segunda-feira, 7 de junho de 2010

O caso do “Exodus” repetiu-se, com troca de papéis. Agora, os israelitas são os britânicos.

Mate um turco e descanse



O caso do “Exodus” repetiu-se, com troca de papéis. Agora, os israelitas são os britânicos.
No mar alto, em águas internacionais, a marinha israelita atacou o barco. Os comandos mascarados atacaram com fúria. Centenas de agredidos resistiram. Os soldados atiraram. Houve mortos, muitos feridos. O barco foi levado a outro porto, os passageiros desembarcaram. O mundo viu-os andando pelo cais, homens e mulheres, velhos e jovens, todos esgotados, rasgados, um depois do outro, escoltados por soldados…
O navio era o “Exodus 1947”. Havia deixado a França na esperança de romper o bloqueio britânico, imposto para impedir que navios abarrotados de sobreviventes do Holocausto aportassem nas costas da Palestina. Se não conseguissem aportar, imigrantes ilegais, seriam levados pelos britânicos aos campos de concentração em Chipre, como já acontecera antes. Ninguém se preocuparia com eles por mais de um, dois dias.
Em Israel, no governo, estava Ernest Bevin, do Partido Labour, ministro britânico, arrogante e brutal, apaixonado pelo poder. Jamais deixaria que um bando de judeus mandasse no seu governo. E decidiu dar uma lição aos judeus, o mundo por testemunha. “É provocação!” gritou ele e, claro, estava certo. O objetivo era mesmo gerar um acto de provocação, para atrair os olhos do mundo para o bloqueio britânico da Palestina.
O que aconteceu todos sabem: o ataque degenerou, uma estupidez levou à outra, o mundo solidarizou-se com os passageiros dos barcos. Os britânicos, senhores da Palestina não cederam e pagaram o preço. Pesado preço.
Muitos crêem que o caso do “Exodus” marcou o ponto de viragem da luta para a criação do Estado de Israel. O mandato britânico entrou em colapso sob o peso da condenação internacional e os britânicos tiveram de deixar a Palestina. Houve, é claro, muitas outras razões de peso para aquela decisão, mas o episódio do “Exodus” provou ser a palha que quebrou a espinha dorsal do camelo.
Esta semana, em Israel, não fui o único que lembrou este episódio. De facto, foi quase impossível não lembrar, sobretudo os israelitas que já vivíamos na Palestina naquele tempo e vimos tudo.
Há diferenças importantes, é claro. Aqueles eram sobreviventes do Holocausto; hoje, são pacifistas de todo o mundo. Mas então, como hoje, o mundo viu soldados pesadamente armados a atacar brutalmente passageiros desarmados – que resistiram com o que encontraram à mão, paus e porretes e com os punhos. Daquela vez, como hoje, aconteceu no mar alto – daquela vez, a 40 km da costa; agora, a 65 km.
Analisado em rectrospectiva, o comportamento do governo britânico em todo o caso parece inacreditavelmente estúpido. Mas Bevin não era bobo; os oficiais britânicos que comandaram a acção não eram idiotas. Afinal, acabavam de terminar a guerra mundial, do lado vencedor.
Se agiram como perfeitos idiotas do começo ao fim, foi por arrogância, insensibilidade e absoluto desprezo pela opinião pública mundial.
Ehud Barak é o Bevin israelita. Burro, não é; nem os generais israelitas são burros. Mas são hoje responsáveis por uma cadeia de decisões e actos alucinados, cujas implicações são difíceis de avaliar. O ex-ministro e actual comentador Yossi Sarid descreveu o comité dos sete ministros – “grupo dos sete” –, que decide sobre questões de segurança, como “os sete idiotas” – e devo protestar. Foi um insulto aos idiotas.
Os preparativos para a frota exigiram mais de um ano. Centenas de mensagens de e-mail andaram pelo mundo. Eu mesmo recebi dúzias. Não era segredo. Tudo foi feito às claras.
Houve tempo de sobra para que instituições políticas e militares em Israel se preparassem para a chegada dos barcos. Os políticos poderiam ter sido consultados. Os soldados, treinados. Os diplomatas, informados. O pessoal da espionagem trabalhou.
De nada adiantou. Todas as decisões foram erradas, do primeiro ao último momento. E ainda não terminou.
A ideia de romper o bloqueio com uma frota de pacifistas roça a genialidade. Põe Israel num dilema – tendo de escolher entre várias alternativas, todas ruins. É a situação em que qualquer general sonha ver o general adversário.
As alternativas:
(a) Permitir que a Frota chegue a Gaza, sem obstáculos. O secretário do Gabinete apoiava essa ideia. Mas levaria ao fim do bloqueio, porque depois dessa frota viriam outras, cada vez maiores.
(b) Deter os navios em águas territoriais, vistoriar a carga, assegurar-se de que não havia nem armas nem “terroristas” e deixá-los prosseguir até ao porto. Levantaria alguns protestos em todo o mundo, mas preservar-se-ia o bloqueio, pelo menos em princípio.
(c) Capturar os barcos em alto mar e levar todos até Ashdod. O risco, nesse caso, seria a batalha contra os activistas a bordo, até Ashdod.
Como os governantes em Israel sempre fazem, quando têm de escolher entre várias alternativas ruins, o governo Netanyahu escolheu a pior.
