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domingo, 23 de março de 2014

Negócio mais polêmico da Petrobras vem da era FHC | Brasil 24/7

terça-feira, 8 de outubro de 2013

LASIER MARTINS, RBS E O ALASTRAMENTO INSTITUCIONAL DO PODER SIMBÓLICO

LASIER MARTINS, RBS E O ALASTRAMENTO INSTITUCIONAL DO PODER SIMBÓLICO


Funcionário há 27 anos do Grupo RBS, que domina a comunicação no Rio Grande do Sul, e um de seus mais expressivos e reacionários “formadores de opinião”, Lasier Martins anunciou nesta segunda-feira, em seu comentário diário no Jornal do Almoço, sua pré-candidatura ao Senado Federal. Lasier se filia ao PDT, partido do prefeito de Porto Alegre José Fortunati, e, como manda o “Código de Ética” da empresa, se desliga do Grupo RBS. Ele se soma a dois candidatos oriundos da mesma empresa, André Machado, que filiou-se ao PCdoB para concorrer a deputado federal, e Ana Amélia Lemos, eleita senadora há dois anos e agora pré-candidata do PP ao governo do estado.
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Lasier liga-se ao PDT alegando compromisso com a Educação e com o combate à corrupção, mas, considerando-se as relações internas à empresa, fica difícil supor que tanto ele quanto André Machado não irão apoiar a candidatura de Ana Amélia Lemos ao Piratini, ainda que suas siglas sigam caminho diferente – o que está longe de ser uma certeza. No último processo eleitoral, Ana Amélia ignorou a posição de seu partido e apoiou a candidatura à Prefeitura de Manuela D’Ávila, principal liderança do PCdoB. A retribuição pode vir agora, com Manuela como provável fenômeno de votos para deputada estadual (ela já anunciou não querer concorrer a federal) acompanhada por André Machado, candidato a deputado federal. Cresce assim a possibilidade de a sigla apoiar a candidata do PP, já que seus dois principais candidatos poderiam posicionar-se nesse sentido.
O mesmo acontece com o PDT, que não terá candidato a governador, recusou recentemente ampliar seus cargos no governo Tarso Genro (PT), e tem agora sua principal expressão eleitoral em Lasier Martins. Além disso, a cada vez mais difícil relação entre PDT e PT em Porto Alegre pode facilitar a formação de um frentão contra Tarso, por Ana Amélia. E sabe-se lá o que vai acontecer com o PSB no Rio Grande do Sul, já tendo rompido com o governo e sendo o deputado federal Beto Albuquerque seu único nome de expressão.
Para além da questão eleitoral, apresenta-se mais uma vez o Grupo RBS como principal força política da direita no estado. Embora dois de seus candidatos tenham se filiado a partidos considerados de centro, PCdoB e PDT já assumiram faz tempo, majoritariamente, o pragmatismo como problema superior à ideologia, e trazem para ser seus principais candidatos dois atores políticos que atuam reconhecidamente sob o ideário do conservadorismo.
É claro que o Grupo RBS não pretende com isso tomar o poder para si. Não é esse o papel que cumpre. Embora muitas vezes atue como um, não é um partido político. Faz, na verdade, nada mais do que o poder que lhe cabe em uma sociedade capitalista na qual os meios de comunicação são altamente concentrados: é a proprietária do Poder Simbólico, e na manifestação e ampliação desse poder invade o Poder Político, em essência – embora não na aparência – de forma semelhante ao que faz com o Poder Econômico e o Poder Coercitivo. Procura enfraquecer, para então permear e direcionar os poderes político, econômico e coercitivo, mas sempre com o Poder Simbólico como norte fundamental.
A dinâmica que se coloca é que representantes do Poder Simbólico – que norteia a forma como a sociedade organiza sua visão de mundo, sua ideologia – se expandem pelos demais poderes, e os conglomerados que controlam o Poder Simbólico veem seu ideário, seu discurso, sua influência abraçarem cada vez com mais consistência as outras esferas de poder, cooptando-as e afirmando seu poder social geral.
Não há aqui qualquer crítica ao fato de que funcionários do Grupo RBS se candidatem. Não é esse o problema, todo cidadão tem direito – ou deveria ter – a candidatar-se ao que quiser. A disputa está colocada, e um possível aprofundamento da formação de um imaginário conservador em todas as instâncias de poder social é algo preocupante do ponto de vista dos movimentos sociais e das lutas populares. Troca-se o discurso fácil, direto e muitas vezes raivosos da direita tradicional por um discurso mais esperto, mais pragmático e tortuoso de quem por longos anos introjetou o discurso e a prática de uma empresa que sempre representou interesses distantes dos da maioria da população.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

‘Precisamos rediscutir o modelo de sociedade, antes de determinar a forma de eleição de políticos’



ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO
 do CORREIO DA CIDADANIA





Ainda estamos no calor da onda de manifestações que fazem crer em novos rumos para o país, a despeito do desconcerto que ainda afeta os governos instituídos, incapazes sequer de abrir mão da repressão militar nas ruas, enquanto desengavetam propostas há muito tempo fora de suas pautas, postas à mesa com pressa jamais vista.

Para comentar um pouco sobre o mês que abalou as estruturas do país, e também sobre a propalada reforma política, agora entusiasticamente oferecida por Dilma, o Correio da Cidadania entrevistou o jurista e livre docente da USP, Jorge Luiz Souto Maior.

Para Souto Maior, o atual momento “ficará para a história como um momento de ruptura, de transformação por parte sociedade brasileira, que não será mais a mesma, certamente. Também não serão mais as mesmas as instituições brasileiras, que sentiram fortemente o peso da manifestação popular”, resume.
O jurista enfatiza, no entanto, que as manifestações populares exigem, em seu fundo, uma maior intervenção social do Estado, no sentido de organizar e promover adequadamente os serviços públicos e essenciais. Além de mencionar que os acenos dados até agora pelo governo neste sentido são muito genéricos, faz uma importante  advertência quanto ao tema para o qual mais se voltou o governo até o momento, e aquele que tem recebido maior cobertura na mídia corporativa,  a reforma política.  “Precisamos discutir que modelo de sociedade nós queremos, pra determinar a medida da atuação que se deseja dos políticos e do governo. Penso que a questão, já posta na mesa, sobre a participação mais ativa do Estado nos temas que dizem respeito aos direitos sociais e à economia é algo mais importante do que simplesmente determinar a forma de eleição dos políticos”.

Quanto à ideia de uma Assembleia Constituinte para levar adiante uma reforma política, seja ela instituída de forma ampla  - uma forma de, justamente, levar a cabo uma revisão mais profunda do modelo de sociedade -, seja de forma específica - convocada por Emenda Constitucional, de acordo com a Constituição -, Souto Maior não a enxerga como oportuna. “Creio que essa reforma política pode ter a necessidade de uma constituinte, mas a proposta parcial – fora de um contexto, digamos, revolucionário, e pura e simplesmente dentro de um acerto do modelo de sociedade que aí está – é muito perigosa, na medida em que se abre a porta para a fragilidade da Constituição como um todo, tanto daquilo que ela tem de ruim como também daquilo que tem de bom. E a Constituição de 1988, é importante lembrar, fez parte de um pacto de reconstrução da sociedade brasileira, na forma de um Estado Social-democrático, que na realidade ainda não foi implantado (...) Ainda precisamos implantar a Constituição de 1988”.

O jurista não teme, finalmente, por retrocessos, uma vez que, acima de tudo, o povo tomou as ruas para colocar suas urgências em pauta, como há muito não se via. “Tais reivindicações de massa representaram uma espécie de sepultamento da lógica neoliberal”, completa, complementando que o atual momento deve ser visto também pela perspectiva da crise internacional do capitalismo e seu modelo de sociabilidade e produção, em última análise, o autêntico estopim da revolta.

A entrevista completa com Jorge Luiz Souto Maior pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como o senhor tem visto e o que significa, em sua análise, o desenrolar dos acontecimentos políticos desde o início das manifestações até o seu atual estágio?
Jorge Luiz Souto Maior: Eu vejo o momento muito positivamente, porque é uma demonstração clara e evidente de que as pessoas em geral perceberam que toda mobilização precisa de luta. E, sobretudo, a população tem utilizado a mobilização para pleitear, com mais força, uma maior participação do Estado na vida social, no sentido da melhoria dos serviços sociais. De certa forma, o momento representa um pouco de saída daquela situação vivenciada até aqui, de isolamento, individualismo e certo egoísmo, trazendo um pouco dos valores da solidariedade a essa sociedade, os quais ela tanto precisa. Eu vejo tudo que ocorreu muito positivamente, do ponto de vista democrático, político e também pela conotação social relevante.

Correio da Cidadania: Acredita que este momento mais efervescente já sofreu algum recuo, um arrefecimento?

