quinta-feira, 1 de julho de 2010

FIFA, a máfia do futebol.....



A Fifa controla o dinheiro, marca os adversários e dribla a Justiça

Flavia Tavares, de O Estado de S. Paulo

Enquanto o English Team sofria para passar às oitavas contra a Eslovênia, o escocês Andrew Jennings desfiava o sarcasmo adquirido ao longo da vida de repórter investigativo na Inglaterra, na BBC e em grandes jornais. Com a pontaria muito mais calibrada que a dos artilheiros desta Copa do Mundo, o jornalista vai relatando casos de corrupção que apurou para produzir seus três livros sobre o Comitê Olímpico Internacional (COI) e outro sobre a Federação Internacional de Futebol (Fifa) – mesmo sendo o único jornalista do mundo banido das coletivas da entidade desde 2003.

O jornalista inglês Andrew Jennings relata em livro casos de corrupção dentro da FIFA um dos escândalos relatados por ele em 2006, no livro Foul! The Secret World of Fifa (não traduzido no Brasil), teve um desfecho na sexta-feira. Altos dirigentes da organização máxima do futebol receberam propina, admitiu a Justiça suíça. Mas eles não serão punidos porque a lei do país, que é sede da Fifa, permitia o “bicho” na época.

Os figurões pagarão apenas os custos legais e suas identidades não serão reveladas. “É por isso que meu segundo livro sobre o tema será uma comparação da Fifa com o crime organizado”, conta. Ele optou por publicar a obra depois das eleições na entidade, em maio de 2011, embora duvide que alguém vá enfrentar o dono da bola, Joseph Blatter. “Ninguém ousa desafiar a Fifa porque eles controlam o dinheiro. E a imprensa cala”, dispara Jennings.

Em suas investigações sobre a Fifa, o que o senhor descobriu?

A Fifa é comandada por um pequeno grupo de homens – não há mulheres em altos postos da entidade e isso fala por si – que está lá há muitos anos. São homens em quem não devemos confiar e contra quem temos provas contundentes. Eles podem continuar no poder porque controlam o dinheiro. E tornam a vida dos dirigentes das confederações nacionais muito boa e fácil. Fico envergonhado porque ninguém se manifesta contra esse poder.

Como os dirigentes se manifestariam?

Zurique, sede da Fifa, é uma Pyongyang do futebol. O líder fala e os outros agradecem. Numa democracia é esperado que haja discordância, oposição. Na Fifa, não há. Eles têm um congresso a que, ironicamente, chamam de parlamento. São cerca de 600 delegados – acho que são 2 ou 3 por país representado, e são 208 países. Se você chegasse de Marte acharia que o mundo é perfeito, porque todos concordam. É vergonhoso. Nisso, a CBF é tão culpada quanto todas as outras confederações.

Que instrumentos a Fifa usa para manter esse poder?
A Fifa dá cerca de US$ 250 mil por ano para cada país investir em futebol. Na Europa, não precisamos desse dinheiro. A indústria do futebol fatura o suficiente para se alimentar. Mas é uma forma de a Fifa se manter. Esse dinheiro nunca é auditado. Na Suíça, a propina comercial não era ilegal até pouco tempo, apenas o suborno de oficiais do governo. O caso que eu conto no meu livro é justamente sobre um esquema de propinas pagas pela International Sport and Leisure (ISL), empresa que negociava os direitos televisivos e de marketing da Fifa. A história é cheia de detalhes, mas no final a ISL só foi responsabilizada pelo fato de gerenciar mal seus negócios enquanto devia para outras empresas.

Não houve punição?

Como eu disse, o pagamento de propina não era ilegal na Suíça. Portanto, não havia crime a ser punido. As acusações contra a Fifa foram retiradas e a entidade foi multada em 5,5 milhões de francos suíços (cerca de US$ 5 milhões) para custos legais.

Por que os governos não se envolvem ou a Justiça não faz algo?

Porque a sede da Fifa é na Suíça e a lei lá é muito permissiva. Para outros países, é inaceitável que esses homens se safem tão facilmente e que os altos dirigentes riam da nossa cara desse jeito. O que me deixa enojado é que os líderes dos países – o primeiro-ministro britânico, o presidente Lula e todos os outros – façam negócio com essas pessoas. Eles deveriam lhes negar vistos, deveriam dizer que não querem se relacionar com dirigentes tão corruptos. E tenho certeza de que, se os governantes se voltassem contra a corrupção da Fifa, teriam apoio maciço dos torcedores/eleitores.

Por que todos são tão complacentes?

Suponhamos que você seja uma torcedora fanática pelo seu time. Você vai à Copa do Mundo, mas como sempre há escassez de ingressos. Você então compra suas entradas de cambistas, mesmo sabendo que parte desse ágio vai voltar para o bolso da Fifa, já que ela é suspeita de liberar esses ingressos para os ambulantes. Você não pode provar, claro, mas você sabe. As pessoas não são estúpidas. Os governos menos ainda, eles podem investigar o que quiserem. Mas não investigam a Fifa porque os políticos simplesmente ignoram os torcedores. É o que já está acontecendo com a Copa de 2014. Qualquer brasileiro com mais de 10 anos sabe que a corrupção já está instalada. Por que ninguém faz nada?

Por quê?
É difícil saber. Se um país relevante enfrentasse a Fifa ela recuaria. Ou você acha ela excluiria o Brasil de uma Copa? Eles conseguem enganar países pequenos, esquecidos pelo mundo. Mas, se o Brasil dissesse não à corrupção, provavelmente a América Latina se uniria a vocês. E você acha que esses líderes latino-americanos nunca discutiram a possibilidade de um levante, de fazer o que os europeus já deveriam ter feito há tempos? Acho que lhes falta coragem.

O Brasil tentou fazer uma investigação, por meio de uma CPI.

Tentou e foi ao mesmo tempo uma vitória para o país e uma grande decepção, porque pararam de investigar no meio. O povo vai ter de pressionar os políticos a fazer algo. É realmente uma pena que o Brasil tenha chegado tão longe na investigação e tenha desistido no caminho. Havia provas para seguir em frente, para tirar a CBF das mãos do Ricardo Teixeira e, quem sabe, colocar auditores independentes lá dentro. A Justiça também poderia ser mais ativa. Por mais que eles tenham comprado alguns juízes, não compraram todos, certamente.

Sabendo de tudo isso o senhor ainda consegue curtir o futebol, se divertir com ele?

Sim, porque a corrupção não está tão infiltrada nos jogos, embora chegue a essa ponta também. Ela fica mais nos bastidores. Há exceções, como na Copa de 2002, em que a Espanha e a Itália foram roubadas grotescamente. Era importante para a Fifa que a Coreia do Sul passasse adiante. Não foi culpa dos jogadores, mas as razões políticas e econômicas se impuseram. Na Coreia, o beisebol é mais popular do que o futebol. Se eles fossem desclassificados, os estádios se esvaziariam. Neste ano, todos ficaram de olho nos jogos de times africanos. Blatter também precisa de um time do continente nas oitavas. A questão é que, quando assistimos às partidas, assistimos aos atletas, ao esporte, então, é possível confiar. É fácil punir um árbitro corrupto e a maioria não é corrompida.

Então, a corrupção não interfere tanto no esporte?

Cada centavo que os dirigentes tiram ilicitamente da Fifa ou das organizações nacionais é dinheiro que eles tiram do esporte e de investimentos. Portanto, estão desviando de nós, torcedores, e dos atletas que jogam no chão batido em países subdesenvolvidos. Eles tiram dos pobres.

É possível para os jogadores, técnicos e dirigentes se manterem distantes da corrupção no futebol?

Bom, o dinheiro normalmente é tirado do orçamento do marketing, não afeta jogadores e técnicos dos times nacionais. Uma coisa interessante é o comitê de auditoria interna da Fifa. Um dos membros é José Carlos Salim, que foi investigado muitas vezes no Brasil. Por que você acha que ele está lá? Para fingir que não vê.

A corrupção no futebol começa nos clubes e se espalha ou vem de cima para baixo?

Sempre haverá um nível de roubalheira em todas os escalões. Para isso temos leis e, às vezes, conseguimos aplicá-las. Mas a pior corrupção está na liderança mundial. Quase todos os países assinam tratados internacionais anticorrupção, mas não fazem nada quanto aos desmandos da Fifa e do COI. E, quando algum governante tenta ir atrás de dirigentes de futebol corruptos, a Fifa ameaça suspender o país. Só que ela faz isso com os pequenos. Fizeram isso com Antígua! Suspenderam o país minúsculo que ousou processar o dirigente nacional. Ninguém falou nada. Eu escrevi sobre isso porque tenho fãs lá que me avisaram do caso.

O senhor se sente uma voz solitária na imprensa?

Não confio na cobertura esportiva das agências internacionais. Em outras áreas elas são ótimas. Não no esporte. É uma piada. Apresento documentários com denúncias graves sobre a Fifa na BBC, num programa de jornalismo investigativo chamado Panorama, e dias depois a BBC Sport faz um programa inteiro em que Joseph Blatter apresenta alegremente a nova sede da Fifa em Zurique.

O senhor acompanhou a briga do técnico Dunga com a imprensa brasileira?

