quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Queda do ministro serve de alerta

Por Altamiro Borges

O lamentável episódio da queda do ministro Orlando Silva deveria servir de alerta às forças democráticas da sociedade brasileira – que lutaram contra as torturas e assassinatos na ditadura militar e que, hoje, precisam encarar como estratégica a luta contra a ditadura midiática, em defesa da verdadeira liberdade de expressão e da efetiva ampliação da democracia no Brasil.

A mídia hegemônica hoje tem um poder tão descomunal que ela “investiga”, sempre de forma seletiva (blindando seus capachos); tortura (seviciando, inclusive, as famílias das vítimas); usa testemunhas “bandidas” (como um policial preso por corrupção, enriquecimento ilícito e suspeito de assassinato); julga (sem dar espaço aos “acusados”); condena (como nos tribunais nazistas); e fuzila!

Um pragmatismo covarde e suicida

Ninguém está imune ao poder ditatorial da mídia, controlada por sete famílias – Marinho (Globo), Macedo (Record), Saad (Band), Abravanel (SBT), Civita (Abril), Frias (Folha) e Mesquita (Estadão). Como o império Murdoch, hoje investigado por seus subornos e escutas ilegais, a mídia nativa é criminosa, mafiosa, sádica e abjeta. Ela manipula informações e deforma comportamentos.

Não dá mais para aceitar passivamente seu poder altamente concentrado, que, como disse o governador Tarso Genro – pena que não tenha agido com esta visão quando ministro da Justiça –, ruma para um “fascismo pós-moderno”. Essa ditadura amedronta e acovarda políticos sem vértebra, pauta a agenda política, difunde os dogmas do “deus-mercado” e criminaliza as lutas sociais.

Três desafios diante da ditadura midiática

Esta ditadura é cruel, sem qualquer escrúpulo ou compaixão. Ela utiliza seus jagunços bem pagos, sob o invólucro de “colunista” e “comentaristas”, para fazer o trabalho sujo. Muitos são agentes do “deus-mercado”, lucram com seus negócios rentistas; outros são adeptos da “massa cheirosa”, das elites arrogantes e burras. Eles fingem ser “neutros”, mas são adoradores da direita fascistóide.

Enquanto não se enfrentar esta ditadura midiática, não haverá avanços na democracia brasileira, na luta dos trabalhadores ou na superação das barbáries capitalistas. Neste enfrentamento, três desafios estão colocados:

1- Não ter qualquer ilusão com a mídia hegemônica; chega de babaquice e servilismo diante da chamada “grande imprensa”;

2- Investir em instrumentos próprios de comunicação. A luta de idéias não é “gasto”, é investimento estratégico;

3- Lutar pela regulação da mídia e por políticas públicas na comunicação, que coíbam o poder fascista do império midiático.

Chega de covardia diante dos fascistas midiáticos

O criminoso episódio da tentativa de invasão do apartamento do ex-ministro José Dirceu num hotel em Brasília parece que serviu de sinal de alerta ao PT. Em seu encontro nacional, o partido aprovou a urgência de um novo marco regulatório da comunicação. Um seminário está previsto para final de novembro. Já no caso da queda Orlando Silva, o clima é de total indignação e revolta.

Que estes trágicos casos sirvam para mostrar que, de fato, a luta pela democratização da comunicação é uma questão estratégica. Não dá mais para se acovardar diante da ditadura da mídia. O governo Dilma precisa ficar esperto. Hoje são ministros depostos; amanhã será o sangramento e a derrota da própria presidenta e do seu projeto, moderado, de mudanças no Brasil.

Superar a choradeira e a defensiva

A esquerda política e social precisa rapidamente definir um plano de ação unitário de enfrentamento à ditadura midiática. As centrais sindicais e os movimentos populares, tão criminalizados em suas lutas, precisam sair da defensiva e da choradeira. Os partidos progressistas também precisam superar seu pragmatismo acovardado. A conjuntura exige respostas altivas e corajosas!

É urgente pressionar o governo Dilma Rousseff, pautado e refém da mídia, a mudar de atitude. Do contrário, não sobrará que defenda a continuidade deste projeto, moderado, de mudanças no Brasil. A direita retornará ao poder, alavancada pela mídia! Aécio Neves, o chefe de censura em Minas Gerais, será presidente! E ACM Neto, o herói da degola de Orlando Silva, será o chefe da Casa Civil!