Jorge Luiz Souto Maior: A efervescência ainda está presente, mas acho que a tendência é diminuir, pelo que tenho visto. Não porque eu queira que diminuam os volumes de manifestações. De toda forma, o que já ocorreu não ficará para a história como algo que passou, simplesmente. Ficará para a história como um momento de ruptura, de transformação por parte sociedade brasileira, que não será mais a mesma, certamente. Também não serão mais as mesmas as instituições brasileiras, que sentiram fortemente o peso da manifestação popular.

O sentimento de força, adquirido pelas manifestações, certamente não ficará perdido mais adiante. Muitas conquistas concretas vieram, embora as reivindicações sejam bastante diversificadas. Houve conquistas e avanços concretos, que se anunciam ainda maiores, como poderemos ver através de uma eventual reforma política. Consequentemente, esses avanços a serem obtidos ficarão como demonstração clara de que as mobilizações sociais são relevantes.

Correio da Cidadania: Quanto à reação e medidas que têm tomado os mandatários, prefeitos, governadores e presidente da República, o que teria a comentar?

Jorge Luiz Souto Maior: Acho que as reações dos governantes, independentemente dos partidos – todos eles, é importante frisar – demonstram uma evolução das manifestações, evidenciando exatamente a conquista do movimento. Porque, num primeiro momento, os governantes desprezaram a força das mobilizações ou quiseram abafá-las, utilizando antigas estratégias de repressão. E tiveram que mudar sua postura, foram forçados a mudar a postura, diante dos eventos que se sucederam e passaram a ser notícia mundial, levando-os a tomarem medidas concretas no sentido de acolher as reivindicações, ou pelo menos parte delas.

Isso mostra, consequentemente, que as mobilizações representaram muitas vitórias e uma delas é exatamente essa: a evolução dos próprios governantes diante das mobilizações sociais, aceitando agora o desafio futuro, em relação ao que vem daqui por diante. Porque as questões colocadas em jogo se anunciam para brevemente, já estão prestes a ocorrerem, ao menos de acordo com o discurso dos próprios políticos.

Qual será a postura dos governantes diante de mobilizações sociais, com reivindicações mais emergentes e mais urgentes, vindas das periferias das cidades, das classes sociais, sobretudo dos trabalhadores? Os movimentos sociais que em grande parte são criminalizados têm agora a importante possibilidade de serem vistos através de suas reivindicações democráticas e também suas mobilizações, dando um impulso ao diálogo e à evolução concreta dos arranjos sociais, políticos e econômicos. Teremos de ver como tudo sucederá. Em princípio, parece que, necessariamente, terá de haver avanços.

Correio da Cidadania: No que se refere especificamente às medidas anunciadas pela presidência da República, para saúde, educação, transportes e sistema político, como você as recebeu, no geral?
Jorge Luiz Souto Maior: É evidente que algumas soluções exigidas nas reivindicações, quanto à saúde pública, educação pública e, sobretudo, o transporte com tarifa zero, não se resolvem de uma hora pra outra. De todo modo, o governo acenou com algumas soluções, que não são nem definitivas nem amplamente satisfatórias, cabendo verificar daqui por diante a eficácia de tais medidas em curto espaço de tempo, a fim de compreendermos se efetivamente representam algum avanço, na perspectiva das reivindicações populares.

Pessoalmente, não sei dizer se as medidas oficiais vão conduzir aos avanços, acho que devem ser feitos acenos maiores, mais abrangentes, mais definitivos. Mesmo assim, essa é uma verificação a ser feita na sequência, pra sabermos se algum desses anúncios representa evolução. Pessoalmente, acredito que são acenos genéricos demais e precisariam de definições mais concretas.

O debate apenas se iniciou e precisa ser aprofundado, não é possível ficar apenas na promessa de que serão destinados, futuramente, determinados valores dos royalties do petróleo, um percentual ‘xis’ do orçamento, para a educação e a saúde. É preciso saber quanto será administrado, de fato, para a educação, a saúde, e como esse dinheiro efetivamente vai ser empregado, quais são as políticas concretas para viabilizar a educação pública de qualidade e o acesso a ela, seja no ensino fundamental, médio ou superior.

Como será, de fato, o acesso à política, à educação e à saúde pública, sobretudo frente ao interesse privado nas áreas da saúde e também da educação?

São questões bastante relevantes para serem tratadas, de forma que não basta apenas destinar dinheiro. É preciso saber concretamente como e se o dinheiro será usado, quais serão exatamente as políticas para a resolução do quadro atual etc.

Correio da Cidadania: No sentido de novas providências a serem tomadas, a reforma política é o tema para o qual mais se voltou o governo até o momento e aquele que tem recebido maior cobertura na mídia corporativa – e, para a sua consecução, foi anunciada pela presidente Dilma até mesmo a tão criticada, e já descartada, Assembleia Constituinte. Como enxerga a necessidade e urgência de se promover uma reforma política em nosso país?
Jorge Luiz Souto Maior: Não tenho conhecimento profundo dessa questão. Eu tenho visto e lido bastante coisa, em geral com as pessoas pautando a reforma política como forma de gerar benefícios ao país, na perspectiva de melhorar as formas de representação. Vejo discussões sobre como os políticos poderiam representar mais democraticamente a sociedade, como a eleição poderia ser feita de forma a encontrar representantes ou políticos mais conectados com a vontade popular etc.

De todo modo, não sei se basta. Precisamos discutir que modelo de sociedade nós queremos, pra determinar a medida da atuação que se deseja dos políticos e do governo. Penso que a questão, já posta na mesa, sobre a participação mais ativa do Estado nos temas que dizem respeito aos direitos sociais e à economia é algo mais importante do que simplesmente determinar a forma de eleição dos políticos.

Parece também que se corre o risco de considerar todos os problemas vivenciados na sociedade, em geral, frutos da política e sua representação, como se os problemas decorressem somente da classe política partidária, deixando de lado as discussões mais relevantes, em torno da crise econômica nacional e mundial, que passa pelo modelo capitalista de produção. Ou seja, falta a perspectiva econômica e social, que transcende a atuação coletiva, pura e simples, dos políticos.

A sociedade precisa participar mais ativamente do debate a respeito do modelo de gestão de sua vida, dada a estagnação vivenciada, em nível mundial, pelo modo capitalista de produção, o que consequentemente requer, no mínimo, uma remodelação, chegando à sua reavaliação profunda.

Correio da Cidadania: Ainda a respeito da reforma política, muitos advogam que seria de fato mais efetiva uma Constituinte do que um instrumento limitado, para muitos oportunista, como o plebiscito: existem dede os que defendem uma ampla Constituinte -  uma forma de, justamente, levar a cabo uma revisão mais profunda do modelo de sociedade -, até aqueles que propõem uma “assembleia constituinte (revisora) específica, convocada conforme a Constituição, por Emenda Constitucional, para conectar as instituições políticas da República com o povo, que é o poder constituinte real” - conforme chegou a clamar o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Como o senhor se posiciona nesse debate?
Jorge Luiz Souto Maior: O momento de realizar uma constituinte, pelo que tenho visto, em termos de necessidade, parece não existir. Creio que essa reforma política pode ter a necessidade de uma constituinte, mas a proposta parcial – fora de um contexto, digamos, revolucionário, e pura e simplesmente dentro de um acerto do modelo de sociedade que aí está – é muito perigosa, na medida em que se abre a porta para a fragilidade da Constituição como um todo, tanto daquilo que ela tem de ruim como também daquilo que tem de bom. E a Constituição de 1988, é importante lembrar, fez parte de um pacto de reconstrução da sociedade brasileira, na forma de um Estado Social-democrático, que na realidade ainda não foi implantado. Vejo muito por esse aspecto: ainda precisamos implantar a Constituição de 1988, de fato, na sociedade, realizando melhorias na vida através dela.

Ressalto que a melhoria do atual modelo de sociedade requer outras avaliações, requer uma reparticipação, uma repactuação, que precisaria ser muito discutida, muito pensada e muito idealizada, passando por uma avaliação profunda da sociedade brasileira. E simplesmente utilizar uma Constituinte, numa perspectiva parcial, sem uma discussão mais ampla, não é o melhor caminho.

Encaminhar o plebiscito, sugerido pela presidente, me parece melhor e mais adequado, podendo também surtir efeitos relevantes, neste caso atraindo as pessoas para as ruas para um debate político concreto, elevando o nível da discussão. Isso tem efeito importante. Vejo algumas manifestações contrárias ao plebiscito, pois existem questões complexas sugeridas, e que seriam direcionadas ao voto direto da população. Mas creio que, nesse aspecto, há um certo pré-conceito quanto às possibilidades de compreensão da sociedade, em geral, a respeito de seus próprios problemas.

Penso que a sociedade de hoje, sobretudo os estudantes e jovens, é muito apta e rápida na compreensão das coisas, muito mais inteligente do que já foi no passado, e bastante comprometida, embora tenha quem diga o contrário, que tais jovens não estão aí para nada. Não é verdade. Há certa subestimação sobre o que representa essa movimentação política para os jovens. Creio, portanto, que eles são bastante aptos para conduzirem a discussão.

