segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Luciana Genro: “PSOL não pode cair na lógica de ganhar eleições a qualquer custo”


 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Ex-deputada estadual e federal, Luciana Genro é pré-candidata do PSOL à Presidência da República | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Samir Oliveira e Iuri Müller *no SUL21
Depois de sucessivos mandatos como deputada estadual e federal, e impedida pela lei eleitoral de concorrer a cargo legislativo no ano que vem, Luciana Genro prepara-se para tentar a Presidência da República pelo PSOL. O congresso nacional do partido, marcado para dezembro, pode referendar o nome de Luciana como candidata da sigla ao Planalto – ainda que outros nomes, como o senador Randolfe Rodrigues (AP) e o deputado federal Chico Alencar (RJ), possam também disputar essa indicação.
Em conversa com o Sul21, Luciana Genro defendeu sua pré-candidatura como uma reafirmação da disposição do PSOL em fazer política sem comprometer-se com métodos que descaracterizem o ideário da sigla. “Vou até o final nessa disputa”, acentuou, citando também pontos que considera fundamentais na eventualidade do PSOL chegar ao poder – o principal deles, a convocação de uma assembleia popular constituinte. “A partir dessa assembleia constituinte, rediscutiríamos as formas de representação e as formas como as instituições do país se organizam”, explica a pré-candidata.
Na entrevista, Luciana Genro tratou também dos protestos que tomaram conta do Brasil no mês de junho – manifestações que, segundo ela, demonstraram que o PT não mais dialoga com movimentos sociais – e da necessidade de incorporar as indignações expressas nas ruas dentro da construção de uma nova concepção de atividade política. Além disso, falou sobre a saída de Heloísa Helena do PSOL e de sua própria situação política – como seu pai, Tarso Genro, é governador do RS, ela foi impedida de concorrer a vereadora de Porto Alegre nas eleições do ano passado. O que, mesmo impedindo seu retorno às atividades parlamentares enquanto o pai for governador, ela garante não lamentar de todo. “Ficar sem mandato me permitiu participar dos movimentos e das atividades partidárias em uma outra posição”, diz ela.
Sul21 – Como foi a indicação da tua pré-candidatura à presidência pelo PSOL?
Luciana –
 O PSOL vive um processo de debate político muito rico. Em dezembro teremos o nosso quarto congresso, que acontece em um momento muito positivo da conjuntura política do país, principalmente depois das jornadas de junho. A nosso ver – e essa é uma avaliação bastante homogênea no PSOL –, as manifestações de junho mudaram de forma bastante consistente a conjuntura política e as perspectivas da política no Brasil. O levante de junho, como temos chamado, acabou fortalecendo dentro do PSOL a ideia de que precisamos ser um partido que se diferencie do conjunto de partidos colocados na política nacional. Isso já era uma definição desde a fundação. Quando decidimos fundar o PSOL, foi porque não aceitávamos a lógica da política tradicional, de fazer promessas na campanha e depois as enterrar em nome do pragmatismo e da governabilidade. Por isso eu, o Babá, a Heloísa Helena e o João Fontes fomos expulsos do PT há dez anos. O mote foi a reforma da previdência, que foi comprada com o mensalão.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Randolfe defende política desconectada da necessidade do PSOL ser um partido sem resquício de pragmatismo e alianças”, aponta Luciana Genro | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Teu nome ainda precisa passar por votação no congresso do partido?
Luciana -
 O congresso acontece nesse caldeirão político, em dezembro, e o meu nome foi apresentado. São três correntes dentro do PSOL que estão defendendo meu nome. Dentro do partido, existe um grupo chamado Bloco de Esquerda, que se contrapõe à ala que é dirigida pelo presidente Ivan Valente – e que tem nas suas fileiras, como possível candidato à presidência, o senador Randolfe Rodrigues. Primeiro, haviam lançado o Randolfe como candidato a presidente pelo PSOL. Então o Bloco de Esquerda, inconformado, se organizou e algumas correntes dentro do Bloco apresentaram o meu nome. É este o debate político que estamos construindo. Mas o Randolfe mudou de ideia, não se sabe bem se vai ser ele o candidato a presidente do outro grupo.
Sul21 – Qual a diferença política entre esses dois grupos?
