Para quem gosta de insultar o bom senso com a conversa
rasteira e reacionária sobre investigar e punir os tais dois lados, o
jornal Estado de Minas traz um documento arrasador. Mostra como a atual
presidente Dilma Rousseff foi torturada pela ditadura.
Quem pagou?
Quem foi punido?
Ninguém.
*
Documento traz detalhes da tortura sofrida por Dilma
“Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia”, conta Dilm
A presidente Dilma Vana Rousseff foi torturada nos porões da
ditadura em Juiz de Fora, Zona da Mata mineira, e não apenas em São
Paulo e no Rio de Janeiro, como se pensava até agora. Em Minas, ela foi
colocada no pau de arara, apanhou de palmatória, levou choques e socos
que causaram problemas graves na sua arcada dentária. É o que revelam
documentos obtidos com exclusividade pelo Estado de Minas , que até
então mofavam na última sala do Conselho dos Direitos Humanos de Minas
Gerais (Conedh-MG). As instalações do conselho ocupam o quinto andar do
Edifício Maletta, no Centro de Belo Horizonte. Um tanto decadente,
sujeito a incêndios e infiltrações, o velho Maletta foi reduto da
militância estudantil nas décadas de 1960 e 70.
Perdido entre caixas-arquivo de papelão, empilhadas até o teto,
repousa o depoimento pessoal de Dilma, o único que mereceu uma cópia
xerox entre os mais de 700 processos de presos políticos mineiros
analisados pelo Conedh-MG. Pela primeira vez na história, vem à tona o
testemunho de Dilma relatando todo o sofrimento vivido em Minas na pele
da militante política de codinomes Estela, Stela, Vanda, Luíza, Mariza
e também Ana (menos conhecido, que ressurge neste processo mineiro).
Ela contava então com 22 anos e militava no setor estudantil do Comando
de Libertação Nacional (Colina), que mais tarde se fundiria com a
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), dando origem à VAR-Palmares.
As terríveis sessões de tortura enfrentadas pela então jovem
estudante subversiva já foram ditas e repisadas ao longo dos últimos
anos, mas os relatos sempre se referiam ao eixo Rio-São Paulo,
envolvendo a Operação Bandeirantes, a temida Oban de São Paulo, e a
cargeragem na capital fluminense. Já o episódio da tortura sofrida por
Dilma em Minas, onde, segundo ela própria, exerceu 90% de sua
militância durante a ditadura, tinha ficado no esquecimento. Até agora.
Sede do Quartel General de Juiz de Fora, onde teriam ocorrido as sessões de tortura
Tortura psicológica
“Tinha muito esquema de tortura psicológica, ameaças. Eles
interrogavam assim: ‘Me dá o contato da organização com a polícia?’
Eles queriam o concreto. ‘Você fica aqui pensando, daqui a pouco eu
volto e vamos começar uma sessão de tortura.’ A pior coisa é esperar
por tortura.”
Ameaças
“Depois (vinham) as ameaças: ‘Eu vou esquecer a mão em você. Você
vai ficar deformada e ninguém vai te querer. Ninguém vai saber que você
está aqui. Você vai virar um ‘presunto’ e ninguém vai saber’. Em São
Paulo me ameaçaram de fuzilamento e fizeram a encenação. Em Minas não
lembro, pois os lugares se confundem um pouco.”
Sequelas
“Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela: a gente sempre
vai ser diferente. No caso específico da época, acho que ajudou o fato
de sermos mais novos; agora, ser mais novo tem uma desvantagem: o
impacto é muito grande. Mesmo que a gente consiga suportar a vida
melhor quando se é jovem, fisicamente, a médio prazo, o efeito na gente
é maior por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos o efeito é mais
profundo, no entanto, é mais fácil aguentar no imediato.”
Sozinha na cela
“Dentro da Barão de Mesquita (RJ), ninguém via ninguém. Havia um
buraquinho na porta, por onde se acendia cigarro. Na Oban (Operação
Bandeirantes), as mulheres ficavam junto às celas de tortura. Em Minas
sempre ficava sozinha, exceto quando fui a julgamento, quando fiquei
com a Terezinha. Na ida e na vinda todas as mulheres presas no
Tiradentes sabiam que eu estava presa: por exemplo, Maria Celeste
Martins e Idoina de Souza Rangel, de São Paulo.”
Visita da mãe
“Em Minas, estava sozinha. Não via gente. (A solidão) era parte
integrante da tortura. Mas a minha mãe me visitava às vezes, porém, não
nos piores momentos. Minha mãe sabia que estava presa, mas eles não a
deixavam me ver. Mas a doutora Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada,
me viu em São Paulo, logo após a minha chegada de Minas. Hoje ela mora
no Rio e posso contatá-la ”
Cena da bomba
“Em
Minas, fiquei só com a Terezinha. Uma bomba foi jogada na nossa cela.
Voltei em janeiro de 72 para Juiz de Fora (nunca me levaram para BH).
Quando voltei para o julgamento, me colocaram numa cela, na 4ª Cia. de
Polícia do Exército, 4ª Região Militar, lá apareceu outra vez o Dops que
me interrogava. Mas foi um interrogatório bem mais leve. Fiquei
esperando o julgamento lá dentro.”
Frio de cão
“Um dia, a gente estava nessa cela, sem vidro. Um frio de cão. Eis
que entra uma bomba de gás lacrimogênio, pois estavam treinando lá
fora. Eu e Terezinha ficamos queimadas nas mucosas e fomos para o
hospital. Tive o
‘prazer’ de conhecer o comandante general Sílvio Frota, que
posteriormente me colocaria na lista dos infiltrados no poder público,
me levando a perder o emprego.”
Motivos
“Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban (…) foi uma
hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater
naquele dia. Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém
que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e
depois paravam. Acho que tem registros disso no final da minha prisão,
pois fiz um tratamento no Hospital das Clínicas.”
Morte e solidão
“Fiquei presa três anos. O estresse é feroz, inimaginável. Descobri,
pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão.
Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a
gente o resto da vida.”
Marcas da tortura
“As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim.”
Escrito por Santana FM / Fonte Estado de Minas