Correio da Cidadania: Abordando alguns detalhes de uma eventual reforma política, fala-se de voto distrital, voto proporcional em lista fechada, financiamento público de campanha, dentre outros aspectos. O que o senhor comentaria a respeito desses pontos ou priorizaria como elementos essenciais para um reforma política no país?

Jorge Luiz Souto Maior: Escolhendo um ponto, me parece que a questão do financiamento público de campanha é a mais relevante a ser avaliada. Mas, de fato, todos os pontos mencionados têm sua importância.

Correio da Cidadania: Acredita que o atual momento crie circunstâncias políticas favoráveis para se levar a cabo uma reforma política que, ainda que circunscrita pela ordem burguesa, tenha um cunho mais progressista, que combata firmemente a “privatização dos mandatos”, consequentemente contrariando os próprios interesses do sistema econômico vigente?

Jorge Luiz Souto Maior: Eu tenho impressão que sim. Tenho impressão que as forças sociais ou a consciência atual tende, mesmo, para o lado da reivindicação social, dos direitos sociais e uma participação mais ativa do Estado na economia e na realidade social, no sentido da diminuição das desigualdades, evitando a diminuição dos direitos sociais, tal como estamos vivenciando.

Acredito que a sociedade tenderá a uma reforma que vise aquilo que ela desconhecia, e não simplesmente a reafirmação de um modelo econômico neoliberal, o que, afinal, mostrou o momento que estamos vivendo. Acho que tais reivindicações de massa representaram uma espécie de sepultamento da lógica neoliberal.

Desse ponto de vista, a gente só pode ser otimista quanto ao que virá. De todo modo, sendo pessimista ou otimista, acho que o problema não é este. Penso que temos de nos dar a chance de conhecer a fundo a sociedade em que vivemos. Não dá pra ter medo do que virá das manifestações populares, porque, no fim das contas, precisamos conhecer a fundo a nossa sociedade.

Correio da Cidadania: O que vislumbra, finalmente, como o decorrer destes intensos acontecimentos das últimas semanas, para curto e médio prazos?

Jorge Luiz Souto Maior: É muito difícil imaginar. Já é difícil entender o presente, mais difícil ainda prever o futuro. Se nós conversássemos há um mês, arrisco-me a dizer que não estaríamos aqui hoje com essa conversa, com todos os fatos que já ocorreram. Na verdade, não só a sociedade brasileira, mas o modelo de sociedade mundial, caminha a passos largos em direção ao estado de estagnação, em nível de caos mesmo. Bastaria um estopim pra que as coisas se apresentassem, mais precisamente no que diz respeito à realidade social. Foi o que acabou ocorrendo, de certa forma a previsão não era tão difícil de ser feita. Mas, agora, prever o que virá por diante, depois de tudo que aconteceu, é difícil. A única coisa que posso dizer, com muita segurança, é que não haverá um passo pra trás, só para a frente, adiante.

A pior leitura que se pode fazer é dizer que tudo vai voltar ao que era, que nada disso valeu a pena, foi só um fogo de palha. De fato, não vai, e acho que essa previsão é possível fazer. Mas saber qual o limite é uma grande dificuldade, porque acho que os problemas identificados não serão resolvidos rapidamente, a insatisfação permanecerá, outros problemas de natureza social tendem a se manifestar, ainda mais dentro da atual lógica econômica.

A reivindicação sempre vem dentro de outra perspectiva econômica, a de avançar sobre os direitos dos trabalhadores. Se isso se repetir, de que forma os trabalhadores reagirão, de que forma a sociedade vai se mobilizar contra, como se portarão os movimentos sociais, reivindicando moradia, reivindicando justiça social, reivindicando melhores condições de vida, de trabalho, como as respostas serão efetivamente dadas, é toda uma dinâmica que está posta na mesa, ainda sem conclusões.

É uma dinâmica que vai gerar efeitos múltiplos e imprevisíveis. Porque, de toda forma, fingir que essas coisas não estão acontecendo, tal como vivenciávamos até então, fazendo de conta que a sociedade estava coesa, bem unida a partir de um bem comum etc., não é mais uma postura sustentável. Em certo sentido, a sociedade está unida, mas, neste caso, pela busca de uma outra sociedade, uma sociedade que supere todos os problemas que estão postos e identificados. Não é mais possível fingir que tais problemas não existem. De que forma as pessoas mobilizadas se contentariam, eventualmente, com uma não solução dos problemas é algo que não dá pra prever. Mas, certamente, tal dinâmica continuará se desenvolvendo.

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Luciana Genro: “PSOL não pode cair na lógica de ganhar eleições a qualquer custo”


 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Ex-deputada estadual e federal, Luciana Genro é pré-candidata do PSOL à Presidência da República | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Samir Oliveira e Iuri Müller *no SUL21
Depois de sucessivos mandatos como deputada estadual e federal, e impedida pela lei eleitoral de concorrer a cargo legislativo no ano que vem, Luciana Genro prepara-se para tentar a Presidência da República pelo PSOL. O congresso nacional do partido, marcado para dezembro, pode referendar o nome de Luciana como candidata da sigla ao Planalto – ainda que outros nomes, como o senador Randolfe Rodrigues (AP) e o deputado federal Chico Alencar (RJ), possam também disputar essa indicação.
Em conversa com o Sul21, Luciana Genro defendeu sua pré-candidatura como uma reafirmação da disposição do PSOL em fazer política sem comprometer-se com métodos que descaracterizem o ideário da sigla. “Vou até o final nessa disputa”, acentuou, citando também pontos que considera fundamentais na eventualidade do PSOL chegar ao poder – o principal deles, a convocação de uma assembleia popular constituinte. “A partir dessa assembleia constituinte, rediscutiríamos as formas de representação e as formas como as instituições do país se organizam”, explica a pré-candidata.
Na entrevista, Luciana Genro tratou também dos protestos que tomaram conta do Brasil no mês de junho – manifestações que, segundo ela, demonstraram que o PT não mais dialoga com movimentos sociais – e da necessidade de incorporar as indignações expressas nas ruas dentro da construção de uma nova concepção de atividade política. Além disso, falou sobre a saída de Heloísa Helena do PSOL e de sua própria situação política – como seu pai, Tarso Genro, é governador do RS, ela foi impedida de concorrer a vereadora de Porto Alegre nas eleições do ano passado. O que, mesmo impedindo seu retorno às atividades parlamentares enquanto o pai for governador, ela garante não lamentar de todo. “Ficar sem mandato me permitiu participar dos movimentos e das atividades partidárias em uma outra posição”, diz ela.
Sul21 – Como foi a indicação da tua pré-candidatura à presidência pelo PSOL?
Luciana –
 O PSOL vive um processo de debate político muito rico. Em dezembro teremos o nosso quarto congresso, que acontece em um momento muito positivo da conjuntura política do país, principalmente depois das jornadas de junho. A nosso ver – e essa é uma avaliação bastante homogênea no PSOL –, as manifestações de junho mudaram de forma bastante consistente a conjuntura política e as perspectivas da política no Brasil. O levante de junho, como temos chamado, acabou fortalecendo dentro do PSOL a ideia de que precisamos ser um partido que se diferencie do conjunto de partidos colocados na política nacional. Isso já era uma definição desde a fundação. Quando decidimos fundar o PSOL, foi porque não aceitávamos a lógica da política tradicional, de fazer promessas na campanha e depois as enterrar em nome do pragmatismo e da governabilidade. Por isso eu, o Babá, a Heloísa Helena e o João Fontes fomos expulsos do PT há dez anos. O mote foi a reforma da previdência, que foi comprada com o mensalão.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Randolfe defende política desconectada da necessidade do PSOL ser um partido sem resquício de pragmatismo e alianças”, aponta Luciana Genro | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Teu nome ainda precisa passar por votação no congresso do partido?
Luciana -
 O congresso acontece nesse caldeirão político, em dezembro, e o meu nome foi apresentado. São três correntes dentro do PSOL que estão defendendo meu nome. Dentro do partido, existe um grupo chamado Bloco de Esquerda, que se contrapõe à ala que é dirigida pelo presidente Ivan Valente – e que tem nas suas fileiras, como possível candidato à presidência, o senador Randolfe Rodrigues. Primeiro, haviam lançado o Randolfe como candidato a presidente pelo PSOL. Então o Bloco de Esquerda, inconformado, se organizou e algumas correntes dentro do Bloco apresentaram o meu nome. É este o debate político que estamos construindo. Mas o Randolfe mudou de ideia, não se sabe bem se vai ser ele o candidato a presidente do outro grupo.
Sul21 – Qual a diferença política entre esses dois grupos?
Luciana -
 O Randolfe e o grupo que ele representa defendem uma linha política que, na nossa opinião, está desconectada da necessidade de o PSOL ser um partido fora da ordem, de abandonar qualquer resquício de pragmatismo e de alianças, particularmente – mas não só isso -, para ganhar eleições. No Amapá, onde o Randolfe tem sua base, o PSOL ganhou a eleição para prefeitura da capital, Macapá, o que foi uma vitória importante. Mas ganhou em um esquema político que não ajuda no processo de construção do partido enquanto alternativa de esquerda que realmente renega as formas tradicionais de fazer política. Lá, o PSOL chegou a ter o apoio do DEM no segundo turno e fez alianças com partidos da base do governo Dilma. Tudo isso está gerando um debate político que é muito bom para o partido, porque ajuda a desenvolver as caracterizações, avaliações e o próprio pensamento da militância.
“A principal preocupação é que o PSOL não reproduza a lógica de ganhar eleições a qualquer custo. Política vai muito além de postos institucionais”