Luciana -
 O Randolfe e o grupo que ele representa defendem uma linha política que, na nossa opinião, está desconectada da necessidade de o PSOL ser um partido fora da ordem, de abandonar qualquer resquício de pragmatismo e de alianças, particularmente – mas não só isso -, para ganhar eleições. No Amapá, onde o Randolfe tem sua base, o PSOL ganhou a eleição para prefeitura da capital, Macapá, o que foi uma vitória importante. Mas ganhou em um esquema político que não ajuda no processo de construção do partido enquanto alternativa de esquerda que realmente renega as formas tradicionais de fazer política. Lá, o PSOL chegou a ter o apoio do DEM no segundo turno e fez alianças com partidos da base do governo Dilma. Tudo isso está gerando um debate político que é muito bom para o partido, porque ajuda a desenvolver as caracterizações, avaliações e o próprio pensamento da militância.
“A principal preocupação é que o PSOL não reproduza a lógica de ganhar eleições a qualquer custo. Política vai muito além de postos institucionais”

Sul21 – Como tu avalias as mudanças pelas quais o partido passou agora com a conquista das prefeituras de Macapá e de Itaocara (Rio de Janeiro)? Quais as diferenças nesses dois processos?
Luciana –
 É difícil fazer uma comparação justa, porque são prefeituras bem diferentes. Uma é capital e a outra é uma cidade bastante pequena. Mas algumas questões de método são interessantes de se comparar. Por exemplo, a forma como foram escolhidos os secretários. Em Itaocara, cujo prefeito integra uma das correntes da esquerda do PSOL – a corrente do Babá, a CST – o secretariado foi escolhido com a participação da comunidade e do funcionalismo público. Houve um debate muito mais sobre as qualificações técnicas e políticas das pessoas do que indicações partidárias. Há um processo de mobilização muito positivo na cidade, que, inclusive já havia conquistado o passe livre para estudantes antes mesmo do levante de junho. Já em Macapá, temos indícios de participações de pessoas indicadas por filiados de partidos da direita.
Sul21 – A eleição de 2012 intensificou o debate sobre alianças e pragmatismo eleitoral no PSOL?
Luciana –
 A principal preocupação é que o PSOL não reproduza a lógica de ganhar eleições a qualquer custo. É óbvio que ter parlamentares é uma coisa muito importante para o partido, assim como ganhar prefeituras. Mas a política vai muito além de postos institucionais. As ruas mostraram, em junho, que amplas parcelas da população não se sentem representadas nas instituições tradicionais da política. O PSOL tem que revolucionar a política. Isso significa que temos que disputar, sim, processos eleitorais. No Rio de Janeiro, chegamos a quase 30% dos votos para prefeitura da capital. Lá, fazemos uma política que é institucional e, ao mesmo tempo, anti-regime. Uma política que enfrenta as formas tradicionais de fazer política, que tem uma figura pública que é o Marcelo Freixo. O PSOL tem o desafio de andar no fio da navalha, de conseguir ao mesmo tempo ter uma participação na política institucional, mas não se render aos métodos tradicionais da política.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Candidato a governo do RS pelo PSOL ainda está em aberto: “é possível que seja o Roberto Robaina”, diz Luciana | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Falava-se que o Chico Alencar poderia ser um nome de consenso para representar o PSOL na disputa presidencial.
Luciana – 
Ele poderia ter sido, mas não é mais. Quando foi lançado o Randolfe e lançado o meu nome, em consequência, houve uma movimentação de um setor do próprio Bloco de Esquerda para que o Chico fosse candidato. O grupo que tinha me lançado disse que se o Chico topasse, dentro de uma linha política acordada por todos, seria consenso. Só que, a partir dali, o Chico fez uma movimentação política totalmente de alinhamento com a corrente do Ivan. Então já não há mais a possibilidade de consenso. Vou na disputa até o final. Eu só abriria mão da disputa para o Marcelo Freixo. Antes de lançar meu nome, procuramos ele, conversamos. Mas ele não pode ser candidato a presidente porque não pode ficar sem mandato, já que é uma pessoa perseguida pelas milícias, justamente porque mexeu no coração da corrupção política do Rio de Janeiro.
Sul21 – Como o partido está se preparando para as eleições do ano que vem em nível estadual?
Luciana –
 Teremos candidato a governador, ainda não sabemos quem será. É possível que seja o Roberto Robaina, mas isso ainda está em debate. Nossa meta mínima é a eleição de um deputado estadual, mas temos expectativa de poder ir além. Ainda não se sabe como exatamente essa insatisfação com a política tradicional vai refletir no processo eleitoral e em que medida o PSOL vai conseguir se credenciar enquanto um partido que está fora da ordem tradicional da política. Acredito que temos chances de crescer. Uma parte significativa dessa juventude já tem relações com o PSOL ou se organiza no Juntos, que é um movimento de juventude independente, mas onde muitos militantes do PSOL atuam. Temos a expectativa de atrair um setor importante dessa juventude que se mobilizou e está em busca de uma alternativa política.