Governo confirma saída de Orlando Silva do Esporte


Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
"Vou salvar a minha honra", garantiu Orlando Silva logo após apresentar carta de renúncia a Dilma Rousseff | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Da Redação do SUL21


Orlando Silva (PCdoB-SP) não é mais ministro dos Esportes. A decisão foi comunicada na tarde desta quarta-feira (26) pelo ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e confirmada em seguida pelo próprio Orlando Silva em entrevista coletiva. Fragilizado em razão das denúncias de corrupção, o ministro abandona o comando da pasta responsável pela organização da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016.
Ainda não foi divulgado o substituto para Orlando Silva, embora o secretário diga que a “tendência” é da manutenção do PCdoB no comando da pasta. Os principais cotados para a vaga são os deputados Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Luciana Santos (PCdoB-PE) e Flávio Dino (PCdoB-MA). O secretário executivo da pasta de Esportes, Waldemar Manoel Silva de Souza, deverá ser nomeado interinamente para ocupar o posto.
O próprio Orlando Silva optou por entregar uma carta de renúncia, o que ocorreu no começo da noite de quarta-feira. “Estou sofrendo um linchamento público, sem provas”, disse, após o encontro com Dilma Rousseff onde oficializou sua saída. De acordo com Orlando Silva, sua saída é para que tenha condições de se defender das acusações que pesam sobre ele, reiterando que nenhuma evidência concreta contra sua pessoa surgiu ou surgirá no futuro. “Vou salvar a minha honra”, garantiu.
“Há 12 dias, estou sendo vítima de ataques baixos. Nesses 12 dias, nenhuma prova foi apresentada contra mim. Mas isso gerou uma crise política e eu tenho compromisso com esse governo”, disse o ex-ministro, aproveitando para exigir que os repórteres presentes divulgassem as notícias futuras de sua inocência com a mesma intensidade que noticiavam as acusações. “Espero que os senhores jornalistas dediquem as mesmas páginas para publicar as provas da minha inocência. A maior injustiça está em calúnias ganharem ares de verdade”.
Decisão do STF precipitou queda de ministro
A saída de Orlando Silva começou a ser negociada em reunião ocorrida na manhã desta quarta no Palácio do Planalto entre o agora ex-ministro, o secretário geral da Presidência e o presidente do PCdoB, Renato Rabelo. A situação de Orlando se agravou nesta terça-feira (25), data em que o STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou as investigações de um suposto envolvimento do ministro em irregularidades nos convênios do ministério com organizações não governamentais. A ordem para abertura do inquérito para investigar Orlando Silva partiu da ministra Carmem Lúcia do STF, atendendo pedido feito pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Denúncias veiculadas em jornais iniciaram a crise no ministério. Há duas semanas, o policial militar João Dias Ferreira acusou o ministro de participar de um esquema de desvio de recursos públicos do programa Segundo Tempo para alimentar o caixa do partido. A denúncia foi publicada pela revista Veja. Em seguida, a Folha de S. Paulo revelou que, em julho de 2006, Orlando teria assinado um despacho que reduziu o valor que a ONG do policial militar João Dias Ferreira precisava gastar como contrapartida para receber verbas do governo, permitindo que o policial continuasse participando de um programa social do ministério. Desde então, Orlando Silva vem negando participação no esquema. Ele também pediu ao Ministério Público que o investigasse para garantir sua inocência.
Na segunda-feira (24), Ferreira prestou depoimento à Polícia Federal e disse ter entregado áudios de uma reunião que fez com funcionários da pasta para tentar resolver a prestação de contas de um de seus convênios. Em entrevista após o depoimento, o policial afirmou que existia ao menos 20 dirigentes de ONGs que poderiam confirmar o esquema. Com a proximidade da queda de Orlando Silva, o policial militar cancelou sua participação em encontro da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara Federal, que ocorreria na tarde de quarta-feira.
Com a queda do ministro do Esporte, a gestão de Dilma Rousseff à frente do Palácio do Planalto perdeu seu sexto ministro em menos de 11 meses de governo. Orlando Silva se junta agora a Pedro Novais (PMDB-MA) do Turismo, Wagner Rossi (PMDB-SP) da Agricultura, Antonio Palocci (PT-SP) da Casa Civil, Alfredo Nascimento dos Transportes (PR-AM) e Nelson Jobim da Defesa (PMDB-RS). Desde junho, tem caído ao menos um ministro do governo Dilma por mês. Apenas Nelson Jobim não caiu após denúncias de corrupção, tendo sido afastado após uma sequência de críticas públicas a integrantes do governo federal.