Todos os que acompanharam os preparativos noticiados pelos jornais previam que havia risco de resultar em mortos e feridos. Ninguém aborda um barco turco à espera de ser recebido por garotinhas louras que ofereçam rosas. Todos sabem que os turcos não se rendem facilmente.
As ordens que os soldados receberam – e a imprensa divulgou – incluíam as palavras fatais: “a qualquer custo”. Qualquer soldado sabe o que significam essas palavras terríveis. Não bastasse, na lista dos objectivos da missão, a atenção aos passageiros civis aparecia em terceiro lugar, depois da salvaguarda da segurança dos soldados e da necessidade de cumprir a missão.
Se Binyamin Netanyahu, Ehud Barak, o comandante geral do exército e o comandante da marinha não sabiam que a operação poderia levar a matar e ferir civis desarmados, então é necessário concluir – até os que ainda relutem – que são todos insuperavelmente incompetentes. Merecem ouvir as palavras imortais de Oliver Cromwell ao Parlamento: “Estão aí há tempo demais, considerado o serviço que têm prestado… Vão-se! Livrem-nos de vocês. Em nome de Deus, fora!”
Este acontecimento aponta outra vez para um dos mais sérios aspectos da situação: Israel vive numa bolha, numa espécie de gueto mental, que nos isola do mundo e nos impede de ver outra realidade: a que o resto do mundo vê. Um psiquiatra veria aí sintoma de grave doença mental.
A propaganda do governo e do exército israelitas, para o público interno, conta uma história simples: os heróicos soldados de Israel, valentes e sensíveis, elite da elite, abordaram o navio com intenções de “parlamentar” e foram atacados por uma turba selvagem e violenta. Os porta-vozes oficiais nunca esqueceram de repetir a palavra “linchamento”.
No primeiro dia, praticamente toda a comunicação social israelita acreditou. Afinal, claro que os judeus são sempre as vítimas. Sempre. Aplica-se a soldados judeus, claro. Claro. Soldados judeus abordam barco estrangeiro em águas internacionais e, imediatamente, se metamorfoseiam em vítimas encurraladas, sem escolha, obrigados a defender-se de ataque violento incitado por anti-semitas.
Impossível não lembrar a clássica piada de humor judeu, sobre a mãe judia na Rússia, que se despede do filho convocado para o exército do czar, em guerra contra a Turquia. “Não se desgaste”, aconselha a mãe. “Mate um turco, e descanse. Mate outro turco e descanse outra vez…”
“Mas mãe”, o filho interrompe, “E se o turco me matar?”
“Matá-lo”?, exclama a mãe. “E por que o mataria? O que você lhe fez?”
Soa como loucura, para qualquer pessoa normal. Soldados pesadamente armados de um comando de elite abordam um navio no mar, no meio da noite, por mar e por ar – e são as vítimas?
Mas há aí uma gota de verdade: são vítimas, sim, de comandantes arrogantes e incompetentes, de políticos irresponsáveis e da imprensa que os mesmos arrogantes, incompetentes e irresponsáveis alimentam. De facto, são vítimas também da população de Israel, dado que esses eleitores, não outros, elegeram aquele governo, inclusive a oposição, que não é diferente da situação.
O caso do “Exodus” repetiu-se, com troca de papéis. Agora, os israelitas são os britânicos.
Em algum lugar, algum novo Leon Uris prepara-se para escrever o próximo livro, “Exodus 2010”. Um novo Otto Preminger planeia filmar novo blockbuster. Um novo Paul Newman brilhará nele. Sorte, que não faltam hoje talentosos actores turcos.
Há mais de 200 anos, Thomas Jefferson declarou que todas as nações deveriam agir “com respeito decente pelas opiniões da humanidade”. Em Israel, os líderes jamais aceitaram a sabedoria dessa lição. Preferem a lição de David Ben-Gurion: “Não importa o que pensem os não-judeus. Só importa o que os judeus fazem.” Vai-se ver, tinha a certeza de que não há judeus que agem como imbecis.
Fazer da Turquia, inimiga, é pior que simples tolice. Há décadas, a Turquia tem sido a mais próxima aliada de Israel na Região, muito mais próxima do que a opinião pública supõe. A Turquia poderia, no futuro, fazer o papel de importante mediadora entre Israel e o mundo árabe-muçulmano, entre Israel e a Síria e, sim, também entre Israel e o Irão. É possível que Israel, agora, tenha conseguido unir o povo turco contra Israel – e já há quem diga que esse seria o único tema em torno do qual os turcos afinal se uniram.
Estamos a viver o segundo capítulo da operação “Chumbo Derretido”. Daquela vez, Israel reuniu a opinião pública contra Israel e os israelitas, chocámos os raros amigos de Israel e facilitámos a luta para os inimigos de Israel. Agora, Israel repete o feito, com talvez ainda mais sucesso. Israel conseguirá virar, contra Israel, a opinião pública mundial.
Este processo é lento. É como a água, acumulando por trás da barragem. A água sobe devagar, em silêncio, mal se vê. E quando alcança o nível crítico, a barragem cede e será o desastre, para Israel. Israel aproxima-se perigosamente desse ponto.
“Mate um turco e descanse…” recomenda a mãe, na piada. O governo de Israel nem descansa! Parece decidido a não parar, até ter convertido em inimigo, o último amigo que reste a Israel.
Publicado por Gush Shalom [Bloco da Paz], Israel, em Haaret’z, Telavive, 3/6/2010
Tradução de Caia Fittipaldi, disponível em viomundo.com.br