“O modelo uruguaio é limitado, ataca somente um dos pontos das drogas, que é a maconha. Mas deixa de fora a cocaína. Esse debate tem que se abrir”

Sul21 – E qual é a tua plataforma política na disputa interna pela indicação à presidência pelo PSOL?
Luciana –
 A primeira questão é que o Brasil necessitaria de uma assembleia popular constituinte para reorganizar o conjunto das instituições do país. A eleição para essa assembleia já teria que ser feita sob novas regras, sem a interferência do capital privado; com a possibilidade de candidaturas avulsas, para que as pessoas que não se sentem representadas por partidos possam concorrer; com tempos de televisão minimamente igualitários para todos. Teria que ser um processo eleitoral que não fosse marcado pela venda de candidatos como produtos, mas sim pelo debate político real. A partir dessa assembleia constituinte, rediscutiríamos as formas de representação e as formas como as instituições do país se organizam, além de medidas de democracia direta, onde o povo pudesse interferir nas decisões que são fundamentais do país, como a questão da dívida pública.
Sul21 – De que forma o tema da dívida pública pode ser tratado?
Luciana –
 Hoje, mais de 30% do orçamento do país é destinado a pagar a dívida pública, sendo que a maior parte desse dinheiro vai para aumentar os lucros dos bancos, que estão lucrando muito nos últimos anos. Os bancos lucraram mais no governo Lula e Dilma do que no governo do Fernando Henrique. É uma questão que deveria ser discutida em um plebiscito: é justo que falte dinheiro para se investir em moradia, transporte, passe livre, por exemplo?
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Hoje, mais de 30% do orçamento do país é destinado a pagar a dívida pública, sendo que a maior parte desse dinheiro vai para aumentar os lucros dos bancos” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Que outros temas poderiam ser abordados na candidatura?
Luciana – 
Um tema que me sensibiliza muito, até porque sou advogada e estou me especializando na área penal, é a questão da descriminalização das drogas. O modelo uruguaio é limitado, ataca somente um dos pontos das drogas, que é a maconha. Mas deixa de fora a cocaína, que também é importante. Esse debate tem que se abrir. Também poderia ser objeto de um plebiscito com um debate político muito bem feito, para que se trate o problema da droga como uma questão de saúde pública, principalmente em drogas como a cocaína, que são de periculosidade elevada. Acho uma grande hipocrisia que a maconha seja tratada como uma droga proibida, já que tem nível de periculosidade igual ou inferior ao álcool e ao cigarro. Deveria ser uma droga lícita e deveriam ser alertados os perigos, da mesma forma que se alega do cigarro e do álcool.
Sul21 – No Uruguai, o controle estatal sobre a maconha veio com a justificativa de que acabaria com o tráfico.
Luciana – 
Grande parte da tragédia que a gente vive no sistema prisional está relacionadas com a ilegalidade das drogas. A maioria do dinheiro público gasto com segurança é dirigido ao combate ao tráfico. Isso já se demonstrou uma política falida. No mundo inteiro essas políticas estão sendo rediscutidas e o Brasil está atrasado nesse aspecto. É preciso que os problemas de saúde pública e de segurança sejam tratados de outra maneira, a partir da descriminalização. Mas essa é uma posição minha, que vai ter que ser discutida com o partido. A partir de eu ser escolhida como candidata, quero pautar esse debate com o partido e ver de que forma se pode fazer essa abordagem.
“Os problemas que foram colocados pelos movimentos de junho não foram resolvidos em absoluto. A tendência é que se retome essa pauta”

Sul21 – Em relação às manifestações, como tu avalias a resposta do poder público?
Luciana –
 A reação do poder público demonstrou que o conceito marxista e leninista sobre o Estado é mais atual do que nunca: de que o Estado é, em última instância o braço armado da burguesia para garantir seus interesses. O tratamento do Estado, em primeiro lugar, foi policialesco. Isso vale para todo o Brasil. Alguns governos reagiram com mais violência, outros com menos, mas a violência foi generalizada. As medidas concretas para responder aos problemas que foram colocados foram totalmente insuficientes. E as medidas mais “radicais” propostas pela presidente acabaram sendo engavetadas por ela própria, como seria a proposta de uma constituinte exclusiva para discutir a reforma política – que era insuficiente, mas era uma medida positiva. Os problemas que foram colocados pelos movimentos de junho não foram resolvidos em absoluto. A tendência é que se retome essa pauta. Talvez não com a mesma força e magnitude que aconteceu em junho, que foi um fenômeno político muito especial, que não se repete com tanta facilidade. Mas, com certeza – e isso já estamos vendo agora – se abriram as comportas para que as exigências sejam pautadas de forma mais constante. As lutas que vêm surgindo desde aquele momento não pararam mais. E acho que não vão parar.