A Honra Reconquistada de Muammar al-Kadafi

Escrito por Mário Maestri   no CORREIO DA CIDADANIA


Muammar Abu Minyar al-Kadafi caiu combatendo na defesa da independência nacional de sua nação. Resistiu, cidade por cidade, quarteirão por quarteirão, casa por casa, até ficar encurralado com seus derradeiros companheiros e companheiras, feras indomáveis, nos poucos metros de terra líbia livre. Como dissera, enfrentou até a morte, irredutível, a coligação das mais poderosas nações imperialistas ocidentais. Ferido, foi preso, achincalhado, arrastado, torturado e, já moribundo, assassinado.

Em torno dele desencadernava a canalha armada e excitada que se banqueteava, havia semanas, rapinando, executando, violando a população da cidade heróica de Sirte, arrasada por sua resistência à recolonização do país. Sirte, no litoral mediterrânico, com mais de 130 mil habitantes, foi sede de universidade pública, destruída, e do terminal do impressionante rio artificial que retira as águas fósseis do deserto do Saara para aplacar a sede das populações e agricultura líbia.

Nas últimas cidades rebeldes, encanzinados franco-atiradores, homens e mulheres, jovens e adultos, foram calados com o arrasamento pela artilharia pesada dos prédios em que se encontravam. Estradas, portos, centrais elétricas e telefônicas, quartéis, escolas, creches, hospitais, aeroportos, estações televisivas e radiofônicas, a infra-estrutura do país construída nas últimas quatro décadas, foi arrasada por seis meses de ataques aéreos, navais e missilísticos – mais de cinqüenta mil bombas! –, responsáveis por enorme parte dos talvez cinqüenta mil mortos, em população de pouco mais de seis milhões de habitantes.

A lúgubre paz dos cemitérios reina finalmente sobre a Líbia submetida. Quarenta e dois anos após a conquista de sua independência nacional, a Líbia retorna ao controle neocolonial do imperialismo inglês e francês, que se dividiram a hegemonia sobre o país após a 2ª Guerra, que pôs fim à dura dominação colonial da Itália fascista. Tudo, é claro, sob a vigilância impassível da hiena estadunidense.

Em 1969, o então jovem coronel Muammar, com 27 anos, chegava do deserto para comandar o golpe de jovens militares pela independência e unidade da Líbia, animado pelas esperançosas idéias do pan-arabismo de corte nacionalista e socialista. Do movimento surgiu um Estado laico, progressista e anti-imperialista, que nacionalizou os bancos, as grandes empresas e os recursos petrolíferos do país.

Quarenta e três anos mais tarde, Kadafi cai simbolizando os mesmos ideais. Com sua morte, expia dramática e tardiamente sua irresponsável tentativa de acomodação às forças do imperialismo, empreendida após a vitória mundial da contra-revolução liberal.

Quem abraça o demônio, jamais dirige a dança! Foi o movimento de privatizações, de “austeridade”, de abertura ao capital mundial, de apoio às políticas imperialistas na África etc., sob os golpes da crise mundial, o grande responsável pela perda de consenso social de ordem que, no contexto de suas enormes contradições, realizara a mais ampla e democrática distribuição popular da renda petroleira das nações arábico-orientais.

Por décadas, ao contrário do que ocorria com tunisianos, argelinos, egípcios etc., não se viu na Europa um líbio à procura de um trabalho que encontrava em seu país. Ao contrário, o país terminou como destino de forte imigração de trabalhadores da África negra subsaariana, atualmente maltratados, torturados, executados por membros das “tropas revolucionárias” arregimentadas pelo imperialismo, sob a desculpa de serem os “mercenários” de Kadafi.
     
A intervenção na Líbia não procurou apenas recuperar o controle direto das importantes reservas petrolíferas pelo imperialismo inglês, francês e estadunidense. Objetivou também assentar golpe mortal na revolução democrática e popular do norte da África, mostrando a capacidade de arrasar implacavelmente qualquer movimento de autonomia real. Com uma Líbia recolonizada, espera-se construir plataforma de intervenção regional, que substitua o hoje convulsionado Egito.
     