Quilombolas - problemas a vista..

No STF, Ação Direta coloca em risco titulação de terras quilombolas




Tatiana Félix *Adital -
 

A qualquer momento o Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239 (ADIN) do decreto 4887/2003. Caso o STF dê parecer favorável à ADIN, as comunidades de remanescentes de quilombo no país, perderiam um dos seus poucos benefícios, que é o reconhecimento de seus territórios.
O Decreto Federal 4887 foi publicado pelo Presidente Lula em 2003, regulamentando o processo administrativo de titulação das terras de comunidades quilombolas no Brasil e obedecendo a um direito que é previsto na Constituição Federal. Entretanto, em 2004, o Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 3239), que pede a revogação do Decreto 4887.
Se o STF considerar válida a proposta dos Democratas, a titulação de terras volta a obedecer ao antigo Decreto 3912, de 2001, que somente reconhecia como terras quilombolas as que "estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos em 5 de outubro de 1988".
Fernando Prioste, assessor jurídico da organização Terra de Direitos, afirmou que o risco da anulação de titulação de terras existe. "Se a decisão for mais dura, além de dificultar o reconhecimento de novas áreas para os quilombolas, pode até anular as titulações já concedidas", explicou. Segundo ele, cerca de 3 mil comunidades quilombolas em todo o país, seriam prejudicadas perdendo não só as terras, como todo o investimento feito nela.
A anulação de titulações e uma maior dificuldade no processo, acarretariam em um aumento de conflitos de terras, como a grilagem, a construção de barragens ou outros empreendimentos, já tão comuns de acontecer no país. Problemas como estes são gerados, principalmente, pela falta de definição de terras no campo.
"A política pública no país ainda está engatinhando e o processo de titulação não é bom. Caso o STF julgue constitucional a ADIN, o processo de titulação vai demorar mais ainda", esclareceu.
Entidades que defendem a titulação de terras quilombolas estão acompanhando o processo da ADIN e divulgaram uma carta no último dia 21, onde pedem a realização de audiências públicas, antes da votação no STF.

Titulação de terras

No ano passado, longe de atender a meta prometida de onze titulações, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma (Incra) finalizou apenas dois processos, dando títulos à apenas duas comunidades no Rio Grande do Sul, em áreas que não somam um hectare de terra.
Além do Incra, que representa o Governo Federal, instituições como o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e o Instituto de Terras do Maranhão (Iterma) também concedem titulações às comunidades quilombolas. Somando os processos das três entidades, no ano passado o país reconheceu sete territórios, beneficiando mais de 300 famílias. O Pará é o estado que mais reconhece terras de quilombos, segundo Fernando.
Em 2009, foram abertos quase 140 processos novos para regularização de quilombos no Incra, totalizando 955 procedimentos em tramitação. No final de 2009, 76% dos processos se encontravam ainda em fase inicial, apenas com o número de protocolo.

* Jornalista da Adital