quarta-feira, 30 de maio de 2012

Música dos sumérios, egípcios e gregos antigos

No SUL21

Se alguém reclamasse que temos postado pouca música antiga, eu teria que aceitar a crítica. Então, pago parcialmente a dívida com um disco muito especial. Dizem que se trata de uma das melhores recriações da música antiga. Ou da pré-antiga… Porque estamos falando em até 1000 anos antes de Cristo. A avaliação dos musicólogos sobre este trabalho é a mais favorável possível.
Ah, talvez seja importante dizer que ouvi o CD e gostei muito.

Music of the Ancient Sumerians, Egyptians & Greeks

Music from c. 1950 B.C. to 300 A.D.
A.D. é Anno Domini ou depois de Cristo
(Including the world’s oldest notated music)
performed on voice, lyres, kithara, pandoura, double reed pipes,
flutes & other ancient instruments.
1. Musical Excerpts….Anon. (2nd c. AD)
2. Lament…Anon. (2nd or 3rd c. AD)
3. Fragment 1…Anon. (2nd c. AD)
4. Paean…Anon. (3rd or 4th c. AD)
5. Trochaic fragment….Anon. (3rd c. AD)
6. Four settings of a line from “Epitrepontes” by Menander…Anon.(3rd c.AD)
7. Excerpts mentioning Eros and Aphrodite…Anon. (2nd or 3rd c. AD)
8. Musical excerpt…Anon. (3rd c. AD)
9. Hypolydian excerpt…Anon. (2nd or 3rd c. AD)
10. Fragment 3…Anon. (3rd c. AD)
11. A zaluzi to the gods…Anon. (c. 1225 BC)
12. Hurrian Hymns 19 and 23…Anon. (c.1225 BC)
13. Hurrian Hymns 13 and 12…Urhiya/Anon. (c. 1225 BC)
14. Hurrian Hymn 2…Anon. (c. 1225 BC)
15. Hurrian Hymn 8…Urhiya (c. 1225 BC)
16. Hurrian Hymn 5…Puhiya(na) (c. 1225 BC)
17. Hurrian Hymns 4, 21 and 22… Anon. (c. 1225 BC)
18. Hurrian Hymns 7 and 10…Anon. (c. 1225 BC)
19. Hurrian Hymns 16 and 30…Anon. (c.1225 BC)
20. Musical Instructions for “Lipit-Ishtar, King of Justice” (c. 1950 BC)
21. Trumpet call…Anon./Plutarch
22. Isis sistrum rhythm…Anon./Apuleius
23. Theban banquet scene…Anon. (14th c. BC)
24./25. Harp pieces (A) (B)…Anon. (7th or 6th c. BC)
Gayle Stuwe Neumann (strings, voice, percussion)
Philip Neuman (winds, strings, percussion, voice)
Ensemble De Organographia

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Um músico sumério toca uma lira 11 cordas

Renascimento da esquerda dá nova esperança à Europa, diz líder comunista francês


Pierre Laurent, líder do PCF, aposta nas legislativas e vê Frente de Esquerda longe do governo Hollande
Luiza Duarte/Opera Mundi


O secretário-geral do PCF, Pierre Laurent, que comanda também a coligação de esquerda europeia

“Uma vitória que lança uma nova esperança na França e na Europa”. É assim que Pierre Laurent, secretário-geral do PCF (Partido Comunista Francês) e presidente do PGE (Partido da Esquerda Europeia), composto por 26 partidos europeus, avalia a eleição do socialista François Hollande à presidência francesa no último dia 6 de maio, colocando fim a um domínio eleitoral de três mandatos de direita.

Jornalista de formação, Laurent dirigiu o diário francês de esquerda L'Humanité por quase dez anos e se diz muito satisfeito com o desempenho da Frente de Esquerda (coligação formada pelo PCF com o Partido de Esquerda) e de seu candidato, Jean-Luc Mélenchon, que obteve 11,1% dos votos no primeiro turno.

O dirigente concedeu uma entrevista a Opera Mundi na histórica sede do PCF, em Paris, projetada pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer entre os dois turnos da eleição presidencial.

Enquanto a nova gestão socialista já anuncia as primeiras medidas após a posse do governo no último dia 15, as outras correntes de esquerda redefinem estratégias e concentram forças para as eleições legislativas, que serão realizadas entre os dias 10 e 17 de junho.

***

Opera Mundi: Logo depois do anúncio dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial que indicou a disputa final entre Hollande e o presidente Nicolas Sarkozy, da UMP (União por um Movimento Popular),  Mélenchon comunicou o apoio da Frente de Esquerda a Hollande sem contrapartida. Por que não houve negociação para formar uma aliança?
Pierre Laurent: A primeira razão é que não tínhamos a menor dúvida de que era preciso derrotar Sarkozy no segundo turno. Para nós, não era uma questão condicionar nosso engajamento de  livrar o país da direita. Queríamos que nosso chamado fosse claro e sem ambiguidade sobre essa questão.

A segunda é que a eleição presidencial é seguida por outra muito importante, a legislativa. A maioria parlamentar que vai acompanhar o novo presidente será decidida nesse momento e a Frente de Esquerda irá com as mesmas propostas que defendeu  na presidencial. Não iremos renunciar. Só depois das duas eleições é que veremos os contornos possíveis da maioria e o lugar ocupado pela Frente de Esquerda.

OM: Então não podemos pensar em uma participação do PCF no governo Hollande?
PL: Realizaremos uma conferência nacional do PCF na semana seguinte à legislativa para avaliar a situação e tomar uma decisão definitiva. Na situação atual, Hollande anuncia que o governo deverá botar em prática apenas seu programa de governo e nada além.

Nós temos desacordos importantes com essas propostas e a ambição de mudar as coisas com a legislativa. O resultado que obtivemos na presidencial nos dá um peso importante na futura maioria, queremos ampliar o placar e mudar essa situação. A vitória do PS não poderia ser possível sem a Frente de Esquerda. Só no final de junho vamos avaliar se os socialistas aceitam considerar temas importantes para nós, relativos aos salários, criação de empregos no serviço público, indústria nacional e reorientação da política europeia.

Atualmente temos muitas diferenças com o programa presidencial de Hollande para governar nessa situação, mas temos ambição de mudar esse contexto.

OM: Não houve nenhum gesto do PS para integrar propostas da FE?
PL: Não. Por enquanto, Hollande diz que apenas o seu programa será aplicado.

OM: E qual será a estratégia da Frente de Esquerda daqui para frente?
PL: Com Sarkozy derrotado, nós entramos em um período totalmente novo. Os que votaram com a esquerda esperam muitas mudanças sobre as grandes questões sociais, sobre a redução da desigualdade que explodiu ao longo dos últimos cinco anos e também em termos de direito, liberdades e política europeia. Há muita expectativa.

Espero que continuemos na maioria parlamentar com uma bancada da Frente de Esquerda reforçada. Também continuaremos presentes nas mobilizações sociais que acontecem no país, vamos continuar levando essas propostas de mudança e faremos de tudo para que o novo governo as considere. Nossa estratégia será de mobilização popular cada vez mais importante e longa. Não queremos que a mobilização que foi a característica de nossa campanha se interrompa com a eleição, a fim de garantir que a política do novo governo vá de encontro as nossas propostas. Essa batalha não irá se encerrar na esquerda não importa qual seja o governo.

OM: Qual a avaliação o senhor faz do desempenho nessas eleições? Por que a Frente de Esquerda não conseguiu integrar partidos de extrema-esquerda como o NPA (Novo Partido Anti-Capitalista) e o LO (Luta Operária)?
PL: Nós fazemos uma avaliação extremamente positiva da campanha. O conjunto de votos das forças de esquerda, que soma os Ecologistas, o PS e a Frente é muito elevado comparado às eleições precedentes. Esse progresso se  deve ao progresso da Frente de Esquerda. Fomos a força mais dinâmica e a que mais progrediu na esquerda, graças ao projeto unitário que implantamos. Conseguimos em três anos, quando criamos a Frente, unir forças que estavam dispersas e que se juntaram para renovar o projeto.

