quarta-feira, 15 de junho de 2011

Rede Brasil Atual e TVT transmitem, ao vivo, o 2º encontro nacional de blogueiros

 
A partir desta sexta-feira até domingo, acompanhe pelos sites os debates do BlogProg
A Rede Brasil Atual e a Rede TVT transmitem ao vivo a partir desta sexta-feira (17) o segundo Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas (BlogProg), direto do auditório da CNTC (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio), em Brasília. Ao todo, estarão envolvidos na transmissão cerca de dez profissionais. O blogueiro Emerson Luis, do Nas Retinas e do podcast Na Varanda, participa da transmissão ao lado do editor da Rede Brasil Atual, Ricardo Negrão.
A cobertura especial começa logo na sexta-feira à noite, a partir das 19h, com as presenças confirmadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.
No sábado, a transmissão começa logo pela manhã, com a discussão sobre mídia e a luta por um novo marco regulatório da comunicação.  O encontro acaba, no domingo, com uma plenária.

Redes Sociais

A transmissão seguirá durante todo o evento, levando pelos sites entrevistas, discussões e debates. Os usuários do Twitter vão usar a hashtag #2BlogProg e o link para o ao vivo (http://bit.ly/BlogProg), além de informações nos perfis da Rede Brasil Atual e Rede TVT. Também a partir da sexta-feira estará disponível o embed para que blogueiros também possam transmitir em seus espaços as discussões. 

A programação

17 de junho, sexta-feira
17 horas – Início do credenciamento
19 horas – Palestra do ministro Paulo Bernardo sobre os desafios da comunicação no governo Dilma Rousseff
21 horas – Festa de confraternizaçã.
18 de junho, sábado
9 horas – A luta por um novo marco regulatório da comunicação
- Deputada Luiza Erundina (PSB) – coordenadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão;
- Jurista Fábio Konder Comparato – autor da Ação de Omissão (ADO) do Congresso Nacional na regulamentação da comunicação;
- Professor Venício Lima – autor do livro recém-lançado “Regulação das comunicações”.
14 horas – Oficinas autogestionadas e simultâneas
1 – Os partidos e a luta pela democratização da comunicação.
- José Dirceu (PT), João Arruda (PMDB), Brizola Neto (PDT), Renato Rabelo (PC do B), Randolfe Rodrigues (PSOL) – mediação: José Augusto Valente;
2 – O sindicalismo na era da internet
- Artur Henrique (CUT), Luis Carlos Mota (Foraça Sindical), Nivaldo Santana (CTB), Ricardo Patah (UGT), Ubiraci Dantas (CGTB) e Antônio Augusto de Queiroz (Diap) – mediação: Rita Casaro;
3 – A política da internet, tecnologias e a neutralidade na rede
- Sérgio Amadeu, Marcelo Branco, Ricardo Poppi, José Carlos Caribé, Tatiane Pires – mediação: Diego Casaes;
4 – Arte, humor, militância e compromisso: agora por nós mesmos. Compartilhando experiências
- Mediação: Sérgio Teles e Paula Marcondes;
5 – Reforma agrária e as perspectivas na comunicação
- Gilmar Mauro, Rodrigo Vianna, Letícia Silva, Sergio Sauer – mediação: Igor Felippe;
6 – Mulheres na blogosfera
- Luka da Rosa, Amanda Vieira, Mayara Melo – mediação: Niara de Oliveira;
7 – Perseguição e censura contra a blogosfera
- Paulo Henrique Amorim, Esmael Morais e Lino Bocchini – mediação: Altamiro Borges.
8 – A militância digital e as redes sociais
- Eduardo Guimarães, Luis Carlos Azenha, Conceição Oliveira (Maria Frô) – mediação: Conceição Lemes.
9 – Lan houses e a internet na periferia
- Mediação: Mario Brandão.
10 – A economia da outra comunicação: os caminhos e desafios da sustentabilidade da blogosfera
- Ladislau Dawbor, Marcio Pochmann, Clayton Mello – mediação: Renato Rovai.
• Oficina sobre ferramentas do blog – mesa: Marcos Lemos;
19 de junho, domingo
9 horas – reuniões em grupo: troca de experiência, balanço e desafios da blogosfera progressista;
14 horas – Plenária final: aprovação da carta dos blogueiros e constituição da nova comissão nacional organizadora.

Battisti foi escolhido para ser um bode expiatório, diz Tarso

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o ex-ministro da Justiça do governo Lula e atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, faz uma avaliação sobre o desfecho e o significado do caso Battisti. Para Tarso, que concedeu refúgio político ao italiano, esse caso é "o maior exemplo de manipulação midiática que ocorreu no Brasil nos últimos tempos". O governador gaúcho também relaciona o caso à atual situação política na Itália e sustenta que Battisti acabou servindo de bode expiatório de uma aliança entre a extrema-direita italiana, a direita não democrática e a antiga esquerda italiana que "não só ficou isolada durante o reinado de Berlusconi, como também capitulou ideologicamente em questões de fundo".


O ex-ministro da Justiça e atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), estava na Espanha quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na semana passada, rejeitar a reivindicação da Itália contra a decisão do ex-presidente Lula, que se negou a extraditar o italiano Cesare Battisti. Como ministro da Justiça do governo Lula, Tarso Genro concedeu refúgio político a Battisti por entender, entre outras coisas, que ele era acusado de crimes de natureza política e que não existiam provas consistentes de que ele cometera os assassinatos dos quais é acusado. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Tarso Genro faz uma avaliação do caso Battisti e dispara: "esse é o maior exemplo de manipulação midiática que ocorreu no Brasil nos últimos tempos".

O governador gaúcho também relaciona o caso à atual situação política na Itália e sustenta que Battisti acabou servindo de bode expiatório. "Battisti foi escolhido para ser um bode expiatório da extrema-direita italiana, da direita não democrática e dos partidos da antiga esquerda italiana que não só, ficaram isolados politicamente durante o reinado de Berlusconi, como também capitularam em termos ideológicos em questões de fundo".

"A grande síntese deste processo", acrescenta, "foi feita pelo ministro da Defesa da Itália que, olhando o Brasil como uma colônia, disse que nosso país era muito bom em bailarinas, mas não em juristas".

Carta Maior: Qual sua avaliação sobre o desfecho do caso Battisti?

Tarso Genro: Em primeiro lugar gostaria de salientar, como tenho feito de maneira reiterada, que o caso Battisti é o maior exemplo de manipulação midiática da informação que ocorreu no Brasil nos últimos tempos. Digo isso por vários motivos. Primeiro, porque jamais se informou que o Supremo Tribunal Federal já tinha tomado posição em caso semelhante, concedendo refúgio. Em segundo lugar, não se informou que o Supremo, por decisões que foram tomadas no curso do processo de deferimento do refúgio, tinha violado diretamente texto de lei. A lei que regula o refúgio no Brasil é expressa: quando é concedido o refúgio, interrompe-se o processo de extradição. Em terceiro, não se informou – pelo contrário, desinformou-se – que o conteúdo do processo não revela nenhuma prova contra Battisti. Não há nenhuma prova testemunhal e nenhuma prova pericial de algum assassinato que ele tenha cometido. Em quarto lugar, omitiu-se, também de maneira sistemática, que Battisti foi considerado refugiado político durante onze anos na França, um país maduro democraticamente e que tem um Estado de Direito respeitado em todo o mundo.

Portanto, a decisão que foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal repõe três questões fundamentais. Em primeiro lugar, o elemento central da soberania do país para tomar decisões como esta. Em segundo, consagra a posição totalmente adequada à nossa Constituição, segundo a qual a última palavra sobre refúgio é do presidente da República. E, em terceiro, a mais importante delas, reconhece no Battisti uma pessoa que foi acusada de ser um criminoso político e não um criminoso comum. Assim, a decisão do Supremo merece ser respeitada e festejada. Isso não quer dizer que eu tenha qualquer reivindicação de saber jurídico para meu despacho (como ministro da Justiça) e nem que eu despreze os argumentos do ministro Pelluzzo e do ministro Gilmar Mendes, que tiveram uma posição diferente. Mas quer dizer sim que a maioria do Supremo esteve de acordo com o conteúdo do referido despacho e com a decisão do presidente da República.

Carta Maior: O governo italiano ameaçou remeter o caso para o Tribunal de Haia. Na sua avaliação, há alguma possibilidade dessa ameaça prosperar?

Tarso Genro: Trata-se mais de uma manobra política de um governo decadente que já está sendo derrotado nas eleições de seu país e nos referendos que ocorreram neste final de semana. É um governo composto pela centro-direita e pela extrema-direita mais atrasada na cultura política italiana e que tenta, na verdade, provocar contradições fora do país para tentar compensar seu desgaste interno. Portanto, isso não tem nenhum sentido e nenhum apoio na sistemática do direito internacional e não terá o respeito de nenhum jurista seja daqui, seja de fora do país.

Carta Maior: Houve uma coincidência entre a decisão do Supremo e as derrotas eleitorais do governo Berlusconi. O caso Battisti teve uma grande repercussão midiática na Itália e foi muito explorado politicamente pelo governo. Mas não parece ter ajudado muito Berlusconi. O que essas mudanças políticas que começam a emergir das urnas italianas sinalizam?

Tarso Genro: O Battisti, na verdade, foi escolhido para ser um bode expiatório da extrema-direita italiana, da direita italiana não democrática e dos partidos da antiga esquerda italiana que não só, ficaram isolados politicamente durante o reinado de Berlusconi, como também capitularam em termos ideológicos em questões de fundo da democracia italiana. Battisti serviu de elo entre um conjunto de facções políticas na Itália, apelando de maneira reiterada para questões reais que a Itália viveu naquela época, ou seja, desencadeamento de ações terroristas, de ações que culminaram com o assassinato do presidente Aldo Moro, e que tiveram um grande respaldo de estruturas subversivas secretas da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) naquela oportunidade. Essas forças não reagiram contra isso porque precisavam justificar-se perante a opinião pública e preferiram escolher uma pessoa para apresentar em sacrifício e tentar satisfazer uma merecida tensão, angústia e revolta de grande parte da sociedade italiana contra aqueles atos terroristas.

