sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A arte de desaprender


Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender

Frei Betto no BrasilDeFato

Apresentou-se à porta do convento um médico interessado em tornar-se frade. O prior encarregou o mestre de noviços de atendê-lo.
― Caro doutor – disse o mestre – o prior envia-lhe esta lista de perguntas. Pede que tenha a bondade de respondê-las de acordo com os seus doutos conhecimentos.
O jovem médico, acomodado no parlatório, tratou de preencher o questionário. Em menos de uma hora devolveu-o ao mestre. Este levou o papel ao prior e retornou quinze minutos depois:
― O prior reconhece que o senhor demonstra grande conhecimento e erudição. Suas respostas são brilhantes. Por isso pede que retorne ao convento dentro de um ano.
O médico estampou uma expressão de desapontamento:
― Ora, se respondi corretamente todas as questões – objetou – por que retornar dentro de um ano? E se eu tivesse dado respostas equivocadas, o que teria sucedido?
― O senhor teria sido aceito imediatamente e, na próxima semana, já estaria entre os noviços.
― Então, por que devo retornar em um ano?
― É o prazo que o prior considera adequado para que o senhor possa desaprender conhecimentos inúteis.
― Desaprender? – surpreendeu-se o médico.
― Sim, desaprender. Entrar na vida espiritual é como empreender uma viagem: quanto mais pesada a bagagem, mais lentamente se cobre o percurso. Na sua há demasiadas coisas substantivamente inúteis.
E o doutor partiu sob promessa de retornar dentro de um ano, o que de fato sucedeu.
Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender. Quantas importantes inutilidades valorizamos na vida! Quantos detalhes sugam nossas preciosas energias e consomem vorazmente o nosso tempo! Quantas horas e dias perdemos com ocupações que em nada acrescentam às nossas vidas; pelo contrário, causam-nos enfado e nos sobrecarregam de preocupações.
Precisamos desaprender a considerar os bens da natureza produtos de uso próprio, ainda que o nosso uso perdulário se traduza em falta para muitos. Desaprender a valorizar um modelo de progresso que necessariamente não traz felicidade coletiva e uma economia cuja especulação supera a produção. Desaprender a olhar o mundo a partir do próprio umbigo, como se o diferente merecesse ser encarado com suspeita e preconceito.
O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida. Nessa viagem, quanto menos bagagem e mais leveza, sobretudo de espírito, melhor e mais rápido se alcança o destino. Vida afora, carregamos demasiadas cobranças, mágoas, invejas e até ódios, como se toda essa tralha fizesse algum mal a outras pessoas que não a nós mesmos.
O que nos encanta nas crianças com menos de cinco anos é a interrogação incessante, o interesse pela novidade, o espírito despojado. Era isso que sinalizou Jesus quando alertou a Nicodemos ser preciso nascer de novo, sem retornar ao ventre materno, e tornar-se criança para ingressar no Reino de Deus.
O médico candidato a noviço comprovou ser bem informado, mas ignorava a distinção entre cultura e sabedoria. Soube elencar as mais célebres telas da pintura universal, sem no entanto ter noção do que significam e por que o artista fez isto e não aquilo. Conhecia todas as doenças de sua especialidade, sem a devida clareza de como se relacionar com o doente.
A humanidade não terá futuro promissor se não desaprender a promover guerras e a considerar a pobreza mero resultado da incapacidade individual. Urge desaprender a valorizar o supérfluo como necessário e a ostentação como sinal de êxito. Desaprender a perder tempo com o que não tem a menor importância e se dedicar mais nos cuidados do corpo que do espírito.
A vida espiritual é um contínuo desaprender de apegos e ambições, vaidades e presunções. A felicidade só conhece uma morada: o coração humano. Eis aí milhões de viciados em drogas a gritar a plenos pulmões terem plena consciência de que a felicidade resulta de uma experiência interior, de um novo estado de consciência. Como não aprenderam a abraçar a via do absoluto, enveredaram pela do absurdo.
E convém aprender: no amor mais se desaprende do que se aprende.

