domingo, 6 de fevereiro de 2011

A marcha dos povos no FSM do Senegal

Por Adriana Delorenzo, de Dacar na Revista Forum

Neste domingo, 6, teve início em Dacar o Fórum Social Mundial de 2011. Cerca de 50 mil pessoas participaram da marcha de abertura do evento, que partiu da sede da Radio Television Senegalaise (RTS) e foi até a Universidade Cheik Anta Diop, onde acontece o FSM. Ativistas e militantes altermundistas percorreram uma distância de cerca de quatro quilômetros sob um forte sol.

Como é tradicional em todos os Fóruns, a diversidade de organizações e bandeiras de luta marcou a marcha. Por ser na África, muitos movimentos e manifestações culturais locais fizeram a diferença. A marcha contou com refugiados da Mauritânia no Senegal, ativistas em defesa da independência do Saara Ocidental e senegaleses reivindicando paz em Casamance (região do país onde há conflito por conta de um movimento separatista), entre outros militantes do norte da África.

Em seu 10º aniversário, o FSM reúne participantes e organizações de 123 países, Palestina e Curdistão. A grande maioria é de países da África (45), seguidos dos europeus (29), asiáticos (22), centro-americanos e caribenhos (12), sul-americanos (10), norte-americanos (3) e países da oceania (2).

Movimentos

Segundo Taoufik Ben Abdallah, um dos organizadores do Fórum Social Africano, a realização do FSM de Dacar mobilizou cerca de mil pessoas nos processos preparatórios. Em torno de 200 organizações participam do Comitê do Senegal, além de outras mil organizações africanas que se empenham na construção do evento.

Para ele, um dos desafios do FSM na África é o de construir uma nova relação entre os intelectuais e os movimentos sociais locais. “Na África não existe essa aliança”, diz. “Já na América Latina, muitos intelectuais fazem parte dos movimentos sociais e vice-versa”, acrescenta.

Com a crise internacional, especialmente nos EUA e Europa, Taoufik avalia que se abriu um novo equilíbrio de poder global, onde há o crescimento do G-20 e novos atores, como os BRICs. Ele considera que a África precisa aproveitar essa nova oportunidade geopolítica de uma forma positiva, enfrentando os conflitos e a pobreza. Tanto a crise, como a África serão debatidas em muitas das quase mil atividades autogestionadas propostas pelas organizações que participam do Fórum.

Diversidade

O médico marroquino Abdelkebir Saaf deixou Rabat junto com 50 ativistas. Integrante do Fórum Civil Democrático de Marrocos, ele defende o direito à saúde e ao meio ambiente saudável para todos. “Na marcha, as pessoas exprimem seus desejos e grandes ideais. Depois teremos espaço para trocar experiências”, diz.

Outra ativista presente na marcha inaugural do FSM foi Josephine Irene Uwamariya, de Ruanda. Diretora da organização Actionaid, ela atua em defesa dos direitos das mulheres. Mas a idéia é dar voz a elas, para que elas mesmas lutem por seus direitos. Questionada pela reportagem sobre a situação política de seu país, Josephine analisa que não há comparação com aquela retratada por Terry George no filme Hotel Ruanda, de 2004. Segundo ela, na última eleição parlamentar as mulheres conseguiram fazer 56% do total de eleitos.

A colombiana Alexandra Patricia Jurado também traz ao FSM a bandeira das mulheres. Membro do Movimiento Social de Mujeres contra La Guerra y por La Paz, ela vem ao FSM para rechaçar todas as formas de violência. “Estamos congregados para ser um grito de protesto a todas as violações de direitos humanos, mas também para gritar ao mundo que estamos cansados de guerra e que continuam militarizando a vida e nossos corpos, como mulheres”, afirma. “Estamos cansados que os recursos sejam destinados cada vez mais a guerras e menos à educação, à saúde e à qualidade de vida justa e digna para todos os homens e mulheres do mundo.”

