terça-feira, 20 de abril de 2010

A parcialidade do Ministério Público do RS...

O Ministério Público tem que ser rigoroso com todos!
 
Por Marcelo Zeni,
procurador federal (OAB/RS nº 45.857)

É comum na sociedade brasileira o sentimento de que existem dois Poderes Judiciários: um restrito “aos poderosos”, que estão “acima da lei”, e outro, para o povo, com todos os “rigores da Lei”. Porém, ao menos no círculo dos operadores do Direito, todos sabemos que o Poder Judiciário só atua mediante provocação.

Por isso, as inúmeras injustiças que presenciamos constantemente não podem ser atribuídas exclusivamente ao Judiciário, já que se não for provocado nada pode fazer.

Essa provocação, consoante a Constituição Brasileira, é atribuição do Ministério Público no que se refere à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Para tanto, esta mesma Constituição, felizmente, concedeu aos membros do Ministério Público garantias para que possam exercer suas funções com a mais ampla liberdade para que a justiça se torne uma realidade.


Porém, lamentavelmente não conseguimos ver o Ministério Público do Estado do RS cumprir com as suas atribuições na sua plenitude. Pelo contrário, vemos um MP rigoroso com a sociedade organizada e omisso com os "poderosos”. Veja-se:


A governadora Yeda Crusius, logo depois de eleita, comprou uma “mansão” por um valor duvidoso e com recursos de origem supostamente ilícita, segundo amplamente divulgado pela imprensa gaúcha. No entanto, mesmo diante de tantas dúvidas que pairavam sobre tal aquisição, o Ministério Público do Estado apressou-se no arquivamento das investigações.


Já a sociedade organizada, indignada com a divulgação dos escândalos de corrupção que envolveram importantes integrantes do Governo do Estado no ano passado - como legitimamente se espera numa sociedade verdadeiramente consciente da sua responsabilidade - decidiu protestar. E nada mais sensato do que esse protesto pacífico ocorresse nos arredores da “mansão” da governadora, em face das diversas dúvidas que pairavam sobre a aquisição daquele imóvel, já que até mesmo aquele local eventualmente poderia ser fruto da corrupção.

E assim fizerem porque acreditavam estar em um país verdadeiramente democrático.

Para espanto de muitos, alguns dos participantes do protesto pacífico foram presos como se fossem criminosos que surrupiam o dinheiro alheio.

E mais: o Ministério Público do Estado do RS, com a autonomia constitucionalmente garantida para tanto, ao invés de investigar todos os casos de corrupção (que para quem tem um pouco de discernimento é inevitável supor que “campeia solta” segundo esclareço abaixo) prefere incriminar alguns dos integrantes do protesto pacífico, denunciando a presidente do CPERGS, Rejane de Oliveira, a vice-presidente do CPERGS, Neida Oliveira, e a Vereadora do PSOL, Fernanda Melchionna, por cárcere privado. Essas mulheres são cidadãs reconhecidas na luta por uma sociedade melhor, que nada mais fizeram do que usar a arma que cabe ao povo para combater o hedionda corrupção: o protesto pacífico.


É indispensável esclarecer que a crítica (que espero seja recebida como construtiva) não é restrita à denúncia contra a prisão de cidadãs que apenas protestavam pacificamente contra a corrupção, até porque não temos maiores informações sobre o caso.

A questão é muito maior. Por que o Ministério Público não age com o mesmo rigor com os "poderosos”?

Ora, 40% dos salários de todos nós se destinam ao pagamento de tributos (esclareço, desde já, que não defendo a redução dos tributos porque só através deles se constrói uma nação justa socialmente).


E para onde vai todo este dinheiro? Sabemos que não muito mais que metade volta para a sociedade por meio de obras e serviços públicos. Inevitavelmente temos que concluir que o restante é desviado pela corrupção. Por isso escrevi antes que quem tem um pouco de discernimento sabe que a corrupção “campeia solta” pelo nosso Rio Grande


Não dá para duvidar que o nível da corrupção no RS seja similar ao recentemente divulgado no Distrito Federal, sendo a única diferença que lá o Ministério Público agiu. Se é inevitável constatar que a corrupção corre solta no nosso Estado por que o Ministério Público não a combate, conforme sua atribuição constitucional, com o mesmo rigor que agiu com as dirigentes do CPERGS e com a vereadora? Por que esse tratamento desigual?


Não há outra forma de concretizarmos a justiça social senão por meio de um Ministério Público rigoroso com todos. Só assim não faltarão escola nem professores para nossas crianças, esporte para nossos adolescentes, trabalho para nossos homens e mulheres, saúde para nossos idosos e presídios para os criminosos.


Espero que esta exposição não seja recebida como uma manifestação em desfavor do Ministério Público do RS, mais sim como uma contribuição para encontrarmos uma sociedade gaúcha e brasileira mais confiante nas instituições, sejam elas do Judiciário, do Ministério Público, do Executivo ou Legistativo.


Por fim, esclareço que a presente manifestação não tem, em hipótese alguma, ainda que indiretamente, qualquer intenção de apoiar a proposta do deputado Federal Paulo Maluf que pretende amordaçar a atuação do Ministério Público. Pelo contrário, quero que o Ministério Público do Rio Grande use as suas garantias hoje vigentes para fazer a lei ser igual para todos.

(*) E.mail: marcelo.zeni@hotmail.com

Fonte: www.espacovital.com.br