Por que a educação é o lugar de nosso tropeço?
Desanimando o professor, prejudicando o aluno
Não sei o que pode criar maior desânimo
em um professor e, conseqüentemente, nos alunos, que ele iniciar o ano
recebendo míseros 7reais para cada hora-aula. Ah, quer dizer, eu não
sabia! Agora vi que há como criar coisa pior. Pode-se colocar o
professor com um carimbo na testa escrito “professor reprovado”. Não
consigo entender qual a lógica de José Serra, governador de São Paulo e
candidato à Presidência da República, e seu secretário da Educação
Paulo Renato, por oito anos titular no MEC no período de FHC. Diante de
uma escola pública tratada a tapas há anos, e com a educação do Estado
de S. Paulo mostrando os piores índices nacionais em todas as
avaliações, eles acreditaram que o melhor para essa escola seria
massacrar de vez o professor. Será isso o que pensaram?
Talvez eles tenham acreditado que ao
fazer um exame para o professor temporário, eles iriam dar classe
apenas para os “aprovados”. Mas, se acreditaram nisso, não poderiam
estar no cargo que estão, pois qualquer pessoa minimamente informada
sobre a rede pública de educação poderia prever o resultado. Além
disso, fosse qual fosse o resultado, o número de professores necessário
para a rede é bem superior do que aquilo que se tem, portanto, qualquer
um saberia que, de algum modo, haveria na sala de aula o agora tachado
de “professor reprovado”.
É claro que o “reprovado”, no caso, não
é o professor, tenha ela passado ou não na prova do governo. O
reprovado aí é o governo estadual e o seu secretário de Educação. Nada
poderia ser pior do que 7 reais a hora-aula, era o que eu acreditava.
Mas José Serra e Paulo Renato conseguiram chegar a uma situação mais
degradante, que é dizer para o aluno o seguinte: “estude se quiser e
pode até ficar reprovado, pois, afinal, o professor que está aí também
é reprovado”. Não creio que a escola pública paulista irá se recuperar
depois desse golpe. Um novo governo no Estado de São Paulo terá que
começar tudo de novo. O PSDB nunca foi bem na área educacional em São
Paulo, durante essas quase duas décadas no comanda do estado, mas a
gestão Serra é realmente, de longe, a mais catastrófica.
O governo federal não fornece socorro
Diante de tal situação, poderíamos
imaginar um socorro. Talvez pudéssemos recorrer ao governo federal. Mas
também nesse plano as coisas vão de mal a pior. Os relatórios da Unesco
e outros, publicados no início deste ano, 2010, mostram que o
Presidente Lula e seu ministro da Educação, Fernando Haddad, deram um
empurrão quantitativo no ensino superior público, mas não conseguiram
fazer o mesmo quanto ao ensino básico. Claro que há um atenuante para
salvar a pele desses dois: o ensino básico, em sua maioria, está nas
mãos dos estados e todos os estados pagam muito pouco e cuidam mal de
seus professores. Todavia, as ações do MEC não têm ajudado como
poderíamos esperar. O piso salarial unificado, proposto por Haddad,
gerou um impasse: em alguns lugares, fez o salário ficar estagnado, em
outros lugares, travou prefeitos e governadores. Haddad deveria ter
feito um estudo regional e proposto não um piso, mas uma remuneração
condizente com a de outros profissionais, na base de um índice de
ganhos e possibilidades de cada região. Uma idéia simples! Mas parece
que Haddad adora pensar complicado e, como no Enem, ele sempre termina
complicando também a vida de outros.
O relatório da UNESCO que diz que o
Brasil, nos últimos anos, piorou em educação, mostra isso em termos
classificatórios. Entre 128 países o nosso figurava na posição 76 e foi
para a posição 88. Isso foi devido, principalmente, ao número reduzido
de crianças que chegam à quarta séria e também a um aumento da taxa de
repetência. Nossa educação é fraca e nossos alunos se dão mal nos
exames internacionais. Mesmos diante de uma escola que pouco solicita,
nossa taxa de repetência ultrapassa atualmente a casa dos 12%. Não à
toa temos esses resultados, pois somos ainda um país que gasta por
aluno muito pouco se comparado com outros. Em 2005 gastávamos US$ 1.257
por aluno contra US$ 5.312 por aluno dos países desenvolvidos que, por
sinal, já nem precisam de tanto. Atualmente, não mostramos grande
alteração nesses números.
A relação de amor-ódio com o professor
A verdade é que após 16 anos de nossos
dois melhores governos pó-ditadura, FHC e Lula, a área da educação
parece continuar sendo um nó, e não há quem o desate. Talvez só uma
análise meio que psicanalítica poderia explicar tudo isso.
As melhores cabeças viriam para o
magistério e tudo funcionaria a contento se o salário do professor
fosse atrativo. Mas não é, e com um tipo de atuação como a do Serra, o
desânimo é ainda maior. Por que os governantes relutam tanto em ser
generosos com os professores como são com outras áreas? Nunca vi um
operário do setor automobilístico, em uma greve, ser chamado para uma
negociação e ouvir do governo o seguinte questionamento: “você colocou
na praça um carro com defeito, e isso foi admitido pela sua própria
fábrica em comunicado oficial, sendo assim, acreditamos que isso deva
pesar para que você não tenha aumento, aliás, é até bom eu ver se não é
o caso de você nunca mais ter aumento, e isso vai depender do exame que
vou lhe aplicar no dia X”. Isso não ocorre com nenhum trabalhado como
ocorre com o professor. Há algo de perverso na relação do patrão com o
professor, seja o patrão-estado ou o patrão-empresário. Parece que com
o professor, os dirigentes governamentais (e particulares, sem dúvida!)
agem segundo uma relação de amor-ódio, como aquela que têm com seus
pais. Sim, é claro, os professores sempre representarão seus pais –
pois de fato o foram – e isso pode levantar situações edipianas. Além
do mais, a figura do professor sempre lembra, para o adulto, aquele que
o viu como criança, em uma posição infantil. Ora, não há adulto que não
se irrite quando o chamam de “infantil”. A figura do professor, para
muitos adultos que não amadureceram, sempre será aquela que lhe
parecerá dizendo “ah, você é o menino tal”. É como se o professor fosse
a testemunha de tudo que você se envergonha e que é, enfim, a sua
própria infância. Ora, assim, não há como não pensar no professor como
alguém que o patrão até pode conceder algo, mas somente se puder
exercer sobre ele algum tipo de controle, talvez vingança.
Pode ser que Haddad e Paulo Renato não
fujam dessa quase regra. Outros argumentos? Outras explicações? Não! A
essa altura do campeonato só a hora aula chegando ao mínimo de 21 reais
para todos, sem cobrança, sem “cursos de capacitação” e sem carimbo de
“reprovado”, é que vamos conseguir algum resultado positivo na educação
brasileira. Mas duvido que os que estão no poder possam se libertar
dessa relação psicológica complicada que possuem com a figura do
professor.
Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo.