quinta-feira, 28 de abril de 2011

Altamiro Borges: “Casamento real” e os súditos da mídia


A busca por audiência não deve ser a única justificativa para a overdose midiática na cobertura do “Casamento Real”. Revistonas dão capas melosas para a união do príncipe William com a “plebéia” Kate. Jornalões gastam papel com fofocas e futricas. O pior, porém, ocorre nas emissoras de televisão – em todas elas, sem exceção. Blocos e blocos nos telejornais para divulgar banalidades.

por Altamiro Borges, em seu blog


A mídia corporativa parece adorar a vassalagem. É servil diante das monstruosidades imperiais dos EUA, assim como é vassala diante da monarquia decadente da Grã-Bretanha. A mídia dominante reproduz a ideologia das classes dominantes. Criminaliza os pobres e reverencia os ricaços – inclusive as ostentações e sandices da decrépita “família real”.

Monarquia decadente e parasitária

Na difusão dos valores “morais” da aristocracia, a imprensa sensacionalista deixa de lado até as agruras do capitalismo no país. No primeiro trimestre deste ano, o PIB britânico cresceu apenas 0,5% – após uma contração, também de meio por cento, nos últimos três meses de 2010. Milhões de trabalhadores estão sem emprego e salário, mas a mídia só fala no tal “casamento real”.

A decadente monarquia agradece tanta vassalagem. Com as festanças, ela tenta sair do atoleiro. No ano passado, a “família real” foi obrigada a cortar 12,2% das despesas oficiais com sua vida parasitária. Mesmo assim, a realeza custou mais de 46,1 milhões de euros para os contribuintes britânicos – seis vezes mais do que outra monarquia decadente, a da Espanha.

Ato público unifica trabalhadores na defesa de direitos

O dia nacional de luta contra a retirada de direitos – 28 de abril, no Rio Grande do Sul, foi marcado pela realização de um ato público unitário em frente ao Palácio Piratini, sede do governo gaúcho.
“Não somos nós que vamos pagar a conta, resolver com nossos salários, os problemas financeiros do estado”, declarou a presidente do CPERS/Sindicato Rejane de Oliveira, em crítica dirtea à proposta do governo de alterar a previdência estadual.
O movimento começou logo no início da tarde, quando educadores se reuniram no CPERS/Sindicato e, em caminhada, se deslocaram até o Largo Glênio Peres, onde encontraram servidores de outras categorias e trabalhadores da iniciativa privada.
Do Glênio Peres, também em caminhada, os manifestantes se dirigiram ao Palácio Piratini.
Antes do deslocamento, João Ezequiel, da direção do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre, criticou a demissão de trabalhadores contratados pela Fugast, fundação que teve o contrato de prestação de serviços com o governo do estado rompido. “Os trabalhadores estão pagando por um erro do governo. Estes trabalhadores sequer estão recebendo suas rescisões contratuais”, denunciou o sindicalista.
Os manifestantes também deixaram claro que não aceitarão nenhum calote no pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs). Ao optar pela RPV, o servidor já ja abre mão de um direito, que é o de receber os seus precatórios.
O governo deve cortar privilégios de grandes empresas, que se beneficiam de recursos públicos quando são isentas de pagar o ICMS. Esse montante faz falta para a saúde, educação e segurança.
Durante a manifestação, os educadores cobraram a imediata implantação do piso nacional. No ano passado, ano eleitoral, muito foi falado e prometido. Agora a categoria está cobrando as promessas.
Se o pacote preparado pelo governo atingir direitos dos trabalhadores, a praça da Matriz será novamente ocupada. A advertência é das entidades que integram o Fórum dos Servidores Públicos Estaduais, organização que foi fundamental no enfrentamento aos ataques praticados pelo governo passado.
João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/Sindicato

fonte: CPERS

Tarso abre Palácio aos trabalhadores e pede apoio ao Programa de Sustentabilidade Financeira


Tarso recebe alimentos e bandeiras dos sindicalistas - Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte no Sul21

