Bem-vinda, presidente Dilma Roussef
Por Izaías Almada no ESCREVINHADOR
Bem que o Brasil do atraso tentou, o Brasil da calúnia, da infâmia,
da subserviência, o Brasil que perdeu a noção da História e da realidade
em que vive e da realidade que o cerca. Não adiantou o cidadão e
candidato José Serra e a oposição que representa construírem uma
estratégia eleitoral torpe, baseada no ódio, na intolerância e no
preconceito, pois o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou que
parte de sua acertada estratégia política está cumprida ao eleger sua
candidata e sucessora.
Vitória da perspicácia, da sensibilidade no trato das coisas
políticas, da coragem pessoal em confrontar, à sua maneira, a oligarquia
que deixou o governo em 2002. E o fez com paciência e tentativas de
diálogo e – sobretudo – com o conhecimento do seu povo. É preciso
reconhecer: haja sociologia para explicar 83% de aprovação popular a um
governo no Brasil. Já disse alguém que a política é a arte do possível.
Para muitos, infelizmente, ainda é difícil entender isso. À direita e à
esquerda.
Ontem, 31 de outubro de 2010, venceu o Brasil que quer continuar
mudando, que busca alternativas para se tornar um país mais soberano e
menos injusto. Venceu o povo brasileiro mais sofrido e humilde. Venceu
novamente a esperança. Ou, para os menos otimistas, a possibilidade de
se continuar tendo esperança. E ouso dizer também que, mais do que o
Brasil, venceu a nova América Latina de Chávez, Morales, Correa, Lugo,
Cristina e Nestor, Castro, Funes, Mujica e Ortega.
Os miasmas da intolerância e de um fascismo travestido de faniquitos democráticos não muito bem explicados em manifestos e editoriais jornalísticos, em telejornais e revistas de final de semana, em violência e profanação religiosa, em tentativa de manipulação da opinião do eleitor, nos últimos três meses, ou se quisermos, nos últimos oito anos, não foram suficientes para desviar milhões de eleitores brasileiros da rota de um desejo sincero de ver o Brasil mais justo, mais independente e de olhos postos no futuro e não no passado.
Os miasmas da intolerância e de um fascismo travestido de faniquitos democráticos não muito bem explicados em manifestos e editoriais jornalísticos, em telejornais e revistas de final de semana, em violência e profanação religiosa, em tentativa de manipulação da opinião do eleitor, nos últimos três meses, ou se quisermos, nos últimos oito anos, não foram suficientes para desviar milhões de eleitores brasileiros da rota de um desejo sincero de ver o Brasil mais justo, mais independente e de olhos postos no futuro e não no passado.
Retomando a História interrompida com a morte de Getúlio Vargas e
traumatizada pelo golpe civil/militar de 1964, que derrubou um governo
eleito democraticamente, a vitória de Dilma Roussef faz uma ponte com
nosso passado ainda recente e relança as bases de um protagonismo
popular para o futuro, fazendo o país voltar ao leito democrático de
onde foi retirado pela força de tanques e baionetas apoiados pelo
Departamento de Estado norte americano, esse mesmo Estado que continua a
insistir com sua política de desestabilizar governos eleitos
democraticamente, como a Venezuela de Chávez, a Bolívia de Evo Morales, a
Honduras de Manuel Zelaya ou o Equador de Rafael Correa. E que, com
certeza, não dará tréguas ao governo de Dilma Roussef. É bom que não nos
esqueçamos disto no calor e na alegria da vitória.
No vácuo da repressão policial/militar da ditadura, com a sua falta
de garantias democráticas plenas, instalou-se também no Brasil, em anos
mais recentes, a ditadura do poder econômico, impondo-se entre nós o
pensamento e a prática hegemônica neoliberal, assumida por uma social
democracia encantada com a possibilidade de chegar ao poder político,
como de fato chegou, com a chamada redemocratização do país na metade
dos anos oitenta. E com o sonho de lá permanecer por pelo menos 20 anos,
no dizer de alguns de seus caciques, começando com a imoral compra de
votos para a reeleição do seu até então maior ideólogo, Fernando
Henrique Cardoso, o presidente das privatarias e traidor do povo
brasileiro. Essa prática política encantou àqueles que olharam o país e a
História com o binóculo posto ao contrário.
Nesses últimos cinquenta anos de História, tanto uma, a ditadura,
quanto o outro, o poder econômico imposto pelo Consenso de Washington,
tiveram a seu lado aquele que pode ser considerado o mais forte aliado
do mundo contemporâneo: a força do quarto poder, a mídia. Jornais,
rádios, televisões, revistas, em grande parte subsidiados
ideologicamente por pensadores e acadêmicos de dentro e de fora do país,
fizeram de seus editoriais e matérias jornalísticas a apologia diária
do paraíso para o capital transnacional, com seus deslumbrados e
submissos defensores internos, ao mesmo tempo em que combatiam e
dilapidavam as garantias e a defesa dos direitos dos trabalhadores
através do arrocho salarial, da terceirização de serviços, do aumento do
desemprego, do desestímulo às reivindicações de inúmeras categorias
profissionais, da privatização de empresas nacionais estratégicas,
agindo contra os interesses nacionais, da criminalização dos movimentos
sociais, mantendo intacto – de certa maneira – o arcabouço repressivo
ditatorial com um inquestionável conservadorismo na sua prática
política.
