quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O sorriso de Biondi

 Antonio Lassance
A Telebrás está de volta. Desde o dia 3 de agosto, ela retornou às operações. Seus antigos funcionários foram reconvocados e têm pela frente o desafio de reerguer a empresa, demonstrar a excelência do serviço público e, mais especificamente, implementar o Plano Nacional de Banda Larga.
Quando se informou que a Telebrás seria reativada, houve uma grita de algumas empresas de telefonia e um ataque feroz da mídia tradicional. Ressuscitar a estatal foi tratado como verdadeira heresia. Na crítica mais amena, um disparate.
A volta da Telebrás não apenas provocou a ira do liberalismo como representou uma derrota amarga, pois incidiu no setor que até hoje é apresentado como modelo do processo de privatização e das benesses dele decorrentes. O tratamento dado ao tema mais uma vez foi acometido de uma patologia crônica, apontada por diversos estudiosos da mídia: a falta de contextualização ou mesmo a descontextualização de um assunto.
Uma falta de contextualização primária esteve na ausência de um diagnóstico sobre o setor, que sabidamente oferece serviços caros e de péssima qualidade. Suas empresas são campeãs de reclamações de usuários e de ações junto aos órgãos de defesa do consumidor.
Outra falta de contextualização, ainda mais importante, está em que poucos se deram ao trabalho de trazer à tona a história da Telebrás e de seu processo de privatização. Lacuna curiosa, pois, afinal, a quem interessaria relembrar tal passado? Resposta: interessaria à maioria das pessoas, aos que têm e aos que não têm acesso aos serviços de telecomunicação.
Até hoje, a melhor forma de contar essa história e travar a batalha da memória contra o esquecimento é revisitar o livro de Aloysio Biondi, “O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado”. O livro teve sua primeira edição em 1999. Sua 11ª edição se encontra disponível, gentil e gratuitamente, no site da Editora Fundação Perseu Abramo: http://www2.fpa.org.br/uploads/Bras...
Biondi, como se sabe, foi um monstro sagrado do jornalismo brasileiro, grande mestre do jornalismo econômico. Faleceu há 10 anos (em julho de 2000).
“O Brasil privatizado” abria seu capítulo “As estatais: sacos sem fundo?” justamente falando da Telebrás. Biondi relembrava que, entre 1996 e 1997, a empresa teve um salto de 250% em seu lucro, desmentindo categoricamente a mensagem fabricada de que as estatais só davam prejuízo. No livro que tornou-se um clássico para a compreensão sobre o que fizeram com o Brasil nos anos 90, Biondi contextualizava que tanto os prejuízos quanto os lucros das estatais tinham sido fabricados para atender a interesses muito bem identificados.
Dizia ele: “Os prejuízos que o achatamento de tarifas e preços trouxe para as estatais teve efeitos que o consumidor conhece bem: nesses períodos, elas ficaram sem dinheiro para investir e ampliar serviços. Explicam-se, assim, as filas de espera para os telefones, ou as constantes ameaças de “apagões” no sistema de eletricidade. Ou, dito de outra forma: não é verdade que os serviços das estatais tenham se deteriorado por “incompetência”. Como também é mentira que “o Estado perdeu sua capacidade de investir”, como diz a campanha dos privatizantes. O que houve foi uma política econômica absurda, que sacrificou as estatais.” (pág. 30).
Lembrava ainda de uma decisão incrível: em 1989, um decreto do presidente da República proibia o BNDE (hoje BNDES) de realizar empréstimos a empresas estatais.
Biondi era um “antifukuyama”. Só para lembrar, Fukuyama foi um dos garotos propaganda do neoliberalismo, muito badalado durante o Governo Reagan, autor de uma tese espalhafatosa sobre o “fim da história” e da vitória do capitalismo sobre tudo e sobre todos. Hoje, se alguém fizer um Google sobre os “francis” existentes na face da Terra, Fukuyama sequer aparece nas sugestões do motor de busca. Fica atrás de Francis Bacon, Francis Ford Copola, Francisco Cuoco e Francisco Alves. Indício de que quem corre o risco de desaparecer é o próprio Fukuyama.
Enfim, Biondi desmentia a tese do fim da história, mostrando que a moda era tentar “cancelar” a história. Contextualizava a esdrúxula decisão que proibia o BNDES de financiar empresas estatais lembrando ter sido ele criado “exatamente com o objetivo de fornecer recursos para a execução de projetos de infra-estrutura, que exigem desembolso de bilhões e bilhões – e precisam de alguns anos para sua execução” (pág. 30).
A memória do texto de Biondi é mais uma vez útil a um momento em que o BNDES também se tornou alvo de ataques violentos e virulentos à gestão de Luciano Coutinho, veja só, por fazer exatamente aquilo para o qual o banco existe: levantar investimentos e fazer financiamentos.
Biondi também usou o exemplo da Telebrás para relembrar uma diferença básica do setor público em relação ao privado: além de prestar serviços, as estatais deveriam ser utilizadas com o objetivo de justiça social. Tais empresas não têm como objetivo fundamental o lucro, nem têm como sina acumular prejuízos. Seu objetivo fundamental é garantir o atendimento à população em serviços essenciais. O fato de que muitas vezes acumularam prejuízos, além das malversações que acompanharam algumas de suas gestões, decorria das condições de desigualdade do país. A pobreza criava um obstáculo sério ao modelo de negócio de muitas estatais. Milhões de brasileiros excluídos do mercado interno de massas por um modelo de desenvolvimento excludente não tinham como contratar serviços em níveis que garantissem a rentabilidade de certas empresas estatais.
Por isso, na atual situação do país, de expansão acelerada do mercado interno de massas, de ascensão de um contingente expressivo de pessoas à classe média e da tendência de crescimento da economia, do emprego e da renda dos brasileiros, o discurso contra as estatais está obsoleto. É como o relógio quebrado que homenageia a nostalgia e a ostentação, mas é incapaz de fornecer uma informação correta.
As estatais, diante do novo quadro econômico, já podem se dar ao luxo de serem extremamente lucrativas. Mas estão longe de constituir uma ameaça ao setor privado. Elas podem atuar em atividades nas quais empresas privadas têm demonstrado dificuldades crônicas em dar conta do recado ou, como no caso da Petrobrás, podem funcionar como grandes alavancas do crescimento econômico, responsáveis por irrigar inúmeras cadeias produtivas que sequer existiam, ou que tinham sido desativadas.
Passados dez anos desde que perdemos Aloysio Biondi, tem-se a exata dimensão da importância daquilo que ele nos mostrou e de sua contribuição para reverter a cegueira que tomava conta do País.
Me arrisco a dizer que, se vivo estivesse, o autor daquele texto célebre e indignado estaria tomado por um sorriso satisfeito com a volta dos elefantes. Até porque, “três elefantes incomodam, incomodam…. incomodam muito mais”.

Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política.

COLÔMBIA E VENEZUELA RETOMAM RELAÇÕES, PARA AZAR DO SERRA

Mair Pena Neto no Direto da Redação

Após um encontro entre Hugo Chávez e o novo presidente colombiano Juan Manuel Santos, Venezuela e Colômbia retomaram as relações diplomáticas, interrompidas pela permanente postura beligerante do ex-presidente Álvaro Uribe, aliado incondicional dos Estados Unidos, que sempre desempenhou o papel de fustigar Chávez.

Uribe deixou o poder tentando passar a seu sucessor uma agenda de conflito com o país vizinho, retomando a velha acusação de que a Venezuela abrigava as Forças Armadas Colombianas (Farc) em seu território e tomando a medida política e sem amparo legal de entrar com uma ação contra Chávez no Tribunal Penal Internacional sem a existência de processo prévio que a justificasse.

Embora apoiado por Uribe, o novo presidente colombiano preferiu apostar na paz e após um encontro pessoal com Chávez selou acordo para a retomada das relações, apostando em um diálogo “franco, direto e sincero” sem a contaminação de influências alheias aos países do continente.

O entendimento entre os dois presidentes pode levar a uma incorporação das Farc ao processo político colombiano, encerrando um conflito de 50 anos, que não foi resolvido antes, entre outros motivos, pelo Plano Colômbia, financiado pelos Estados Unidos, para um suposto combate ao narcotráfico, que na verdade visava eliminar o grupo guerrilheiro.