Não vou comentar o episódio porque não acompanhei de perto. Posso dizer que a imprensa inglesa e a da maioria dos países é puxa-saco. E sem razão para isso. A desculpa é que os editores têm medo de perder o acesso às seleções e à Fifa. Bobagem. Ora, eu fui banido das coletivas da Fifa sete anos atrás e ainda consegui escrever um livro e fazer várias reportagens. A imprensa deve atribuir as responsabilidades às autoridades. Se não fizer isso, é relações públicas. Tenho milhares de documentos internos da Fifa que fontes me mandam e não param de chegar. Por que só eu faço isso?

A cobertura se concentra mais no evento esportivo em si e nas negociações de jogadores?

Exato, também porque a chefia das redações tende a se concentrar nos assuntos de política nacional, internacional e na economia e deixar o esporte em segundo plano.

O que o senhor espera da Copa no Brasil, em 2014?

Há algumas semanas, o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, deu um piti público cobrando o governo brasileiro para que acelerasse as construções para a Copa. Estranhei muito, porque não imagino que o governo brasileiro se recusaria a financiar uma Copa. Vocês são loucos por futebol, estão desenvolvendo sua economia, têm recursos e podem achar dinheiro para isso. Uma fonte havia me dito que Valcke e Ricardo Teixeira tinham tirado férias juntos, estavam de bem. Então, o que está por trás dessa gritaria? É pressão para o governo brasileiro colocar mais dinheiro público nas mãos da CBF. Mundialmente, as empreiteiras têm envolvimento com corrupção. Dá para sentir o cheiro daqui.

Três de seus livros são sobre as Olimpíadas. As falcatruas acontecem em qualquer esporte ou são predominantes no futebol?

Sou cuidadoso ao falar disso. Sei que a liderança da Fifa é muito corrupta – e venho publicando isso há mais de dez anos sem que eles tenham me processado nem uma vez sequer, o que diz muito. O COI era muito pior sob o comando de Juan Antonio Samaranch (morto em abril deste ano), que presidiu a entidade de 1980 a 2001. Ele era um fascista e o fascismo é, além de tudo, uma pirâmide de corrupção. Samaranch trabalhou ao lado do generalíssimo Franco. Essa cultura franquista e fascista se transformou em uma cultura gângster.

A corrupção no COI diminuiu com a saída de Samaranch?

Vou ilustrar com uma história. No meu site publiquei uma foto de Blatter cumprimentando um mafioso russo, em 2006, em um encontro com dirigentes do país. O russo foi quem fez o esquema em Salt Lake, na Olimpíada de Inverno de 2002, para que os conterrâneos ganhassem o ouro em patinação artística. Pois bem, Blatter, Havelange e muitos outros da Fifa são parte do comitê do COI. Essa é a dica de como a Rússia está agindo para sediar a Copa de 2018.

Foi assim que o Brasil conseguiu a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016?

Na votação em Copenhague, que deu a sede olímpica para o Rio de Janeiro, o nível de investigação jornalística foi ridículo, só víamos a praia de Copacabana com o povo feliz. Há um grupo no COI que já foi denunciado por receber propina no escândalo da ISL – e quem acompanha a entidade sabe quem eles são. Os dirigentes dos países só precisam pagar umas seis ou sete pessoas para conseguir o voto. Existe, com certeza, uma sobreposição entre os métodos da Fifa e do COI. Mas a cultura das duas entidades não é tão estrita quanto à de uma máfia, é mais como se fossem máfias associadas, apoiadas umas nas outras. Coca-Cola, redes de fast-food, Adidas, você acha que essas companhias não sabem o que está acontecendo? Eles não são estúpidos. A cara de pau é tamanha que Jacques Rogue, presidente do COI, disse em Turim, em 2006, que o COI e o McDonald’s compartilham os mesmos ideais. Será que ele não sabe quanto a obesidade infantil é um problema gravíssimo em vários países? Ou faz parte do jogo ceder a esses interesses?

Modelo econômico e dependência

  Waldemar Rossi  - Correio da Cidadania 
 
O Estado de S. Paulo do dia 27 último, em seu caderno sobre Economia, dá destaque para o fato de que o Brasil está importando mais do que em qualquer outro tempo. Importação de material que já deveria estar sendo fabricado no Brasil há décadas.
 
Importamos de tudo, desde máquinas, computadores e todos os seus componentes a minerais não metálicos, tecidos, carros em larga escala, além das bugigangas que vêm da China e de outros países asiáticos. São rios de dinheiro que saem, garantindo emprego naqueles países, enquanto nossa juventude fica à mercê do desemprego ou dos baixos salários e trabalhos precários.
 
