinheiro que conseguiste embolsar.
O sistema está configurado de tal modo, que mesmo que te peguem, o castigo é apenas uma ínfima parte do que levas para a tua casa. A multa é apenas um custo a mais do negócio. É como uma multa de estacionamento. Às vezes decides estacionar mal sabendo que levarás uma multa, porque começar a dar voltas ao redor do estacionamento leva muito tempo.
Eu acredito que deveríamos fazer o que fizemos nos anos 80, com a crise de crédito e o com o arrocho, e pôr na cadeia um bom número destes tipos. Acredito nisso absolutamente. Não são apenas delitos de colarinho branco, ou pequenos incidentes. Há vítimas reais. É disso que se trata. Houve vítimas no mundo inteiro.
Ou acreditamos que esses tipos que nos meteram no atual estado de coisas mudaram realmente de atitude? Muito pelo contrário. Escutei alguns discursos que diziam: “Na verdade, não fez nada de realmente errado. Não fizemos as coisas muito bem. Mas nossa compreensão desses assuntos é bastante razoável”. Se pensam de verdade isso, estamos numa confusão realmente tremenda.
[A dissuasão do delito] tem aspectos distintos. Os economistas se concentram inteiramente na ideia dos incentivos. Às vezes as pessoas têm incentivos para se comportarem mal, porque podem ganhar mais dinheiro se dão calote ou se metem em atividades fraudulentas. Se queremos que nosso sistema econômico funcione, temos de nos assegurar de que nosso sistema econômico funcione, temos de nos assegurar de que o ganho com a fraude seja anulado pelo sistema de castigos e multas.
Por isso, no caso de nossa legislação anti-oligopólica, amiúde não detemos as pessoas quando elas se comportam mal, mas quando o fazem e podemos dizer que há danos constatáveis. Então, pagam três vezes o dano que causaram. É uma forma muito radical de dissuasão.
Desgraçadamente, o que estamos fazendo agora no caso desses delitos financeiros recentes são muitas frações – frações! – do dano direto causado, e uma fração ainda menor do dano social total. Quer dizer, o setor financeiro levou verdadeiramente o a economia global à bancarrota, e se levarmos em conta todos os danos colaterais, estamos falando já realmente de bilhões de dólares.
Mas se pode falar num sentido ainda mais amplo de dano colateral, ao qual não se tem prestado atenção. É a confiança em nosso sistema jurídico, no império da lei e do Estado de Direito, em nosso sistema de justiça. Quando se faz o Juramento de Lealdade [constitucional nos EUA], diz-se “justiça para todos”. Pois bem: as pessoas não têm segurança de que tenhamos justiça para todos. Alguns são detidos por algum delito menor de droga, e dão com os ossos no cárcere por muito tempo; mas quando se trata dos chamados delitos do colarinho branco, que não deixam de ter vítimas, quase nenhum dos sujeitos que os perpetram acaba atrás das grades.
***
Permita-me um outro exemplo que ilustra até que ponto nosso sistema jurídico descarrilhou, contribuindo para a crise financeira.
Em 2005 aprovamos uma reforma do processo de falência. Foi uma reforma defendida pelos bancos. Foi concebida para permitir legalmente o empréstimo – o mal empréstimo – a pessoas que não entendiam do assunto e basicamente destinada a estrangulá-las. A espoliá-las. E poderíamos tê-la chamado com justiça de “a nova lei de servidão permanente”. Porque é o que era, na realidade.
Permita-me que conte brevemente o quanto má era essa reforma. Não acredito que os estadunidenses entendam até que ponto era tão má. Ela realmente torna muito difícil que as pessoas consigam liberarem-se da dívida. O princípio básico nos EUA do passado era as pessoas terem o direito de começar bem a vida. As pessoas cometem erros. Especialmente quando são presas de espólio. E então têm direito a voltar a começar bem. Apaga-se a conta e se começa uma nova. Paga o que pode e volta a começar. Agora, se o fazes mais de uma vez, então é outra coisa. Mas ao menos, enquanto andam soltos esses emprestadores predadores, deverias conservar o direito de voltar a começar sem encargos.