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É necessário, segundo pré-candidata, organizar indignação de protestos de junho de forma a constituir novas lideranças e movimentos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – É possível intensificar os movimentos que desaguaram em junho?
Luciana -
 A tendência é que se possa avançar, tanto em termos de conquistas como também em termos de organização. A grande necessidade que se tem a partir do que aconteceu em junho é organizar a indignação. O PSOL é parte desse processo de tentar ajudar a organizar essa indignação, mas é claro que não é algo que passa só pelo PSOL. Desde que o PT ganhou a presidência da República, houve uma cooptação das lideranças dos movimentos sociais, e, portanto, um refluxo das lutas. Junho foi uma “revolução” porque mostrou que o PT já não controla mais os movimentos como conseguiu nos últimos dez anos. Isso possibilita que surjam novas lideranças e novos movimentos, ou que os movimentos que já existem ganhem novos contornos e deixem de se enjaular pelo governo.
Sul21 – O mês de junho foi de contestações ao governo quase diárias. Também exigiu respostas dos partidos em vários setores. Na tua opinião é uma oportunidade para que o PT tente se reinventar?
Luciana 
– O PT não consegue mais se reinventar, porque já não tem mais oxigênio interno para se renovar. O ponto de corte foi a nossa expulsão. Foi a mensagem clara de que não havia espaço dentro do PT para quem não se alinhasse com as necessidades do governo. Quem ficou no PT – e eu não digo os eleitores, mas os dirigentes – aceitou essa lógica de submissão dos interesses do povo às necessidades do governo. O PT tem oxigênio eleitoral, e é possível que a Dilma ganhe novamente as eleições. Mas, enquanto um partido de transformação, o PT está morto. Pode ser um partido de eleições, de governos que são instrumentos para aplicação das medidas necessárias para a reprodução do capitalismo. Não vai além disso.
Sul21 – Tu falaste que as manifestações demonstram que exige uma base social que contesta o sistema e a política tradicional. Mas algumas análises dizem que, em alguns momentos, as manifestações tiveram grande presença da direita e de uma classe média que acaba reproduzindo anseios apolíticos. Tu tens essa avaliação ou acreditas que as manifestações são a expressão de uma massa que reflete mais o pensamento da esquerda?
Luciana –
 Não acho que seja uma massa que reflete o pensamento da esquerda. Mas acho que essa história do “golpe” foi uma invenção do PT para tentar desacreditar o movimento e tentar explicar sua própria impotência diante de um movimento que o transbordou completamente. As pessoas que acreditavam no PT ou as que ainda viam na política uma forma de transformação se desiludiram. Viram o PT – que era um partido que se construiu contestando a corrupção e a submissão do país aos interesses do capital – chegar ao poder e fazer exatamente aquilo que contestou a sua existência inteira. Então essas pessoas chegam à conclusão de que política é tudo igual, partido é tudo igual e nenhum serve para nada. O apoliticismo foi alimentado pelo próprio PT.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Luciana Genro não identificou discursos de direita em protestos: “o que houve foi uma repulsa aos partidos, inclusive os do campo de esquerda que tentavam se impor” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Outro aspecto, gente de direita existe no Brasil, sempre existiu e sempre vai existir. Isso faz parte do espectro político de qualquer sociedade. Acho até que nas manifestações isso apareceu de forma muito tímida, porque se a gente for analisar todas as reivindicações que surgiram nos cartazes feitos pela população, não tinha nenhuma consigna de direita, tipo “militares voltem”, ou contra o aborto, no campo dos “costumes”, digamos assim, ou “fora os homossexuais”. O que teve de fato foi uma repulsa aos partidos, que atingiu inclusive os partidos de esquerda que tentavam se impor. O PSOL muito pouco, porque a nossa linha foi não aparecer enquanto partido. Nós fomos, e eu participei, inclusive tomei bomba de gás lacrimogêneo da Brigada Militar aqui em Porto Alegre, e participei em São Paulo também. E fui como indivíduo, fui muito bem recebida pelas pessoas que me reconheceram. O PSTU tentou se impor como partido, com bandeiras, e teve até confronto físico.