Desde os tempos da ditadura militar, de tão triste memória, que o Brasil adotou um modelo econômico dependente do capital transnacional (à época chamado de multinacional), predador, em profundo prejuízo para a economia e para o povo brasileiro.
 
Convém não esquecermos que Getúlio Vargas vinha pondo em prática um modelo de desenvolvimento industrial nacionalista, isto é, com tecnologia nacional – embora retardatária em relação à Europa e Estados Unidos –, amparada nos recursos financeiros acumulados pelos barões do café e do leite, além, é claro, dos maravilhosos "incentivos" do próprio governo que direcionava dinheiro do orçamento nacional (dinheiro do povo, portanto) para garantir que a indústria crescesse aqui sem depender do capital internacional. Tratava-se, sem dúvidas, de um modelo capitalista, porém escorado numa concepção nacionalista.
 
Quem mudou definitivamente essa direção da nossa economia foram os militares, aliados históricos do imperialismo estadunidense, com o apoio político da famigerada UDN (União Democrática Nacional), partido de extrema-direita da época. A adoção do modelo industrial multinacional viria a colocar o Brasil sob a total dependência do capital alienígena, que sempre visou nos explorar ao máximo. Depois de alguns anos de grandiosa produção em larga escala, o modelo começou a mostrar seu "canto de sereia" que levou milhões de brasileiros a se deslocarem do campo para os grandes centros em busca da felicidade alardeada pela mídia. Entrou em declínio de produção e de vendas, gerando desemprego e todas as suas graves conseqüências.
 
Porém, o capital aqui instalado não aceitou reduzir seus lucros e nem perder o controle sobre nossa economia. Jogou pesado para assegurar que os que viessem suceder os governos militares estivessem sob seu comando. E conseguiu. O grande vilão da nova fase da vida política do país – chamada de "democrática" – viria a ser principalmente o PSDB, um partido composto de "cidadãos" que tinham sido de esquerda anos antes, mas que já tinham sido cooptados pelo poder do capital neoliberal, via FHC, que fora guinado a ministro de Relações Exteriores.
 
Se não foi o único vilão da época, o tucanato se prestou a fazer o grande jogo de colocar o país ainda mais dependente do capital transnacional. Nossas empresas estatais, estratégicas para o desenvolvimento econômico nacional, foram "leiloadas" e entregues "de mãos beijadas" às grandes empresas, em sua maioria estrangeiras (americanas, européias, japonesas...).
 
Por outro lado, o mesmo tucanato ampliou consideravelmente a política de produção do setor primário – extração mineral e produção agropecuária – para a exportação. Objetivo: garantir a entrada de dólares, que o governo foi comprando com dinheiro do orçamento federal, a juros elevadíssimos, para fazer o "superávit-primário", e com isso garantir os compromissos com a agiotagem das Dívidas Externa e Interna, sem reduzi-las, porém.
 
Se os tucanos traíram o povo brasileiro, a política "lulo-petista" não deixou por menos. Somos hoje muito mais dependentes do capital internacional e vivemos ao sabor dos seus humores. Assim, a cada oscilação do mercado internacional - que vai se tornando cada vez mais freqüente -, a economia brasileira se põe em sobressaltos. Em pouco tempo, as aparentes recuperações da economia e do emprego entram novamente em recesso. E quem sofre as conseqüências desse vai e vem da economia em crise são em primeiríssimo lugar os trabalhadores.
 
No início do governo Lula (2003), os movimentos sociais de âmbito nacional se organizaram, desenvolveram amplo debate sobre os rumos da política econômica nacional aplicada também pelo governo petista. Apresentaram documento apontando para os "gargalos" que vêm travando o desenvolvimento econômico do país, indicando onde o dinheiro do povo deveria ser aplicado para que, em poucos anos, pudéssemos alcançar a nossa autonomia, gerando postos de trabalho permanentes, promovendo distribuição de renda e, de fato, ir progressivamente eliminando a pobreza e a miséria reinantes em nosso país, desde os tempos coloniais.
 
No entanto, Lula virou as costas para os movimentos sociais, que foram parte importante para sua eleição. Mas o documento está "guardado na lata do lixo do Palácio do Planalto" e o povo paga um preço muito caro por tamanho desprezo para com as suas necessidades vitais. Não é por menos que os grandes empresários nacionais e internacionais estão felicíssimos com o desempenho do governo petista, pois nunca poderiam imaginar que o lulo-petismo fosse mais eficaz que o tucanato.
 
Não se iludam os amantes e defensores incondicionais da política lulista. O tempo se encarregará de revelar o grau de tamanha traição, como vem mostrando o que foi a traição nacional dos militares golpistas, pois "um governo que semeia ventos fará seu povo colher tempestades".
 
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.