No entanto, os bancos dizem: “Não, não e não; não podes liberar-te de tua dívida”, ou não podes livrar-te dela tão facilmente.
***
Essa é a servidão permanente. E criticamos os outros países por permitirem esse tipo de servidão duradoura, o trabalho escravo. Mas nos EUA instituímos isso em 2005, sem sequer promover um debate público sobre as consequências. O que essa lei fez foi animar os bancos a realizarem empréstimos ainda piores.
***
Os bancos pretendem que acreditemos que não fizeram empréstimos ruins. Negam-se a aceitar a realidade. É um fato que alteraram os critérios contábeis, de modo que os empréstimos prejudicados pela incapacidade dos devedores de pagarem o que devem se contabiliza da mesma maneira que as hipotecas que são pagas em bom prazo e sem mora.
De modo que toda a estratégia dos bancos consistiu em esconder as perdas, seguir enganando e em conseguir fazer com que o governo mantenha os taxas de juros realmente baixas.
***
Resultado: se toleramos essa estratégia, terá de se passar muito tempo antes que a economia se recupere.
Tradução: Katarina Peixoto
É um assunto realmente importante e nossa sociedade deve compreender cabalmente. Supõe-se que o sistema jurídico é a codificação de nossas normas e de nossas crenças, do que temos de fazer para que nosso sistema funcione. Se se percebe o caráter explorador em nosso sistema jurídico, então a confiança em todo o sistema começa a erodir. E esse é na verdade o problema que temos agora.
Uma multidão de práticas predatórias estão em vias de continuar como se nada tivesse ocorrido no sistema de crédito para a compra de automóveis. Por que está tudo bem para os maus empréstimos no setor automobilístico e não no mercado hipotecário? Há alguma razão de princípio? Todos sabemos a resposta: não. Não há razões de princípio, há razões de dinheiro. São as contribuições para as campanhas eleitorais, a troca de favores, as portas giratórias entre a política e os negócios, todas essas coisas.
O sistema está neste momento desenhado para estimular esse tipo de prática, apesar das multas [a referência é o ex-executivo da Countrywide, Angelo Mozillo, que acaba de pagar 10 milhões de dólares de multa, uma ínfima parte do que ganhou fradulentamente, porque ganhou centenas de milhões de dólares].
Conheço muita gente que diz: é um escândalo que tenhamos tido mais supervisão, controle e prestação de contas nos anos 80, quando se deu a crise de crédito e o arrocho, do que agora. Sim, aplicamos multas neles. E qual é a grande lição que se tira disso? Comporta-te mal, e o governo ficará com 5% ou 10% dos lucros mal havidos, que estarás muito tranquilo em casa, com várias centenas de milhões de dólares que ainda restarão para ti, depois de pagares umas multas que parecem enormes, mas que na verdade são muito pequenas em relação à quantidade de dinheiro que conseguiste embolsar.
O sistema está configurado de tal modo, que mesmo que te peguem, o castigo é apenas uma ínfima parte do que levas para a tua casa. A multa é apenas um custo a mais do negócio. É como uma multa de estacionamento. Às vezes decides estacionar mal sabendo que levarás uma multa, porque começar a dar voltas ao redor do estacionamento leva muito tempo.
Eu acredito que deveríamos fazer o que fizemos nos anos 80, com a crise de crédito e o com o arrocho, e pôr na cadeia um bom número destes tipos. Acredito nisso absolutamente. Não são apenas delitos de colarinho branco, ou pequenos incidentes. Há vítimas reais. É disso que se trata. Houve vítimas no mundo inteiro.
Ou acreditamos que esses tipos que nos meteram no atual estado de coisas mudaram realmente de atitude? Muito pelo contrário. Escutei alguns discursos que diziam: “Na verdade, não fez nada de realmente errado. Não fizemos as coisas muito bem. Mas nossa compreensão desses assuntos é bastante razoável”. Se pensam de verdade isso, estamos numa confusão realmente tremenda.