Isso foi feito de maneira articulada. O antigo reformismo italiano, que hoje virou um partido centrista conivente com o governo Berlusconi, apoiou essa campanha e não teve coragem de fazer um enfrentamento ideológico. Battisti foi escolhido a dedo para isso. Com a mudança política que ocorreu na França (derrota dos socialistas), ele perdeu a condição de refugiado e começou a aparecer como um elo de satisfação para purgar a terrível memória daqueles anos onde vários setores da extrema esquerda e também da extrema direita cometeram atos bárbaros. Só que a síntese eles tentaram fazer, através do caso Battisti, foi uma síntese para abater e atacar exclusivamente a esquerda, para desmoralizar tudo que restava de pensamento transformador na democracia italiana. Portanto, o uso de Battisti foi conveniente para a antiga esquerda italiana, para a direita autoritária e para a extrema-direita. A grande síntese deste processo foi feita pelo ministro da Defesa da Itália que, olhando o Brasil como uma colônia, disse que nosso país era muito bom em bailarinas, mas não em juristas.

Carta Maior: Considerando as derrotas recentes de Berlusconi e a desagregação da antiga esquerda, pode-se ver, no cenário político italiano o surgimento de novas forças políticas mais à esquerda?

Tarso Genro: Houve uma mudança significativa na política italiana nos últimos sessenta dias. Primeiro, cabe destacar a vitória de uma esquerda alternativa em Nápoles e em Milão. Segundo, uma vitória da oposição contra Berlusconi em assuntos extremamente importantes que ele submeteu a referendo. O grande problema para a continuidade desse processo de reabertura política na Itália é a ausência de propostas. O Partido Democrático italiano foi para o centro, não fez nenhuma disputa ideológica com Berlusconi e tratou a questão da integração da Itália à União Europeia apenas a partir de um critério de mais liberalismo ou menos liberalismo. Não apresentou nenhuma alternativa à forma de organização da economia, à forma da integração da Itália na Europa e não apresentou nenhuma resposta aos movimentos sociais fragmentados que foram surgindo de maneira acelerada.

Penso que precisaremos esperar ainda um pouco até que surja uma esquerda italiana que seja democrática, que não se submeta aos fetiches ideológicos promovidos pela grande mídia e pela extrema-direita e que tenha uma visão consistente de como integrar democraticamente a Itália na Europa. Acho que esse processo já começou, mas a oposição representada pelo Partido Democrático, que hoje é um partido centrista, não teve capacidade nem coragem política de apresentar uma proposta alternativa ao que significou o reinado de Berlusconi neste período.

Carta Maior: Se, na Itália, a direita está sendo derrotada, na Espanha e em Portugal, os partidos de direita obtiveram recentemente vitórias expressivas. Na França, há a possibilidade de que a extrema-direita dispute o segundo turno das eleições presidenciais. Por outro lado, na Espanha, na Grécia e em outros países, vemos grandes mobilizações de rua, reunindo fundamentalmente jovens que não são ligados a nenhum partido. Na sua avaliação, para onde este cenário aponta do ponto de vista político?

Tarso Genro: O processo de integração europeu é ambíguo. De uma parte, ele gerou condições para que os países se modernizassem em termos industriais e sociais, consolidando democracias estáveis. Essa foi a grande vantagem da integração europeia. Só que as negociações que levaram à essa integração não constituíram salvaguardas alternativas para estabelecer um verdadeiro equilíbrio entre a integração da Europa do capital e da Europa social. Hoje, a grande cobrança que é feita sobre esses países mais débeis economicamente é que eles se adequem ao processo de integração que é comandado pela Alemanha, pelo Banco Central europeu e agora pelo FMI. A integração europeia ainda é um processo em curso, que atravessará uma longa tormenta a partir de agora. E essa longa tormenta irá revelar a existência de movimentos sociais, de movimentos sindicais, de movimentos da intelectualidade que refletirão nos partidos democráticos formando alas de esquerda em suas fileiras, podendo, mais tarde, até dar origem a novas organizações.

Não creio que os partidos socialistas atuais tenham elaborado suficientemente uma estratégia para sair dessa armadilha em que eles se meteram, a armadilha do déficit máximo de 3%. Eles estão atados a uma concepção economicista da União Europeia, onde o equilíbrio financeiro se superpõe ao equilíbrio social. Não há um pacto de transição de médio ou de longo curso para que esses países permaneçam integrados na União Europeia e capazes de manter as instituições básicas de um Estado de Bem Estar. O que ocorre na Grécia, na Espanha, em Portugal e na periferia de Paris indica que teremos um período de perturbações sociais graves. Se a Europa “economicista” ceder é possível que se reajuste o pacto europeu. Se não, ele pode se fragmentar a partir de sucessivas rebeliões dos “de baixo”. É bom lembrar que, nestes países, não estamos falando de populações miseráveis, mas de trabalhadores que já provaram condições de bem estar e que dificilmente renunciarão a elas apenas pelo convencimento.

Carta Maior: Na sua opinião, esse receituário “economicista” dominante na Europa hoje pode desembarcar na América Latina e, em especial no Brasil, em caso de agravamento da crise econômica nos países do centro do capitalismo, especialmente nos Estados Unidos?

