segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Palestina e Israel


    A comunicação é uma arte comparada em pintar um quadro, escrever um livro, esculpir uma estátua ou dirigir um filme. Há que preparar-se. Há que estudar  cada palavra, saber que se quer dizer, como deseja fazer. Nesta semana a palavra, o discurso, a comunicação, a articulação, a negociação será vital numa intensa atividade diplomática nas Nações Unidas que pode decidir o futuro do conflito palestino e israelense e que poderá afetar consideravelmente a precária estabilidade em todo Oriente Médio. O Presidente da Palestina, Mahmud Abbas discursará na ONU exigindo  uma vaga como membro com pleno direito da ONU.  Abbas é consciente que na Assembléia Geral da ONU reúne todos os triunfos com mais 130 países dos 193 com assento na ONU que já reconhecem o Estado Palestino. Dentro do jogo de pôquer, quanto mais alta a aposta maior será o preço a pagar a troca de um acordo, e à Assembléia Geral não pode reconhecer a Palestina como Estado de pleno direito, ou seja, com direito a voto. No entanto, pode dar condição de Estado observador como é o Vaticano. Esta condição significa muito. Não é por acaso que o presidente de Israel, Benjamín Netanyahu tomou a decisão de ir para Nova York com intuito de mudar este panorama ou tendência que para os palestinos seriam uma vitória. Caso a Palestina seja um Estado observador, Israel teria grande possibilidade de ser denunciado a Corte Penal Internacional de Haya pela ocupação ilegal dos territórios palestinos e as violações dos direitos humanos. Não é só isto: os dirigentes israelenses correriam o risco de ordem de busca e captura que transformariam muitos líderes de Israel em párias, confinados em seu próprio país. 
 Nesta batalha da comunicação, Israel já tem o apoio garantido dos Estados Unidos. Diante do fato que dentro de um ano haverá uma eleição nos EStados Unidos e já se especula da possibilidade que Obama possa perder as eleições, evidentemente, dentre outros fatores, mas este pode pesar mais o fato dos eleitores judeus dentro do Partido Democrata não apoiarem o mesmo em 2012. Quanto a Europa, se os americanos não estão satisfeitos com o momento atual europeu, principalmente da divisão entre os sócios europeus no tema Palestina e uma ausência da política exterior, cabe aí recordar que é uma reprodução ou produto de uma política externa dos Estados Unidos. Esta brecha entre os europeus e americanos há que ter em conta a distância que separa Oriente Médio da Europa devido a menor importância dos interesses europeus por lá. O movimento político de Abbas é arrojado. Os americanos ameaçaram em cortar o financiamento das instituições Palestinas. De todo modo, esta ameaça não afetaria muito, pois supostamente seria substituída aos sauditas. Enfrenta também o partido político Hamas que tem como objetivo transformar o conflito nacional palestino, que é de uma natureza étnica e política, em um enfrentamento fundamentalmente religioso. A sociedade palestina  é muito laica comparada a outras sociedades mussulmanas do mundo arábe. Este projeto de radicalização do Hamas é partilhado desde a Al Quaeda até Hizbulá. Quanto aos Brics, constituído por Brasil, China, India e Rússia que decidiram em resgatar a economia mundial, e este gesto e atitude diz muito, onde apenas dois pertencem ao Conselho de Segurança (China e Rússia) que possuem objetivos ambiciosos, onde este grupo na Assembléia irão apoiar a causa Palestina. Uma semana complicada com um final incerto. Os dois, Abbas e Netanyahu, dependerão mais do que nunca do verbo, o que dirão, como enviarão a mensagem, pois da capacidade de comunicação dependerão em abrir ou fechar definitivamente a porta para a negociação.

A história do Haiti é a história do racismo’

Eduardo Galeano no PATRIA LATINA
 
A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto
 
Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.
Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:
- Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.

O álibi demográfico
 
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Porto Príncipe, qual é o problema:
- Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.
E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.
Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista
 
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do Citybank e abolir o artigo constitucional que proibia vender as plantations aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".
O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".
Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável
 
Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.
A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.