Sem a interferência dos EUA, os países sul-americanos são capazes de se entender, como aconteceu agora, numa negociação mediada pelo ex-presidente argentino Nestor Kirchner e cuja evolução será acompanhada pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul), uma comunidade criada em 2004 para integrar o continente e mediar seus conflitos.

 Alvaro Uribe foi sempre o contraponto a esta política de integração, que jamais interessou ao Estados Unidos, sobretudo pela onda de governos progressistas que tomou o continente. Com a saída de Uribe, o cargo ficou vago, e o candidato tucano José Serra pareceu interessado em ocupá-lo, desprezando o Mercosul, as relações comerciais do Brasil com os países vizinhos de economia menor e repetindo as acusações uribistas de que a Venezuela abriga as Farc.

Serra demonstrou prazer em levar adiante as desastradas declarações de seu inexperiente candidato a vice, Índio da Costa, que até sumiu de cena depois de acusar o PT de ligação com as Farc e com o narcotráfico. O comentário do vice garantiu ao PT direito de resposta no site de campanha do PSDB e o jovem velho político ainda responde na Justiça pelas acusações que não pode provar.

Serra poderia ter encerrado a questão, que todos entenderiam como arroubo juvenil de um jovem liberal de direita, mas fez questão de repeti-la, fomentando um ambiente negativo, que ligava Brasil, Venezuela, Farc e narcotráfico. Até o Departamento de Estado norte-americano o desautorizou ao elogiar pouco depois de suas declarações a atuação de Lula no combate ao terrorismo e sua condenação ao uso de violência pelas Farc.

O discurso de Serra tinha um alvo claro, a candidatura de Dilma Rousseff, que, se eleita, vai levar adiante a política externa integradora do Brasil a seus vizinhos e a ação soberana que levou o país a ganhar expressão e reconhecimento internacionais e o credenciou a mediar conflitos em qualquer lugar do mundo.

A normalização das relações entre Colômbia e Venezuela é mais um trunfo da unidade sul-americana e menos um ponto para a conservadora plataforma de Serra.

Transgénicos: nome de código, "Monsanto"

Qual a urgência das decisões recentes assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o cultivo e utilização de transgénicos?
Soybean - Foto de [cipher] / flickr
Soybean - Foto de [cipher] / flickr