Claro, teve setores da direita que se aproveitaram desse sentimento anti-partido. Mas a maioria das pessoas (com esse sentimento) não eram necessariamente da direita, mas pessoas que não queriam que os partidos políticos se apropriassem de um movimento que não era organizado pelos partidos.
“Heloísa Helena foi fundamental no processo de construção do PSOL. Mas ela faz política muito mais com o fígado do que com o cérebro. Então ela acabou numa rota de colisão com Ivan Valente”

Sul21 – Em uma década de existência, o quão heterogêneo é o PSOL hoje?
Luciana –
 O PSOL é menos heterogêneo do que era o PT em sua fundação, embora seja heterogêneo. Não acho que isso necessariamente seja ruim. É positivo que se tenha diferenças políticas e debates políticos. Mas o PSOL tem uma maioria – e acredito que isso vá se demonstrar no nosso congresso em dezembro – que aprendeu com o processo da expulsão do PT. Ou, melhor dizendo: aprendeu com o processo da falência do PT. Acho que alguns setores, que hoje identifico nessa coalizão em torno do Randolfe, não tiraram todas as conclusões necessárias. Não é casual que eles tenham ingressado depois no partido. Embora haja grupos que vieram depois e que tiraram as conclusões e hoje estão no Bloco de Esquerda. Mas esse setor do Randolfe e do Ivan Valente não tirou todas as conclusões necessárias do processo do PT. Isso não nos impossibilita uma convivência partidária, mas nos impõe uma disputa política. Disputar os rumos do partido com esse setor é fundamental para que possamos fazer do PSOL uma alternativa que seja viável politicamente e, ao mesmo tempo, não repita os erros cometidos pelo PT.
Sul21 – Como tu avalias a saída da Heloísa Helena do partido? Ao que tudo indica ela estaria indo para a Rede.
Luciana –
 É uma perda para nós, caso se concretize. É uma perda muito triste, para mim, em particular, que tenho uma relação de amizade com ela. Ela foi fundamental no processo de construção do PSOL. Mas a Heloísa Helena tem uma característica de fazer política muito mais com o fígado do que com o cérebro. Então ela acabou numa rota de colisão com esse grupo encabeçado pelo Ivan Valente desde aquele momento da escolha do Plínio como candidato à presidência. E desde então ela não conseguiu mais se reinserir com o partido. Isso acabou se combinando com uma relação de amizade e de identidade que ela tem com a Marina (Silva), então ela decidiu ajudar a Marina na construção da Rede. Se o partido conseguir a legalidade, é bem provável que ela vá mesmo para a Rede.
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Eleita pela primeira vez com 23 anos, Luciana acredita que distância dos parlamentos permitiu voltar a fazer política a partir de uma posição de militância | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Como foram esses anos sem mandato político e a questão jurídica? Já se encerrou esse processo?
Luciana –
 Se encerrou no TSE e eu perdi no TSE também. Eu acho que fui vítima de uma injustiça, porque se houvesse alguma equidade no sentido aristotélico da palavra, que é observar o caso concreto e fazer justiça no caso concreto, o meu caso teria tido um tratamento diferente. Eu não acho que essa lei em si seja necessariamente ruim e que devesse ser derrubada, acho que o meu caso concreto tinha que ser visto com outros olhos. Infelizmente a nossa justiça ainda é muito positivista, no sentido de olhar a letra fria da lei e não cotejar a lei com a vida real. Mas para mim foi uma experiência até positiva ficar sem mandato, porque tive a oportunidade de estar mais próxima da cidade de Porto Alegre, e ao mesmo tempo tenho ido bastante para São Paulo, fazer política lá. Tive a oportunidade de terminar meus estudos em Direito, estou terminando uma pós-graduação e pretendo fazer um mestrado. Ficar sem mandato me permitiu participar dos movimentos e das atividades partidárias desde uma posição mais de militante do que de parlamentar.
Sul21 – Te dedicaste também a estruturar o Emancipa, certo?
Luciana –
 Exatamente. Esse foi um processo que me satisfez muito. Agora passei para o Marco Viana a diretoria do Emancipa, é uma OSCIP, conseguiu aprovar neste último vestibular mais de 60 alunos da UFRGS, e isso foi muito gratificante. A gente recebe muito o feedback dos jovens que participaram. Para mim é uma nova experiência, porque eu fiquei 16 anos como parlamentar, eu fui eleita com 23 anos pela primeira vez. Então eu já estava um pouco esgotada nesse papel, foi positivo para mim poder continuar fazendo política desde uma outra posição.
* colaborou Igor Natusch