Tarso Genro: Creio que o Brasil tem condições especiais para enfrentar esse processo por alguns fatores naturais, como a possibilidade de expansão da fronteira agrícola, o relacionamento equilibrado com a América Latina por meio de políticas que o governo Lula desenvolveu estabelecendo relações de igualdade com países desiguais economicamente, e um mercado interno em expansão. Além disso, nosso país tem a capacidade de combinar um desenvolvimento industrial e técnico tradicional, com utilização intensiva de mão de obra, com um desenvolvimento tecnológico de alto nível, com capacidade competitiva no mercado global.

Estas condições retiram o Brasil da situação de um dilema trágico, de aderir ao neoliberalismo ou continuar crescendo com políticas sociais. Essa, na minha opinião, foi a grande conquista do governo Lula: fez uma transição sem ruptura, onde a ruptura era absolutamente impossível, colocando a questão do desenvolvimento como base para a criação de novos sujeitos sociais que não aceitam mais regredir, que querem mais, que pedirão mais para o Estado, mais escolas, mais educação, mais saúde. E isso só pode ser mantido com crescimento. Então, penso que o Brasil tem condições, sim, de sair desse impasse e, consequentemente, a América Latina também. Isso vai depender, obviamente, dos governos que tivermos daqui para frente. Se tivermos governos que sigam nesta trajetória iniciada pelo governo Lula e que está sendo prosseguida pela presidenta Dilma, acho que o Brasil não cai nesta armadilha e pode, em dez ou quinze anos, um país com muito mais influência que hoje no contexto mundial.

O fim de uma discriminação absurda e anacrônica


 
O Brasil, hoje, deveria estar comemorando. Mas a notícia, não está tendo o destaque merecido. É a decisão da Organização Mundial do Trabalho de abolir qualquer discriminação legal sobre os empregados e empregadas domésticas. Em termos práticos, isso quer dizer que, a partir da ratificação do tratado, os trabalhadores e trabalhadoras domésticas passam a ter direito ao FGTS, adicional por noturno, jornada de trabalho regulamentadas e outras proteções que não abrangem, atualmente, cozinheiras/os, babás, faxineiras e motoristas particulares, contratados por pessoa física.
Essa é ainda uma chaga que carregamos de séculos passados, quando os serviços domésticos eram feitos pelos “criados”, uma expressão que vem da entrega de crianças pobres para famílias capazes de sustentá-los em troca daquelas “obrigações”. Isso, no Brasil, ainda foi agravado pelas raízes escravistas de nosso passado.
Para que se tenha ideia da importância desta decisão, basta considerar que o emprego doméstico representava, em 2009, a fonte de renda de cerca de 7,2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, ou 7,8% do total de pessoal ocupado no país.
Em relação ao mercado de trabalho feminino, os números são mais impressionantes: nada menos que 17% das mulheres que trabalham tem um emprego doméstico. Delas, dois terços são mulheres negras.
E mesmo com a lei formalizando a igualdade da trabalhadora doméstica com os demais trabalhadores, teremos um longo caminho a percorrer para regularizar a vida profissional destas pessoas. Em 2009, as trabalhadoras domésticas apresentaram índice de formalização do trabalho de apenas 26,3%, o que significa que, do contingente de 6,7 milhões de ocupadas nesta profissão, somente 1,7 milhão possuía alguma garantia de usufruto de seus direitos. Mesmo somando as que contribuem na condição de autômomas, este indice não chega a um terço do total.
Não vai bastar sermos rápidos na ratificação deste tratado. O plano Brasil sem Miséria da presidenta Dilma precisa, além as ações assistenciais e educacionais, fazer com que os Ministérios da Previdência e do Trabalho façam um esforço de simplificar a regularização destes trabalhadores para poder, ao mesmo tempo, exigir o cumprimento da lei.
Lei que, finalmente, trata a todos como iguais.

Aloha Núñez:“Os indígenas não eram nem reconhecidos como parte da sociedade”


Vice-ministra do Poder Popular para os Povos Indígenas da Venezuela fala sobre avanços na questão dos povos originários


Vinicius Mansur
de Brasília (DF) via BrasilDeFato

De passagem pelo Brasil para a reunião da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a vice-ministra do Poder Popular para os Povos Indígenas da Venezuela, Aloha Núñez, falou ao Brasil de Fato sobre as conquistas e os desafios dos povos indígenas de seu país durante o governo de Hugo Chávez, presidente desde 1999.
Indígena da etnia wayúu, 27 anos, nascida em La Guarija – no estado de Zulia, cerca de 900 quilômetros a oeste de Caracas –, Núñez foi coordenadora de uma associação de estudantes indígenas da Universidade de Zulia, em Maracaibo, e trabalhou para uma das “missões” empreendidas pelo governo Chávez, antes de chegar ao ministério.

Brasil de Fato – Qual a população indígena da Venezuela?

Aloha Núñez – Segundo o censo de 2001, somos entre 2 e 3% da população, pouco mais de 500 mil indígenas. O que não representa a realidade, porque o censo em 2001 não conseguiu chegar a todas as comunidades. E nem todo mundo que era indígena se identificava assim. Era o início da revolução e, antes dela, não havia direito e reconhecimento alguns. Dizer que era indígena gerava um rechaço. Não é como neste momento, quando há uma lei orgânica de povos indígenas, há direitos. O censo aponta 36 povos indígenas; agora, já temos 44 reconhecidos e mais de 2.800 comunidades indígenas. Naquele momento, eram só 2.400.