Já o vietnamita Tran Dac Loi conta que o principal desafio do movimento social daquele país é como manter o socialismo, num contexto de globalização capitalista. Vice-presidente da Vietnam Union of Friendship Organizations, ele afirma que os 25 anos de regime socialista no seu país trouxeram muitos benefícios ao povo. “Reduzimos a pobreza de 75% para 10%”, diz. “O socialismo visa o desenvolvimento da pessoa humana, já o capitalismo apenas o lucro”, defende ele, que ressalta o sentimento de solidariedade e fraternidade presente no FSM.

Hoje inicia o FSM de Dacar

Fórum Social Mundial reflete sobre a condição africana em tempos de globalização

 

Rui Felten no Sul21

Uma marcha de abertura, marcada para as 13 horas deste domingo (06), dá início às atividades de mais uma edição do Fórum Social Mundial (FSM), que este ano se realiza em Dacar, no Senegal — país da África Ocidental. Dacar é a capital senegalesa e abriga cerca de 2,6 milhões de habitantes. Durante os seis dias do FSM, deverão passar por lá representantes e organizações de 123 países.
Com presença já confirmada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve comparecer acompanhado do ex-ministro Luiz Dulci e do ex-presidente do Sebrae Paulo Okamotto. Lula é esperado para participar, na segunda-feira (07), junto com o presidente do Senegal, Abdou Layewade, do painel A África na Geopolítica Mundial, prevista para se iniciar às 12h30min e se estender até as 15h30min. Está confirmada também a presença de Evo Morales, presidente da Bolívia.
Temas como desigualdades, pobreza, discriminações, guerras e a ascensão de novos países à condição de potências mundiais vão conduzir os debates a respeito da crise. Também vão estar na pauta questões referentes à ecologia (como as mudanças climáticas e a ameaça de esgotamento das fontes naturais) e à ideologia — envolvendo, particularmente, segurança pública, liberdades, democracia e cultura, além de ciência e modernidade.
A situação da África no contexto mundial estará sempre no centro das reflexões, considerando a ideia de que ela não é pobre, e sim empobrecida. E de que também não é marginalizada, mas explorada. Essa análise é feita por Gustave Massiah, membro do Research and Information Center for Development (CRID), da França, e integrante do Conselho Internacional do FSM. Mas se a África é usurpada, ele não deixa de reconhecer, também, que existe uma “cumplicidade ativa” de uma parcela dos dirigentes de estados africanos para que a cobiça de países ricos ou emergentes pelas matérias-primas e pelos recursos naturais e humanos do continente seja satisfeita.
Outras questões a serem levadas ao Fórum são a crise da hegemonia norte-americana e do neoliberalismo e a descolonização como um processo histórico ainda por ser concluído. A programação reserva espaço, ainda, a debates sobre as migrações como fator decorrente da globalização.
Construção da solidariedade
O ex-governador Olívio Dutra, que estava à frente do Executivo gaúcho nas duas primeiras edições do FSM, avalia o evento como um processo de construção da solidariedade, da igualdade, da justiça e da democracia. Afirma que ainda há um enorme desafio pela frente, mas que o Fórum já se firmou como espaço de articulação da esperança de evolução para um mundo em que as decisões não sejam tomadas apenas pelos países mais fortes, por dominação.
“Todos devem influir nas decisões. E o Fórum Social Mundial, embora não seja um organismo formal, deve ser ouvido pelos organismos formais, como instância de representação no combate à miséria, à exploração, à guerra e à fome”, diz o ex-governador. Ele acredita que a força do FSM já pôde ser sentida no Fórum Econômico Mundial (FEM), que reúne anualmente em Davos, na Suíça, os principais líderes empresariais e políticos.
O Rio Grande em Dacar
A representação gaúcha que estará em Dacar a partir de segunda-feira vai participar do FSM com dois propósitos principais: confirmar a determinação de atuar na organização da edição descentralizada prevista para o FSM no ano que vem e tentar atrair o Fórum novamente para Porto Alegre em 2013. “Não será uma conquista simples, porque também concorrem como sedes a Europa e a China”, diz o assessor de Relações Internacionais do Governo do Estado, Tarson Nuñez, que vai participar em companhia do secretário estadual adjunto da Cultura, Jeferson Assunção.
Pesam a favor do Rio Grande do Sul, na opinião de Nuñez, o fato de os governos europeus serem mais conservadores e de os movimentos sociais não terem tanta força nos países da Europa, o que ocorre também com a China. Serão encaminhadas pela representação gaúcha manifestações de um grande número de segmentos governamentais e não-governamentais em prol da realização do FSM no Estado daqui a dois anos.
Nuñez defende que o FSM não deve mais ser somente um ambiente de debates, mas se transformar em uma dinâmica permanente de intercâmbio entre as nações participantes. “Deve haver um processo continuado, que não se esgote naqueles momentos de discussões, mas que expanda os seus efeitos de forma perene e propositiva”, afirma. É disso, na opinião dele, que poderá resultar o aprofundamento da reflexão sobre o modelo de desenvolvimento desejado pela humanidade. “Precisamos definir um paradigma desse modelo”, ressalta. Nuñez acrescenta que o FSM também já não deve mais estar preocupado apenas em criticar o sistema vigente, mas em formular um sistema alternativo.
Histórico
O primeiro FSM ocorreu em janeiro de 2001, em Porto Alegre. Participaram cerca de 20 mil pessoas. Realizada novamente na capital gaúcha, em 2003, a segunda edição atraiu mais de 50 mil pessoas. No ano seguinte, Porto Alegre recebeu em torno de 100 mil pessoas do mundo inteiro para o evento.
Em 2004, o Fórum foi promovido pela primeira vez fora do Brasil, por decisão de seu Conselho Internacional de fazer dele um evento internacionalizado. A cidade escolhida, naquele ano, foi Mumbai, na Índia. Em 2005, o FSM retornou para Porto Alegre. Já em 2006, teve uma edição descentralizada, com programações em Bamako (África), Caracas (Venezuela) e Karachi (Paquistão). O de 2007 ocorreu em Nairóbi (Quênia) e, em 2008, o Conselho Internacional decidiu que haveria não um fórum nos moldes anteriores, mas uma semana de mobilização e ação global, que culminou com o Dia de Visibilidade Mundial, em 26 de janeiro.
Belém, a capital do Pará, foi sede da nona edição, em 2009, quando participaram cerca de 120 mil pessoas de 150 países. E em 2010, houve novamente um fórum descentralizado, com programação desenvolvida ao longo do ano em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. No Rio Grande do Sul, o FSM teve atividades em Porto Alegre, Canoas e Santa Maria.