A operação líbia significou também conquistas marginais, além do controle do petróleo, da disposição de sufocação da revolução democrático-popular árabe, da construção de plataforma imperialista na região. Enormes segmentos da esquerda mundial, sem exceção de grupos auto-proclamados radicais, embarcaram-se no apoio de fato à intervenção imperialista, defendendo graus diversos da sui-generis proposta de estar com o “movimento revolucionário” líbio e contra o imperialismo que o criara e sustentara. Aplaudiam as bombas que choviam sobre o país, propondo que não sustentavam a intervenção da OTAN!

Para não se distanciarem da opinião pública sobre o governo líbio e os sucessos atuais, construída pela tradicional subordinação e hipocrisia da grande mídia mundial, seguiram na saudação das forças “revolucionárias líbias”, como se não fossem meras criaturas da intervenção imperialista, como demonstraram – e seguirão demonstrando – inapelavelmente os fatos! Os revolucionários líbios não avançaram um metro nos combates sem o aterrador apoio aéreo e a seguir terrestre da OTAN. Em não poucos casos, também como fizera Kadafi nos últimos tempos, procuram consciente ou inconscientemente acomodar-se à besta imperialista.

Mário Maestri sul-rio-grandense é professor do curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UFF.
E-mail: maestri(0)via-rs.net

A farsa parlamentar do diálogo pela busca de soluções para os problemas indígenas e quilombolas





Um espetáculo teatral: diálogo para solucionar os problemas fundiários envolvendo agricultores, indígenas e quilombolas no Estado do Rio Grande do Sul - O palco: Assembléia Legislativa do Estado – Os atores principais: senadora Ana Amélia Lemos, deputados federais do RS e fazendeiros vinculados à Confederação Nacional da Agricultura – Os Coadjuvantes: pequenos agricultores – As vítimas: povos indígenas e quilombolas.

Assim pode ser descrita a “audiência pública” convocada pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, realizada no dia 21 de outubro, em Porto Alegre, com o intuito de estabelecer um diálogo para a “busca de soluções à questão da demarcação das terras indígenas e quilombolas no Rio Grande do Sul”. No palco, dirigiu a cena a senadora Ana Amélia Lemos (PP), auxiliada pelos deputados estaduais Edson Brum (PMDB) e Gilberto Capoani (PMDB), e pelos de deputados federais Alceu Moreira (PMDB) e Luiz Carlos Heinze (PP), todos parlamentares do Rio Grande do Sul. E, como toda cena teatral requer apoiadores, lá estavam representadas algumas instituições: Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag/RS), Federação da Associação dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul (Famurs), Fundação Cultural Palmares, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Ministério Público Estadual (MPE), a subchefe da Casa Civil do Estado Mari Peruzzo e ainda representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). E, para aplaudir a performance dos protagonistas deste espetáculo, centenas de pequenos agricultores lotaram a platéia da Assembléia Legislativa.  

Da “audiência”, cuja temática versava particularmente sobre os direitos constitucionais dos povos indígenas e quilombolas, representantes destas populações não participaram como convidados. Não bastasse isso, sua entrada, como espectadores, só se deu de maneira forçada sendo que quase não conseguiram adentrar no auditório Dante Barone. Nem mesmo a Funai, que havia sido convidada para a audiência, se interessou em informar e articular as comunidades indígenas da região. Por sua vez ela se fez presente no palco do espetáculo, representando, no enredo, o Governo Federal e seus interesses. Estava lá para prestar esclarecimentos sobre procedimentos de demarcação, para justificar a inoperância do governo, apesar de ter por obrigação constitucional criar e executar uma política indigenista e demarcar todas as terras indígenas do país.

O que desejavam os promotores desta audiência, com ares de espetáculo e direito a aplausos fervorosos e vaias ensandecidas, não era o diálogo e, muito menos, uma solução justa para o conflito fundiário que se estende por décadas, transformando a vida dos povos indígenas e comunidades quilombolas em um drama sem fim. A questão tomou proporções vultosas no estado do Rio Grande do Sul porque há segmentos importantes do agronegócio implicados. Por isso, a justa luta dos povos indígenas e dos quilombolas pela terra é vista como um “problema” que afeta o bem estar, a produtividade, o desenvolvimento do estado. No teatro que se encenou com a alcunha de audiência pública, o interesse era fazer uma demonstração de força, comprometendo os parlamentares com a “causa” dos segmentos econômicos e social (latifúndio e agronegócio), cuja intenção primeira é limitar os direitos constitucionais dos povos indígenas e dos quilombolas que lutam pela garantia da demarcação e o usufruto de suas terras.