Para comemorar o Dia do Trabalhador (1º de Maio), o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), convidou as centrais sindicais gaúchas para um churrasco no Galpão Crioulo, do Palácio Piratini, nesta quinta-feira (28). Mais de 20 entidades compareceram ao almoço e sentaram à mesa com o chefe do executivo estadual. O gesto do governador — reconhecido pelos representantes sindicais — tinha uma segunda intenção, além de comemorar o 1º de Maio: Tarso pediu o apoio dos sindicalistas e da imprensa ao Programa de Sustentabilidade Financeira. Ele explicou os princípios que norteiam a proposta de reforma previdenciária que o governo enviará à Assembleia Legislativa.
O cerimonial permitiu que Tarso cumprimentasse todos os representantes das centrais sindicais. Emocionada, a coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Desempregados, Eliane de Moura, lembrou o esforço dos trabalhadores para erguer palácios como o que a acolhia naquele momento. “Sãos os trabalhadores que constroem estes palácios. E, muitas vezes, não são convidados a entrar”, lembrou.
Recebidos com a música Cio da Terra, de Milton Nascimento, os primeiros sindicalistas a entrarem do Galpão Crioulo entregaram ao governador alimentos produzidos por pequenos agricultores. Os demais ofereceram as bandeiras de suas entidades, colocadas por Tarso sobre uma mesa à frente da qual estavam cinco banners com as palavras de ordem: soberania, solidariedade, desenvolvimento, sustentabilidade e democracia.
Ramiro Furquim/Sul21

Proposta para a previdência

Ao falar sobre o Programa de Sustentabilidade Financeira e, mais especificamente, sobre a proposta de mudança na Previdência estadual, Tarso reafirmou o que disse em outras ocasiões: “Ainda está em fase de estudo a possibilidade de propor o aumento da contribuição previdenciária dos servidores estaduais”. Reforçou os princípios nos quais os técnicos do governo estão se baseando para apresentar a proposta. “Vamos viabilizar a previdência pública no estado do RS. Teremos que ter um Fundo. Para isso, quem recebe mais terá que pagar mais”, falou sobre o aumento da alíquota previdenciária sobre os salários mais elevados. O governador afirmou que as alíquotas ainda não estão definidas.
Desde o começo da gestão, Tarso defende a criação de um Fundo para a previdência. “Precisamos de um fundo público para não permitir que os servidores da base (85%) financiem as aposentadorias de cima”, afirma o governador. “Alguma modificação terá que ocorrer. A paridade contributiva eu já defendi inúmeras vezes. Mas ela não pode ser aplicada de maneira indiscriminada, se não vai continuar gerando desigualdades. Vamos fazer isso conversando com os trabalhadores”, prometeu.
A criação do fundo se torna necessária, devido ao compromisso de Tarso em não aumentar impostos e não repetir gestos que oneram ainda mais os servidores. Ele lembrou que a sua gestão já diminui impostos para micro e pequenas empresas. Indiretamente, respondeu as críticas da oposição, que classificou os projetos, que compõe o Programa de Sustentabilidade Financeira, de meramente “arrecadatórios”. “Certo governador, quando assumiu, disse que o estado estava em crise. O que ele fez? Propôs arrocho salarial e plano de demissão voluntária. Nós não vamos fazer isso. Vamos valorizar o serviço público”, disse.
Ramiro Furquim/Sul21

Inspeção veicular

Sobre a proposta de inspeção veicular, Tarso lembrou que ela não é uma criação do governo estadual, mas uma lei federal, que o Estado passará a cumprir. Alertou que a administração fará “um movimento para arrecadar mais”. Vai atuar “contra quem sonega, contra quem não está pagando”. Ressaltou que o seu governo tem uma visão diferenciada sobre a sonegação. “A maior parte das sonegações — disse Tarso — é involuntária, por desconhecimento da burocracia ou erros de natureza técnica. Vamos credenciar o estado para educar, para informar e, assim, aumentar nossa receita”.

RPVs

O programa, que busca equilibar as contas do Estado e amenizar a previsão de déficit de R$ 550 milhões em 2011, proporá uma mudança no pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs), que acumularam, ao longo dos anos, um volume elevado, que deverá ser pago pelo atual governo. “Estas dívidas do Estado, inclusive a dos precatórios, são dívidas cumulativas. Por descumprimento de obrigações legais, por governantes que não eram da mesma orientação política nossa. Agora nós vamos enfrentá-las”, disse.
Aos jornalistas, Tarso Genro não precisou com quais hipóteses o governo trabalha para pagar as RPVs. “Os estudos estão sendo feitos, mas não há nenhuma definição nossa sobre isso”, disse.
Professores e outras categorias fizeram caminhada em protesto contra projetos do governo - Ramiro Furquim/Sul21