As recentes decisões assumidas pela Comissão Europeia para facilitar o cultivo e utilização de organismos geneticamente modificados (OGM) ou transgénicos, apesar dos riscos para a saúde pública e o ambiente, foram acompanhadas por declarações a favor da capacidade de decisão dos governos dos Estados-Membros. No entanto, há que habilitar os cidadãos com informação que lhes permita ir mais fundo no conhecimento sobre o assunto. Na altura, a eurodeputada Marisa Matias, do grupo da Esquerda Unitária (GUE/NGL) perguntou “qual a urgência de tais decisões?” tomadas pela Comissão quando há legislação em preparação e prestes a sair. Uma das respostas pode ser encontrada numa simples palavra: “Monsanto”.
Monsanto é a multinacional que controla mais de 90 por cento das sementes transgénicas que se vendem em todo o mundo. Quem relata melhor a história é a investigadora Marie-Monique Robin no seu livro “O mundo segundo Monsanto: da dioxina aos OGM, uma multinacional que lhes deseja o melhor”.
As sondagens na Europa reflectem uma opinião radicalmente contrária aos alimentos transgénicos. Em Espanha, em 2006, os inquiridos numa sondagem escolheram os “transgénicos” como ameaça alimentar mais inquietante em comparação com mais 12 hipóteses, entre as quais as “vacas loucas”, salomonelas e gripe das aves. Na Alemanha, 95 por cento dos consumidores rejeitam os OGM; mesmo nos Estados Unidos, no Estado de Nova Iorque, 39 por cento dos consumidores são contrários e 33 por cento aceitam os OGM.
Que se passou então, perante tantas rejeições, desde que 1994 foi autorizado nos Estados Unidos o cultivo das primeiras sementes transgénicas, ponto de partida para uma situação caracterizada hoje por mais de 125 milhões de hectares semeados em todo o mundo com diferentes sementes de organismos geneticamente modificados?
Uma explicação importante é: Monsanto.
A empresa Monsanto nasceu em Saint Louis, Missouri, em 1901, dedicada à produção de sacarina para a Coca-Cola. Em 1935 comprou a Swan Chemical Co., que já fabricava os PCB, policlorobifenóis. Esta substância sintética tinha diversos usos como refrigerante e lubrificante, mas representava também um grave risco para a saúde pública que a empresa conhecia “mas de fez de conta que nada acontecia até à sua proibição definitiva, em 1977”, testemunha Marie-Monique Robin. A prova deste conhecimento está na grande quantidade de documentos procedentes de arquivos da Monsanto, obrigada a divulgá-los num processo judicial.
Monsanto monopolizou a produção de PCB em todo o mundo. Contaminou assim vastas áreas do planeta, uma vez que se trata de uma substância muito resistente na natureza.
Monsanto surge depois no fabrico de dioxinas, “a molécula mais perigosa jamais inventada pelo homem”, segundo Marie-Monique Robin. A dioxina é um produto derivado do fabrico de herbicidas, incrementado durante a Segunda Guerra Mundial. A multinacional montou uma fábrica específica em 1948 e trabalhou estreitamente com o Pentágono para desenvolver a utilização da dioxina como arma química. O perigo deste produto tornou-se publicamente evidente em 1976, com o acidente em Itália que ficou conhecido como "a catástrofe de Seveso".
Monsanto obtivera entretanto contrato para produzir o “agente laranja” (uma dioxina) para utilização pelo exército norte-americano na guerra do Vietname com o objectivo de destruir colheitas e matar as populações à fome.
De 1962 a 1971 os militares norte-americanos despejaram 80 mil milhões de litros de desfolhantes sobre 3,3 milhões de hectares de selva e terra agrícolas. Mais de três mil localidades foram contaminadas com a utilização de quantidades equivalentes a 400 quilos de dioxina pura - a dissolução de 80 gramas de dioxina numa rede de água potável poderia eliminar uma cidade de oito milhões de habitantes.
Dos herbicidas, Monsanto passou aos organismos geneticamente modificados (OGM) e descobriu a “árvore das patacas” na conjugação das duas áreas. Criou as sementes transgénicas e tornou-as imunes ao herbicida que produz, o Roundup, até então um “assassino” sistémico uma vez que matava indiscriminadamente as espécies vegetais. A Monsanto passou a vender – e a impor nos contratos – não apenas as sementes transgénicas mas também o Roundup para as proteger. Além disso, é vedada aos compradores a utilização de um produto genérico do Roundup.
Diz a publicidade de Monsanto que “o glifosfato é menos tóxico para os ratos do que o sal de mesa ingerido em grande quantidade” e tem razão. O glifosfato é, de facto, o princípio activo do Roundap, mas o Roundap é muito mais tóxico na sua fórmula global. O professor Robert Bellé, do Centro Nacional de Investigação Científica francês, concluiu que o Roundap desencadeia a primeira etapa que pode conduzir a situações de cancro 30 a 40 anos mais tarde. “O Roundap é um assassino de embriões e em concentrações mais fracas é um perturbador endócrino para os fetos”, escreveu.
O professor Séralani, que desenvolve investigações para a Comissão Europeia de modo a avaliar os efeitos dos alimentos transgénicos na saúde, é alvo de críticas duras da indústria de agrobiotecnologia por ter sido taxativo quanto aos efeitos do Roundup nas células humanas: “mata-as directamente”.