E isso ficou evidente quando os personagens principais da peça teatral procederam à leitura de suas propostas para solucionar o problema no estado: a suspensão das demarcações de terras dos quilombolas e indígenas em áreas onde não há consenso (ou seja, todas as áreas indígenas, com exceção, por enquanto, dos barrancos de beira de estrada); revisão dos decretos 1.775/1996 e 4.887/2003(que regulamentam as demarcações de terras indígenas e quilombolas); suspensão de todos os procedimentos administrativos de demarcação de terras em curso no Rio Grande do Sul; garantia de observância do devido processo legal e da ampla defesa (como se essas não estivessem previstas em decretos e na Constituição Federal); revisão da legislação indigenista e da Constituição Federal no que se refere à demarcação das terras indígenas e quilombolas; votação e aprovação da PEC 215/2000 (proposta de Emenda à Constituição Federal que visa transferir a autorização para demarcação de terras ao Congresso Nacional e não ao Poder Executivo); garantir assistência jurídica e antropológica aos produtores rurais; políticas públicas para as comunidades quilombolas e indígenas (essa proposta foi apresentada porque, segundo eles, o problema dos povos indígenas não é fundiário, mas social).

Os efeitos do espetáculo não são, portanto, uma farsa. Longe disso! São reais e estão sendo dinamizadas em diferentes âmbitos, seja por representantes deste novo e articulado movimento ruralista, seja por integrantes do próprio Governo Federal, especialmente da Casa Civil e do Ministério da Justiça. As propostas expostas ao final do último ato daquele bizarro espetáculo falam por si mesmas: são unilaterais, refletem o anseio de impor a vontade de certos segmentos econômicos aos direitos estabelecidos na Constituição Federal e, assim, são propostas que instauram uma insegurança jurídica, uma vez que colocam em questão o teor das leis e também as instituições responsáveis pela sua execução.

O suposto diálogo, que deveria ocorrer nesta audiência realizada no espaço da Assembléia Legislativa do Estado é, então, um grande monólogo que expõe a vergonhosa intenção de restringir os direitos dos povos indígenas e das comunidades quilombolas. Aliás, a teatralidade do evento parece refletir uma tendência que se expressa em âmbito nacional: a de considerar “problemática” a presença indígena e quilombola lutando pela posse e garantia de suas terras, desviando o foco do verdadeiro problema que é a omissão do Estado e a morosidade em fazer valer os direitos territoriais destes povos e comunidades.  

Nesse sentido, a encenação do dia 21 de outubro em Porto Alegre não foi inédita e nem exclusiva.  Ela será reprisada em todos os estados da federação. Haverá, de acordo com a realidade de cada região do país, algumas mudanças e/ou substituições de personagens, mas o conteúdo será o mesmo: alterar os dispositivos constitucionais que asseguram o direito a demarcação das terras indígenas e quilombolas. Iniciativas como esta, propagadas como um momento de “busca de soluções” ou como um espaço democrático de participação e de expressão pública, nem de longe possibilitam que o público seja ouvido e, menos ainda, que os maiores interessados possam se manifestar.

O que ocorreu no Rio Grande do Sul, na verdade, foi uma grande demonstração de intolerância e de desrespeito: os indígenas e quilombolas tentaram manifestar suas posições e foram recebidos com vaias pela platéia. Mesmo estando em franca minoria, e mesmo sendo desrespeitados dentro da Assembléia Legislativa, espaço em que, teoricamente, se resguardam preceitos legais e se legisla, os indígenas e quilombolas exigiram um espaço para se manifestar.  