Há um movimento indígena organizado na Venezuela?

Há diferentes organizações indígenas tanto em nível nacional como regional. Cada povo indígena, ou, pelo menos, cada região, tem organizações que representam um estado. Há, também, organizações nacionais como o Conselho Nacional Indígena da Venezuela, a Frente Indígena Waike'puru e a Conbive, Confederação Bolivariana Indígena da Venezuela.

Qual a relação desses movimentos com a Revolução Bolivariana?

A luta dos povos indígenas na Venezuela começou há muito tempo. Quando houve essa manifestação indígena em toda a América, quando começou a luta pelos direitos indígenas na ONU, quando o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho [que garante os direitos indígenas] foi conquistado, as organizações indígenas conseguiram se visibilizar. Logo depois, veio a revolução. O comandante Chávez, antes de ganhar a presidência, assumiu o compromisso com os povos indígenas de fazer todo o possível para pagar a dívida histórica acumulada. A relação de abertura do presidente com as comunidades indígenas aconteceu desde o início da revolução. E isso se viu manifestado não só nesse compromisso, mas com sua chegada ao poder: quando, imediatamente, ele convoca a Constituinte, ele incorpora a população indígena.

Como foi isso?

A Constituinte teve deputados indígenas e a nova Constituição tem um capítulo especial para povos e comunidades indígenas, direito que nunca tiveram. A única coisa que existia na Constituição era um artigo que prometia a “incorporação indígena progressiva à vida da Nação”. Os indígenas não eram nem reconhecidos como parte da sociedade! Então, a Constituição de 1999 representou uma grande porta. Ela estabelece que, para a Assembleia Nacional, três indígenas devem ser eleitos. Eleitos por região: sul, oriente e ocidente. Além disso, em todos os municípios indígenas, temos vereadores indígenas. Em todos estados com população indígena, temos legisladores indígenas. Os indígenas têm, pelo menos, uma vaga garantida nesses espaços. Depois, criou-se a lei de demarcação de povos e comunidades indígenas. Em seguida, criou-se a missão Guaicaipuro, para atender, na parte social, esses povos. Depois, criou-se a Lei Orgânica de Povos e Comunidades Indígenas. Não conheço outro país que tenha uma lei que abarque tantos direitos, que vá além do Convênio 169. E, posteriormente, criou-se o Ministério de Poder Popular para os Povos Indígenas, dirigido por Nicia Maldonado, uma indígena yekuana, amazônica, o que representa uma vontade política total. Em outros países, não vemos ministérios indígenas; em geral, são fundações do Estado que, muitas vezes, não são dirigidas por indígenas. Então, nota-se profundamente o compromisso político do comandante Chávez com o empoderamento do povo indígena.

Como se encontra o processo de demarcação de terras?

Ainda estamos nele. Na Venezuela, a demarcação se inicia de duas formas: uma por solicitação da comunidade e outra por ofício da Comissão Presidencial Nacional de Demarcação, que se encarrega, juntamente com uma comissão regional, de estudar todos essas questões. Já entregamos 40 títulos de terra, mas nos faltam muitos. São títulos coletivos que vão acompanhados de um plano integral de apoio a esses povos, para que eles tenham todas as ferramentas para levar adiante seu território, para que seja autossustentável e, em algum momento, ajudar o país também.

Há alguma política para a promoção da cultura indígena?

A lei estabelece de forma oficial os idiomas indígenas. Nas escolas desses povos, as aulas devem partir em idioma indígena. Antes, só se falava castelhano. Nas cidades, onde há população indígena, também deve haver pelo menos um professor para dar o conteúdo indígena, o que se chama de educação intercultural bilíngue. Ainda temos uma lei de artesãos e artesãs indígenas.

Hoje, quais são as principais reivindicações indígenas ao Estado?

Terminar o processo de demarcação, essa é a demanda em toda a América. Para nós, é uma prioridade, e nosso comandante Chávez foi muito insistente nisso. Por outra parte, não podemos negar que temos comunidades em alta vulnerabilidade que reivindicam uma assistência permanente do governo. Então, criamos uma corresponsabilidade entre as comunidades indígenas e o Estado, para que o povo se empodere, seja protagonista na superação de seus problemas e, assim, se livre da miséria e do analfabetismo e consiga a suprema felicidade social, como já disse nosso libertador Simón Bolívar. Uma grande quantidade de comunidades ainda não conseguiu essa libertação. Algumas poucas, sim. Vivemos um processo de revolução, mas não podemos consertar um problema de mais de 500 anos de invasão, abandono, extermínio, de uma educação penetrante, invasiva, que te diz que o indígena é o bruto, o bêbado, o preguiçoso. Estamos nesse processo de tirar esse “chip” e meter outro.

Há conflitos com comunidades indígenas por conta de megaprojetos implementados pelo governo?

Sim. Mas nós respeitamos o Convênio 169 da OIT, que estabelece o consentimento prévio, livre e informado. Então, cada vez que um projeto vai ser executado em alguma comunidade indígena, deve-se consultá-la, apresentar o projeto, informar com antecipação. Se há dúvidas, é preciso eclarecer e, inclusive, se as comunidades não estão de acordo com o projeto, ele não é levado adiante.