O delito da dignidade
 
Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.
Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perdão por haver cometido o delito da dignidade.
A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

* Escritor e jornalista uruguaio

Pós modernidade”, moda cultural do neoliberalismo




Enraizado no passado do pensamento burguês, o pós-modernismo emergiu em contraposição ao marxismo e prega a fragmentação e o “vale-tudo” cultural, o apoliticismo, a rejeição ao conhecimento científico e a ideia de que a sociedade (e a história) não podem ser mudadas pela ação coletiva dos homens.


Por José Carlos Ruy (*) no PORTAL VERMELHO


A “pós-modernidade” é um tema que emergiu especialmente após a década de 1970, embora suas teses fossem anteriores. Sua emergência (nos anos 70) refletiu as mudanças que ocorriam no sistema capitalista. O termo “pós-moderno” acaba trazendo alguma confusão para os desatentos. Há um sentido explícito de superação da modernidade. Ele não representa propriamente uma novidade no campo do pensamento, mas a acentuação de tendências mais antigas e permanentes no pensamento burguês.

Muitas das ideias que surgem como “novidade” estão enraizadas nesse pensamento burguês que vem desde o século 19, com uma ênfase no indivíduo e no conflito (ou contradição) entre este e a sociedade, ideia que se fortaleceu desde Kant (pensador alemão do século 18).

A pós-modernidade enfatiza e superestima o papel individual sobre o social e apregoa isso com um sentido retrógrado, especialmente após a queda do Muro de Berlim e a extinção do socialismo nos países do Leste europeu, quando se proclamou o “fim da história” e a vitória final do capitalismo sobre o socialismo.

O pós-modernismo, como um modismo cultural, é paralelo à hegemonia do neoliberalismo e corresponde a ela. Sua emergência está fortemente vinculada às mudanças ocorridas nos países de capitalismo desenvolvido (na Europa e nos EUA, particularmente) a partir da década de 1960.

Uma derrota para os trabalhadores

O arranjo político estabelecido depois da II Guerra Mundial, que fundamentou o estado do bem-estar social, trouxe para o núcleo do aparelho estatal correntes ligadas ao movimento operário. Partidos socialistas e comunistas e a estrutura sindical passaram a fazer parte do bloco governante, com impacto na própria política defendida por aqueles partidos e organizações.

Quando o capitalismo começou a dar os primeiros sinais da crise de que ainda sofre hoje, mais de meio século depois, o movimento operário representado por aquelas organizações sindicais e políticas não conseguiu formular uma proposta avançada para ela. Refém de políticas reformistas, foram incapazes de assumir papel dirigente quando a resistência operária e popular eclodiu sob forma insurrecional, nos famosos movimentos de 1968. E em países como Itália e França juntaram-se aos governos contra aqueles movimentos.

Neste sentido, a efervescente atividade operária na Europa e nos EUA na década de 1960, decaiu do status de revolução social, de luta de classes, para uma mera transformação cultural. Dava ênfase a aspectos superestruturais (liberação feminina, luta contra o racismo, pela afirmação da juventude etc.) e na resistência contra a guerra do Vietnã.

Isto é, incapaz de formular uma saída proletária para a crise do capitalismo, as organizações políticas e sociais ligadas aos trabalhadores entraram num processo de degenerescência política e eleitoral cuja culminância seria, poucas décadas depois, na crise organizativa vivida a partir dos anos 80.

Aqueles acontecimentos têm uma qualificação: representaram uma derrota para os trabalhadores, para a luta do proletariado e para o avanço para o socialismo. Eles prepararam o caldo de cultura político que, já no final da década de 1970, levou à hegemonia neoliberal com a ascensão de Margareth Thatcher (em 1979) como primeira ministra britânica, a eleição de Ronald Reagan para a presidência dos EUA (em 1980), e à virada privatizante do governo de François Mitterrand (eleito em 1981) na França.

O alto ritmo de crescimento das economias capitalistas, que vinha desde o final da II Guerra Mundial, começou a desacelerar desde o final da década de 1950. Os trabalhadores resistiam também às rotinas alienantes e repetitivas do trabalho nas empresas capitalistas e, ao mesmo tempo, exigiam salários mais altos e condições de trabalho mais adequadas. A saída conservadora para aquela crise deu à burguesia os instrumentos políticos que lhe permitiram dobrar a resistência operária e impor perdas sociais, salariais, e organizativas para os trabalhadores.

