segunda-feira, 4 de julho de 2011

Dirigente do MST: Mais de 24 mil escolas foram fechadas no campo

“Fechamento de 24 mil escolas do campo é retrocesso”, afirma dirigente do MST

por Luiz Felipe Albuquerque, da Página do MST

Mais de 24 mil escolas no campo brasileiro foram fechadas no meio rural desde 2002. O fechamento dessas escolas demonstra o drástico problema na vida educacional no Brasil, especialmente no meio rural.
Após décadas de lutas por conquistas no âmbito educacional, cujas reivindicações foram atendidas em parte – o que permitiu a consolidação da pauta – o fechamento das escolas vão no sentido contrário do que parecia cristalizado.
Nesse quadro, o MST lançou a Campanha Nacional contra o Fechamento de Escolas do Campo, que pretende fazer o debate sobre a educação do campo com o conjunto da sociedade, articular diversos setores contra esses retrocessos e denunciar a continuidade dessa política.
“O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que está em jogo é algo maior, relacionado às disputas de projetos de campo. Os governos têm  demonstrado cada vez clara a opção pela agricultura de negócio – o agronegócio – que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem cultura e sem escola”, afirma Erivan Hilário, do Setor de Educação do MST.
Essas escolas foram fechadas por estados e os municípios, mas o Ministério da Educação também têm responsabilidade. “Não se têm, por exemplo, critérios claros que determine o fechamento de escolas, que explicitem os motivos pelos quais se fecham, ou em que medida se pode ou não fechar uma escola no campo”, aponta Erivan.
Ele apresenta um panorama do atual momento pelo qual passa a educação do campo, apontando desafios, lutas e propostas. Abaixo, leia a entrevista.
Como se encontra a educação no campo brasileiro, de um modo geral?
Vive momentos bastantes contraditórios. Se por um lado, na última década, avançou do ponto de vista de algumas conquistas e iniciativas significativas no campo educacional, como no caso da legislação e das políticas públicas – a exemplo das diretrizes operacionais para educação básica nas escolas do campo, aprovada em 2002, e tantas outras resoluções do conselho nacional, como o custo aluno diferenciado para o campo e as licenciaturas em Educação do Campo – por outro percebemos que os fechamentos das escolas no campo caminham na contramão desses avanços, conforme demonstram vários dados das próprias instituições do governo. Desde 2002 até 2009, foram fechadas mais de 24 mil escolas no campo. Com isso, voltamos ao início da construção do que hoje chamamos de Educação do Campo, que foi a luta dos movimentos sociais organizados no campo, mais particularmente, o MST, contra a política neoliberal de fechamento das escolas.
A que se deve o fechamento das escolas no campo?
O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que está em jogo é algo maior, relacionado às disputas de projetos de campo. Os governos têm  demonstrado cada vez mais a clara opção pela agricultura de negócio – o agronegócio – que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem cultura e sem escola.
Nesse sentido, os camponeses e os pequenos agricultores têm resistido contra esse modelo que concentra cada vez mais terras e riqueza, com base na produção que tem como finalidade o lucro. Nessa lógica, os camponeses são considerados como “atraso”. Por isso, lutar contra o fechamento das escolas tem se constituído como expressão de luta dos camponeses, de comunidades contra a lógica desse modelo capitalista neoliberal para o campo.
Quais os objetivos da Campanha Nacional contra os Fechamentos das Escolas do Campo?
O primeiro grande objetivo é fazermos um amplo debate com a sociedade, tendo em vista a educação como um direito elementar, consolidado, na perspectiva de que todos possam ter acesso. O que precisamos fazer é justamente frear esse movimento que tem acontecido, do fechamento das escolas do campo, sobretudo no âmbito dos municípios e dos estados.
Pensar isso significa garantir esse direito tão consolidado no imaginário social, como uma conquista social à educação, garantir que as crianças e os jovens possam se apropriar do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, que esse conhecimento esteja vinculado com sua prática social e que, sobretudo, esse conhecimento seja um mecanismo de transformação da vida, de transformação para que ela seja cada vez mais plena, cada vez mais solidária e humana.
Colado a isso, temos que fazer esse debate da educação como um direito básico, e que nós não podemos – do ponto de vista da sociedade – dar passos para trás nesse sentido, ao negar esse direito historicamente consolidado.
A educação do campo nasce como uma crítica a situação da educação brasileira no campo. E essa situação na época revelava justamente o fechamento das escolas no campo e o deslocamento das crianças, de jovens e de adultos do campo para a cidade.
Qual o significado do fechamento dessas escolas?
Passado mais de 12 anos do que chamamos de educação do campo, dentro dessa articulação que foi surgindo pela garantia de direitos, de crítica à situação do campo brasileiro, vemos esse movimento na contramão, mesmo já tendo conquistado várias políticas públicas no âmbito educacional. É preciso que não percamos de vista essa luta pela educação no campo. Essa luta passa, essencialmente, pela defesa de melhores condições de trabalho, das condições das estruturas físicas das escolas e pela conquista de mais escolas para atender a grande demanda do campo brasileiro.
A região Nordeste representou mais da metade do total de estabelecimentos fechado nos últimos anos. Por quê?