Protesto

Mesmo que o governo ainda não tenha divulgado a íntegra dos projetos que serão votados pelos deputados, algumas entidades se opuseram ao almoço oferecido pelo governo e foram para as ruas manifestar o descontentamento.
A caminhada foi organizada pelo sindicato dos professores, o Cpers, que reuniu o maior número de integrantes no ato. A marcha saiu às 13 horas da sede da entidade e formou um grande bloco no Largo Glênio Peres, no centro de Porto Alegre. Com carro de som e cartazes contra as mudanças nas RPVs e na Previdência, as entidades se dirigiram, a partir das 14 horas, à Praça da Matriz. Em frente ao Palácio Piratini, chamavam a atenção do governador sobre as suas reivindicações. A principal delas era contra a reforma da previdência, estudada pelo governo. “O governo não pode é querer aumentar a receita e resolver os problemas financeiros do estado colocando a conta nos nossos ombros”, disse a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira.
O protesto reuniu tanto trabalhadores da iniciativa privada quanto servidores públicos, de 10 entidades, entre elas o Cpers, movimentos estudantis, centrais sindicais e metalúrgicos. O ato encerrou por volta das 16 horas.
Durante o almoço, Tarso Genro disse que compreendia o gesto dos trabalhadores que foram às ruas, uma vez que eles “sempre foram maltratados em outros governos”. Ele avaliou a mobilização como um processo natural e importante para que o governo informe melhor suas intenções. Segundo ele, com a proposta que o governo irá apresentar “nenhum professor será atingido”.

Celebrar 1º de Maio hoje significa lutar pela retomada da organização autônoma dos trabalhadores

Escrito por a Força, a UGT, CGTB, CTB   
 
Com o início da industrialização, lá por volta de 1775, com a criação da máquina a vapor, surgem duas classes sociais distintas: o Empresariado Industrial e a Classe Operária.
 
Aproveitando-se da forte migração campo-cidade da época em busca de trabalho assalariado, os empresários passaram a exigir dos seus empregados jornadas longas, que chegavam a 16 e até 18 horas diárias. Os descansos dos fins de semanas eram raros. Os salários baixos, o que levava a que muitas donas de casa fossem para as fábricas, assim como crianças, visando a melhora do rendimento para o lar.
 
A jornada prolongada fazia com que muitos adoecessem, sofressem acidentes graves e provocou muitas mortes. Foi daí que começaram as reações dos operários (os que operam as máquinas). As reações iniciais foram individuais, isoladas, o que permitiu a repressão patronal. Essas derrotas individuais forçaram o aprendizado de que era necessário organizar a luta coletiva. Encontros internacionais de trabalhadores decidiram organizar movimentos pela redução da jornada em todos os países industrializados: oito horas de trabalho, oito horas de descanso e oito horas para convívio familiar, atividades sociais e culturais.
 
No dia 1º de Maio de 1886, nos Estados Unidos, grande greve paralisou mais de um milhão de operários. Mais de 100 mil pararam a cidade de Chicago. Ali houve forte repressão policial, com gente ferida e mortes. Quatro dias depois uma greve ainda maior, nova repressão, outras mortes e a prisão de oito dirigentes daquela manifestação. Num julgamento a "toque de caixa" e com "cartas marcadas", os jurados decidiram pela condenação dos oito como os responsáveis pelos acontecimentos. Dois foram condenados à prisão perpétua e um a 15 anos de prisão (Miguel Schwab, Oscar Neeb e Samuel Fielden). Os outros cinco foram condenados à morte pela forca em praça pública: August Spies, Albert Parsons, Adolph Fischer, George Engel e Luiz Lingg - este último preferiu o suicídio na cela.
 
As lutas se intensificaram em todos os países e, aos poucos, as oito horas foram sendo conquistadas, assim como condições específicas para o trabalho das mulheres e menores e tantos outros benefícios.
 
Passados 125 anos, o Capital desfecha novos golpes contra a classe trabalhadora em todo o mundo capitalista, roubando direitos conquistados com muita luta e muito sangue derramado. No Brasil não é diferente. Os empresários querem o fim da jornada de 44 horas.
 