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

Escândalo de venda de armas dos EUA a traficantes mexicanos abala governo Obama

do PLANO BRASIL
http://msnbcmedia3.msn.com/j/afp/dv_to_getty_2617324_0.grid-6x2.jpg
O objetivo era investigar o tráfico de armas dos Estados Unidos para organizações criminosas mexicanas. Mas a operação “Fast and Furious” (Velozes e Furiosos), orquestrada pelo ATF (Departamento de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo dos EUA, na sigla em inglês), em 2009, acabou sendo um enorme fracasso. E, após recentes revelações de congressistas norte-americanos, tem potencial para se tornar um dos maiores escândalos da administração de Barack Obama.


A ideia era vender, de forma controlada, armas norte-americanas de alto calibre a membros de cartéis de drogas. Com isso, os agentes de segurança dos EUA esperavam rastrear o armamento no México até os chefões do tráfico e desarticular as sofisticadas redes de criminosos. Só que o plano não saiu como o esperado: cerca de duas mil armas sumiram do radar dos EUA e hoje circulam livremente em território mexicano.

Grande parte das armas oriundas da operação da ATF, instituição cujas ligações com o lobby de produtores de armas norte-americanos são investigadas, foi vinculada com mais de 200 delitos no México, entre eles o assassinato do agente da Patrulha da Fronteira Brian Terry, em 14 de dezembro de 2010, morto com um AK-47.

A pergunta que as autoridades nos EUA e no México agora se fazem é: de quem é a culpa? Com o passar dos meses, seguem saindo elementos cada vez mais assombrosos, que revelam aspectos inquietantes da operação. Agentes da ATF admitiram a periculosidade da falha, acusando superiores de terem tomado decisões incorretas. Porém, nesta terça-feira (27/09), o tema ganhou novo fôlego com revelações feitas por uma comissão investigadora do Congresso dos EUA sobre o caos entre a ATF e a DEA (Força Administrativa de Narcóticos, na sigla em inglês) e o FBI.

Segundo as investigações dos congressistas, a falta de comunicação entre as agências federais aconteceu e foi documentada. A DEA e o FBI, em particular, haviam ocultado da ATF a identidade do mais importante comprador de armas em Ciudad Juarez – um dos principais alvos da operação – e de um dos principais informantes das duas agências, cujo nome em código era CI #1 (Informante Confidencial Número 1).

O agente John Dodson foi instruído a comprar quatro unidades de AK-47 em dinheiro e ainda recebeu uma carta do supervisor, David Voth, o autorizando a vendê-las para criminosos mexicanos. Essencialmente, os contribuintes norte-americanos pagaram pelo armamento de traficantes mexicanos.



Acordo com traficantes?



A notícia chega justamente depois da declaração, da emissora Fox News, de que há documentos que atestam que o governo dos EUA, utilizando dinheiro público, comprou armas no arsenal Lone Wolf, no estado do Arizona, que foram entregues a traficantes mexicanos e acabaram nas mãos de integrantes do Cartel de Sinaloa, liderado por Joaquín “El Chapo” Guzmán.

Segundo declarações de Vicente Jesús Zambada Niebla, filho do número dois do Cartel de Sinaloa, Ismael El Mayo Zambada, e atualmente preso nos EUA, a situação é muito mais complexa e teria características ainda mais obscuras. Através de seu advogado, Vicente disse que a operação “Velozes e Furiosos” seria parte de um acordo mais amplo, com a DEA e o FBI como protagonistas e com a aprovação do Departamento de Justiça, que teria oferecido imunidade aos integrantes do Cartel de Sinaloa em troca de informações sobre outros cartéis.

A defesa de Vicente, ex-encarregado da logística do cartel, se baseia na afirmação de que ele atuava como agente dos EUA quando cometeu os delitos pelos quais é acusado, em nome do Departamento de Justiça dos EUA, da DEA, da Segurança Nacional e do FBI. Washington não negou que o filho de Mayo Zambada foi apoiado pelo Departamento de Justiça.

Com as novas revelações, o governo Obama enfrenta uma avalanche de críticas direcionadas a uma história que parece ainda não ter mostrado todas as facetas. Articulistas de jornais e intelectuais norte-americanos exigem que a opinião pública saiba quais são as verdadeiras relações relações entre o gabinete presidencial e os cartéis, considerando também a batalha declarada pela Secretário de Estado, Hillary Clinton, contra o “narcoterrorismo” e “narcoinsurreição”.

Certo é que os parentes de Brian Terry querem justiça e pretendem ir quem é responsável pela morte do policial.

Fonte: OperaMundi