O líder indígena Kaingang, Sr. Francisco dos Santos, sob muita vaia da platéia, disse: “Nós indígenas sofremos muito e fomos mortos e ainda estamos sendo mortos. Esse país, Brasil, pertence aos povos indígenas. O que eu quero é a demarcação das terras que sobraram. Eu respeito a terra dos brancos, a que eles compraram, mas eu não posso deixar a minha terra, mesmo que os brancos digam que a tenham comprado. Eu respeito a lei, mas não sou culpado se vocês embarcaram em um barco furado quando compraram terras que eram nossas, que nós vivíamos em cima delas. Todos nós sofremos e estamos aqui para dialogar. Mas nós indígenas e quilombolas precisamos defender nossas terras. Quero o que pertence para mim, pro meu povo. Vocês (os brancos) não respeitaram a natureza, não respeitaram os bichos, os peixes. Vocês terminaram com a minha natureza. Quero o meu direito que a Constituição determina. Eu vou até a morte. Os culpados são os políticos, os governos que assentaram vocês nas terras indígenas”.

Este pronunciamento emocionado, feito por uma liderança Kaingang, dá conta do sofrimento que tem sido imputado aos povos indígenas, sistematicamente perseguidos e desrespeitados pelos políticos que defendem exclusivamente interesses econômicos, que não encontram no poder público o amparo e a proteção que lhes é devida. O pronunciamento feito por um representante quilombola foi igualmente comovido, e expressou a profunda tristeza de ver que, em pleno século XXI, são ainda vistos como improdutivos, como ineficientes, como incômodos que não se moldam aos preceitos da vida para consumo.

E essa idéia se evidenciou claramente na audiência, quando esse representante fez referência, em seu discurso, ao fato de serem os indígenas e os quilombolas também agricultores, o que gerou uma estridente e prolongada vaia. Tal manifestação coletiva mostra o quanto aquele espetáculo e seus espectadores vindos em caravana estavam armados contra os povos indígenas e as comunidades quilombolas. As faixas espalhadas do lado de fora da assembléia também demonstravam a falta de abertura ao diálogo.

Os povos indígenas e as comunidades quilombolas são, na concepção da grande maioria dos políticos, governos e dos “produtores rurais”, um estorvo. Seus direitos tratados como penduricalhos e suas culturas consideradas atrasadas. Impera, nesta lógica de pensamento dominante, a idéia de que alguns são seres superiores e os demais povos e culturas precisam submeter-se aos seus interesses e ideologias. Lamentavelmente as vaias destinadas aos povos indígenas e quilombolas refletem o quanto a sociedade “branca” é intolerante e racista. 

Porto Alegre, RS, 24 de outubro de 2011.

Roberto Antonio Liebgott
Cimi Regional Sul - Equipe Porto Alegre

Tratados como animais. De abate, não de estimação


Cuiabá – Há mais de dez anos, uso a expressão “tratados piores que certos animais” para se referir às condicões a que determinados produtores rurais sujeitam seus empregados (o “certos” se dá pelo fato de que existe muito bichinho de estimação com consumo per capita bem maior que muito brasileiro). Muitos dizem que exagero nessas horas.
É mesmo?
De acordo com reportagem de Bianca Pyl, da Repórter Brasil, uma operação do grupo móvel de fiscalização do governo federal encontrou 19 trabalhadores, um deles com 17 anos de idade, em condições análogas à escravidão em propriedade rural pertencente ao médico Gilson Freire de Santana, que foi prefeito de Açailândia (MA) entre 1997 e 2000 e é dono do Hospital Santa Luzia. Do total de libertados da Fazenda Santa Maria, 15 dormiam no curral, ao lado de animais e de agrotóxicos. As outras quatro pessoas resgatadas estavam em uma casa precária de madeira, com o teto prestes a desabar.
Os empregados dormiam em redes próprias e enfrentavam dificuldades para descansar por causa do barulho dos animais. “Quando dava 3h da manhã, ninguém conseguia dormir mais. Nosso horário [para acordar] era 6h30, mas o vaqueiro chegava gritando com os bichos e aí era uma barulheira danada a madrugada toda”, revelou um dos libertados.
Os libertados eram responsáveis pela limpeza do terreno para formação de pastagem, além de manutencão e ampliação de cercas. A operacão foi realizada em setembro, mas os valores devidos só foram pagos aos trabalhadores um mês depois.
Não é a primeira vez que trabalhadores são encontrados dormindo em currais e não será a última.
O que me lembra um caso ocorrido há três anos no Rio Grande do Sul, quando auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e procuradores do Ministério Público do Trabalho proibiram que empregados de fazendas dormissem junto com os animais durante a Expointer, uma das mais importantes feiras agropecuárias do mundo, realizada anualmente no Estado. Creio que é desnecessário explicar o porquê da proibição (caso alguém ache normal dormir com o gado no curral, por favor pare de ler este post e mude de blog). Houve revolta dos proprietários rurais e um deles, “doutor em direito e pecuarista”, escreveu um artigo que circulou na rede, defendendo o sentido de “tradição”.
Mas também eram “tradições” a possibilidade legal de comprar seres humanos (até 1888) ou a impossibilidade de mulheres votarem (até 1932). Muitas aberrações da humanidade foram – e são – justificadas por serem tradições, ou seja, mantras repetidamente cantados, porém dificilmente discutidos. Na verdade, elas são apenas construções sociais, normalmente impostas ao longo dos anos pelos mais fortes até serem serem aceitas por determinado grupo sem que se lembre de onde ela surgiu.
É a tradição do local dormirem com o gado? Vamos criar outra! De agora em diante passa a ser tradição o dono da fazenda dormir com o gado.

