sábado, 6 de agosto de 2011

O Trompetista e o Suicida



  •  Eugenio Lara no PENSE





  • Difícil imaginar outra modalidade mais universal de comunicação do que a música. Certamente, a comunicação entre os espíritos mais elevados deve ser também por música, como se fosse um concerto, a mente em harmonia, com ritmo, pulsão, beleza: o improviso emocionalmente controlado. Em “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, belo filme de Steven Spielberg, a linguagem musical, universal, foi o meio de contato com os extraterrestres, com poucas notas musicais, minimalistas. Bela sacada!


    A música funciona sempre como catalisador de nossas emoções. Basta ver os hinos entoados durante as antigas batalhas ou na guerra esportiva, nos hinos cantados de modo veemente, agressivo, pelas torcidas organizadas ou mesmo pelas não-organizadas, nos bares, nas quadras, na várzea, nos estádios monumentais: a música nas passeatas, nos festivais, como foi em Woodstock e hoje nos bailes funk, de emos, góticos, em raves, nos pagodes da vida.


    Quantos músicos não foram perseguidos, torturados e mortos por empregarem sua arte musical como ação eficiente de protesto, de denúncia? Lembro-me de meus prediletos Victor Jarra, Geraldo Vandré, Violeta Parra, Taiguara, de tantos músicos outros que ousaram ofertar sua expressão musical a serviço dos direitos humanos, contra a repressão, a violência, o autoritarismo, contra as corporações, o Estado repressor.


    Poderia ficar aqui, ad infinitum, citando variados casos onde a música funciona como fonte inspiradora, de acalanto, consolação, de protesto. Entretanto, escrevo essas palavras iniciais para expressar a profunda emoção lacrimosa que senti ao ver e ouvir na TV o depoimento de um músico radicado em Brasília-DF, um trompetista bastante reconhecido e requisitado, sobre a energia que a música movimenta, sem que nos demos conta disso.


    Refiro-me ao músico paraibano Moisés Alves, em um depoimento comovente sobre a sua costumeira compulsão em tocar seu trompete, tirando dele notas e harmonias sensíveis, alegres, ternas ou tristes, improvisadas. Em meio à apresentação de sua banda Moisés Alves Quinteto, no Clube do Choro de Brasília - Capital do Choro, retransmitida pela TV Senado, ele proferiu um testemunho que vale a pena compartilhar. De modo sincero, expôs a paixão que tem pela música e a necessidade inexplicável em tocar seu instrumento.


    Conta ele que, certa vez, estava no apartamento de um amigo, muito rico, em um imóvel luxuoso, lá mesmo em Brasília, onde mora. Ele pediu ao amigo se poderia tocar, pois estava sentindo uma vontade compulsiva, algo que sempre ocorre com ele. Naquele dia, o desejo foi mais forte...


    Tarde seca e pouco ensolarada, como são as tardes de Brasília no final de inverno. Tocou seu trompete à beira da janela na sala, improvisou um belo solo. Mais ou menos uma hora e meia após a inusitada execução musical, alguém bateu à porta do apartamento. Seu amigo, ao atender, se deparou com um vizinho extasiado, embevecido, querendo saber se era ele mesmo que havia tocado o solo de trompete. Disse-lhe que não, que o solo havia sido obra de um amigo seu, ali presente. Chamou-lhe. O rapaz se apresentou e deu um testemunho marcante e emocionado: “Eu estava prestes a me suicidar quando ouvi aquela música. Parei com meus pensamentos destrutivos e ao ouvir aquele som, desisti da ideia de me matar”.


    O pobre suicida, não mais que de repente, começou a ver as coisas sob outro ângulo, mudou seu tônus mental devido àquela música. Deve ter imaginado que, apesar de tudo, de toda a desgraça e desilusão de sua vida, valeria a pena prosseguir, ao curtir aquele som agradável e mavioso. E em seu depoimento, concluiu Moisés: “a música movimenta energias que desconhecemos”.


    Imaginar que os espíritos nos dirigem, como eles mesmo afirmaram a Allan Kardec, sempre me pareceu um exagero, compreensível, ainda mais em uma época anterior à psicanálise, à engenharia genética, à física quântica. Algo bem diferente daquela frase notória do fundador do positivismo, Auguste Comte: “os vivos são sempre e cada vez mais governados necessariamente pelos mortos”. No caso, não se trata de uma imortalidade subjetiva, meramente cultural, como imaginava o grande idealizador da Religião da Humanidade. Trata-se de uma imortalidade dinâmica e objetiva, no dizer do pensador espírita Jaci Regis, pois neste caso, apesar da compulsão costumeira de nosso amigo trompetista, aquele momento foi especial sob o ponto de vista extrafísico. A meu ver, a influência espiritual foi decisiva, muito mais do que um suposto acaso ou algum tipo de sincronicidade, vazia de sentido.


    Eu, no lugar de nosso amigo suicida, se ouvisse um daqueles funks repetitivos e insuportáveis, naquele momento dramático, aí sim reforçaria minha coragem em me matar. Seria a cereja no bolo de meu suicídio voluntário. Por sorte, não era surdo. O que ele ouviu naquele instante foi decisivo, determinante. O amparo espiritual de nosso simpático suicida foi eficiente. Essas coisas acontecem a todo momento. Nós é que em nossa santa ignorância, não percebemos. Porque a vida é muito mais simples e interessante do que imaginamos...




    Eugenio Lara, arquiteto, jornalista e designer gráfico, é fundador e editor do site PENSE - Pensamento Social Espírita [www.viasantos.com/pense], membro-fundador do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CPDoc) e autor dos livros em edição digital: Racismo e Espiritismo; Milenarismo e Espiritismo; Amélie Boudet, uma Mulher de Verdade - Ensaio Biográfico; Conceito Espírita de Evolução; Os Quatro Espíritos de Kardec e Os Celtas e o Espiritismo.
    E-mail: eugenlara@hotmail.com

    A economia americana cai, mas ainda pode desabar

    Brizola Neto no TIJOLACO



    Hoje, no The New York Times, um retrato do desemprego na abalada economia americana:

    “A fraqueza da economia americana é mais evidente na falta de empregos. Apenas 55 % dos adultos em idade ativa tinham  empregos de tempo integral em julho, o nível mais baixo nos tempos modernos. Cerca de 25 milhões de adultos americanos querem, mas não conseguem encontrar trabalho em tempo integral, anunciou o governo na sexta-feira. A taxa de desemprego caiu ligeiramente, mas principalmente porque 193 mil pessoas deixaram de procurar emprego, mais que as 144 mil que conseguiram uma vaga.
    Os o consumo representa  70 por cento da atividade econômica do país, e as pessoas sem emprego gastam menos dinheiro. Por mais de um ano, o governo informou que a economia estava se expandindo mais rapidamente do que o emprego, alimentando a esperança que a contratação viria a seguir.
    Mas, na semana passada, o governo reconheceu  que estava enganado, e que a economia realmente havia se expandido, mas a uma taxa anual de apenas 0,8 por cento acima do crescimento populacional durante o primeiro semestre do ano.
    Os preços dos imóveis caindo também a sombra da recuperação. A renda  total das famílias continua 12 por cento abaixo do nível de antes da recessão, de acordo com o Federal Reserve. Os gastos dos consumidores não sofreu um declínio comparável, sugerindo que as pessoas ainda esperam  ver dias melhores pela frente. Se eles estão errados ou se perderem a fé, dizem os economistas, os gastos poderiam mergulhar ainda mais rapidamente – e com ele, a economia em geral.”

    Parece que os republicanos estão muito interessados nesta questão de fé. O governador do Texas, Rick Perry, que sucedeu Geoge W. Bush no governo daquele estado americano, promoveu hoje de manhã uma iomensa concentração evangélica (foto).  Na “Oração pela Nação em Crise” , Perry clamou: Vemos a raiva nos salões do governo, e como uma nação nos esquecemos quem nos fez, quem nos protege, quem nos abençoa, e por isso clamamos (a Jesus) pelo o seu perdão.

    João Bosco - Linha de Passe (HD)

    Mercado não garante banda larga universal


    Internet p/ todos com qualidade e preços baixos depende de retomada do Estado. Mas não são só os objetivos de garantir o interesse público que justificam a necessidade da presença estatal. A própria estrutura econômica das telecomunicações faz que o mercado seja incapaz, de prestar o serviço de forma eficiente
    por Braúlio Araújo e João Brant, Veridiana Alimonti