Tudo isso sustentado por uma democracia e uma Constituição, aquela
que melhor se pôde arranjar em 1988, a tal Constituição Cidadã, um
imenso tratado com quase quinhentos artigos, tamanho o número de
interesses a serem contemplados e acomodados, e que ainda assim, na
prática, vem sendo solapada e substituída no dia a dia por um mecanismo
anacrônico denominado Medida Provisória, que sempre poderá agradar ou
desagradar a gregos e troianos, conforme os interesses de momento e o
grupo que estiver no poder político.
Em verdade, passamos a viver a partir da segunda metade dos anos 80
um arremedo de democracia. Dá para o gasto, é claro, pois sempre podemos
encher a boca e dizer que vivemos num país democrático, e sob vários
aspectos isso é verdade, muito embora os poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, com as honrosas exceções de sempre, se deixaram ou ainda se
deixam escorregar tentadoramente por caminhos tortuosos, para dizer o
menos, quando fica bastante evidente a verdadeira luta de classes no
país.
A recente campanha eleitoral deixou à mostra como muitos brasileiros
entendem a democracia: um regime de privilégios que é preciso manter a
ferro e fogo, sempre e quando para isso se use tais “privilégios” para
arrasar o adversário, assassinar sua reputação, atribuindo-lhe as piores
qualidades morais e profissionais. São os democratas de fins de semana,
dos almoços dominicais com a família. Hipocrisia que a campanha do
candidato José Serra mostrou à perfeição.
Nesse quadro político e institucional, os homens que queriam governar “por 20 anos” descuidaram-se e o sentimento de mudanças que permeava partidos de esquerda e movimentos sociais desde o período ditatorial, soube se movimentar, mesmo com suas divergências, contradições e até defecções, criando condições para que o país buscasse alternativas para o sufoco neoliberal.
Nesse quadro político e institucional, os homens que queriam governar “por 20 anos” descuidaram-se e o sentimento de mudanças que permeava partidos de esquerda e movimentos sociais desde o período ditatorial, soube se movimentar, mesmo com suas divergências, contradições e até defecções, criando condições para que o país buscasse alternativas para o sufoco neoliberal.
Incrédulos com a vitória do metalúrgico semi-analfabeto em 2002, os
serviçais e bajuladores da “Casa Grande”, fiéis leitores da cartilha
econômica do neoliberalismo, apostaram suas fichas no fracasso e na
incompetência do operário, sem jamais esconder o seu preconceito de
classe e seu espírito impatriótico. À medida que o tempo avançou e o
fracasso esperado do governo Lula não vinha, os órgãos de comunicação
social foram mais uma vez acionados com bastante virulência no ano de
2005, pois nova derrota eleitoral seria o início do desastre.
De nada adiantou a campanha moralista naquela altura, curiosamente
liderada por alguns dos políticos mais imorais e corruptos do país,
alguns deles felizmente defenestrados nas recentes eleições, ou as CPIs
policialescas instaladas nas duas casas do Congresso Nacional, onde a
pregação intolerante contra o Partido dos Trabalhadores e a esquerda de
um modo geral chegou a ser defendida com o chamamento à eliminação
“dessa gente” da política brasileira. Bravatas, arrogância e
intolerância substituíam os discursos políticos daquilo que se poderia
esperar de uma oposição minimamente civilizada, se é que se pode chamar
de civilizados um grande número de dilapidadores do patrimônio nacional
em beneficio próprio.
Acuado, o governo soube esperar a hora do contra ataque. E o fez no
seu segundo mandato, aprofundando as suas políticas sociais e de
infraestrutura econômica. Lula se reelegeu em 2006 e chega a 2010, no
final do seu governo, com um índice de popularidade “nunca visto antes
na história desse país”. E mais: sai o operário e entra uma mulher.
Impensável no Brasil de dez anos atrás.
O desafio que tem pela frente a presidente Dilma Roussef é enorme, a começar pela guerra diária que lhe imporá a vetusta oligarquia brasileira e sua velha mídia incompetente, desonesta e oportunista.
O desafio que tem pela frente a presidente Dilma Roussef é enorme, a começar pela guerra diária que lhe imporá a vetusta oligarquia brasileira e sua velha mídia incompetente, desonesta e oportunista.
Mas, guerra é guerra e o povo, atento e organizado, sempre que
chamado, irá se manifestar através de sindicatos, dos movimentos
sociais, das entidades estudantis e dos partidos políticos comprometidos
com a soberania do país e das suas conquistas sociais, fazendo avançar
essas conquistas. E também através de uma nova mídia que se forma pela
internet ou – o que espera o país – ver alguns jornais, revistas e
televisões tendo que se ajustar a um novo marco regulatório para a
comunicação social, tornando-a verdadeiramente democrática.
De hoje em diante toda atenção é pouca, porque o conservadorismo,
agora efetivamente de mãos dadas com o emergente fascismo tupiniquim não
irá descansar. E essa é uma união mais do que perigosa. Alguém já disse
que para onde pender o Brasil, deverá pender a América Latina. Não
deixemos que a vitória nos faça esquecer que o inimigo é forte e
continuará sua insidiosa luta no dia a dia das calúnias, das mentiras,
dos factóides, tentando minar a confiança do povo no seu novo governo.
Felicidades, presidente Dilma Roussef! Seja bem-vinda.
Izaías Almada é escritor, dramaturgo, autor – entre outros – do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Boitempo) e “Venezuela povo e Forças Armadas” (Caros Amigos).
Izaías Almada é escritor, dramaturgo, autor – entre outros – do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Boitempo) e “Venezuela povo e Forças Armadas” (Caros Amigos).