É também o resultado de um programa que foi elaborado depois de muito debate nos país. Chamado de “O humano primeiro (L’humain d’abord, em francês)”, ele é uma ruptura forte com a lógica liberal que foi aplicada nesses últimos 20 anos. Esse programa teve um impacto muito grande no debate político. Hoje, há uma dinâmica social entorno da Frente.

O PCF, que é um dos criadores da Frente, está extremamente satisfeito desse balanço. Tentamos unir todas as forças disponíveis vindas de todas as famílias da esquerda, mas algumas como a direção  do NPA e da LO não quiseram. Eles obtiveram resultados muito baixos por causa disso, o isolamento deles não foi compreendido nem por seus próprios militantes. Hoje, a maioria dos militantes NPA abandonou essa organização para integrar a Frente. Os que ainda não fizeram o farão, porque a dinâmica da Frente de Esquerda é muito atrativa.

“Primavera do Quebec” sacode província canadense em defesa do acesso democrático à educação

 Ana Cristina Carvalhaes  no CORREIO DA CIDADANIA 


Claro que os processos de mobilização ampla sempre impressionam, em particular aos que simpatizam de antemão... De qualquer modo, não é exagero afirmar que há algo de novo no reino do Primeiro Mundo. No Quebec, a província mais populosa e mais rica do industrializado Canadá, uma greve começou estudantil e se tornou a maior mobilização popular do pós-guerra.

Os mais de 7 milhões de habitantes do Quebec são descendentes de colonizadores franceses, em contraste com as outras nove províncias anglófonas do país. 82% dos quebequianos são franco-canadenses e 10% anglo-canadenses. A província é de tradição ultracatólica e conservadora: até os anos 60, a Igreja Romana monopolizava a educação, por força da constituição provincial. À Universidade superelitista chegavam 3% dos jovens francófonos do lugar e não mais que 11% dos anglos.

Nos revolucionários anos 60, com o Partido Liberal do Québec (tido como progressista) no poder, a educação passou à responsabilidade do Estado provincial, que mantém os liceus secundários e universidades. Os liberais são os mesmos que, liderados pelo premiê Jean Charest, hoje enfrentam as passeatas e panelaços da rebelião. Nas Universidades, estuda-se em troca de uma taxa anual chamada de “direitos de escolaridade” ou simplesmente frais (custos), que começou nos 500 dólares canadenses (R$ 1.000 de hoje) ao ano e veio aumentando e se congelando de acordo com a correlação de forças.

É o equivalente à "tuitions" das universidades privadas norte-americanas. (Não é exatamente a soma das mensalidades das privadas brasileiras, porque inclui impostos.) Pois o governo de Monsieur Charest decidiu, em 2010, que a partir de 2012 até 2017 haveria um aumento progressivo da taxa, dos atuais 2.168 dólares canadenses (cerca de R$ 4.200) ao ano para o equivalente a R$ 7.300, o que significa 75% de aumento em cinco anos.

Como essas cifras anuais podem até parecer pouco para os castigados estudantes de escolas privadas no Brasil, é bom ressaltar os seguintes dados: dois terços dos universitários quebequianos não moram com os pais, 80% estudam e trabalham em regime parcial, 40% não recebem ajuda alguma da família e os outros 60%, além de ajuda, se endividam para bancar os estudos. Porque quase todos precisam de período integral, ou quase isso, para concluir os cursos.

Segundo o IBGE deles, a Statistique Canada, o aumento de 200% nos custos de estudos entre 1995 e 2005 fez saltar de 49% a 57% a proporção de secundaristas que desistem da universidade. Outro detalhe interessante: o mercado de empréstimos para pagar as "frais" criou, com a financeirização, uma bolha especulativa com papéis lastreados em empréstimos estudantis... Os analistas norte-americanos se arrepiam só de pensar...

Pois bem, enquanto o governo liberal preparava o pacotaço, as organizações estudantis preparavam a greve, que começou em 13 de fevereiro deste ano. Em 22 de março, uma data "nacional" quebequiana (com tradição de luta por autonomia frente ao governo central do Canadá), aconteceu a maior passeata da história de Montreal, a maior cidade da província. Incapaz e refratário a negociar, o governo liberal começou a ver cair mais rapidamente sua maioria nas pesquisas (até abril a opinião pública do Quebec ainda estava bem dividida em torno da necessidade do aumento das taxas).

Àquela altura, os estudantes já passavam a contar com o apoio de pais, mães, avós em passeatas diárias. Artistas, esportistas, personalidades, sindicatos e OAB local aderiram. Os jovens grevistas inventaram umas incríveis passeatas noturnas nas cidades quebequianas, com muitos tambores, cornetas e os indefectíveis paninhos vermelhos grudados nas lapelas. Em 13 de abril, o sindicato docente de uma das maiores universidades, Université du Québec en Outaouais (UQO), votou em assembléia partir para "ação direta" em defesa dos estudantes contra a polícia, o que desencadeou uma onda de adesões de professores. (Quem vir os vídeos das marchas no youtube vai identificar os docentes vestidos com trajes de “segurança” das manifestações.)

Acuado, Charest não teve melhor idéia do que fazer aprovar agora em maio, no parlamento provincial, que controla, uma Lei que restringe o direito de manifestação, impedindo aglomerações públicas de mais de 10 pessoas sem aviso prévio de 8 horas e licença da polícia, vetando reuniões a menos de 50 metros das universidades e proibindo o uso de máscaras, sob pena de multas altíssimas. A aprovação da lei foi o estopim de uma nova fase do movimento: os dirigentes chamaram a população a apoiar as passeatas, cada vez mais radicalizadas, com enfrentamentos, pedradas e pauladas com a repressão, com o barulho das panelas. As mesmas panelas do Chile de Allende e da Argentina do argentinazo.
O concerto das caçarolas
O Quebec vive há semanas um imenso e ininterrupto panelaço. A nova fase tirou da paralisia as velhas gerações. O movimento hacker Anonymous perpetrou uma invasão dos sites do ministério da Educação e do governo do Quebec. E a moçada autodenominou sua rebelião Primavera do Quebec, em analogia com a Primavera Árabe.

Este é um vídeo do movimento que se tornou um viral no mundo anglo-saxão, lindíssimo:

No dia 23 passado, depois de tentar excluir uma organização estudantil da mesa de negociações, a ministra da Educação caiu. Começaram sinais de concessões mínimas por parte do governo. Mas a radicalização do movimento parece estar impedindo os negociadores estudantis de qualquer recuo. E agora as ruas exigem a revogação da Loi 78, a que restringiu o direito de manifestação e expressão.

As principais organizações dos estudantes são a Federação dos Universitários do Quebec (FEUQ), a Federação dos Secundaristas (FECQ), e a interessante Classe, sigla em francês de Coalizão Ampla da Associação por uma Solidariedade Sindical Estudantil. Essa, organizada pela base, decide tudo em Congressos, não tem líderes, mas dois “co-porta-vozes”, e é ligada pelo menos a uma federação importante, a dos funcionários públicos do Quebec. A Classe tem como ponto programático a educação pública e gratuita e não aceita menos do que o congelamento das taxas.

No sábado, 26, o principal jornal de Montreal tinha como chamada de capa a decisão dos grevistas da fábrica da Rio Tinto Alcan, em Alma, Quebec, de se "somar à greve estudantil". Dizia um piqueteiro: "Nós nos manifestamos contra a obra de Charest. Chegou a hora de a voz do povo se fazer ouvir. Nós queremos denunciar a venda da eletricidade estatal à Hydro-Québec, mas também nossa solidariedade aos estudantes. O conflito é um conflito da sociedade contra o governo".