Uma breve história do Fórum Social Mundial


Nas origens do FSM estão o "grito zapatista" de 1994 e as manifestações em Seattle, em 1999, que impediram a realização da reunião da OMC. Na sequência, o movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional, mas a nível global. A análise é de Emir Sader.

O Fórum Social Mundial já tem história. Uma história que não pode ser entendida separada daquilo que lhe deu nascimento e a que ele está intrinsecamente vinculado: a luta contra o neoliberalismo e por um mundo posneoliberal – que é o sentido de seu lema central “Um outro mundo possível”.

Nas suas origens está o “grito zapatista” de 1994”, conclamando à luta global contra o neoliberalismo. Em seguida, veio o editorial do Le Monde Diplomatique, de Ignacio Ramonet, chamando à luta contra o “pensamento único”, seguida pelas manifestações em Seattle, que impediram a realização da reunião da OMC e as outras, em tantas cidades do mundo. Enquanto isso, se realizavam anualmente manifestações na Suiça, chamadas de anti-Davos.

Até que, com o crescimento da resistência ao neoliberalismo, se pensou no projeto de organizar um Forum Social Mundial em oposição ao Forum Economico de Davos. A idéia foi de Bernard Cassen, jornalista francês que naquele momento dirigia a Attac, que ao mesmo tempo propôs que a sede fosse na periferia do sistema – onde residem as vitimas privilegiadas do neoliberalismo -, na América Latina – onde se desenvolviam os principais movimentos de resistência, no Brasil – que tinha a esquerda mais forte naquele momento – e, em particular, em Porto Alegre – pelas políticas dos governos do PT, de Orçamento Participativo.