Na prática, obrigam seus trabalhadores a jornadas mais longas, superiores até a 10 horas, inclusive aos sábados, domingos e feriados. Exigem reformas da Previdência para que os trabalhadores se aposentem após 65 anos (mulheres aos 60) de idade, e um mínimo de 35 anos de contribuição. Com a rotatividade no emprego, o desemprego e os trabalhos precários, poucos chegarão à aposentadoria: morrerão trabalhando. Querem o fim do 13º salário, diminuição das férias, eliminação da licença gestação/maternidade e a livre negociação por empresas para facilitar o achatamento dos salários e quebrar de vez o papel representativo dos sindicatos.
 
Quantos outros direitos já não vêm sendo surrupiados aos trabalhadores, disfarçadamente? Um exemplo: a contratação para trabalhar sem registro por experiência ou temporariamente.
 
Nossas esperanças foram depositadas na formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983. O momento político da época e o avanço da consciência da classe trabalhadora foram determinantes para esse novo passo do conjunto do movimento sindical.
 
Entretanto, o empresariado não estava dormindo. Buscou novos aliados e provocou o racha no movimento dos trabalhadores. Da união do peleguismo comandado por Joaquinzão com a direção do então PCB, do PC do B e do MR-8, nasce a divisionista CGT para combater as greves por categorias profissionais ou mesmo gerais, como vinha acontecendo. Era o esforço para dividir a classe operária, colocando-a a serviço dos interesses patronais.
 
Contrariados com os fracos resultados dessa divisão, os homens do capital patrocinaram a formação de mais uma central: A Força Sindical (ou Farsa sindical?). O "sindicalismo de resultados", troca dos dedos por alguns anéis, levou à capitulação progressiva da direção cutista. Já nos anos 90 percebia-se que a direção da CUT não estava mais interessada em defender os interesses dos trabalhadores. Sua meta era outra: levar Lula à presidência da República, a qualquer preço. E esse preço incluía a passividade do movimento sindical.
 
Hoje, estamos assistindo à mais vergonhosa capitulação das centrais sindicais tradicionais aos interesses do capital nacional e internacional. Sobretudo a CUT e a Força Sindical - verdadeiras inimigas entre si nos anos 90 -, tornaram-se cúmplices da entrega dos nossos direitos ao capital e se unem para abafar a consciência e a memória histórica dos trabalhadores. Em São Paulo, estão unidas na promoção do show no dia 1º de maio, a Força, a UGT, CGTB, CTB (esta correia de transmissão do PC do B) e Nova Central. Show financiado por empresas estatais (Petrobras, Caixa, Eletrobrás) e muitas empresas particulares (Brahma, Carrefour, Casas Bahia, Pão de Açúcar, BMG, Banco Itaú, Bradesco*), que financiarão também 20 carros a serem sorteados durante o show.
 
O que é, então, celebrar o 1º de Maio, hoje, 125 anos depois dos acontecimentos de Chicago? É retomar a organização autônoma dos trabalhadores, a começar pelos locais de trabalho (fábricas, comércio, hospitais, escolas, unidades públicas e também nas comunidades), para reforçar os sindicatos que continuam comprometidos com os trabalhadores; é fazer novas experiências de organização e de lutas visando a construção de um outro instrumento de lutas, que não repita os desvios ideológicos como vem acontecendo nos últimos 20 anos; é entrar nas lutas em defesa dos nossos direitos, pelas 40 horas semanais, contra as reformas que visam eliminar direitos conquistados e que estão circulando no Congresso Nacional, entre tantas outras importantes.
 
Participe dos atos em memória dos nossos mártires! É urgente somar forças com os setores do movimento sindical e popular que ainda resistem aos ataques do capital e renovar o compromisso de lutar em defesa dos nossos direitos.
 
Em São Paulo, ato na Praça da Sé, a partir das 10,00 horas
 
Atividades culturais, memória dos 125 anos de lutas e apresentação da pauta de lutas da Classe Trabalhadora. Patrocínio das Pastorais Sociais, de parcela do movimento social, dos sindicatos ligados à Conlutas e Intersindical, Consulta Popular e partidos da esquerda (PSOL, PCB, PSTU).
 
* Fonte: Folha de 24/04, página A10.
 