Servidores Públicos e Governo: os grandes desafios

Redação do SUL21

Com o anúncio de três medidas de incentivo ao funcionalismo público, o governo do Estado do Rio Grande do Sul deu início na segunda-feira (24) às comemorações do Dia do Servidor Público, a acontecer na próxima sexta-feira (28).
Será concedido: 1) aumento de 35% para 50% e que pode chegar a 80% na gratificação de permanência aos servidores que, em idade e com tempo para aposentadoria, optarem por permanecer no cargo; 2) linha de crédito do Banrisul para aquisição de imóveis novos ou usados, inclusive terrenos, reforma e ampliação, com taxa de juros abaixo do mercado e prazo de pagamento dilatado e 3) emissão de contracheque verde, que passará a estar disponível no Portal do Servidor e no Banrisul, para diminuir o impacto ambiental das impressões em papel e promover uma economia de até R$ 425 mil ao ano. Além disso, será decretado feriado no Dia do Servidor, que sempre foi considerado como “ponto facultativo”. Na prática, este último ato não tem grande consequência, já que a maioria dos órgãos públicos costuma dispensar grande parte se não todos os funcionários nesta data, mas indica a intenção do governo em se aproximar dos servidores e de valorizá-los.
O gesto de boa vontade do governo só se completará, no entanto, se além dos benefícios indiretos, agora concedidos aos servidores, forem também implementadas medidas de recuperação salarial, de um lado, para valorizar de modo direto os servidores, e de avaliação de desempenho, de outro, para que todos os serviços públicos passem a beneficiar de modo efetivo aos cidadãos. Tudo isto só será possível se o governo se dispuser a enfrentar pelo menos quatro outros grandes desafios, divididos em dois grandes eixos, a saber: 1) o do próprio serviço público e 2) o da relação com os demais poderes estaduais e instâncias de poder (federal e municipal).
Os eixos e as respectivas medidas a serem adotadas precisarão ser trabalhados em conjunto, pois que todos estão relacionados entre si e nenhum deles pode ser aplicado e resolvido se os demais não o forem também: 1) a reformulação da matriz salarial dos servidores de todos os poderes e órgãos estaduais; 2) a reformulação da estrutura das diferentes carreiras de servidores, com a (re)definição dos critérios de seleção e ingresso, avaliação e promoção, além dos de incorporação de vantagens; 3) a reformulação do sistema de aposentadoria e previdência social e 4) a renegociação da dívida estadual e a superação do déficit crônico do tesouro público estadual.
Enfrentar estas questões exigirá disposição política do governo e, ao mesmo tempo, dos servidores públicos e de suas entidades de classe. Se, de um lado, o governo se acomodar em adotar medidas parciais, mesmo que simpáticas e populares, e se, de outro lado, os servidores de todos os poderes se aferrarem na defesa corporativa de seus interesses imediatos e possíveis privilégios, nada se fará de efetivo.
Perderão, com isto, tanto o governo do Estado, que não superará questões que são fundamentais para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul hoje, quanto os servidores, que não terão resolvidas as questões que assegurarão melhores condições de trabalho, remuneração e previdência no futuro próximo e perderá, por fim, como sempre ocorre nestes casos, o conjunto da população, que será privado, mais uma vez, da possibilidade da retomada do desenvolvimento e de ser beneficiado com a prestação de serviços públicos de melhor qualidade.