terça-feira, 13 de novembro de 2007

Tropas da ONU são acusadas de violações de direitos humanos

Relatórios de entidades de direitos humanos do Haiti relatam abusos das tropas brasileiras

Relatórios de entidades de direitos humanos do Haiti relatam abusos das tropas brasileiras

Maria Luisa Mendonça

No dia 15 de outubro de 2007, o Conselho de Segurança da ONU decidiu estender o mandato da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), até 15 de outubro de 2008. Em nota divulgada dia 16 de outubro de 2007, o Ministério das Relações Exteriores afirma que, "o governo brasileiro recebeu, com satisfação, a decisão". O exército brasileiro tem a função de coordenar as forças da MINUSTAH, composta por cerca de nove mil soldados. Porém, há pouco debate na sociedade brasileira sobre o papel do Brasil na ocupação do Haiti e, principalmente, sobre as denúncias de participação das tropas da ONU em violações de direitos humanos.

Um dos casos documentados por organizações haitianas de direitos humanos foi o massacre ocorrido dia 22 de dezembro de 2006 na comunidade de Cite Soleil, após a organização de um protesto de cerca de dez mil pessoas que demandavam o retorno do presidente Jean-Bertrand Aristide ao país e a saída das forças militares estrangeiras. Segundo relatos população local e imagens em vídeos produzidos pela organização Haiti Information Project – HIP (Projeto de Informação do Haiti), as forças da ONU atacaram a comunidade e mataram cerca de 30 pessoas, inclusive mulheres e crianças.

Em resposta às críticas das organizações de direitos humanos que denunciaram o massacre, a MINUSTAH justificou suas ações com o pretexto de combater supostas gangues em Cite Soleil. Porém, as imagens gravadas pela HIP revelaram que as tropas da ONU atiraram a partir de helicópteros contra civis desarmados. A agência de notícias Inter Press Service (IPS) documentou a situação da comunidade logo após o ataque e registrou marcas de balas de grosso calibre em muitas casas. O diretor do HIP, Kevin Pina, acusa a MINUSTAH de atuar em conjunto com a Polícia Nacional Haitiana em execuções sumárias e prisões arbitrárias e avalia que, "neste contexto, é difícil continuar vendo a missão da ONU como uma força independente e neutra no Haiti".

Em entrevista a jornalista Claudia Korol para a agência Adital, Camille Chalmers, professor da Universidade do Haiti e membro da Plataforma Haitiana para a Articulação de Movimentos Sociais explica que,"a MINUSTAH tentou construir legitimidade dizendo que estão lutando contra bandidos. Mas muita gente percebe que a única coisa que pode realmente reduzir a insegurança são políticas públicas e serviços sociais. Ao contrário, o que temos é um aparato militar violento".

Outra operação militar violenta ocorreu em julho de 2005. Nesta ocasião, foram registrados 22 mil marcas de tiros, durante um ataque da MINUSTAH a Cite Soleil. Os informes do HIP citam depoimentos de moradores denunciando que foram encontradas pessoas mortas e feridas dentro de suas casas. Estes depoimentos revelam que os soldados atiraram indiscriminadamente contra a comunidade, causando um efeito devastador, já que as condições de moradia no local são extremamente precárias. Denunciaram ainda que a MINUSTAH não permitiu a entrada da Cruz Vermelha, o que significa uma violação da Convenção de Genebra.

Documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos, obtidos por organizações de direitos humanos através de demanda judicial baseada no Ato de Liberdade de Informação, demonstram que a embaixada estadunidense sabia que as tropas da ONU planejavam um ataque a Cite Soleil. Organizações sociais locais avaliam que o objetivo dos militares era impedir uma manifestação popular no dia do aniversário de Aristide, que ocorreria em 15 de julho.

Um relatório elaborado pelo Project Censored (Projeto Censurado) estima que mais de mil membros do Lavalas, partidários do presidente Jean-Bertrand Aristide, foram presos e cerca de oito mil pessoas foram assassinadas durante o chamado "governo interino", que controlou o país de 2004 a 2006, a partir do golpe contra Aristide, em 29 de fevereiro de 2004. Camille Chalmers caracteriza esta ação como uma "intervenção liderada pelos governos dos Estados Unidos e da França". E explica que, "solidariedade com o povo do Haiti é ajudar a reconstruir o país, a responder aos problemas sociais mais angustiantes, mas a presença dos militares não ajuda. Os objetivos de alcançar a segurança e os direitos humanos não foram alcançados. Ao contrário, pensamos que a presença da MINUSTAH constitui uma violação do direito à autodeterminação do povo do Haiti".

Mais recentemente, em 2 de fevereiro de 2007, as tropas da ONU realizaram outra operação em Cite Soleil, que resultou na morte de duas jovens que dormiam em sua casa. Em 7 de fevereiro, diversas manifestações populares ocorreram no país e, em 9 de fevereiro, novamente ocorre um ataque militar naquela comunidade, denunciado por organizações locais, como o Instituto para a Justiça e a Democracia de Haiti (IJDH).

No dia 30 de outubro de 2007, foi divulgado o seqüestro da Dra. Maryse Narcisse, que pertence à direção nacional do Lavalas e trabalhava com programas sociais de saúde e educação no Haiti. Outro membro do Lavalas, o psicólogo e defensor dos direitos humanos, Lovinsky Pierre-Antoine, desapareceu no dia 12 de agosto. Organizações locais acusam as tropas de ocupação da ONU de gerar instabilidade política e atacar defensores da democracia e dos direitos humanos no país.

Entre os dias 23 de junho e 3 de julho de 2007, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), realizou uma missão de observação no Haiti e constatou que a MINUSTAH exerce um papel "violento"e "constrangedor", que não pode ser caracterizado como "ação humanitária". O advogado Aderson Bussinger Carvalho, responsável pelo relatório, defendeu a retirada das tropas brasileiras do Haiti. "A conclusão a que eu cheguei é que a presença das tropas no Haiti não é humanitária. É uma missão estritamente militar. O país tem uma história de ocupações e o Brasil acaba exercendo um papel nesse histórico", afirmou Carvalho em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 4 de setembro de 2007.

O papel dos militares latino-americanos no Haiti hoje é semelhante à força multilateral que permaneceu na República Dominicana após da invasão dos Estados Unidos em 1965. A República Dominicana viveu um longo período de ditadura militar até 1961, com a morte do ditador Rafael Trujillo. Em 1962, Juan Bosch é eleito presidente, mas é deposto por um golpe militar após sete meses de governo. Em abril de 1965, uma série de manifestações populares pede a volta do ex-presidente Juan Bosch. Foi neste período que o presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, ordena uma invasão militar à República Dominicana, com cerca de 20.000 marines. Algumas semanas depois, a Organização dos Estados Americanos(OEA), envia a "Força Interamericana de Paz", composta por 1.129 soldados. Naquele período, quando o Brasil vivia sob uma ditadura militar, a função das tropas brasileiras na República Dominicana era semelhante à que exercem atualmente no Haiti.

As diversas denúncias sobre o papel negativo que as tropas da ONU exercem no Haiti não são levadas em conta pelo governo brasileiro. Sob o pretexto de tentar conseguir um assento no Conselho de Segurança da ONU (o que seria muito improvável atualmente), a política brasileira em relação ao Haiti serve para legitimar um golpe de Estado e reforçar os interesses do governo dos Estados Unidos na região.

Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.





Movimentos protestam contra funcionamento da papeleira Botnia
Os desafios da democracia na América Latina



Dejalma Cremonese - CorreioDaCidadania

Vive-se um momento peculiar no cenário político nacional. A eleição geral de 2006 foi a quinta eleição direta consecutiva para presidente da República. Isso representa um avanço na história política do Brasil, essencialmente marcada por governos oligárquicos, populistas e autoritários. Ao concluir o segundo mandato do governo Lula, completam-se 24 anos de democracia ininterrupta. Algo inédito até então. No entanto, é preciso aprimorar o regime democrático, resolvendo os problemas de ordem estrutural (econômico e social).

