sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Telebrás, disciplinando o mercado...

Retomar Telebrás seria chance de impor mínima disciplina ao mercado
  Valéria Nader e Gabriel Brito - Correio da Cidadania  
 
Desde o início do ano, vêm surgindo informações dando conta de que o governo federal teria intenções de reativar a Telebrás, de modo a tê-la como seu carro-chefe no anunciado Plano Nacional de Banda Larga, que visa atingir cerca de 70% das residências brasileiras. O anúncio do PBNL já fez ventilar hipóteses de que o processo também incluiria uma espécie de retomada estatal no setor, totalmente privatizado na era FHC.
 
Para tratar do assunto, o Correio da Cidadania conversou com o jornalista Samuel Possebon, que já concedeu diversas consultorias na área das telecomunicações. Para ele, o governo acerta ao tentar voltar a ter alguma rédea no setor, o que, ainda que não signifique uma real reestatização – o novo alvo de estridente combate por parte de nossa mídia, diante de um suposto viés neo-estatizante do governo Lula -, poderia disciplinar o mercado. Como se sabe, o Brasil ocupa as primeiríssimas posições em tarifas telefônicas, fixa e móvel, de modo nada condizente com a média de renda de seu cidadão.
 
No entanto, o também professor do Departamento de Comunicação da UNB descarta a possibilidade de retomada estatal no setor, pois vê os atores privados e a cultura de concorrência aberta em posições já afirmadas. Possebon reconhece as melhorias tecnológicas oferecidas pelo mercado, mas ressalta ser importante uma maior acessibilidade da população e uma redução nos custos ao consumidor.
 
Correio da Cidadania: Como vem encarando as discussões acerca das Telecomunicações no Brasil nos últimos meses, especialmente em função da polêmica sobre a expansão da banda larga, que o governo parece querer encampar como um projeto estatal através da Telebrás e aquisição das linhas da Eletronet (antiga empresa estatal, atualmente em estado falimentar, detentora de uma rede de cabos de fibra ótica)?
 
Samuel Possebon: O governo tenta através do Plano Nacional de Banda Larga e a retomada da Telebrás equilibrar um pouco o setor, oferecendo novas opções para o acesso à banda larga. Porém, ainda não são muito claras as diretrizes desse plano e qual seria o grau de protagonismo do governo. Portanto, fica um pouco difícil saber qual será o sucesso da empreitada e se atingirá seus objetivos declarados.
 
De toda forma, creio ser uma idéia correta, pois coloca em cena um novo ator no setor, na figura do próprio Estado, e que vai no sentido de abrir o leque de concorrência, fazer preços baixarem e o acesso da população à banda larga aumentar. Mesmo assim, é cedo para vislumbrar qual alcance e efetividade terá o plano.
 
CC: A propósito, o que é hoje a Telebrás, uma vez que, ao contrário do ocorrido no setor elétrico (cuja privatização veio de forma mais segmentada), sabemos que as Telecomunicações foram privatizadas em bloco no governo FHC, e a estatal foi praticamente extinta?
 
SP: O que aconteceu é que, no processo de privatização do setor, em 97 e 98, vários funcionários que seriam incorporados à Anatel não podiam ser demitidos ou aposentados de uma vez, sendo incorporados também pelas empresas que entraram no setor. Isso fez com que a empresa praticamente fechasse, com seus quadros passando para a agência reguladora ou outras empresas que passaram a atuar nas telecomunicações. Como no setor elétrico o processo foi mais diluído, não houve a mesma necessidade.
 
CC: As ações da Telebrás tiveram valorização expressiva nos últimos anos, e também nos últimos dias, em função das notícias sobre os projetos do governo. O que pensa dessa valorização?
 
SP: Isso foi um movimento natural de mercado, que sempre ocorre no campo da especulação. Aconteceu a mesma coisa, por exemplo, quando começaram os boatos de venda da Sadia. A empresa estava falida, mas, com as notícias que circulavam, seus papéis na bolsa se valorizavam e as ações subiam do mesmo jeito.
 
O mesmo ocorreu na compra do Unibanco pelo Itaú. É um movimento natural que sempre acontece no mercado especulativo, e agora não foi diferente.
 
CC: Acredita estar em curso um projeto ou uma ‘séria’ tentativa de retomar de alguma forma o controle do setor de telecomunicações, dando mais corpo e nova vida à Telebrás? Enxerga relação com a própria questão da soberania nacional?
 