[A dissuasão do delito] tem aspectos distintos. Os economistas se concentram inteiramente na ideia dos incentivos. Às vezes as pessoas têm incentivos para se comportarem mal, porque podem ganhar mais dinheiro se dão calote ou se metem em atividades fraudulentas. Se queremos que nosso sistema econômico funcione, temos de nos assegurar de que nosso sistema econômico funcione, temos de nos assegurar de que o ganho com a fraude seja anulado pelo sistema de castigos e multas.
Por isso, no caso de nossa legislação anti-oligopólica, amiúde não detemos as pessoas quando elas se comportam mal, mas quando o fazem e podemos dizer que há danos constatáveis. Então, pagam três vezes o dano que causaram. É uma forma muito radical de dissuasão.
Desgraçadamente, o que estamos fazendo agora no caso desses delitos financeiros recentes são muitas frações – frações! – do dano direto causado, e uma fração ainda menor do dano social total. Quer dizer, o setor financeiro levou verdadeiramente o a economia global à bancarrota, e se levarmos em conta todos os danos colaterais, estamos falando já realmente de bilhões de dólares.
Mas se pode falar num sentido ainda mais amplo de dano colateral, ao qual não se tem prestado atenção. É a confiança em nosso sistema jurídico, no império da lei e do Estado de Direito, em nosso sistema de justiça. Quando se faz o Juramento de Lealdade [constitucional nos EUA], diz-se “justiça para todos”. Pois bem: as pessoas não têm segurança de que tenhamos justiça para todos. Alguns são detidos por algum delito menor de droga, e dão com os ossos no cárcere por muito tempo; mas quando se trata dos chamados delitos do colarinho branco, que não deixam de ter vítimas, quase nenhum dos sujeitos que os perpetram acaba atrás das grades.
***
Permita-me um outro exemplo que ilustra até que ponto nosso sistema jurídico descarrilhou, contribuindo para a crise financeira.
Em 2005 aprovamos uma reforma do processo de falência. Foi uma reforma defendida pelos bancos. Foi concebida para permitir legalmente o empréstimo – o mal empréstimo – a pessoas que não entendiam do assunto e basicamente destinada a estrangulá-las. A espoliá-las. E poderíamos tê-la chamado com justiça de “a nova lei de servidão permanente”. Porque é o que era, na realidade.
Permita-me que conte brevemente o quanto má era essa reforma. Não acredito que os estadunidenses entendam até que ponto era tão má. Ela realmente torna muito difícil que as pessoas consigam liberarem-se da dívida. O princípio básico nos EUA do passado era as pessoas terem o direito de começar bem a vida. As pessoas cometem erros. Especialmente quando são presas de espólio. E então têm direito a voltar a começar bem. Apaga-se a conta e se começa uma nova. Paga o que pode e volta a começar. Agora, se o fazes mais de uma vez, então é outra coisa. Mas ao menos, enquanto andam soltos esses emprestadores predadores, deverias conservar o direito de voltar a começar sem encargos.
No entanto, os bancos dizem: “Não, não e não; não podes liberar-te de tua dívida”, ou não podes livrar-te dela tão facilmente.
***
Essa é a servidão permanente. E criticamos os outros países por permitirem esse tipo de servidão duradoura, o trabalho escravo. Mas nos EUA instituímos isso em 2005, sem sequer promover um debate público sobre as consequências. O que essa lei fez foi animar os bancos a realizarem empréstimos ainda piores.
***
Os bancos pretendem que acreditemos que não fizeram empréstimos ruins. Negam-se a aceitar a realidade. É um fato que alteraram os critérios contábeis, de modo que os empréstimos prejudicados pela incapacidade dos devedores de pagarem o que devem se contabiliza da mesma maneira que as hipotecas que são pagas em bom prazo e sem mora.
De modo que toda a estratégia dos bancos consistiu em esconder as perdas, seguir enganando e em conseguir fazer com que o governo mantenha os taxas de juros realmente baixas.
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Resultado: se toleramos essa estratégia, terá de se passar muito tempo antes que a economia se recupere.
Tradução: Katarina Peixoto