As provas em que se baseou a homologação do Roundup fizeram-se apenas com o princípio activo, mascarando os efeitos reais do produto. Este é o truque da propaganda de Monsanto.
Em 1993 a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos autorizou Monsanto a comercializar a hormona de crescimento bovino obtida por manipulação genética (rBGH), hormona que se introduz nas vacas para produzirem mais leite. Em Abril de 1998 uma fuga de informação fez deflagrar um escândalo político e científico por detrás desta autorização. Tanto Monsanto como a FDA tinham escondido dados essenciais.
Trabalhos científicos questionaram o uso desta hormona. Consideram-na prejudicial para a saúde das vacas e para a saúde humana. De facto, a hipófise das vacas e dos seres humanos produz uma hormona específica de crescimento mas ambas provocam a produção da mesma substância, a IGF, factor de crescimento insulítico de tipo I. O nível de IGFI é significativamente superior no leite produzido pelas vacas tratadas com rBGH do que no leite natural. O aumento da substância em causa multiplica por quatro o risco de cancro da próstata nos homens e por sete o risco de cancro da mama nas mulheres.
Devido à forte polémica, a hormona está oficialmente proibida na União Europeia desde 1 de Janeiro de 2000, com base no princípio segundo o qual “a biosfera não deve transformar-se num laboratório de alto risco para os seres humanos”.
De facto, segundo numerosos trabalhos científicos, a disseminação de organismos geneticamente modificados pode alterar os mecanismos e os ritmos do desenvolvimento humano.
Monsanto controla mais de 90 por cento da produção de OGM no mundo. É um monopólio Este monopólio ameaça a segurança alimentar sobretudo nos países mais pobres, onde mais de mil e quinhentos milhões de pessoas sobrevivem graças à conservação de sementes.
O movimento Greenpeace afirma que as possibilidades de um mundo livre de transgénicos continuam em aberto: 92 por cento das terras cultivadas no mundo estão livres de OGM. Apenas quatro países concentram 90 por cento da utilização de sementes modificadas: Estados Unidos 53 por cento, Argentina 18 por cento, Brasil 11,5 por cento e Canadá 6,1 por cento. No mercado existem apenas quatro sementes: soja, milho, algodão e colza; na Europa só 0,119 por cento do terreno cultivado é dedicado a OGM, contra quatro por cento, por exemplo, de agricultura ecológica.
“A manipulação genética”, escreve Paco Puche na revista “El Observador, “não tem nada a ver com o que os camponeses fazem há 10 mil anos, isto é, conservar as melhores dádivas das suas colheitas para as semear no ano seguinte; nem com os mecanismos de melhoramento através dos cruzamentos entre plantas seleccionadas dentro da mesma espécie. A manipulação genética salta por cima das barreiras biológicas que separam as espécies, despreza os mecanismos naturais de evolução e intervém nas interacções genéticas até agora inacessíveis ao ser humano”.
O processo de manipulação genética desenvolve-se em duas fases: em primeiro lugar extrai-se o gene da planta que interessa de um doador e incorpora-se numa molécula portadora, que pode ser um vírus; em segundo lugar implanta-se este vector no organismo receptor. Para avaliar o resultado da transformação há que injectar um gene resistente aos antibióticos e banhar as células numa solução antibiótica. As que sobrevivem são as que aceitaram a transferência. Sobre estas realizam-se depois bombardeamentos com “canhões de genes”, o que provoca a colocação do gene de forma aleatória em qualquer parte do genoma.
Os primeiros êxitos da Monsanto na sua batalha legislativa nos Estados Unidos para aceitação deste processo foram alcançados em 1992, quando foi aprovado um regulamento segundo o qual “os alimentos derivados de variedades vegetais segundo os novos métodos de modificação genética regulam-se no mesmo quadro e segundo a mesma perspectiva adoptada para o cruzamento tradicional de plantas”. Isto é, deixa de haver diferenças legislativas entre as selecções de sementes dentro da mesma espécie e as quebras das barreiras biológicas que separam as espécies.
Aos benefícios desta legislação, Monsanto acrescentou o estabelecimento de um quadro de declaração de patentes sobre todas as sementes geneticamente modificadas, facto que lhe permite controlar o mercado mundial em forma de monopólio.
Em causa estão a saúde pública no mundo, a preservação ambiental e a biodiversidade. Trabalhos científicos sobre estes assuntos permitiram estabelecer um decálogo de malfeitorias dos OGM e do controlo de Monsanto sobre a sua produção e comercialização: riscos para a saúde pública; contaminação genética sem controlo; aumento da contaminação química devido ao maior uso de biocidas; perda permanente da biodiversidade agropecuária e florestal; aumento da insegurança e perda da soberania alimentar; grande concentração de poder em poucas empresas; degradação da democracia através das pressões sobre a classe política e a actuação dos lobbies; aumento da desigualdade Norte-Sul; prejuízos para a agricultura ecológica devido à contaminação.