Alguma vez o governo deixou de fazer algum projeto?

Uma vez, faz tempo, já. Eram umas concessões para explorar carvão em território yukpa. Os indígenas eram contra e a denúncia chegou ao presidente, que convocou um ato público com 2 mil trabalhadores petroleiros e disse que não haveria concessões. E até hoje não há. Isso foi muito manipulado, porque algumas ONGs diziam que nós não queríamos demarcar o território. Pensam que, com a demarcação, podem ganhar alguma autonomia. Nesse caso, fizeram a comunidade discutir e, inclusive, expulsar o companheiro Sabino Romero, um líder. As ONGs o utilizaram como único porta-voz indígena, transformaram a luta de uma comunidade numa luta pessoal. Diziam que ele era o cacique dos caciques, o mais lutador de todos, mas, quando você vai à comunidade, te dizem que não é bem assim, que faziam assembleias com um só cacique, não com todos. Em assembleia, chegaram até a dizer que essa ONG era persona non grata.

Qual é a situação desse cacique agora?

Com todo esse conflito que se criou, houve um enfrentamento entre duas comunidades indígenas. O companheiro Sabino Romero e outro companheiro se enfrentaram. Houve um tiroteio entre duas comunidades que resultou em três pessoas mortas. Depois desses assassinatos, tanto Sabino Romero como Alexander Romero estão presos. Então, logo as ONGs começaram a dizer que eram presos políticos, que a ministra os prendeu, um montão de coisas... Há um processo judicial em averiguação. Mas é preciso ficar claro que quem decidiu que Sabino deve ser julgado pela Justiça ordinária foi o mesmo povo yukpa. E, se fosse pela lei yukpa, talvez o tivessem matado. Porque isso acontece quando você chega a matar dentro de uma comunidade indígena. Nós estamos num processo de formação para não chegar a esses níveis. Para não chegar a esse extremo, a comunidade decidiu entregá-lo à Justiça ordinária, em uma assembleia que, inclusive, foi televisionada. Isso ajudou a tratar o tema, porque todo mundo vitimizava Sabino Romero. Agora, ele está em liberdade condicional, mas a comunidade foi muito determinante, disse que não quer Sabino. Mas ele nos disse que não pode ser proibido de voltar, senão, podem haver mortos. Então, há uma preocupação do Estado, porque não queremos um enfrentamento entre o povo yukpa.

A Justiça comunitária indígena é reconhecida pelo Estado na Venezuela?

Sim. A Constituição e a Lei Orgânica de Povos e Comunidades Indígenas reconhecem a justiça própria. Mas há uma dívida aí, em relação à regulamentação da lei, que deve ser feita pela Assembleia. Porque há coisas que devem ser normatizadas. Nós não temos pena de morte e jamais apoiaríamos isso. Cada comunidade tem suas particularidades e está se estudando tudo isso, para que ninguém aplique penas que violem os direitos humanos.

Forças progressistas e patrióticas formam novo governo no Líbano


Por Lejeune Mirhan no GRABOIS
 
Esperado desde janeiro, finalmente, desde o dia 13 de junho, foi anunciado o novo governo do Líbano, praticamente o único país do Oriente Médio árabe que mantém uma vida democrática regular e com certa estabilidade, pelo menos desde 1990 quando terminou a sua sangrenta guerra civil. Este é assunto de destaque no noticiário internacional da qual queremos apresentar alguns comentários.
As alianças políticas libanesas

Há duas alianças básicas no Líbano. Vem sendo assim pelo menos desde 2005 quando, em fevereiro, ocorreu o assassinato do ex-primeiro ministro libanês Rafic Hariri. Uma delas, chamada de “8 de Março”, envolve basicamente quatro grandes organizações: os xiitas do Partido de Deus, conhecido como Hezbolláh e do grupo secular Amal, cujos líderes são respectivamente Hassan Nasralláh e Nabih Bérri e mais os cristãos maronitas do Movimento Patriótico Livre do general Michel Aoun e os comunistas do PC Libanês, sob a liderança de Khaled Hadade.


Rafic e Saad Hariri

No outro campo, temos a coligação “14 de Março”, sob a liderança do filho do ex-primeiro ministro, Saad Hariri, que vinha ocupando a chefia do governo desde as eleições de 2009, quando ele conseguiu formar um governo, de orientação pró norte-americano e simpático à Israel. A coligação em que os comunistas fazem parte, fazia sistemática oposição a esse governo, ainda que tivesse presença ministerial pela forma como é formado o governo libanês.

Desde o final de 2010, ministros mais ligados ao Hezbolláh retiraram apoio ao governo da composição proporcional, que seguia critérios definidos há muitos anos que reparte o parlamento e o governo com as 18 confissões religiosas cristãs e muçulmanas existentes no país. A divergência central estava sendo – e continua até hoje – com relação ao reconhecimento dos trabalhos de uma comissão da ONU, que viola claramente a soberania libanesa, que investiga o assassinato de Hariri em 2005. Os EUA e Israel, desde aqueles primeiros momentos do atentado, apontaram seu dedo acusador para a Síria. Houve levantes no país, de forma que acabou ficando insustentável a continuidade de tropas sírias permanecerem no país, como vinha acontecendo desde o término da sua guerra civil 15 anos antes. Alguns ditos analistas internacionais já logo se apressaram em chamar esses levantes anti-síria de “Revolução dos Cedros” (sic).