Pode-se dizer que se conquistou, no Brasil, até o momento, uma democracia formal poliárquica (eleições livres e freqüentes; liberdade de expressão; fontes de informações diversificadas; autonomia para associações e cidadania inclusiva), segundo a prerrogativa de Robert Dahl. Entretanto, como questiona Saramago, “até que ponto se permite que esse sistema seja substancial?”, isto é, alcançamos uma democracia eleitoral e suas liberdades básicas; trata-se, agora, de avançar para a consolidação de uma democracia cidadã e inclusiva (é preciso passar da condição de meros espectadores para cidadãos participantes). A democracia é muito mais que um regime governamental, é mais do que um método para eleger e ser eleito. O sujeito, mais do que eleitor, é cidadão. De que adiante democracia se os problemas sociais e econômicos da maioria da população ainda persistem?

Talvez por isso, segundo a pesquisa do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) feita na América Latina, 54,7% dos cidadãos estariam dispostos a aceitar um regime autoritário se este resolvesse a situação econômica de seus países e respondesse às suas demandas sociais; 56,3% avaliam que o desenvolvimento é mais importante que a democracia e 58,1% concordam, também, que o presidente possa ignorar as leis para governar. A democracia ideal pressupõe que a participação pública e o espírito cívico dos cidadãos (associativismo, confiança e cooperativismo) sejam aprimorados em busca de justiça social e da emancipação humana. E mais, como diz Hélgio Trindade: “a construção da democracia participativa supõe uma combinação entre cidadania democrática e representação política plena”.

A democracia latino-americana não pode ser uma democracia que facilita os procedimentos, porém fracassa para proporcionar liberdades cívicas e garantir os direitos humanos - a que Larry Diamond denomina democracia iliberais (illiberal democracies), ou, ainda, a que Marcello Baquero chama de democracia inercial: com inexistência de instituições sólidas, comportamento político emocional e subjetivo, falta de fiscalização e predomínio de traços clientelísticos, personalistas e patrimonialistas entre os representantes eleitos. É necessário que se estruture na América Latina, nas palavras de Pablo González Casanova, uma democracia dos de baixo, onde os pobres vejam garantida a segurança social e econômica.

Além do autoritarismo democrático que vive na cultura política latino-americana, pode-se afirmar que impera uma típica democracia delegativa (Guillermo O’Donnell). Isso significa afirmar a existência de frágeis instituições políticas, em que se sucedem crises de ordem sócio-econômica (sucessivos planos econômicos), deterioração da autoridade presidencial, corrupção do aparelho do Estado e violência generalizada. Isto é, a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso de suas políticas é exclusiva do presidente da República. O presidente e sua equipe pessoal são o alfa e o ômega da política (o presidente isola-se da maioria das instituições políticas) e os problemas da nação são tratados por técnicos e burocratas, especialmente no que se refere à política econômica. A oposição e a resistência das ruas, da sociedade, do Congresso ou de associações de representação de interesse são silenciadas ou ignoradas. Prevalece a centralização política e a personificação do poder do presidente - é o que Hélgio Trindade chama de hiperpresidencialismo: “o presidente se considera legitimado por um poder delegado pelo voto para implementar, por mecanismos autoritários, suas decisões políticas”.

Por fim, além da participação dos setores organizados da sociedade civil e do olhar crítico e imparcial da mídia, é preciso outras formas de controle e “responsabilização” dos atos administrativos das pessoas que ocupam cargos públicos. Trata-se aqui de inserir o conceito de accountability (autoridades politicamente responsáveis, que podem ser responsabilizadas pelos seus atos, que devem prestar contas dos seus atos). Para André Marenco dos Santos, o accountability (controle democrático) pode ser vertical (relação governantes e governados) e horizontal: poderes externos podem punir o governo – separação de poderes (autoridades estatais que controlam o próprio poder: que pode empreender ações que vão desde o controle rotineiro até sanções legais ou inclusive impeachment, conforme o caso). A democracia pressupõe, igualmente, alternância de poder. A proposta de eleição ininterrupta de Chávez na Venezuela e a cogitação de um plebiscito para o terceiro mandato de Lula no Brasil diminuem as chances da consolidação e do fortalecimento da democracia no Continente.

Dejalma Cremonese é cientista político, professor do departamento de Ciências Sociais e do Mestrado em Desenvolvimento da Unijuí – RS

Web Site: www.capitalsocialsul.com.br

E-mail: dcremo@hotmail.comEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email

"Mídia sufoca pluralidade e suprime pensamento crítico"

Ao se autoproclamar formadora e porta-voz definitiva da "opinião pública", a mídia brasileira sufoca a pluralidade de visões e, na mão de poucos grupos familiares e políticos, suprime o pensamento crítico do debate nacional, avaliam Emir Sader e Marilena Chauí.