Financeirização

Em sua busca para potencializar os lucros, as empresas capitalistas adotaram várias estratégias para derrotar os trabalhadores. Uma delas foi a migração das instalações industriais para locais onde os salários fossem mais baixos e a organização dos operários mais frágil.

Nos EUA, por exemplo, as empresas iniciaram uma migração dos tradicionais centros operários do nordeste do país (como Michigan, Pensilvânia, Nova York) para estados do sul; ultrapassar a fronteira foi um passo, em busca da mão de obra barata na América Latina, transbordando depois para nações mais distantes na Ásia, como a Indonésia ou, na década de 1980, a China.

Na Europa a ânsia por mão de obra barata moveu a produção capitalista rumo ao leste, principalmente depois das mudanças radicais vividas pelas antigas democracias populares do bloco soviético, e também à atração de fortes correntes de migrantes vindos de países latino-americanos, asiáticos e africanos, que vendiam a preços aviltados sua força de trabalho nos países ricos europeus.

Neste período a acumulação capitalista mudou de rumo; a produção fabril, nos países ricos, deixou de ser seu eixo principal, substituída preferencialmente por investimentos financeiros cada vez maiores e mais sofisticados. A produção industrial começou a declinar, o número de trabalhadores ligados à produção encolheu, e houve um acentuado crescimento no setor de serviços. O trabalhador típico deixou de ser aquele que antes manipulava peças de automóveis e seu lugar foi ocupado crescentemente por trabalhadores precarizados.

A ética “produtivista” anterior, que legitimava o lucro obtido na produção e preconizava a vida austera e a economia para o futuro, foi crescentemente substituída por uma lógica de jogo, de cassino, guiada pela lógica do “destino”, do “azar”, sob a qual o que vale é viver o presente (carpe diem, como dizia um filme que fez época, “Sociedade dos Poetas Mortos”).

As mudanças no pensamento acompanham e correspondem a essas transformações ocorridas na sociedade. A França foi um dos lugares pioneiros da formulação do que se convencionou chamar de pós-modernismo. Lá, no pós-guerra, o prestígio do comunismo e da União Soviética foi a base para a presença marcante do marxismo entre os intelectuais e artistas, fomentando um debate cujos desdobramentos ocorreram de forma paralela às mudanças na produção, e na própria luta de classes, que se aprofundou principalmente depois do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956. O choque das denúncias feitas pelo dirigente soviético Nikita Kruschev provocou, inicialmente, uma divisão no movimento comunista, opondo os marxistas que se pode chamar de “ortodoxos” àqueles que manifestavam seu desencanto através da busca de um marxismo “humanista”, sem compromissos claros com a mudança social e a luta de classes, e fortemente crítico em relação à ortodoxia soviética.

Anti-marxismo

O passo seguinte foi o crescente abandono do marxismo por inúmeros intelectuais e a passagem para formas de pensamento que, ainda reivindicando algum precário compromisso libertário (Michael Foucault é um exemplo veemente), que rompiam com a compreensão da história como um processo que pode ser conhecido e no qual se pode intervir, e com o próprio conhecimento científico. Saltavam para o primeiro plano, desta forma, linhas teóricas que defendiam uma história sem processo e enfatizavam o discurso, desprezando a correlação entre o pensamento conceitual, o mundo material e objetivo, e a ação prática concreta dos homens.

Estava aberta a porta, assim, para a hegemonia do “pós-modernismo”, uma forma de pensamento que rompeu com o materialismo e com qualquer compromisso com a compreensão do mundo real e com programas coletivos de intervenção no curso dos acontecimentos. E que corresponde à “lógica de jogo” que passou a predominar, na qual não se pode ter certeza de nada a não ser do efêmero presente – e também que, como nos jogos de azar, há poucos vencedores e muitos perdedores que, por partilhar a lógica do azar, “não podem reclamar” do destino, nem interferir nele.

