Do sitio www.correiocidadania.com.br
Desenvolvimento econômico-social sem educação? Liberdade sem educação?
Democracia sem educação? Vida digna sem educação? Como seria possível
tudo isso sem a compreensão dos símbolos, da linguagem, sem a
decodificação justa no contexto histórico-social? E sem investimentos?
Uma nova geração de brasileiros e brasileiras se divide entre aqueles
que se incorporam aos já contados 33 milhões de analfabetos; aqueles
que estudam como podem e então se viram, com suas famílias; e um número
cada vez mais reduzido que são submetidos a uma preparação constante
para o vestibular, com quatro professores em sala e aulas de reforço
para que a escola que freqüentam chegue ao topo do ranking do ENEM. Uma
representação usual de educação que para muitos é o que deve ser. Mas,
essa é uma discussão para o longo prazo. E hoje não estamos exatamente
para esse debate.
Por sinal hoje alguém declarou: "em nenhum país do mundo educação de
qualidade é barata", para justificar que a matrícula e a mensalidade de
uma escola deverão aumentar a mais de 2.000 reais no ano 2010.
A alguém interessa que o país deixe a educação e uma geração nacional
abandonada a sua sorte. E por isso Paulo Freire vive e é necessário,
imprescindível.
Continuamos a precisar de uma educação para a transformação, para a
coragem e a esperança. De uma pedagogia criativa, de sonhos a serem
conquistados; profundamente ética; de respeito pelo educando, pelo
oprimido; com sabor a libertação e a dignidade.
A importância de Paulo Freire na transformação da realidade brasileira
e de outros tantos países já foi reconhecida inúmeras vezes. Pensador,
educador, pedagogo, humanista, homem de compromisso com a vida, com o
outro, com o ser humano e não com os dominantes grupos que tecem as
rédeas que aprisionam; aquelas que inibem a criação autônoma do sujeito
que se depara com a letra e a linguagem. Para ele a educação é uma
prática de liberdade, e essa prática somente tem condições de aflorar
quando o sujeito que conhece descobre e conquista sua consciência sobre
seu papel como agente capaz de fazer e transformar a sociedade, e com
ela a história de todos e a sua própria.
No Método Paulo Freire a técnica para aprender vira técnica para unir
socialmente, para entender o processo histórico e finalmente
comprometer-se. Vira idéia que se leva a cabo, a idéia de
reconhecer-se, daí que alfabetizar implique, simultaneamente,
conscientizar, e ser alfabetizado significa ser consciente.
Palavras geradoras de uma motivação, de uma opinião; codificação e
decodificação para descobrir e redescobrir o contexto da existência do
sujeito, de onde logo surge a crítica, e a partir daí a reconstrução do
seu mundo. Como diz Ernani Fiori, comentando a obra de Paulo Freire: "O
que o homem fala e escreve e como fala e escreve, tudo é expressão
objetiva de seu espírito. Por isto, pode o espírito refazer o feito,
neste redescobrindo o processo que o faz e refaz".
Para Paulo Freire, ensinar exige reflexão-crítica sobre a prática;
estética é ética, bom senso, humildade, tolerância, luta em defesa dos
direitos dos educadores, alegria e convicção de que a mudança é
possível.
No método, o mito tradicional do professor que tudo sabe, que tudo pode
e que tudo vê desaparece aos poucos e surge uma relação educacional de
sentido criativa, uma interação onde se transmite, mas também se
escuta.
Nessa disponibilidade para o dialógico, o homem se conscientiza de que
a língua é cultura e é ele quem a cria. E o faz porque precisa dela
para conhecer seu mundo. O ser humano se assume como sujeito
condicionado socialmente e então provoca juízos críticos nele e nos
outros que enriquecem o vocabulário de todos. O homem sabe, ao final,
como vive e porque vive do jeito que vive.
Sobrariam comentários sobre o quão perigoso isto pode resultar para os
donos do poder, para os grupos dominantes acostumados a lidar com seres
humanos aos quais se lhes nega o direito de ser informados. Paulo
Freire se dedicou a eles e a um projeto de libertação da opressão.
E por isso Paulo Freire foi proibido de ensinar, preso, perseguido, obrigado a um exílio doloroso.
Na quinta feira, 26 de novembro, o Estado brasileiro, por meio da
Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, declarou a anistia
post-mortem do professor Paulo Freire, falecido em 1997.
O ato consagra Paulo Freire mais ainda, porque é, nas palavras de
Brecht, um dos imprescindíveis. Esse ato era uma exigência mundial.
E é também um reconhecimento aos pedagogos que no Brasil continental
resgatam seu exemplo alfabetizando e gerando esperanças aos milhares de
oprimidos.
É um pedido de desculpas ao Brasil pelo grave dano de punir com o
exílio e a violência um de seus filhos mais notáveis, mas também por
quebrar o desenvolvimento de um Plano de Alfabetização adiado,
postergado pela força e a ignorância. É o reconhecimento da verdade
histórica, do legado de Paulo Freire; a apresentação de uma satisfação
mínima por parte do Estado diante da dor da sua família.
É um resultado honroso para o advogado e professor da PUC Pietro
Alarcón e toda a equipe jurídica que se entregou à tarefa de pesquisar,
procurar documentos e praticar as diligências para demonstrar a
perseguição sofrida pelo professor até sua volta ao Brasil depois de 16
anos de exílio.
"Paulo Freire nunca morrerá!", gritou um dos presentes na sessão da
Comissão de Anistia. E há dois dias a Comissão de Educação e Cultura da
Câmara aprovou o projeto de lei 5418/2005, que o declara como patrono
da educação brasileira.
Sim, Paulo Freire vive e se multiplica, renasce, se transforma e
continua contribuindo, com galhardia, coerência e firmeza, para outro
mundo possível!