SP: Não. Acredito que o governo queira apenas dar um pouco mais de regulação ao setor, de maneira a também expandi-lo e criar um maior alcance nacional.
 
Mas não se trata de uma retomada estatal no setor. Ele pretende somente colocar uma nova opção no mercado, de modo que se abra um pouco mais o leque de concorrência e as demais empresas sejam obrigadas a baixar seus preços e também melhorar a qualidade dos serviços, ainda muito deficientes, apesar de todos os avanços tecnológicos.
 
Não vejo intenções governamentais no sentido de alguma reestatização, não é essa a idéia do plano. O que buscam é melhorar a competitividade e controlar mais o mercado.
 
CC: Como você enxerga hoje esse setor no Brasil? Caminhamos, conforme se aventa, melhor do que teria sido sem a privatização?
 
SP: É difícil falar em hipóteses, sobre o que seria sem a privatização. São inegáveis os avanços que as empresas privadas ofereceram, no que se refere à tecnologia e qualidade de alguns serviços, que não existiam antes, apesar do preço e da impossibilidade de acesso de grandes parcelas dos brasileiros.
 
Por outro lado, é certo que hoje as condições econômicas do país também são bem diferentes, o que permitiria que o serviço por parte do governo também se encontrasse em outro nível.
 
CC: O que pensa do fato de sermos o país com uma das mais altas tarifas de celular e telefonia fixa do mundo, ao lado de possuir um serviço de internet também caríssimo e ainda muito restrito?
 
SP: Esse é um ponto a se discutir bastante. É verdade que precisa ser dado um desconto por conta da altíssima carga tributária deste país, principalmente em serviços, de modo que o consumidor acaba sendo bastante afetado, pois as empresas acabam incluindo essa carga no preço final.
 
Mas também é preciso uma melhoria em tal ponto, pois, apesar de todos os avanços tecnológicos oferecidos, as tarifas são realmente muito elevadas, além de sabermos que há um altíssimo número de reclamações das pessoas com relação às empresas que prestam tais serviços. É também por isso que o governo entrou na questão, para rearranjar os níveis de preços e aumentar a acessibilidade a tais serviços, ainda muito distantes de grande parte da população.
 
CC: Você apoiaria algum tipo de reestatização no setor?
 
SP: No momento é difícil falar em reestatização, pois todo um modelo já está afirmado na sociedade e é complicado tocar nos atuais parâmetros de mercado.
 
Acho importante e não vejo nada de errado em uma maior atuação estatal no setor, até para regular e controlar melhor os preços de telefonia fixa e móvel, além de internet.
 
Não vejo nada de errado em contar com a participação simultânea do Estado e dos atores privados, desde que nas mesmas condições e regras de mercado, sem que um seja claramente favorecido em relação ao outro no que se refere às condições de oferecer os serviços de telecomunicações. Se for assim, pode ser positivo para o país e os consumidores um modelo que inclua os dois lados.
 
CC: Como encara a fusão Oi/BrTelecom? Há estudiosos que nela enxergam pontos positivos, na medida em que seria uma forma de o setor retomar corpo em sua atuação, único modo de chegar aos grotões. Mas não se caminha ao mesmo tempo em direção contrária à concorrência tão reverenciada na justificativa do desmembramento e privatização no setor?
 
SP: Foi uma fusão bem complicada. Sabemos que o governo alegava se tratar de uma questão importante para que o país tivesse um ator competitivo globalmente, podendo disputar espaços de mercado fora do país também.
 
No entanto, esses resultados estão bem abaixo do esperado, inclusive internamente, e até hoje ainda não se viu uma grande evolução dentro daquilo que foi prometido para justificar a fusão das empresas.
 
Além do mais, o processo não foi conduzido da melhor maneira, mas agora Inês é morta e é preciso dar continuidade ao crescimento do país no setor e também a essa questão da oferta de serviços de telecomunicações às localidades tidas como menos interessantes pelo mercado.
 
Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.
 

Pobre Costa Rica...