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

Rebeliões: destruindo os estereótipos das mulheres árabes


Por Soumaya Ghannoushi*Na Carta Capital

Entre esta nova geração de proeminentes mulheres árabes, a maioria escolhe usar o hijab. Urbanizadas e educadas, elas não são menos confiantes e carismáticas que suas irmãs “desveladas”.
As revoluções árabes não somente estão abalando as estruturas da tirania até suas mais profundas fundações, como estão destruindo muitos dos mitos a respeito da região árabe que têm se acumulado por décadas. No topo desta lista de mitos dominantes estão aqueles das mulheres árabes como enjauladas, silenciadas, e invisíveis. Estes não são os tipos de mulheres que apareceram na Tunísia, Egito, ou mesmo no ultraconservador Iêmen nas últimas semanas e meses.
Não apenas as mulheres participaram ativamente nos movimentos de protestos enfurecidos nestes países, como desempenharam também papeis fundamentais. Elas organizaram protestos e piquetes, mobilizaram muitos cidadãos, e eloquentemente expressaram suas exigências e aspirações por mudanças democráticas.
Como Israa Abdel Fatteh, Nawara Nejm e Tawakul Karman, a maioria das mulheres está na faixa dos 20 ou 30 anos. Há ainda casos inspiradores de ativistas mais velhas: Saida Saadouni, uma mulher com seus 70 anos na Tunísia, enrolou a bandeira nacional em seus ombros e participou dos protestos de Qasaba, que conseguiram derrubar o governo provisório de M. Ghannouchi. Tendo protestado por duas semanas, ela disseminou um espírito revolucionário único entre os milhares que se reuniram a sua volta para escutar seus discursos incendiários. “Eu resisti à ocupação francesa. Eu resisti às ditaduras de Bourguiba e Ben Ali. Não descansarei enquanto nossa revolução não chegar ao fim, por vocês, meus filhos e filhas, não por mim,” disse Saadouni.
Seja nos campos de batalha virtuais da internet ou nos protestos físicos nas ruas, as mulheres têm se provado como reais incubadoras de lideranças. Isto é parte de um fenômeno mais amplo característico destas revoluções. A política aberta das ruas fez nascer e amadurecer futuras líderes. Elas crescem organicamente nos campos, muito mais do que sendo impostas de cima por organizações políticas, grupos religiosos ou imposições de gênero.
Outro estereótipo sendo desconstruído neste movimento é a associação da burca com a passividade, submissão e segregação. Entre esta nova geração de proeminentes mulheres árabes, a maioria escolhe usar o hijab. Urbanizadas e educadas, elas não são menos confiantes e carismáticas que suas irmãs “desveladas”. Elas são uma expressão da complexa formação da cultura muçulmana, com processos de modernização e globalização sendo a marca fundamental da sociedade árabe contemporânea.
Este novo modelo de líderes mulheres criadas em suas terras natais, nascidas de levantes revolucionários, representa um desafio a duas narrativas, as quais, embora diferentes nos detalhes, são similares em referência ao mito da singularidade cultural árabe; ambos destituem a figura da mulher árabe como criatura inerte e sem força de vontade.
A primeira narrativa – que é dominante nos círculos muçulmanos conservadores – sentencia as mulheres a uma vida de reprodução e criação das crianças; mulheres são feitas para viver nos estreitos confins de suas casas com a permissão de seus maridos e parentes homens. Sua presença deve se limitar em torno de noções de pureza sexual e honra familiar; interpretações reducionistas da religião são procuradas para justificar isto.
A outra visão é abraçada por euro-americanos neoliberais, que veem as mulheres árabes e muçulmanas através do estreito prisma do modelo Talibã: objetos miseráveis de pena que precisam de uma intervenção benevolente de intelectuais, políticos ou mesmo militares. Mulheres árabes aguardam a libertação da jaula escura do velamento para um jardim prometido de iluminação.
As mulheres árabes estão se rebelando contra ambos modelos: elas estão tomando para si as rédeas dos próprios destinos libertando a si mesmas, ao passo em que libertam suas sociedades das ditaduras. O modelo de emancipação que estão conformando com suas próprias mãos é definido por suas próprias necessidades, escolhas e prioridades – e de ninguém mais.
Embora possa haver resistência a este processo de emancipação, a Praça Tahrir e Qasaba agora são parte da psiquê e da cultura das mulheres árabes. De fato, elas finalmente têm voz para gritar seus há muito silenciados anseios por libertação do autoritarismo – tanto político quanto patriarcal.

* Tradução de Cainã Vidor.

* Publicado originalmente no site da Al Jazeera, em português no Envolverde.