Sul21 – Como tu avalias as mudanças pelas quais o partido passou agora com a conquista das prefeituras de Macapá e de Itaocara (Rio de Janeiro)? Quais as diferenças nesses dois processos?
Luciana –
 É difícil fazer uma comparação justa, porque são prefeituras bem diferentes. Uma é capital e a outra é uma cidade bastante pequena. Mas algumas questões de método são interessantes de se comparar. Por exemplo, a forma como foram escolhidos os secretários. Em Itaocara, cujo prefeito integra uma das correntes da esquerda do PSOL – a corrente do Babá, a CST – o secretariado foi escolhido com a participação da comunidade e do funcionalismo público. Houve um debate muito mais sobre as qualificações técnicas e políticas das pessoas do que indicações partidárias. Há um processo de mobilização muito positivo na cidade, que, inclusive já havia conquistado o passe livre para estudantes antes mesmo do levante de junho. Já em Macapá, temos indícios de participações de pessoas indicadas por filiados de partidos da direita.
Sul21 – A eleição de 2012 intensificou o debate sobre alianças e pragmatismo eleitoral no PSOL?
Luciana –
 A principal preocupação é que o PSOL não reproduza a lógica de ganhar eleições a qualquer custo. É óbvio que ter parlamentares é uma coisa muito importante para o partido, assim como ganhar prefeituras. Mas a política vai muito além de postos institucionais. As ruas mostraram, em junho, que amplas parcelas da população não se sentem representadas nas instituições tradicionais da política. O PSOL tem que revolucionar a política. Isso significa que temos que disputar, sim, processos eleitorais. No Rio de Janeiro, chegamos a quase 30% dos votos para prefeitura da capital. Lá, fazemos uma política que é institucional e, ao mesmo tempo, anti-regime. Uma política que enfrenta as formas tradicionais de fazer política, que tem uma figura pública que é o Marcelo Freixo. O PSOL tem o desafio de andar no fio da navalha, de conseguir ao mesmo tempo ter uma participação na política institucional, mas não se render aos métodos tradicionais da política.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Candidato a governo do RS pelo PSOL ainda está em aberto: “é possível que seja o Roberto Robaina”, diz Luciana | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Falava-se que o Chico Alencar poderia ser um nome de consenso para representar o PSOL na disputa presidencial.
Luciana – 
Ele poderia ter sido, mas não é mais. Quando foi lançado o Randolfe e lançado o meu nome, em consequência, houve uma movimentação de um setor do próprio Bloco de Esquerda para que o Chico fosse candidato. O grupo que tinha me lançado disse que se o Chico topasse, dentro de uma linha política acordada por todos, seria consenso. Só que, a partir dali, o Chico fez uma movimentação política totalmente de alinhamento com a corrente do Ivan. Então já não há mais a possibilidade de consenso. Vou na disputa até o final. Eu só abriria mão da disputa para o Marcelo Freixo. Antes de lançar meu nome, procuramos ele, conversamos. Mas ele não pode ser candidato a presidente porque não pode ficar sem mandato, já que é uma pessoa perseguida pelas milícias, justamente porque mexeu no coração da corrupção política do Rio de Janeiro.
Sul21 – Como o partido está se preparando para as eleições do ano que vem em nível estadual?
Luciana –
 Teremos candidato a governador, ainda não sabemos quem será. É possível que seja o Roberto Robaina, mas isso ainda está em debate. Nossa meta mínima é a eleição de um deputado estadual, mas temos expectativa de poder ir além. Ainda não se sabe como exatamente essa insatisfação com a política tradicional vai refletir no processo eleitoral e em que medida o PSOL vai conseguir se credenciar enquanto um partido que está fora da ordem tradicional da política. Acredito que temos chances de crescer. Uma parte significativa dessa juventude já tem relações com o PSOL ou se organiza no Juntos, que é um movimento de juventude independente, mas onde muitos militantes do PSOL atuam. Temos a expectativa de atrair um setor importante dessa juventude que se mobilizou e está em busca de uma alternativa política.
“O modelo uruguaio é limitado, ataca somente um dos pontos das drogas, que é a maconha. Mas deixa de fora a cocaína. Esse debate tem que se abrir”

Sul21 – E qual é a tua plataforma política na disputa interna pela indicação à presidência pelo PSOL?
Luciana –
 A primeira questão é que o Brasil necessitaria de uma assembleia popular constituinte para reorganizar o conjunto das instituições do país. A eleição para essa assembleia já teria que ser feita sob novas regras, sem a interferência do capital privado; com a possibilidade de candidaturas avulsas, para que as pessoas que não se sentem representadas por partidos possam concorrer; com tempos de televisão minimamente igualitários para todos. Teria que ser um processo eleitoral que não fosse marcado pela venda de candidatos como produtos, mas sim pelo debate político real. A partir dessa assembleia constituinte, rediscutiríamos as formas de representação e as formas como as instituições do país se organizam, além de medidas de democracia direta, onde o povo pudesse interferir nas decisões que são fundamentais do país, como a questão da dívida pública.
Sul21 – De que forma o tema da dívida pública pode ser tratado?
Luciana –
 Hoje, mais de 30% do orçamento do país é destinado a pagar a dívida pública, sendo que a maior parte desse dinheiro vai para aumentar os lucros dos bancos, que estão lucrando muito nos últimos anos. Os bancos lucraram mais no governo Lula e Dilma do que no governo do Fernando Henrique. É uma questão que deveria ser discutida em um plebiscito: é justo que falte dinheiro para se investir em moradia, transporte, passe livre, por exemplo?
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Hoje, mais de 30% do orçamento do país é destinado a pagar a dívida pública, sendo que a maior parte desse dinheiro vai para aumentar os lucros dos bancos” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Que outros temas poderiam ser abordados na candidatura?
Luciana – 
Um tema que me sensibiliza muito, até porque sou advogada e estou me especializando na área penal, é a questão da descriminalização das drogas. O modelo uruguaio é limitado, ataca somente um dos pontos das drogas, que é a maconha. Mas deixa de fora a cocaína, que também é importante. Esse debate tem que se abrir. Também poderia ser objeto de um plebiscito com um debate político muito bem feito, para que se trate o problema da droga como uma questão de saúde pública, principalmente em drogas como a cocaína, que são de periculosidade elevada. Acho uma grande hipocrisia que a maconha seja tratada como uma droga proibida, já que tem nível de periculosidade igual ou inferior ao álcool e ao cigarro. Deveria ser uma droga lícita e deveriam ser alertados os perigos, da mesma forma que se alega do cigarro e do álcool.
Sul21 – No Uruguai, o controle estatal sobre a maconha veio com a justificativa de que acabaria com o tráfico.
Luciana – 
Grande parte da tragédia que a gente vive no sistema prisional está relacionadas com a ilegalidade das drogas. A maioria do dinheiro público gasto com segurança é dirigido ao combate ao tráfico. Isso já se demonstrou uma política falida. No mundo inteiro essas políticas estão sendo rediscutidas e o Brasil está atrasado nesse aspecto. É preciso que os problemas de saúde pública e de segurança sejam tratados de outra maneira, a partir da descriminalização. Mas essa é uma posição minha, que vai ter que ser discutida com o partido. A partir de eu ser escolhida como candidata, quero pautar esse debate com o partido e ver de que forma se pode fazer essa abordagem.
“Os problemas que foram colocados pelos movimentos de junho não foram resolvidos em absoluto. A tendência é que se retome essa pauta”

Sul21 – Em relação às manifestações, como tu avalias a resposta do poder público?
Luciana –
 A reação do poder público demonstrou que o conceito marxista e leninista sobre o Estado é mais atual do que nunca: de que o Estado é, em última instância o braço armado da burguesia para garantir seus interesses. O tratamento do Estado, em primeiro lugar, foi policialesco. Isso vale para todo o Brasil. Alguns governos reagiram com mais violência, outros com menos, mas a violência foi generalizada. As medidas concretas para responder aos problemas que foram colocados foram totalmente insuficientes. E as medidas mais “radicais” propostas pela presidente acabaram sendo engavetadas por ela própria, como seria a proposta de uma constituinte exclusiva para discutir a reforma política – que era insuficiente, mas era uma medida positiva. Os problemas que foram colocados pelos movimentos de junho não foram resolvidos em absoluto. A tendência é que se retome essa pauta. Talvez não com a mesma força e magnitude que aconteceu em junho, que foi um fenômeno político muito especial, que não se repete com tanta facilidade. Mas, com certeza – e isso já estamos vendo agora – se abriram as comportas para que as exigências sejam pautadas de forma mais constante. As lutas que vêm surgindo desde aquele momento não pararam mais. E acho que não vão parar.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
É necessário, segundo pré-candidata, organizar indignação de protestos de junho de forma a constituir novas lideranças e movimentos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – É possível intensificar os movimentos que desaguaram em junho?
Luciana -
 A tendência é que se possa avançar, tanto em termos de conquistas como também em termos de organização. A grande necessidade que se tem a partir do que aconteceu em junho é organizar a indignação. O PSOL é parte desse processo de tentar ajudar a organizar essa indignação, mas é claro que não é algo que passa só pelo PSOL. Desde que o PT ganhou a presidência da República, houve uma cooptação das lideranças dos movimentos sociais, e, portanto, um refluxo das lutas. Junho foi uma “revolução” porque mostrou que o PT já não controla mais os movimentos como conseguiu nos últimos dez anos. Isso possibilita que surjam novas lideranças e novos movimentos, ou que os movimentos que já existem ganhem novos contornos e deixem de se enjaular pelo governo.
Sul21 – O mês de junho foi de contestações ao governo quase diárias. Também exigiu respostas dos partidos em vários setores. Na tua opinião é uma oportunidade para que o PT tente se reinventar?
Luciana 
– O PT não consegue mais se reinventar, porque já não tem mais oxigênio interno para se renovar. O ponto de corte foi a nossa expulsão. Foi a mensagem clara de que não havia espaço dentro do PT para quem não se alinhasse com as necessidades do governo. Quem ficou no PT – e eu não digo os eleitores, mas os dirigentes – aceitou essa lógica de submissão dos interesses do povo às necessidades do governo. O PT tem oxigênio eleitoral, e é possível que a Dilma ganhe novamente as eleições. Mas, enquanto um partido de transformação, o PT está morto. Pode ser um partido de eleições, de governos que são instrumentos para aplicação das medidas necessárias para a reprodução do capitalismo. Não vai além disso.
Sul21 – Tu falaste que as manifestações demonstram que exige uma base social que contesta o sistema e a política tradicional. Mas algumas análises dizem que, em alguns momentos, as manifestações tiveram grande presença da direita e de uma classe média que acaba reproduzindo anseios apolíticos. Tu tens essa avaliação ou acreditas que as manifestações são a expressão de uma massa que reflete mais o pensamento da esquerda?
Luciana –
 Não acho que seja uma massa que reflete o pensamento da esquerda. Mas acho que essa história do “golpe” foi uma invenção do PT para tentar desacreditar o movimento e tentar explicar sua própria impotência diante de um movimento que o transbordou completamente. As pessoas que acreditavam no PT ou as que ainda viam na política uma forma de transformação se desiludiram. Viram o PT – que era um partido que se construiu contestando a corrupção e a submissão do país aos interesses do capital – chegar ao poder e fazer exatamente aquilo que contestou a sua existência inteira. Então essas pessoas chegam à conclusão de que política é tudo igual, partido é tudo igual e nenhum serve para nada. O apoliticismo foi alimentado pelo próprio PT.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Luciana Genro não identificou discursos de direita em protestos: “o que houve foi uma repulsa aos partidos, inclusive os do campo de esquerda que tentavam se impor” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Outro aspecto, gente de direita existe no Brasil, sempre existiu e sempre vai existir. Isso faz parte do espectro político de qualquer sociedade. Acho até que nas manifestações isso apareceu de forma muito tímida, porque se a gente for analisar todas as reivindicações que surgiram nos cartazes feitos pela população, não tinha nenhuma consigna de direita, tipo “militares voltem”, ou contra o aborto, no campo dos “costumes”, digamos assim, ou “fora os homossexuais”. O que teve de fato foi uma repulsa aos partidos, que atingiu inclusive os partidos de esquerda que tentavam se impor. O PSOL muito pouco, porque a nossa linha foi não aparecer enquanto partido. Nós fomos, e eu participei, inclusive tomei bomba de gás lacrimogêneo da Brigada Militar aqui em Porto Alegre, e participei em São Paulo também. E fui como indivíduo, fui muito bem recebida pelas pessoas que me reconheceram. O PSTU tentou se impor como partido, com bandeiras, e teve até confronto físico.
Claro, teve setores da direita que se aproveitaram desse sentimento anti-partido. Mas a maioria das pessoas (com esse sentimento) não eram necessariamente da direita, mas pessoas que não queriam que os partidos políticos se apropriassem de um movimento que não era organizado pelos partidos.
“Heloísa Helena foi fundamental no processo de construção do PSOL. Mas ela faz política muito mais com o fígado do que com o cérebro. Então ela acabou numa rota de colisão com Ivan Valente”

Sul21 – Em uma década de existência, o quão heterogêneo é o PSOL hoje?
Luciana –
 O PSOL é menos heterogêneo do que era o PT em sua fundação, embora seja heterogêneo. Não acho que isso necessariamente seja ruim. É positivo que se tenha diferenças políticas e debates políticos. Mas o PSOL tem uma maioria – e acredito que isso vá se demonstrar no nosso congresso em dezembro – que aprendeu com o processo da expulsão do PT. Ou, melhor dizendo: aprendeu com o processo da falência do PT. Acho que alguns setores, que hoje identifico nessa coalizão em torno do Randolfe, não tiraram todas as conclusões necessárias. Não é casual que eles tenham ingressado depois no partido. Embora haja grupos que vieram depois e que tiraram as conclusões e hoje estão no Bloco de Esquerda. Mas esse setor do Randolfe e do Ivan Valente não tirou todas as conclusões necessárias do processo do PT. Isso não nos impossibilita uma convivência partidária, mas nos impõe uma disputa política. Disputar os rumos do partido com esse setor é fundamental para que possamos fazer do PSOL uma alternativa que seja viável politicamente e, ao mesmo tempo, não repita os erros cometidos pelo PT.
Sul21 – Como tu avalias a saída da Heloísa Helena do partido? Ao que tudo indica ela estaria indo para a Rede.
Luciana –
 É uma perda para nós, caso se concretize. É uma perda muito triste, para mim, em particular, que tenho uma relação de amizade com ela. Ela foi fundamental no processo de construção do PSOL. Mas a Heloísa Helena tem uma característica de fazer política muito mais com o fígado do que com o cérebro. Então ela acabou numa rota de colisão com esse grupo encabeçado pelo Ivan Valente desde aquele momento da escolha do Plínio como candidato à presidência. E desde então ela não conseguiu mais se reinserir com o partido. Isso acabou se combinando com uma relação de amizade e de identidade que ela tem com a Marina (Silva), então ela decidiu ajudar a Marina na construção da Rede. Se o partido conseguir a legalidade, é bem provável que ela vá mesmo para a Rede.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Eleita pela primeira vez com 23 anos, Luciana acredita que distância dos parlamentos permitiu voltar a fazer política a partir de uma posição de militância | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Como foram esses anos sem mandato político e a questão jurídica? Já se encerrou esse processo?
Luciana –
 Se encerrou no TSE e eu perdi no TSE também. Eu acho que fui vítima de uma injustiça, porque se houvesse alguma equidade no sentido aristotélico da palavra, que é observar o caso concreto e fazer justiça no caso concreto, o meu caso teria tido um tratamento diferente. Eu não acho que essa lei em si seja necessariamente ruim e que devesse ser derrubada, acho que o meu caso concreto tinha que ser visto com outros olhos. Infelizmente a nossa justiça ainda é muito positivista, no sentido de olhar a letra fria da lei e não cotejar a lei com a vida real. Mas para mim foi uma experiência até positiva ficar sem mandato, porque tive a oportunidade de estar mais próxima da cidade de Porto Alegre, e ao mesmo tempo tenho ido bastante para São Paulo, fazer política lá. Tive a oportunidade de terminar meus estudos em Direito, estou terminando uma pós-graduação e pretendo fazer um mestrado. Ficar sem mandato me permitiu participar dos movimentos e das atividades partidárias desde uma posição mais de militante do que de parlamentar.
Sul21 – Te dedicaste também a estruturar o Emancipa, certo?
Luciana –
 Exatamente. Esse foi um processo que me satisfez muito. Agora passei para o Marco Viana a diretoria do Emancipa, é uma OSCIP, conseguiu aprovar neste último vestibular mais de 60 alunos da UFRGS, e isso foi muito gratificante. A gente recebe muito o feedback dos jovens que participaram. Para mim é uma nova experiência, porque eu fiquei 16 anos como parlamentar, eu fui eleita com 23 anos pela primeira vez. Então eu já estava um pouco esgotada nesse papel, foi positivo para mim poder continuar fazendo política desde uma outra posição.
* colaborou Igor Natusch

domingo, 14 de julho de 2013

As "benesses" do PT e a crise...