Impossível prever os desdobramentos dos fatos dos últimos 104 dias de luta. No entanto, há quem diga, como Jean Marc Léger, dono do Ibope canadense, uma das personalidades pró-movimento, que há no ar e nas ruas uma raiva maior do que a raiva contra o aumento dos "direitos de escolaridade". Léger é autor de um texto que já se tornou um manifesto do movimento. No estilo das pesquisas de opinião de que é especialista, ele diz: "E você? O que você defende? Retornar a seus velhos hábitos no conforto e na indiferença? Você acha essa greve super-simpática desde que não mexa na sua quietude e que passe logo para que tudo fique como antes? Muito bem, senhores babyboomers (cidadãos hoje entre 60 e 70 anos), vocês não entenderam nada desse movimento! Os meninos e meninas não querem mais carregar o fardo dos seus erros. Não os quebrem e dêem a eles a chance de vencer. Do contrário, vocês terão fracassado".

O movimento do Quebec, descaradamente boicotado pela grande mídia, conta com o apoio do Ocuppy Wall Street, dos estudantes da Universidade da Cidade Nova York, de universidades de todo o resto do Canadá e da Islândia! Bem que está precisando e merecendo um apoio fraterno dos sindicatos docentes, de professores e organizações estudantis brasileiras.

Ana Cristina Carvalhaes é jornalista.

Fora Gilmar Mendes! Impeachment já!

Por Altamiro Borges
O ministro Gilmar Mendes, que já foi presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), não tem mesmo papas na língua – no sentido figurado do termo! Ele adora fazer declarações bombásticas, sem apresentar qualquer prova concreta. Bravateiro e leviano, ele já foi responsável por várias crises institucionais nos últimos dez anos. Mas na semana passada ele surtou de vez e pode ser obrigado a engolir a própria língua!
Em entrevista à revista Veja – sempre ela, a expressão maior do golpismo da mídia nativa –, ele afirmou que Lula tentou chantageá-lo durante recente encontro. O ex-presidente desmentiu, “indignado”, a versão. Nelson Jobim, velho amigo de Gilmar que esteve na estranha reunião, também “traiu” o colega. E o próprio ministro recuou numa entrevista à TV Globo. Gilmar desmentiu Gilmar!
O profético Dalmo de Abreu Dallari
Diante deste episódio canhestro, cada força política ocupou o seu lado da trincheira. A mídia partidarizada, com seus “calunistas” amestrados, voltou a satanizar o ex-presidente, retomando o seu ódio de classe. Os demotucanos também se excitaram e pediram a “condenação” de Lula. Já nas redes sociais, cresceu o clamor pelo impeachment de Gilmar Mendes (ou Mentes ou Dantas)!
Há fortes motivos para exigir o “Fora Gilmar”. Afinal, esta não é a primeira vez que ele apronta das suas, apesar do seu alto cargo no STF. Desde que foi indicado por seu amigo FHC, muitos já alertavam para o perigo que ele representava. Num artigo profético de maio de 2002, o renomado jurista Dalmo de Abreu Dallari já previa o pior. Vale reler:
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Folha de S.Paulo, 08 de maio de 2002:
Degradação do Judiciário
Dalmo de Abreu Dallari
Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.
Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.
É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.
Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.
Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.
E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de liminares”.
A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público - do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários - para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou “ação entre amigos”. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.
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A justa pressão da sociedade
Todas os temores apontados por Dalmo de Abreu Dallari se confirmaram nestes dez anos. Gilmar Dantas tornou-se, de fato, um sério risco à “própria normalidade constitucional” do país. Entre inúmeros episódios deploráveis, ele protagonizou bate-bocas no STF, sempre em busca dos holofotes da mídia amiga; inventou um “áudio sem voz” que abortou a Operação Satiagraha e livrou a cara do amigo banqueiro Daniel Dantas; protegeu o tucano José Serra em votações no Supremo.
Caso fique provado que Gilmar Mendes mentiu novamente, atacando a honra do ex-presidente Lula, talvez ele não tenha mais como sair incólume. A bandeira do “Fora Gilmar” ganhará força, obrigando o STF a se debruçar sobre a tese do seu impeachment. Isto faria um enorme bem à democracia brasileira e ao próprio Judiciário – mais uma vez enlameado por esta sinistra figura!