"Atitude intelectual genérica"

Outra consequência foi a inauguração de um relativismo radical na consideração de todas as atividades culturais, sociais, humanas; esta é a raiz dio “multiculturalismo” que acompanha esta maneira de pensar e que valoriza de forma equívoca a relevância das múltiplas contribuições culturais dos variados grupamentos humanos. Enfim, esta é a faceta do “vale-tudo” pós-modernista, em cuja esteira estão: a desvalorização de movimentos políticos organizados, da ação coletiva e dos partidos, a atomização da ação social em movimentos fragmentários, a valorização do efêmero e do instantâneo, a recusa à pesquisa e compreensão da mudança e do avanço. Dentro do vale tudo pós-modernista, tudo é igual, tudo permanece, tudo é valorizado pelo que “parece ser” e não pelo que “é”.

A dificuldade em se definir o que seja pós-modernismo decorre disto. É um rótulo que designa inúmeras e muitas vezes contraditórias correntes artísticas e intelectuais, que o historiador espanhol Julio Ariostégui definiu, em minha opinião com uma precisão paradoxal, com a expressão “atitude intelectual genérica”.

Um dos marcos fundamentais na formulação do pós-modernismo foi a publicação na França, em 1979, do livro La condition postmoderne, de Jean-Francois Lyortard (traduzido no Brasil com o título O pós-moderno, em 1985), obra que se transformou numa espécie de catecismo inicial desta forma de pensar. Ali está o rompimento com o marxismo e com a tradição iluminista, a pretexto dos desastres que a “razão instrumental” teria provocado. Em outro lugar, Lyotard cita os assassinatos em escala industrial ocorridos no campo de concentração nazista de Auschwitz como exemplo da degeneração da “razão”. Ali está também o “giro linguístico” que punha a ênfase no discurso.


Tudo passava a ser considerado dentro do campo do discurso, sendo o mundo encarado como um conjunto de fenômenos linguísticos. O critério de verdade deixa de ser a correspondência entre o enunciado e o mundo real e objetivo ao qual ele se refere, substituído apenas pela coerência interna do enunciado. Neste sentido, toda e qualquer questão filosófica passa a ser tratada apenas como um problema de linguagem. Ao contrário do processo de conhecimento que busca uma aproximação do Real, houve um deslocamento discursivo do Real. A partir daí, nem mesmo o conhecimento científico é mais importante e há uma recusa a ele (há mesmo uma denúncia do conhecimento científico, como “técnica” ou “razão instrumental”) que fundamenta o desprezo a qualquer possibilidade de explicação objetiva do mundo. E se fortaleceu a ideia relativística de que tudo é válido e todas as explicações verbais (discursivas) seriam legítimas.

O que é "modernidade"?

Termino com uma reflexão e uma pergunta: o que é a modernidade? Para os comunistas e os marxistas, a questão pode estar mal colocada e a “modernidade” se contrapõe ao problema da revolução. A ideia de modernidade define a modernização capitalista do mundo, que se manifestou nos séculos passados na luta contra o passado feudal, e antigo, que precisava ser superado. E a “modernidade” continua descrevendo, na época do declínio do capitalismo e da necessidade da abertura da transição para o socialismo, a modernização capitalista. Neste sentido, ela não traz nada de fundamentalmente novo, pois o moderno, numa compreensão mais profunda e contemporânea, significa rompimento com o capitalismo e alteração não da aparência das relações sociais (com seus modismos consumistas e tecnológicos), mas da essência destas relações, transitando para formas de sociabilidade baseadas na busca do atendimento das necessidades humanas prementes, e não do lucro. Assim, “modernidade” não significa ruptura dentro do sistema capitalista, mas apenas acomodações teóricas sempre com a finalidade de perpetuá-lo e a seu status quo.


(*) Este texto é um resumo de minha apresentação ao debate “Pós-modernidade, Cultura e Educação: tensões e contradições”, realizado pelo Coletivo de Cultura do Comitê Distrital do PCdoB de São Paulo (SP), em 6/9/2011. Agradeço à Mazé Leite por ter anotado minha fala e organizado este texto, que revisei para esta publicação e portanto assumo a responsabilidade pelos erros que possam existir nele.