Equívocos conceptuais no governo do PT

           Estimo que parte das razões que levaram multidões às ruas no mes de junho tem sua origem nos equívocos conceptuais presentes nas políticas públicas do governo do PT. Não conseguindo se desvenciliar das amarras do sistema neoliberal imperante no mundo e internalizado, sob pressão, em nosso pais, os governos do PT tiveram que conceder imensos benefícios aos rentistas nacionais para sustentar a política econômica e ainda realizar alguma distribuição de renda, via políticas sociais, aos milhões de filhos  da pobreza.

         O Atlas da exclusão social – os ricos no Brasil(Cortez, 2004) embora seja de alguns anos atrás, mantem sua validade, como o mostrou o pesquisador Marcio Pochmann (O pais dos desiguais,Le Monde Diplomatique, outubro 2007). Passando por todos os ciclos econômicos, o nível de concentração de riqueza, até a financeirização atual, se manteve praticamente inalterado. São 5 mil famílias extensas que detem 45% da renda e da riqueza nacionais. São elas, via  bancos, que emprestam ao governo; segundo os dados de 2013, recebem anualmente 110 bilhões de reais em juros. Para os projetos sociais (bolsa família e outros)  são destinados apenas  cerca de 50 bilhões. São os restos para os considerados o resto.

         Em razão desta perversa distribuição de renda, comparecemos como um dos países mais desiguais do mundo. Vale dizer, como um dos mais injustos, o que torna nossa democracia extremamente frágil e quase farsesca. O que sustenta a democracia é a igualdade, a equidade e a desmontagem dos privilégios.

         No Brasil se fez até agora apenas distribuição desigual de renda, mesmo nos governos do PT. Quer dizer, não se mexeu na estrutura da concentração da renda. O que precisamos, urgentemente, se quisermos mudar a face social do Brasil, é introduzir uma redistribuição que implica mexer nos mecanismos de  apropriação de renda. Concretamente significa: tirar de quem  tem demais e repassar para quem tem de menos. Ora, isso nunca foi feito. Os detentores do ter, do poder, do saber e da comunicação social conseguiram sempre impedir esta revolução básica, sem a qual manteremos indefinidamente  vastas porções da população à margem das conquistas modernas. O sistema politico acaba servindo a  seus interesses. Por isso, em seu tempo, repetia com frequência Darcy Ribeiro que nós temos uma das elites mais opulentas, antisociais e conservadoras do mundo.

         Os grandes projetos governamentais destinam porções significativas do orçamento para os projetos que as beneficiam e as enriquecem ainda mais: estradas, hidrelétricas, portos, aeroportos, incentivos fiscais, empréstimos com juros irrisórios do BNDES. A isso se chama crescimento econômico, medido pelo PIB que deve se equacionar com a inflação, com as taxas de juros e o câmbio. Priviligia-se o agronegócio exportador que traz dólares à agroecologia, à economia familiar e solidária que produzem 60% daquilo que comemos.        

O que as multidões da rua estão reclamando é: desenvolvimento em primeiro lugar e a seu serviço o crescimento  (PIB). Crescimento é material. Desenvolvimento é humano. Signfica mais educação, mais hospitais de qualidade, mais saneamento básico, melhor transporte coletivo, mais segurança, mais acesso à cultura e ao lazer. Em outras palavras: mais condições de viver minimamente feliz, como humanos e cidadãos e não como meros consumidores passivos de bens postos no mercado.  Em vez de grandes estádios cujas entradas aos jogos são em grande parte proibitivas para o povo, mais hospitais, mais escolas, mais centros técnicos, mais cultura, mais inserção no mundo digital da comunicação.

O crescimento deve ser orientado para o desenvolvimento  humano e social. Se não se alinhar a esta lógica, o governo se vê condenado a ser mais o gestor dos negócios do que  o cuidador da vida de seu povo, das condições de sua alegria de viver e de sua admirada criatividade cultural.

As ruas estão gritando por um Brasil de gente e não de negócios e de negociatas; por uma sociedade menos malvada devido às desigualdades gritantes; por relações sociais transparentes e menos escusas que escondem a praga da corrupção; por uma democracia onde o povo é chamado a discutir e a decidir junto com seus representantes o que é melhor para o país.

         Os gritos são por humanidade, por dignidade, por respeito ao tempo de vida das pessoas para que não seja gasto em horas perdidas nos péssimos transportes coletivos mas liberado para o convívio  com a família ou para o lazer. Parecem dizer: “recusamos ser apenas animais famintos que gritam por pão; somos humanos, portadores de espírito e de cordialidade que gritamos por beleza; só unindo pão com beleza viveremos em paz, sem violência, com humor e sentido lúdico e encantado da vida”. O governo precisa dar esta virada.

Leonardo Boff é autor de Virtudes por um outro mundo possível (3 vol) Vozes 2006.   

terça-feira, 5 de março de 2013

“O PDT se afastou do trabalhismo”, afirma Carlos Araújo


Aos 75 anos, Carlos Araújo voltará a se filiar ao PDT | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

Ex-deputado estadual e fundador do PDT no Rio Grande do Sul, Carlos Franklin Paixão Araújo afirma que o partido está “descaracterizado” e “afastado das raízes do trabalhismo” no país. Após romper com a sigla em 2004 e permanecer ausente da política desde então, o ex-marido da presidente Dilma Rousseff (PT) voltará a se filiar ao PDT em março deste ano.
O retorno de Carlos Araújo ao PDT ocorre às vésperas da convenção que irá eleger o comando nacional da sigla – que permanece com o ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi desde a morte de Leonel Brizola, em 2004. Carlos Araújo retorna ao PDT para ajudar os netos de Brizola a disputar a hegemonia no partido.
Nesta entrevista ao Sul21, Carlos Araújo fala sobre a situação do PDT no país e no Rio Grande do Sul e defende uma maior formação política dos seus militantes. Para o ex-deputado, o trabalhismo é doutrina que irá levar o brasil ao socialismo. “Pretendo me filiar em março. O trabalhismo é o caminho brasileiro para o socialismo. Quero participar dessa luta”, explica.
Com 75 anos de idade, Carlos Araújo é natural de São Francisco de Paula e ingressou clandestinamente na Juventude do Partido Comunista Brasileiro aos 14 anos – sigla na qual militou até 1957. Formado em Direito pela UFRGS, começou a ter contato com Leonel Brizola durante a campanha da Legalidade, em 1961. Após o golpe militar, em 1964, ingressou na luta armada e foi um dos dirigentes da VAR-Palmares. Foi na guerrilha que conheceu sua ex-mulher, Dilma Rousseff, com quem foi casado durante 30 anos, de 1969 a 1999. Graças ao relacionamento com Carlos Araújo, Dilma veio morar em Porto Alegre, já que o marido encontrava-se detido na Ilha do Presídio, durante os anos 1970. Ainda hoje, Carlos Araújo é uma das pessoas mais próximas de Dilma, com quem teve uma filha, Paula, e compartilha um neto, Gabriel.
Após eleger-se deputado estadual em 1982 e reeleger-se por mais duas legislaturas, Carlos Araújo – que também disputou a prefeitura de Porto Alegre em 1988 e 1992 – abandonou a vida pública, devido a um enfisema pulmonar que vem lhe causando complicações desde 1995.
“O trabalhismo é uma corrente de pensamento que tem como base a defesa dos direitos sociais no capitalismo”
Ex-deputado abandonou o partido em 2004 e afirma que, mesmo com o retorno, não irá se candidatar a cargos públicos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Como o senhor avalia a situação atual do PDT no país?
 
Carlos Araújo – O PDT está um pouco descaracterizado, se afastou das raízes do trabalhismo. Falta ao PDT uma prática social maior, uma maior participação nos movimentos sociais. O partido deveria se voltar aos grandes problemas nacionais, mas não faz esses debates. A atuação é muito tímida. Internamente, é preciso haver mais democracia, discussão e revezamento de poder no PDT. Não podemos ter lideranças que se eternizam no poder.

Sul21 – Como o partido vem administrando a era pós-Leonel Brizola?
 
Carlos Araújo – Sempre é difícil administrar um partido após a perda de um grande líder. Leva tempo até que se encontre um rumo. O PDT procura esse rumo, mas não tem encontrado. A perda de um grande líder sempre gera embaraços, cria dificuldades e barreiras a serem superadas.

Sul21 – Foi um erro do partido ficar tão dependente do Brizola?
 
Carlos Araújo – Acho que não. A história tem mostrado, principalmente nos países emergentes, que as forças sociais se estruturam em cima de grandes lideranças. Líderes como Fidel Castro, Hugo Chávez e Leonel Brizola discursam durante muito tempo. Fidel chegou a falar por 14 horas seguidas. O Brizola já discursou por 7 horas. Esses líderes aprenderam que a educação para a consciência das massas é formada, em grande parte, pela audição. Esses líderes se destacam e é muito difícil formar um partido com eles. O PT tem um grande líder, mas o partido depende muito do Lula. É bom para o PT ter estrutura, conseguir caminhar sozinho, mas é algo muito difícil.