    O lançamento em 2010 do Plano Nacional de Banda Larga deu a impressão de que o Brasil tinha acordado. Depois de anos com o serviço de internet deixado na mão dos interesses das empresas de telecomunicações, o Estado brasileiro parecia disposto a assumir o protagonismo necessário para mudar a realidade de uma banda larga cara, lenta e para poucos. Os acordos firmados no final de junho deste ano, contudo, mostram que o governo não assumiu a postura capaz de lidar com esse problema, insistindo em negociar com base no que as empresas aceitam oferecer e não a partir de um plano estratégico de longo prazo. Aquilo que o mundo inteiro já sabe parece não ter ficado claro por aqui: oproblema não se resolve sem forte presença do Estado seja na regulação sobre as empresas privadas seja como provedor direto da infraestrutura e dos serviços.
    “Resolver o problema” aqui tem a ver com atender a quatro objetivos: o serviço deve ser universalizado, com preços acessíveis, com qualidade e velocidade satisfatórias e com garantias de que não vai ser interrompido. Tudo isso porque a banda larga, pelo que representa à concretização de direitos fundamentais – especialmente liberdade de expressão, acesso à informação, à comunicação, à educação, à participação política e à cultura – e ao acesso a outros serviços, deve ser considerada um serviço essencial e garantida pelo Estado, por meio, inclusive, do controle público sobre a infraestrutura.
    Mas não são só os objetivos de garantir o interesse público que justificam a necessidade de uma forte presença do Estado no setor. A própria estrutura econômica das telecomunicações faz que o mercado seja incapaz, por si só, de prestar o serviço de forma eficiente. Isso se dá por conta do alto investimento inicial para instalar redes e da necessidade de o prestador levar seu sinal até a residência de cada usuário. Essas características criam fortes barreiras à entrada de concorrentes e levam a uma falta de incentivos para o mercado prestar o serviço nas áreas que demandem mais investimento ou que não tenham tráfego suficiente para gerar retorno econômico. Assim, o setor é praticamente um monopólio natural e não consegue garantir eficiência econômica por seus próprios meios.
    Portanto há a combinação de dois desafios: garantir os objetivos de interesse público e, ao mesmo tempo, garantir a eficiência econômica. Induzir a competição é certamente um dos objetivos da regulação, mas o setor privado, mesmo com razoável grau de competição, é incapaz de garantir o interesse público se não for obrigado a isso. As empresas não vão atuar em áreas que não ofereçam retorno econômico, e, portanto, serviço universal e tarifas baixas não são alcançados sem obrigações impostas pelo Estado. As experiências da Europa, Estados Unidos e Brasil mostram isso com clareza.
     
    O histórico aqui e lá fora

    Ainda que com modelos diferentes, a expansão dos serviços de telecomunicação nesses países foi promovida com a participação efetiva do Estado. Nos países europeus, havia monopólios estatais que garantiram universalização, controle de preços e de qualidade, entre outras obrigações. No processo de liberalização e privatização, a maioria dos países manteve participação estatal em uma companhia central e abriu o mercado para competidoras, mas sem perder a dimensão de serviço público. Nos EUA, havia um monopólio privado (AT&T), quebrado em 1983, mas sempre houve a imposição de obrigações que respondiam à essencialidade do serviço. Ao longo das últimas décadas, buscou-se ampliar a competição, especialmente na longa distância, mas a recente redução do mercado a duas empresas mostra que a tendência é mesmo de forte concentração.
    O Brasil teve um desenvolvimento bem particular do setor, com um início privado, um processo de estatização na década de 1960 e uma reprivatização em 1998. No início da década de 1960, apesar de contar com cerca de novecentas companhias telefônicas, o Brasil estava entre os países com menor densidade telefônica do mundo – tinha apenas um telefone para cada 100 habitantes, abaixo de países como Estados Unidos (38), Suécia (35), Argentina (6) e Uruguai (5).1 A estrutura de telefonia do país compunha-se de operadoras privadas municipais, o que dificultava principalmente a comunicação intermunicipal e de longa distância.
    Em 1965, foi criada a Embratel, empresa pública que em cinco anos interligou as principais cidades das cinco regiões do país, permitindo a discagem direta à longa distância (DDD). Em 1972, foi criada a Telebrás, que incorporou a Embratel e, por meio de suas subsidiárias (as “teles”, empresas polo estaduais), adquiriu as companhias municipais, uniformizou e expandiu a telefonia fixa residencial. Valendo-se de subsídios cruzados – cobrança de taxas maiores para o sistema empresarial e regiões mais densas para financiar o desenvolvimento do sistema residencial e de regiões menos povoadas –, a Telebrás teve grande êxito em expandir a infraestrutura de telefonia fixa no Brasil.
    O incremento anual do número de linhas nos anos 70 realizou-se a taxas sempre superiores a 15%, tendo chegado a 32% em 1976. No final da década, essas taxas caíram, principalmente por conta do uso das estatais para fazer empréstimos a fim de cobrir a dívida externa. De toda forma, de 1970 a 1990, enquanto a população brasileira cresceu 50% e o PIB 90%, a planta instalada de terminais telefônicos do Sistema Telebrás cresceu 500%.
    O rápido desenvolvimento das comunicações no Brasil impulsionou a indústria eletroeletrônica e atraiu empresas fornecedoras transnacionais. Ao longo da década de 1970, o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Telebrás (CPqD) desenvolveu uma série de novos produtos, obteve patentes no Brasil e no exterior e celebrou vários acordos e contratos de transferência de tecnologia.
    Toda essa expansão não se deu sem problemas. Durante os anos 80 e 90, a Telebrás perdeu capacidade de investimento ao ser utilizada pelo governo brasileiro para cobrir problemas econômico-financeiros. Além disso, o modelo de negócio – baseado em alto investimento inicial pelo usuário e assinatura básica baixíssima – começou a gerar especulação em torno das linhas e criou um mercado paralelo. Em 1994, começou-se a preparar o terreno para a privatização. A assinatura inicial, que era de R$ 0,69 mensais, subiu rapidamente para alcançar R$ 12 em 1998, ano da privatização.
    De toda forma, o processo histórico mostra que a participação estatal no setor foi determinante na saída de um modelo fragmentado, sem condições de se desenvolver, para um patamar de ampla expansão e ampliação do serviço que poderia ter ido ainda mais além se acompanhado por uma mudança no modelo de negócio.
     