Costa Rica… ou não tanto!


do jornal avante, via blog da Marcia
por Pedro Campos

A Costa Rica está na mesma região da América Latina onde se encontram o Panamá, El Salvador, Nicarágua e Honduras. Do Panamá sabemos – os que o sabem – que foi um território que os Estados Unidos roubaram à Colômbia para construir o Canal do mesmo nome. Dos outros três, ouvimos e lemos durante anos que andaram anos em guerra «por causa» de uns guerrilheiros ao serviço do «comunismo internacional», que não queria deixar aqueles países em paz… Da Costa Rica pouco ou nada se sabe, para além de que a governou durante anos um figurão «bem comportado» chamado Figueres e que agora passou por um processo eleitoral onde outro «bem comportado» – Oscar Arias, neste caso com Prémio Nobel da Paz debaixo do braço – passou o comando a uma senhora que vai continuar as mesmas políticas neoliberais cujos resultados devastadores já conhecemos bem. A Costa Rica aparece-nos, então, nos média como «país exemplo», uma espécie de Chile da América Central, salvando as distâncias do caso – entre elas a de que o Chile tem um exército prussiano ainda bem marcado pela herança pinochetista e a Costa Rica não tem soldados, o que não quer dizer que não tenha forças repressivas, claro está.
Do Chile, laboratório onde os «rapazolas de Chicaco» ensaiaram, a sangue e fogo, as suas receitas económicas neoliberais, diz-nos (quase) toda a comunicação social que é exemplo a seguir. Quem ousar dizer o contrário, mesmo que seja com números na mão, é um desmancha-prazeres e leva com o pau na cabeça…nem sempre figuradamente.
E a Costa Rica? Segundo a velha teoria do «quem cala, consente», o silêncio que a rodeia pareceria indicar que anda tudo no melhor dos mundos. Contudo, nunca faltam os tais desmancha-prazeres… mesmo dentro de casa!
As autoridades de São José não são muito dadas a isso de fornecer dados sobre a situação socioeconómica do país, mas algumas dicas vão soltando de vez em quando, de forma um tanto sorrateira para que não se notem muito, porque sempre há quem esteja atento. Vejamos. O Instituto Nacional de Estatísticas e Censos publicou há poucas semanas uma série de números oficiais que mostram claramente que o país, como resultado das políticas económicas neoliberais, atravessa o seu pior momento dos últimos 30 anos.
Números da desigualdade e da pobreza

Uma maneira de não informar é não analisar adequadamente a realidade. Se tomarmos a pirâmide socioeconómica nacional, não é possível, por exemplo, discriminar a riqueza do 1% ou dos 5% das famílias mais ricas do país. Como só há cinco divisões, só podemos conhecer a riqueza de cada quinto! Mesmo assim as diferenças são gritantes e vemos então que os 20% mais ricos têm entradas que superaram 14,8 vezes as dos 20% mais pobres… e esta é a diferença mais alta dos últimos 25 anos! Imagine-se, então, qual será a desigualdade entre a cúpula desse primeiro quinto e a base da pirâmide… Mas o verdadeiro problema não é só o abismo entre o quinto mais opulento e o mais miserável. O fosso é igualmente cada vez mais marcado entre o primeiro e os intermédios…
Recentemente, perto 26 mil famílias – mais de 100 mil pessoas – passaram a engordar o exército das que estão na pobreza. O número total de pobres saltou de 830 mil para 945 mil pessoas. É muita gente? Considerando o número de habitantes do país, essa cifra que se aproxima do milhão de habitantes corresponde a 20,3% da população total.
Uma das causas desta situação é o número crescente de desempregados. Entre Julho de 2008 e Julho de 2009 o total de pessoas sem trabalho aumentou 63%, ao passar de 102 mil para 166 mil. Como sempre, é entre as mulheres e os jovens onde mais se fazem sentir estes índices. Como afirmava recentemente um analista da TeleSul, «com toda a clareza observamos que a crise assume principalmente um rosto feminino e juvenil». Mas, para além dos desempregados, estão os subempregados e os que estão na categoria de «inactividade laboral». Os segundos parecem ser aqueles que, estando há muito sem trabalho, já perderam a esperança de o encontrar e saem do mercado e… das estatísticas. Os primeiros são aqueles – números não se conhecem e quem não os informa lá terá as suas razões – que trabalham mas ou não ganham o suficiente para ter uma vida digna ou têm de suportar jornadas laborais inadequadas. Alguns cálculos dizem que a força de trabalho nestas condições saltou de 26 para 30% no último ano.
Menos mal que Oscar Arias é «só» Nobel da Paz – tal como Barack Obama/Bush III – e não Nobel de Economia!