Sul21 – O senhor ajudou a fundar o PDT no Rio Grande do Sul. O que o partido representava em sua origem?
 
Carlos Araújo – O PDT sempre representou o trabalhismo. É uma corrente de pensamento que tem como base a defesa dos direitos sociais no capitalismo. Getúlio Vargas, que é o fundador do trabalhismo, quando tomou o poder, em 1930, tinha que responder à seguinte pergunta: “Como vai ser o processo de desenvolvimento capitalista no Brasil?”. Então ele disse: “O meu governo terá como base uma democracia social, uma democracia política e uma democracia econômica. O Estado será um indutor do desenvolvimento, mas as rédeas do processo estarão nas mãos das forçais sociais”. Ele usava essa expressão: “Forças sociais”. Em seguida, as elites paulistas e mineiras se levantaram, em 1932, dizendo que esse projeto não servia para o país. Eles acreditavam que as forças sociais não conseguiam gerir o capitalismo no Brasil, defendiam que só quem poderia fazer isso era o capital internacional. Queriam que os representantes do capital internacional desenvolvessem o capitalismo brasileiro.
“Embora tenha feito e esteja fazendo grandes governos, o PT perdeu a sua auréola”
Carlos Araújo entende que PDT deve disputar espaço na esquerda | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Esse embate existe até hoje no país?
 
Carlos Araújo – Continua. Por isso tentaram derrubar o Getúlio em 1932 e em 1937. Por isso conseguiram derrubá-lo em 1945 e o levar ao suicídio em 1954. Foi a mesma questão que levou a derrubarem o Jango em 1964. Getúlio dizia que a hegemonia do processo político tem que estar com as forças sociais. Em 1866, quando houve a primeira eleição na Inglaterra, perguntaram ao Marx – que dirigia a Internacional – como os trabalhadores deveriam votar. Havia um candidato capitalista e outro que representava o regime monárquico anterior. O capitalismo naquela época era terrível, com crianças morrendo nas fábricas, trabalhando 20 horas por dia. Marx respondeu que os trabalhadores deveriam fazer uma aliança com os capitalistas. E disse que o ideal seria que, nessa aliança, os trabalhadores tivessem a hegemonia. Ele dizia que os trabalhadores seriam capazes de desenvolver o capitalismo com mais sabedoria do que os próprios capitalistas, dando um sentido mais social a ele. Foi isso que Getúlio falou. É isso que aconteceu nos governos Lula e acontece no governo Dilma. É o desenvolvimento do capitalismo com as rédeas do processo nas mãos das forças sociais. É a única forma de desenvolver o capitalismo e dividir o bolo enquanto ele vai crescendo. Se não vai tudo apenas para um lado. O trabalhismo representa essa visão do desenvolvimento capitalista.

Sul21 – O PDT não alimenta mais o discurso do trabalhismo?
 
Carlos Araújo – Não está mais adotando esse discurso e está muito desvinculado dos movimentos sociais. O PDT perdeu muito espaço, mas ele pode ser recuperado. Há um espaço para que o PDT avance. Embora tenha feito e esteja fazendo grandes governos, o PT perdeu a sua auréola. Isso nos faz pensar em como será no futuro. Sem o PT, surgirá outro partido para ocupar seu espaço? É uma questão muito delicada e o trabalhismo tem um papel a desempenhar nesse contexto, desde que esteja envolvido com os movimentos sociais.

Sul21 – O PDT pode voltar a disputar o poder dentro da esquerda?
 
Carlos Araújo – Sim. Esse é o destino do PDT, por isso o partido precisa retomar o seu caminho. O Brizola concorreu por duas vezes à Presidência. Em uma, ele perdeu por pouco no primeiro turno e apoiou Lula no segundo. Na outra eleição, foi vice do Lula. Nosso caminho é esse, é marchar junto com as forças de esquerda.
“Quem é de esquerda e está na política institucional tem que ser militante. Tem que pular muro e subir morro”
Sul21 – O senhor retornará ao PDT?
 
Carlos Araújo – Pretendo me filiar em março. Eu estava esperando melhorar um pouco a saúde. Sou trabalhista, penso que o trabalhismo é o caminho brasileiro para o socialismo. Quero participar dessa luta.
Carlos Araújo dará cursos de formação política a jovens do PDT nas tardes de sábado | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Quando o senhor tomou essa decisão?
 
Carlos Araújo – Essa decisão foi construída. O que me levou a acelerar o processo foi eu pensar que os netos do Brizola têm um papel a cumprir no partido. Eles estão sendo muito injustiçados dentro do PDT. Isso me levou à aproximação com eles.

Sul21 – Foi difícil o rompimento com o PDT em 2004?
 
Carlos Araújo – Foi, eu senti muito. Mas era uma conjuntura em que eu não queria mais permanecer no PDT nem em partido nenhum. Foi um afastamento. Saí para ficar mais livre, para não dizerem que eu desobedeci às normas do partido. Mas continuei muito amigo dos companheiros trabalhistas, nunca me afastei totalmente. Nunca tive vontade de ingressar em outros partidos.

Sul21 – Com o retorno ao PDT, o senhor pretende voltar a disputar eleições?
 
Carlos Araújo - Não vou concorrer. Vou ajudar na formação de quadros e em tudo o que eu puder. Como eu fiquei doente, é muito difícil permanecer na política institucional. Quem é de esquerda e está na política institucional tem que ser militante. Tem que pular muro e subir morro.
“Há uma crise partidária na esquerda. Os partidos estão muito desorganizados e não formam seus militantes”
Ex-marido de Dilma defende democratização do estatuto do PDT | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Qual a importância da convenção nacional do PDT para renovação do partido?
 
Carlos Araújo – É muito difícil que haja uma renovação agora. O estatuto do PDT é muito rígido e autoritário, dá muito poder à executiva e ao diretório nacional. É muito difícil furar esse cerco. Eu estou retornando ao PDT e participando de uma corrente que quer sacudir o partido, que vai disputar a convenção. Estamos tentando fazer uma conciliação, para verificar se há trânsito dentro do partido. Acreditamos que o Alceu Collares é um bom candidato para essa transição. Precisamos ter um candidato que consiga unificar o partido, que está muito dividido. E que seja um candidato de transição, fixando regras para uma nova eleição e aproximando as correntes para construir a unidade possível.

Sul21 – Essa transição seria para realizar reformas no estatuto?
 
Carlos Araújo – Sim, para oxigenar o partido. O estatuto precisa ser mais democrático e adequado a nossa realidade. O estatuto atual foi feito pelo Brizola, que já havia perdido um partido e não queria perder outro. Então ele fez um estatuto extremamente centralizado e muito rígido. Agora não temos mais uma liderança do vulto do Brizola, por isso precisamos adequar o estatuto à nossa realidade.

Sul21 – Então a intenção é lançar um candidato de conciliação? Não haverá um candidato de oposição ao atual grupo que comanda o PDT?
 
Carlos Araújo – Se não der, iremos lançar sim esse candidato. Tentaremos fazer a conciliação até onde der. Se não for possível, lançaremos um candidato, mesmo que seja para perder.

Sul21 – Os irmãos Juliana Brizola (deputada estadual gaúcha), Carlos Brizola (deputado federal licenciado e atual ministro do Trabalho) e Leonel Brizola (vereador do Rio de Janeiro), todos netos de Leonel Brizola, fazem parte deste movimento. Quem mais integra o grupo?
 
Carlos Araújo – Dos integrantes gaúchos eu destacaria o Afonso Mota (secretário estadual do Gabinete dos Prefeitos) e o deputado federal Giovani Cherini. Também há muitos prefeitos.
“O prestígio do Lula e da Dilma é muito grande. Mas essa força eleitoral fantástica não se expressa da mesma forma como grande força política”
Sul21 – É um grupo majoritariamente formado por gaúchos?
 
Carlos Araújo – Não, temos apoios nos estados. Minas Gerais nos apoia. Há esforços em vários estados. Essa análise deve ser feita mais adiante. Na segunda-feira (4) tem uma reunião da executiva nacional que fixará as regras para a convenção nacional.
Para Carlos Araújo, as “consequências do poder” tornaram a esquerda acomodada| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – O ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi – afastado da pasta por denúncias de corrupção e presidente nacional da sigla desde a morte do Brizola – prejudicou o partido?
 
Carlos Araújo – Eu não gostaria de pessoalizar nada. Prefiro não abordar esse assunto, ao menos no momento. Quero travar a luta interna em um nível estritamente político.

Sul21 – Mas no entendimento do grupo do senhor, os dirigentes atuais do PDT são responsáveis pela situação que vocês criticam.
 