    Privatização e modelo atual

    Com a privatização, limitou-se o poder de intervenção do Estado. A Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) separou a prestação dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado. Para os prestados em regime público (apenas o serviço de telefonia fixa), reservou ao Estado um poder maior de regulamentação, atribuindo às prestadoras, entre outras, obrigações de universalização e continuidade dos serviços e de reversibilidade de bens. No regime privado, por outro lado, o Estado incumbiu-se de observar “a exigência de mínima intervenção na vida privada”, tomando a liberdade como regra.
    O processo de privatização alterou o modelo de negócio do serviço de telefonia fixa. As empresas se beneficiaram de uma base já instalada de clientes, de uma demanda reprimida e do aumento do valor da assinatura básica (mais de R$ 40, atualmente), que passou a sustentar o negócio. As obrigações de universalização impuseram a necessidade de investimentos por parte das empresas e geraram uma ampliação significativa do serviço nos anos pós-privatização, mas a fraca atuação da Agência Nacional de Telecomunicações e um problema na própria conceituação de universalização fazem que ainda vivamos um serviço limitado.
    Em mais de 10 anos da privatização das telecomunicações no Brasil, apenas 43% das residências têm telefone fixo, como mostram dados do IBGE.2 Ainda que se possa afirmar que a infraestrutura esteja presente em praticamente todas as localidades brasileiras, grande parte da população não utiliza o serviço. Isso porque a Lei Geral de Telecomunicações entende universalização como a possibilidade de o cidadão contratar o serviço, mas não considera que o valor da assinatura fixa constitui uma barreira econômica que impede o acesso de muitos. É como se alguém considerasse o serviço de saúde universalizado em determinada localidade simplesmente por haver um hospital privado na região.
    Além disso, para muitos o telefone celular passou a substituir a linha fixa. Porém, a despeito do razoável grau de competição e do enorme número de linhas ativas, a desigualdade no acesso ao serviço móvel é uma realidade. Em 2009, apesar de o Brasil fechar o ano com cerca de 174 milhões de linhas ativas, o IBGE mostrou que o número de adultos com telefone móvel para uso pessoal fica em pouco mais de 60%.3 Entre os usuários do serviço, cerca de 80% das linhas são pré-pagas com R$ 8 de média mensal de ativação de créditos em 2010, segundo a Anatel.Na prática, muitos utilizam suas linhas apenas para o recebimento de chamadas, não tendo condições para efetivamente fruir o serviço. A União Internacional de Telecomunicações confirma isso ao mostrar que o Brasil está em 121º no ranking mundial de preços do serviço. Só 37 dos países pesquisados têm serviço mais caro.
     