No Nordeste é onde ainda está concentrada a maior parte da população no campo. Por isso, é maior o impacto nessa região. A exemplo, a maioria das famílias em projetos de assentamentos de Reforma Agrária estão no Nordeste. É onde se fecha mais escola e continua sendo uma região que apresenta baixos níveis de escolaridade da população no quadro geral brasileiro.
A educação é um direito básico que está consolidado no imaginário popular como conquista dos movimentos sociais, da população brasileira, mas tem sido negado. Isso configura um retrocesso histórico em meio aos avanços tidos no âmbito educacional, a exemplo das resoluções do Conselho Nacional de Educação, que assegura que os anos iniciais do ensino fundamental sejam ofertados nas comunidades.
No caso dos anos finais, caso as crianças e jovens tenham que se deslocar, que consigam ir para outras comunidades no próprio campo – o que chamam de intra-campo -, mas somente após uma ampla consulta e debate com os movimentos sociais e as comunidades.
Como trabalhar essa questão nacionalmente tendo em vista que a maioria das escolas que foram fechadas é de responsabilidade dos municípios?
Os dados de fato apontam que são os estados e os municípios que tem fechado. Não poderia ser diferente, já que são estes entes federados que ofertam de maneira geral a educação básica nesse país, cada qual assumindo suas responsabilidades.
Em geral, os municípios têm assumido a educação infantil e o ensino fundamental, e tem ficado cada vez mais para os estados a responsabilidade sobre o ensino médio. O Ministério da Educação tem também responsabilidade pelo fechamento dessas escolas, até porque estamos falando de um espaço de Estado que é a expressão máxima de instituição responsável pela educação no país.
Não se tem, por exemplo, critérios claros que determine o fechamento de escolas, que explicitem os motivos pelos quais se fecham, ou em que medida se pode ou não fechar uma escola no campo.
A escola em um determinado município faz parte de uma rede maior que são as escolas públicas brasileiras. É nessa visão de país que temos que pensar. É preciso garantir que a população do campo tenha acesso ao conhecimento elaborado e que este acesso seja possível no território em que eles vivem.
De qual maneira a luta pela Reforma Agrária se alinha com a luta pela educação?
Quando falamos de luta pela Reforma Agrária, estamos nos referindo a uma luta pela conquista de direitos como o da terra e as condições necessárias para trabalhar e viver, como o direito à educação. Com isso, vinculamos permanentemente à questão do processo educacional à Reforma Agrária, pois pensar um projeto de campo e de país, fundamentalmente, passa também por pensar um projeto de educação.
A história do nosso movimento demonstra que é necessário fazer a luta pela terra paralelamente à luta por outros direitos, como educação, cultura, comunicação. Viver no campo é exigir cada vez mais conhecimento – saber elaborado – para poder viver bem e melhor, cuidando da terra e da natureza e cultivando alimentos saudáveis para toda a sociedade brasileira.
Quais são as propostas do MST para a educação do campo?
Primeiro, que o direito à educação deixe de ser apenas um direito formal, que seja direito real das pessoas que vivem no campo, no sentido de terem em seus territórios acesso à educação e à escola tão necessária e importante como para os que vivem na cidade.
O acesso ao conhecimento não deve ser moeda de troca, em que os que necessitam tenham que comprar, algo tão fortemente presenciado na educação privada. Que possamos seguir lutando para que nenhuma outra escola seja fechada no campo ou na cidade. Temos que seguir lutando cada vez mais para garantir na realidade questões como a ampliação e construção de mais escolas no campo; com acesso a toda educação básica e suas modalidades de ensino; acesso à ciência e à tecnologia, vinculados aos processos de produção da vida social no campo e seus diversos territórios camponeses, de pequenos agricultores.
Além disso, lutamos para assegurar a formação inicial e continuada dos educadores nas diversas áreas do conhecimento para atuação na educação básica, uma vez que são mais de 200 mil educadores no campo sem formação superior; garantir educação profissional técnica de nível e superior; e que se efetive uma política pública com a participação efetiva das comunidades camponesas, dos movimentos sociais do campo.
Qual a importância de que essas escolas sejam voltadas para o campo? Ou seja, que sejam escolas do campo?
Estamos falando de um princípio básico que é da produção da existência dos sujeitos do campo. Os camponeses, os trabalhadores rurais, produzem resistência nesse espaço, nesse território. Portanto, o processo educacional que defendemos é que, além de acessar uma base comum do ponto de vista do conhecimento, precisamos que as escolas que estejam situadas no campo possam incorporar dimensões importantes da vida dos camponeses. Da dimensão do trabalho, da cultura e, fundamentalmente, da dimensão da luta social – algo que é constante no campo brasileiro. Nas últimas décadas, vivemos com o avanço do agronegócio, do capital no campo, que tem se intensificado cada vez mais e tem expulsado os trabalhadores e trabalhadores que ali vivem. Há uma resistência no campo, são os trabalhadores, as comunidades camponesas lutando contra esse modelo. E a escola, de certa maneira, precisa incorporar na organização de seu trabalho pedagógico essas tensões e contradições que constituem a realidade no campo brasileiro.