Carlos Araújo – Sim. Queremos democratizar o partido. Queremos que o PDT tenha uma vida política interna permanente, não só em época de eleição. Há uma crise partidária na esquerda. Os partidos estão muito desorganizados e não formam seus militantes. Os jovens querem cursos, mas os partidos não dão. O PDT tem uns cerca de 600 jovens atuantes em Porto Alegre, que disputaram os DCEs da UFRGS e da PUCRS com chapa própria. Tem bastante dirigente jovem atuando. Mas eles estão sedentos por conhecimento e por discussão política. É um absurdo eles não saberem onde buscar conhecimento, quais livros ler. Eu fiz uma reunião com esses jovens na terça-feira (26), vou começar a dar cursos a eles nos sábados à tarde. Eles querem discutir e participar e a esquerda não está ocupando plenamente esse espaço de debates.
Sul21 – Por que não?
 
Carlos Araújo – Talvez por estar no poder. São as chamadas “consequências do poder”. Há uma certa acomodação. Todos os quadros políticos vão para o aparelho do Estado e ficam envolvidos em atividades burocráticas. Teria que haver uma maior formação política. Mas, ao mesmo tempo, os quadros precisam ir para o aparelho do Estado, precisam governar. É uma questão complicada.
“A principal questão colocada hoje é a do bem estar do conjunto da sociedade ainda no capitalismo. Uma revolução socialista não está na ordem do dia”
Sul21 – Com a chegada do PT e seus aliados ao poder, outros grupos políticos fazem fortes críticas à esquerda deste projeto que está no governo do país há 10 anos.
 
Carlos Araújo – Há uma fragmentação. Mas, veja bem: na sociedade, o prestígio do Lula e da Dilma é muito grande. Todas as pesquisas demonstram muito apoio da população. Mas essa força eleitoral fantástica não se expressa da mesma forma como grande força política. Há um descompasso.
Carlos Araújo defende que PT apoie candidatura do PDT ao governo gaúcho em 2018 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – No campo ideológico, mudou o debate na esquerda? Anteriormente, principalmente nos anos 1960 e 1970, havia mais forças organizadas defendendo a superação total do capitalismo. Essa bandeira já não é mais defendida por muitos desses grupos hoje.
 
Carlos Araújo – Isso muda com o governo Lula. O mundo impôs essa mudança. O Vietnã, a China, Cuba e a União Soviética mostraram que, nos termos em que colocaram, foi inviável a construção do socialismo numa época em que o regime capitalista ainda era muito forte no resto do mundo. Lênin, quando estava no poder na União Soviética, elaborou a Nova Política Econômica, a chamada NEP. Era uma política de desenvolvimento do capitalismo. O que está em discussão hoje é a viabilidade do socialismo. Ele é viável somente em um país? Ou é viável somente quando houver um grande desenvolvimento internacional do socialismo?
Sul21 – Na sua avaliação, existe algum país plenamente socialista hoje em dia?
 
Carlos Araújo – Não. Existe um certo nível de bem estar social em alguns países, como a Suécia. Mas isso foi conquistado em cima de outros países. O capital sueco no Brasil é muito forte. A principal questão colocada hoje é a do bem estar do conjunto da sociedade ainda no capitalismo. Uma revolução socialista não está colocada na ordem do dia. Quem quiser fazer isso pode ter um pequeno espaço em alguns lugares, não terá um espaço significativo. A realidade demonstra isso. O que fazem Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa em seus países? Eles estão desenvolvendo o capitalismo para tirar a população da miséria. Mas é claro que esses governos vão se fortalecendo e a América Latina vai se unindo.
“A internacionalização do capital é um processo em direção ao socialismo. É um processo de desenvolvimento capitalista, mas é, também, um processo em direção ao socialismo”
Sul21 – É possível passar desta etapa de gestor do capitalismo ao socialismo pleno?
 
Carlos Araújo – A internacionalização do capital é um processo em direção ao socialismo. É um processo de desenvolvimento capitalista, mas é, também, um processo em direção ao socialismo. O capitalismo vai se internacionalizando, rompendo fronteiras nacionais e se fragmentando. Hoje um controlador de uma grande empresa tem 10% do seu capital. Socializar essa empresa já não significa mais tirar das mãos de uma única pessoa. Se a GM (General Motors) for nacionalizada hoje, por exemplo, quem irá sentir essa medida a não ser uma meia dúzia de acionistas mais significativos, que possuem 5% ou 8% das ações? Não estou dizendo que já estamos no socialismo. Mas, como dizia Marx, a nova sociedade é gerada no útero da atual sociedade.
Ex-candidato à prefeitura de Porto Alegre, Carlos Araújo diz que Fortunati terá que desdobrar para atender base aliada | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Voltando ao tema do PDT: o partido no Rio Grande do Sul é muito diferente do PDT nacional?
 
Carlos Araújo – O partido sempre foi bastante concentrado no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. E sempre enfrentou resistências históricas em São Paulo. Mas isso não significa que não possam ter lideranças em outros estados, o PDT está se fortalecendo.

Sul21 – No Rio Grande do Sul, o PDT aderiu ao governo Yeda Crusius (PSDB) após perder as eleições de 2006 com Alceu Collares e, em 2010, concorreu ao lado de José Fogaça (PMDB). Como o senhor avalia essas ações?
 
Carlos Araújo – Foram equívocos. Isso se confirmou com a eleição da Dilma. Naturalmente, se formou uma aliança em torno da candidatura dela no Rio Grande do Sul, inclusive com setores do PMDB liderados pelo Mendes Ribeiro Filho. Esses equívocos fazem parte da política, mas não podem se repetir.

Sul21 – O que o senhor defende para o PDT em 2014 no Rio Grande do Sul?
 
Carlos Araújo – Há uma discussão em torno desse assunto. Uns defendem candidatura própria, outros querem aliança com o PMDB e outros querem permanecer apoiando o governo Tarso Genro. Eu defendo que o PDT apoie o atual governo em 2014, mas com uma maior participação política nas decisões e com um acordo para que o PT apoie o PDT em 2018. O PDT é muito forte no estado, precisa ter candidato, mas agora não é o momento, o partido ainda não está suficientemente organizado e com força expressiva para isso.
“Defendo que o PDT apoie Tarso em 2014, mas com uma maior participação política nas decisões e com um acordo para que o PT apoie o PDT em 2018”
Sul21 – O PDT precisa reivindicar a indicação do vice-governador em uma eventual aliança com Tarso em 2014?
 
Carlos Araújo – Isso é inevitável. Parece que o PSB está tentando um caminho próprio, isso faz com que o PDT passe a ser o parceiro próximo do Tarso.
Carlos Araújo entende que PSB deve apresentar um plano de governo para o país | Foto: Ramiro Furquim/Sul2

Sul21 – Em Porto Alegre, depois de muito tempo o PDT conseguiu vencer uma eleição para a prefeitura.
 
Carlos Araújo – Vários fatores influenciaram. Um deles foi a construção de uma ampla frente política. E os candidatos adversários não tinham muita força política e eleitoral. Isso também pode pesar a favor do Tarso. Com todas as críticas que se pode ter ao seu governo, não há uma liderança expressiva para enfrentá-lo.

Sul21 – A senadora Ana Amélia Lemos é a grande aposta do PP. Ela conquistou 3,4 milhões de votos em 2010.
 
Carlos Araújo – Ela tinha mais potencial antes das eleições municipais. Ela é uma candidata que tem uma expressão eleitoral, mas ficou enfraquecida por não seguir as determinações do seu partido em 2012.
“É justo que o PSB tenha candidato à Presidência, mas é preciso apresentar um programa de governo, dizer o que quer e a que vem”
Sul21 – Voltando a Porto Alegre, o senhor disse que um dos fatores que favoreceram a vitória de José Fortunati foi a construção de uma ampla aliança. Mas até que ponto uma aliança tão ampla e diversa se sustenta politicamente? A de Porto Alegre contém partidos aliados e partidos que fazem oposição aos governos Dilma e Tarso, como o DEM, o PPS e o PSDB.
 
Carlos Araújo – As alianças muito amplas são trabalhosas de serem administradas. O Fortunati vai ter que se desdobrar para conseguir governar com uma aliança tão ampla. Começam a vir exigências, principalmente fisiológicas. E essas alianças atingem, de certa forma, o perfil político do governo. Eu sou favorável a alianças. Às vezes são composições que não queremos fazer, mas não existe outra saída. É uma questão delicada, principalmente quando são alianças muito amplas, que podem levar o governo ao imobilismo.

Sul21 – Outro partido que está querendo disputar espaço político e se lançar eleitoralmente à Presidência é o PSB.
 
Carlos Araújo – O PSB tem sido um companheiro de viagem na esquerda. Provavelmente terá um candidato à Presidência, o que é justo, mas precisa apresentar um programa de governo. É indispensável que o PSB diga o que quer e a que vem. O PSB precisa explicar quais as suas diferenças com o PT, o PDT e o PCdoB. Isso ainda não está colocado. Tomara que o partido permaneça sempre como força de esquerda.