    Dificuldades de expansão da banda larga

    Todo esse balanço é essencial para se compreender as barreiras de expansão do serviço de banda larga no Brasil, prestado em regime privado. Hoje, apenas 27% das residências têm acesso a internet, sendo 22% com banda larga.4 O acesso é desigual entre as cinco regiões brasileiras, entre áreas urbanas e rurais, entre municípios mais e menos populosos e entre diferentes classes sociais. Mesmo em municípios que possuem acesso à banda larga, há grandes áreas sem oferta do serviço. As operadoras de telefonia fixa são responsáveis por 65% das conexões de banda larga, e a expansão do serviço claramente depende delas, por sua penetração. Não é à toa que o Programa Nacional de Banda Larga brasileiro se ampara nessas empresas para buscar a expansão.
    O problema principal do PNBL é que ele não reconhece a necessidade de o Estado atuar para impor metas de universalização e controle de preços sobre o setor privado. Os acordos assinados pelo governo federal com as empresas de telecomunicações no final de junho estabelecem que até 2014 as empresas devem oferecer em todos os municípios um serviço de banda larga (móvel ou fixo) com velocidade de 1 Mbps por R$ 35 mensais. As letras miúdas revelam os limites do pacote: há uma inaceitável franquia de download que restringe completamente o uso da internet e impede a utilização plena do serviço. O plano permite a venda casada da banda larga fixa com o serviço de telefonia, praticamente dobrando o preço final. Além disso, não há nenhuma garantia de atendimento dentro dos municípios atendidos (o serviço acabará concentrado nas áreas rentáveis), e a velocidade estabelecida está fora do que já hoje é considerado banda larga. Apenas para se ter uma ideia, o Plano Nacional de Banda Larga dos EUA prevê universalização da internet com velocidade mínima de 4 Mbps, com 75% da população com velocidade de 100 Mbps em 2020.
    O plano brasileiro não estabelece a universalização nem como meta (fala-se em massificação, tomando a telefonia celular como referência), não prevê controle de preços (fora o pacote popular, os preços são livres) e não garante continuidade. Ele se ampara na tentativa de gerar competição no setor e na definição de um pacote popular com condições limitadas e diferenciadas. A internet, que deveria ser tratada como um direito de todos os cidadãos, torna-se mercadoria com qualidade diferenciada de acordo com o preço.
     
    Qual o caminho?

    Obviamente não há uma fórmula mágica para se garantir um serviço barato, de qualidade, para todos, mas a experiência histórica mostra caminhos. Estimular a competição é importante, mas não garante nenhum dos objetivos listados acima. Para garanti-los, é preciso retomar o papel do Estado como organizador do setor. Aliás, o artigo 21 da Constituição Federal é claro em dizer que compete à União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações”. É preciso então reconhecer a banda larga como um serviço público, em coerência com o texto constitucional, e combinar investimentos diretos com forte regulação sobre o setor.
    Concretamente, nas regras atuais da Lei Geral das Telecomunicações, isso significa definir o regime público para prestação do serviço. Formalmente, para essa definição, basta um decreto da Presidência da República. Contudo, é preciso aprofundar o debate sobre o que isso implicaria em termos de novas regras e modelagem do sistema. As exigências deveriam ser diferenciadas de acordo com a capacidade técnica e financeira de cada empresa. Além disso, devem ser levadas em conta as diferenças nas áreas de prestação de serviço e o poder de mercado de cada ator, definindo-se um plano geral de outorgas que aponte para a universalização do serviço.
    Seria preciso também definir a diferença nas obrigações das empresas que prestam o serviço junto com a TV a cabo e como a transição seria trabalhada na banda larga móvel de forma convergente e coerente com essa nova modelagem. A Telebrás, como empresa pública, poderia combinar a oferta de capacidade de tráfego no atacado com atendimento direto a áreas remotas e a áreas bastante lucrativas, para ajudar seu equilíbrio financeiro. Poderia ainda assumir o papel de fonte indutora de pesquisa e desenvolvimento tecnológico nacional.
    O desafio de universalizar uma banda larga barata, rápida e com qualidade impõe-se como necessário ao efetivo desenvolvimento econômico e social do país e à garantia de direitos básicos. Fazê-lo possível é tarefa urgente e implica assegurar ao Estado os poderes de exigir da iniciativa privada as obrigações voltadas à dimensão de interesse público na prestação do serviço. Sem isso, o Plano Nacional de Banda Larga é um passo absolutamente insuficiente.
    Braúlio Araújo e João Brant
    Integrantes dis Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social


    Veridiana Alimonti
    Advogada do Idec ( Instituto Brasileiro de defesa do Consumidor)


    Ilustração: Allan Sieber
    1 José Eduardo Pereira Filho, “A Embratel: da era da intervenção ao tempo da competição”, Revista de Sociologia Política, n.18, p.33-47, 2002; e Marcos Dantas. A lógica do capital informação. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.
    2 P esquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009.
    3 I dem.
    4 TIC Domicílios 2010, Comitê Gestor da Internet.