Depois do primeiro Fórum se constituiu um Conselho Internacional, com participação de todas as entidades que quisessem se incorporar, porém a direção continuou em um estrito grupo de entidades brasileiras, dominadas por ONGs. Este foi um limitante original do FSM, dado que o movimento se apoiava centralmente em movimentos sociais – de que a Via Campesina agrupa a parte significativa deles -, enquanto as ONGs – cujo caráter ambíguo, até mesmo neoliberal pela sua definição anti-governamental, mas também com várias delas com ações obscuras no seu sentido, no seu financiamento e nas suas alianças com grandes empresas privadas – se apoderava do controle da organização, imprimindo-lhe um caráter restrito.

Restrito, porque limitado a um suposta “sociedade civil”, o que já lhe imprimia um caráter liberal, oposto a governos, a partidos, a Estados, bloqueando a capacidade de construção de “um outro mundo possível”, que teria que ser um mundo global, com transformação das relações de poder, do Estado e da sociedade no seu conjunto. Também ficava fora um tema que passou a ser central no mundo conforme os EUA adotavam sua política de “guerras infinitas” – a luta pela paz -, que no entanto representou o momento de maior capacidade de mobilização dos novos movimentos populares no mundo, com as mobilizações de resistência à guerra do Iraque, em 2003.

O Conselho Internacional decidiu a alternância de sedes do FSM, que passou a se realizar em outros continentes, com o que se realizaram encontros na Índia e no Quênia. Também decidiu que os FSM seriam realizadosa cada dois anos, alternados por FSM regionais. No entanto o FSM passou realmente a girar em falso conforme a definição inicial de se limitar um espaço de troça de experiências entre entidades da “sociedade civil” foi limitando suas temáticas e sua capacidade de formular alternativas. Nem sequer balanços das maiores mobilizações populares jamais havidas, as contra a guerra do Iraque, foram feitas, para definir a continuidade da luta.

A fragmentação dos temas se acentuou conforme foi decidido que as atividades dos FSM seriam “autogestionadas”, sem definição política dos temas fundamentais, que deveriam ser financiados centralizadamente, promovendo um imenso privilegio das ONGs e outras entidades que dispõem de recursos contra os movimentos sociais – que deveriam ser os protagonistas fundamentais do FSM.

Hoje, o FSM tem em governos latinoamericanos progressistas os agentes de construção da agenda proposta pelo movimento. Os movimentos sociais que souberam rearticular de maneira criativa suas relações com a esfera política – de que a fundação pelos movimentos bolivianos do MAS – e disputar a criação de novos governos e a construção de projetos hegemônicos alternativos, avançaram significativamente na criação do “outro mundo possível”. Enquanto que os que seguiram refugiados na chamada “autonomia dos movimentos sociais” – como os casos dos piqueteiros argentinos ou dos zapatistas – perderam peso ou até mesmo tenderam a desaparecer politicamente.

Em 2009, o Fórum voltou ao Brasil, sendo realizado em Belém, no Pará. O encontro foi marcado, entre outras coisas, pela presença de 5 presidentes latino-americanos – Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chavez, Fernando Lugo e Lula, líderes de governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do posneoliberalismo na América Latina.

O FSM 2009 foi marcado também pela forte presença d os povos indígenas e pelo Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, os sindicatos e o Mundo do Trabalho, os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens.

O movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional, mas a nível global, quando a crise capitalista e o esgotamento do modelo neoliberal coloca para o FSM seu maior desafio: ser agente na construção concreta do “outro mundo possível” ou permanecer como espaço de testemunhos, ricos, mas impotentes.

O Fórum Social Mundial 2011, em Dakar, ganhou uma nova agenda com a onda de protestos populares que já atingiu a Tunísia, o Egito, o Iêmen e a Jordânia. O mais significativo de todos, sem dúvida, é o Egito, em função do que o país representa em termos geopolíticos no Oriente Médio. Egito e Arábia Saudita são dois pilares centrais da aliança EUA-Israel na região. Uma mudança de regime político em um desses dois países pode significar um terremoto geopolítico de grandes proporções.
A aplicação da consigna do FSM aos problemas dessa região coloca a seguinte questão: “Outro Oriente Médio é possível?”. O que está acontecendo no Egito mostra que o castelo das autocracias apoiadas e sustentadas pelos EUA é menos sólido do que parecia. Milhões de jovens, homens e mulheres, estão nas ruas dizendo que é possível, sim. E necessário.