Existe quase uma centena de partidos políticos no Líbano, ainda que joguem papel cerca de 10 ou 12. Uma situação parecida com a do Brasil, onde a colônia e os descendentes libaneses que aqui vivem ultrapassam a marca de quatro milhões, fazendo o Brasil o mais importante país nas relações com a República Libanesa.

São dois campos completamente distintos. Um, da aliança dos comunistas, com muçulmanos, cristãos e nacionalistas seculares, que defendem a soberania do Líbano, sua independência, contra a ingerência das potências estrangeiras no país e o outro, mais submissa aos interesses imperialistas na região.

Eu diria, grosso modo, que vivemos no Brasil uma situação parecida. Ou o Líbano vive algo parecido com o que vivemos na política brasileira. Aliás, até as datas coincidem. Em 1989 lançamos a candidatura de Lula pela primeira vez, em uma aliança popular e democrática ampla, contra forças mais conservadoras e reacionárias, pró-imperialistas. Lembremo-nos que venceu nessas eleições Collor de Mello e depois FHC, social-democrata em aliança com a direita neoliberal, que governou o país até 2002. Vejamos agora a história recente libanesa.

Um pouco de história

O Líbano, que já foi considerado uma das nações árabes mais prósperas de todo o Oriente Médio e que desde a sua independência em 1943 era considerada uma espécie de “Suíça do Oriente Médio”, acabou por entrar em uma guerra civil em 1975, que durou até praticamente 1990.

Essa guerra civil só conseguiu acabar com a realização na cidade saudita de Taif, no dia 22 de outubro de 1989, de uma reunião especial do parlamento libanês. Desse importante encontro, participaram 62 deputados, sendo 31 cristãos de várias confissões e outros 31 muçulmanos, divididos entre xiitas e sunitas. Interessante registrar que o transporte e alojamento de toda essa imensa delegação, foi inteiramente financiada pelo milionário sunita que seria eleito posteriormente Primeiro Ministro, Rafic Hariri, morto em 2005.

Desse histórico encontro saiu a Carta Nacional de Reconciliação, cujo conteúdo do acordo final assegura uma espécie de divisão sectária e religiosa do parlamento libanês, dividindo cotas das 128 cadeiras (houve ampliação das vagas nesse encontro) entre as 18 correntes religiosas espalhadas pelas diversas regiões libanesas. E ficou acertado que desse momento em diante – e já temos 22 anos de vigência do acordo – todos os presidentes do Líbano teriam que ser cristãos maronitas, o primeiro Ministro seria sempre um muçulmano sunita e o porta-voz do parlamento ou seu presidente, teria que ser necessariamente um muçulmano xiita. Quando uma nova constituição foi escrita em 1990, para sacramentar o final da guerra civil, esses acordos foram incorporados e vem sendo cumpridos até os dias atuais.

O novo governo

O governo demissionário e pró-ocidental de Saad Hariri vinha enfrentando forte oposição em função da sua dubiedade em rejeitar a comissão da ONU que viola a soberania libanesa. A tal Comissão “Independente” formada pela ONU, também chamada de “Tribunal Especial para o Líbano – TEL”, é presidida pelo juiz Daniel Franzen e tem como procurador, encarregado de apresentar a denúncia, Daniel Bellemare. De independente essa comissão não tem nada. Apenas reflete as forças que dominam e controlam a ONU, que a subjugam, encabeçadas pelas potências imperiais como os EUA e Inglaterra, França e Alemanha.

Os objetivos claros, nunca escondidos, dessa comissão da ONU é referendar as opiniões dos Estados Unidos e de Israel, no sentido de que foi a Síria a responsável pelo assassinato, através de seus agentes, do ex-primeiro Ministro Rafic Hariri. Seu filho Saad, chegou a ter uma posição dúbia em relação a reconhecer os trabalhos da referida comissão que fere a soberania nacional do Líbano. No entanto, acabou por optar em aceitar as suas decisões. Isso fez com que os ministros apoiados principalmente pelo Hezbolláh deixassem o governo de composição. Até porque já se ouve que a comissão vai envolver o Hezbolláh no processo. Restou à Hariri a sua renúncia.

O presidente libanês, Michel Suleiman, cristão maronita, em função de novos acordos e da passagem do Partido Socialista Progressista do Líbano de Walid Jumblat, com seus oito deputados para o campo da aliança “8 de março”, liderada pelo Hezbolláh e apoiada pela Síria, a correlação de forças contra Hariri ficou insustentável. Em um regime parlamentarista, forma governo quem tem maioria. Nas eleições libanesas de 7 de junho de 2009, a aliança conservadora e pró-imperialista ficou com 71 deputados, contra 57 da oposição (de um total de 128 parlamentares). Agora, nesta obra de engenharia política, Jumblat, velha raposa política libanesa, retirou seus oito e fieis deputados do campo de Hariri, de forma que o Hezbolláh e seus aliados puderam fazer uma nova maioria, de 65 deputados contra 63 do campo conservador. Assim, desde janeiro, Hariri se encontra demissionário e o presidente Suleiman indicou Mikati para formar o novo governo que deve tomar posse nos próximos dias (veja aqui os resultados das eleições de 2009 http://en.wikipedia.org/wiki/Elections_in_Lebanon).