SALVADOR - Um dos casos mais recentes e emblemáticos de um certo
desvario reinante na imprensa brasileira foi, segundo o sociólogo Emir
Sader, a afirmação de um graduado jornalista sobre os resultados das
eleições presidenciais de 2006: o povo, ao reeleger Lula, teria
contrariado a opinião pública.

Participante, junto com a filósofa Marilena Chauí e a jornalista
Tereza Cruvinel (TV Brasil) do debate Mídia e Democracia no Brasil,
atividade do Fórum Internacional Mídia, Poder e Democracia, que
acontece em Salvador, BA, entre os dias 12 e 14 de novembro, Sader
destrinchou as estratégias utilizadas pela mídia para impor à
população um papel de agente passivo na construção social, política e
econômica do país e no processo de supressão progressiva da democracia.

Citando os resultados de uma pesquisa recente do jornal Folha de São
Paulo
, que constatou que seus leitores são, em absoluta maioria,
integrantes das classes A e B, com grande poder aquisitivo e cultura
de consumo, Sader destacou duas questões importantes: por um lado, o
jornal resume seu universo editorial em ser pautado e pautar a
"opinião pública" de uma determinada classe, buscando ser ao mesmo
tempo construtor e filtro do consenso e definindo "o quê, quando e
sobre o quê se fala?.

Por outro lado, o liberalismo escamoteado de "liberdades" reduziu os
receptores das informações a consumidores, de olho nas possibilidades
de financiamento da industria de bens de consumo. Mais do que uma
imprensa privada, a mídia é mercantilizada, o que fragiliza a
democracia a partir do momento em que forma e conteúdo das informações
têm origem e direcionamento pré-estabelecidos pelo mercado.

Um problema maior, neste aspecto da supressão da democracia, está, de
acordo com Sader, na esfera do debate ou disputa de idéias. "Segundo o
pensador inglês Perry Anderson, quando a esquerda chegou ao governo,
tinha perdido o debate das idéias. Consultado, normalmente o povo é
favorável a idéias progressistas; mas não é consultado". A construção
da opinião pública não se dá, assim, a partir do posicionamento da
população, mas a partir das demandas do mercado, avalia Sader.

Na mesma direção, a filósofa Marilena Chauí aponta um fenômeno cada
vez mais comum na mídia: a relevância dada a preferências pessoais
(que música gosta, que filme viu, que perfume usa, que viagem fez) em
detrimento da colocação de idéias e reflexões quando se dá espaço ao
"debate público". Assim, a real opinião pública dá lugar à sondagem de
opinião, no sentido em que não se procura a expressão pública
nacional, refletida e pensada, mas se aposta nas "predileções".

O papel de refletir e pensar é usurpado pelos "formadores de opinião"
- analistas, acadêmicos, artistas, jornalistas. O jornalismo se torna
o detentor das plausibilidades, e os intelectuais, o operariado do
capital. O especialista é aquele que ensina a viver, a decorar a casa,
a cozinhar, a fazer sexo, a educar, o que faz do comunicador o
formador final da opinião pública.

O papel do poder público
Segundo Emir Sader, salvaguardar ou reconduzir a democracia na
imprensa passa a ser um papel do poder público, a partir da concepção
de que é o mais apto a desmercantilizar os processos de comunicação.
Neste sentido, desmercantilizar significa democratizar, defende Sader.

Este seria um dos principais desafios dos governos de esquerda: a
construção de canais públicos onde a diversidade tem espaço
obrigatório, e onde a mídia deixaria de ser a intermediária entre o
governo e a opinião pública. Para tanto, porém, é urgente que verbas
públicas de publicidade, principalmente das grandes estatais - no
fundo nada mais do que dinheiro da população -, deixem de ser canalizadas para sustentar os grandes impérios midiáticos.

"Tem de haver o fortalecimento dos canais e mídias alternativas, como
Carta Capital, Caros Amigos, Carta Maior, Le Monde Diplomatique -,
expressões da diversidade; a batalha das idéias é decisiva para o
futuro do Brasil. São as idéias que ficam, que dão ao povo consciência
de si mesmo?, conclui Sader.