O bicentenário que não teremos
Emir Sader
2010
comemora o bicentenário das revoluções de independência na América
Latina, que permitiram, em uma impressionante sucessão de movimentos,
que a quase totalidade dos países do continente expulsasse os
colonizadores ibéricos e decretasse sua independência política. Esses
movimentos começaram em 1810 e se estenderam até 1822 – data do fim da
colônia no Brasil -, só não conseguindo se estender a Cuba e Porto Rico
que, não conseguindo conquistar sua independência no começo do século
XIX, tiveram que enfrentar já não mais a combalida Espanha, mas ao já
nascente império norteamericano, ficando amputados em sua
independência, submetidos à condição de neocolônias dos EUA.
De
tal forma foram importantes as revoluções de independência, que Cuba se
tornou um país socialista, Porto Rico, quase uma estrela mais na
bandeira dos EUA e o Brasil, o país mais desigual do continente mais
desigual do mundo.
Os outros países – a maioria – protagonizaram
revoluções de independência, que expulsaram os espanhóis,
caracterizando o período colonial que se terminava, como uma invasão e
saqueio dos nossos países, além do massacre dos povos indígenas e da
escravidão. Essas revoluções foram feitas em coordenação por vários
exércitos, liderados pelos próceres da independência de vários deles,
entre outros Bolívar, San Martin, O´Higgins, Artigas, Sucre, que
constituiram uma força latinoamericana contra o inimigo comum: o
Exército espanhol. Ficava caracterizado assim que todos haviam sido
explorados por um mesmo inimigo e que lutavam juntos contra ele. Por
outro lado, no mesmo momento da independência, se instalavam repúblicas
e se terminava com a escravidão. São essas revoluções de independência
que são comemorados a partir deste ano em quase toda América Latina.
Essas
independência foram possíveis também pela influência das revoluções
americana e francesa, assim como enfraquecimento da coroa espanhola,
pela invasão napoleônica, a que resistiram, mas terminaram derrotadas.
Ao contrário, a coroa portuguesa não resistiu, entregou Portugal às
tropas napoleônicas, e fugiu para o Brasil.
Chegando aqui,
aparentemente tomou medidas liberais. Porém se não abrisse os portos
“às nações amigas”, ficaria totalmente isolada do mundo, porque
Portugal estava invadido. Além disso, brecou a possibilidade de que
tivéssemos uma guerra de independência, expulsando a coroa portuguesa
do Brasil, ao promover o primeiro grande pacto de elite da nossa
história, ao colocar a coroa na cabeça do seu filho. Assim, ao invés de
passarmos de colônia a república, passamos a monarquia, vinculada
estreitamente à coroa portuguesa. Isto, mediante uma frase altamente
ofensiva para nós, mas que repetimos tanto nas escolas: “Meu filho,
ponha a coroa em tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça.” Os
aventureiros éramos nós, brasileiros, fazia para que não surgisse um
novo Tiradentes ou lideres como Boliviar, San Marti, Artigas, Sucre.
Pior
ainda, não se terminou a escravidão, fazendo com fôssemos o país que
mais tarde terminou com isso, deixando marcas muito mais profundas na
nossa história. Durante quatro séculos trabalho foi atividade de
“negros”, considerados raça inferior e tratados como escravos.
Nas
décadas transcorridas entre o começo e o fim do século, foi promulgada
a Lei de Terras, que legalizou a posse de todas as terras griladas
pelos latifundiários. Assim, quando passaram a ser homens “livres”, os
negros já não tinham possibilidade de acesso à terra. O negro se
consolidou automaticamente como pobre. A questão colonial se desdobrou
na questão negra e esta na questão fundiária, com a consolidação do
poder dos grandes proprietários rurais, que tanto condicionou a
formação da sociedade brasileira contemporânea, incluindo o poder do
latifúndio e suas conseqüências, como a da não realização da reforma
agrária, o êxodo para as cidades e a criação de grande quantidade de
mega-metropolis urbanas, enquanto não produzimos os alimentos que
necessitamos para a autosuficiencia alimentícia.
Em 2022
comemoraremos o bicentenário de um pacto de elite, que nos impediu de
termos expulsado os colonizadores, terminado com a escravidão e passado
de colônia a república.