Michel Aoun


Aqui, não poderia deixar de registrar o exemplo de política que nos foi dado pelo general cristão Michel Aoun. Esse general reformado, passou 15 anos exilado em Paris. Esse tempo todo foi crítico da presença síria em terras libanesas. No entanto, ao voltar com a saída das tropas sírias em 2005 e a formação de novas alianças e coligações nunca teve dúvidas. Olhou de um lado e viu as forças do império e sionistas, sob comando da família Hariri e seus aliados. Olhou de ouro, viu as forças vivas da resistência, uma parte delas armadas, viu os comunistas, os patriotas e amigos da Síria. Não teve dúvidas. Nessa correlação de forças, aliou-se à coligação mais avançada para aquela realidade, hoje vitoriosa e que constitui novo governo. Um belo exemplo de política a ser seguida. Análise concreta da realidade política concreta dentro da correlação de forças do momento.

Uma análise preliminar

O novo governo terá a mesma quantidade de ministros que o anterior, trinta ao todo. Sua composição ficou assim estabelecida: Hezbolláh – dois ministros; Amal (xiita, mas secular) – ficou com outros dois e Partido Nacional Social Sírio – um ministro. Isso totaliza cinco ministérios para xiitas. Os sunitas do primeiro-ministro Mikat terão cinco ministérios por ele indicados, além do seu vice-primeiro Ministro. Os cristãos do general Aoun, do MPL indicarão 11 ministros e mais dois maronitas indicados pelo presidente Suleiman. Por fim, os membros do PSP do druso Jumblat indicarão três ministros. Os dois restantes são considerados independentes, mas amigos do Hezbolláh. Não é de todo errado dizer que o artífice dessa política vem sendo o sheik Hasan Nasralláh, uma das lideranças da resistência libanesas mais lúcidas que se tem visto.


Hasan Nasralláh

Muitas pessoas estranharam o voto do Líbano em março passado no CS da ONU a favor da Resolução 1971 que autorizava o bombardeio à Líbia, votação essa que o Brasil, a Índia, a Alemanha, a China e a Rússia decidiram – corretamente, diga-se de passagem – se abster. A explicação tem a ver com a representação libanesa no CS ainda ser a do governo demissionário de Hariri que não havia ainda entregue os cargos. Isso deve mudar em curto prazo.

Há alguns destaques a serem feitos no novo ministério. O primeiro deles é que neste novo não há uma mulher sequer entre seus membros (o anterior tinha uma pelo menos). Isso reflete o ainda forte machismo da sociedade árabe em geral no OM. O segundo aspecto é que a poderosa pasta da Justiça ficou nas mãos do Hezbolláh. Acho quase impossível que o novo governo vá acatar os resultados da ata de acusação final da investigação que o TEL vai concluir, esperado para os próximos meses (ou semanas, ninguém sabe ao certo). Por fim, o novo ministro das relações exteriores será Adnan Mansour, que foi embaixador no Irã e tem fortes ligações com esse país. Desde que anunciado a formação do ministério, o presidente sírio Dr. Bashar Al Assad de imediato deu felicitações ao novo governo.


Najib Mikati

Só o fato do governo pró-ocidental e sem capacidade de enfrentar Israel ter caído já é, por si só, um fato relevante. No entanto, a composição de forças que Mikati e o Hezbolláh conseguiram esboçar em torno de um programa patriótico, de soberania nacional, antiimperialista significa um avanço imenso se comparado com outros países árabes da região. Mesmo no Egito e Tunísia cujas revoluções encontram-se em estágio mais avançados, não sabemos ainda o desfecho que podem ter.

Tenho dito, inclusive para entidades e partidos árabes que possuem ramificações no Brasil, que devemos procurar estabelecer no Oriente Médio e no Brasil, uma coalizão de forças que se assemelhe a que formamos no Líbano. Não nos cabe dizer o que os árabes devem ou não fazer. No entanto, a união das forças patrióticas, laicas e seculares, nacionalistas, socialistas e comunistas e mesmo as religiosas e confessionais que não sejam fundamentalistas, devem somar esforços e constituir frente e coalizões de caráter antiimperialistas. O acerto da aliança libanesa deve servir de exemplo para outros países, em especial a palestina que se aproxima de formar um governo de unidade nacional e para o Egito e Tunísia que terão eleições no segundo semestre.

Se isso seguir dessa forma, se as lideranças árabes, sejam elas da juventude, sindicais e dos partidos realmente comprometidos com a soberania árabe compreenderem dessa forma, temos a convicção de que os Estados Unidos e os sionistas e reacionários que governam Israel sofrerão forte e poderoso revés na sua política imperialista e de subjugação dos povos árabes. Um caminho luminoso se abrirá para os árabes.

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Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e Diretor do Instituto Jerusalém do Brasil. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício Grabois – FMG. Colaborador da Revista Sociologia da Editora Escala. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br