sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Nova bolha imobiliária está em gestação nos EUA, diz analista


Poderemos ver, em breve, um aumento da atividade econômica no setor habitacional nos Estados Unidos, à medida que os bancos dispuserem dos 40 bilhões de dólares mensais jogados no mercado como subsídios do FED para fazer a coisa funcionar e emprestar loucamente, de novo. O mercado financeiro está chantageando o governo. Os bancos estão dizendo que não farão novas hipotecas enquanto não tiverem o que querem. E o que eles querem é imunidade legal e não ficar com aconta nas mãos quando o sistema financeiro explodir mais uma vez. O artigo é de Mike Whitney.

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É possível que Richard Cordray seja hoje o homem mais poderoso nos Estados Unidos e você provavelmente nunca ouviu falar dele. Como dirigente da nova Agência de Proteção Financeira ao Consumidor dos EUA [CFPB na sigla em inglês], Cordray pode efetivamente voltar o relógio para 2005 e inflar uma outra gigantesca bolha imobiliária sem esforço algum. Tudo o que ele tem de fazer é definir o termo “hipoteca qualificada”, seguindo os critérios dos grandes bancos e – rapidamente – 40 bilhões de dólares por mês começarão a fluir em novas hipotecas. É simples assim. Eis a história contada pela Bloomberg:

Credores estadunidenses podem obter forte proteção contra ações judiciais relativas às hipotecas regulamentadas pelas regras mantidas pela Agência de Proteção Financeira ao Consumidor, de acordo com fontes ligadas à política de direito do consumidor do país.

As assim chamadas regulamentações de hipotecas qualificadas dariam a bancos, inclusive ao JP Morgan, ao Chase & Co. (JPM) e o Wells Fargo & Co. (WFC) garantias contra ações legais oriundas dos processos de subscrição de seguros, de acordo com fontes que falaram com a condição do anonimato, porque as discussões a respeito não são públicas (a agência Bloomberg noticiou assim: “A Agência de Proteção Financeira ao Consumidor dos EUA afirma que dará mais proteção aos credores”).

Então, é por isso que os bancos não têm intensificado a criação de suas hipotecas, mesmo que o FED [Banco Central dos EUA] tenha dito que comprará 40 bilhões de dólares em títulos lastreados em hipotecas via o programa QE3 [1]? É porque querem assegurar a imunidade legal frente a ações judiciais de proprietários de imóveis que venham a ser executados injustamente. Mas por que é que Cordray os está ajudando? Por que ele está tornando mais difícil paras vítimas processarem os meliantes que as expulsam de seus lares? Seu trabalho não é proteger consumidores? Em vez disso, ele está sob o comando dos bancos. Aqui, mais do que a Bloomberg diz:

A agência do consumidor, que está negociando as regras como parte de uma ampla revisão do controle do financiamento habitacional, revelou seus planos num encontro com outras agências reguladoras ontem (17/10). Em torno de 80% dos empréstimos segurados pelo Fannie Mae (FNMA), Freddie Mac ou seguradoras governamentais, como a Federal Housing Administration Housing Administration, estariam se qualificando para dispor de um porto seguro contra ações judiciais, de acordo com dados da Agencia de Administração do Financiamento Habitacional.

Então está feito, é isso? Eles só precisam fazer um pouquinho, antes do grande anúncio. Mas preste atenção nos detalhes: “80% dos empréstimos... seriam qualificados para dispor de um porto seguro contra ações judiciais nos planos da agência”. Que piada. Fannie [Mae] e Freddie [Mac] já seguram 90% de todas as novas hipotecas, agora se vai garantir imunidade legal para contratos de hipoteca de que eles já detêm a titularidade, gratuitamente? É um grande brinde para os bancos, você não acha? Por que não dar-lhes logo as chaves do Fort Knox agora mesmo e era isso? O fato é que Cordray não deveria estar fazendo concessão alguma. A coisa toda é ridícula. Mais da Bloomberg:

As proteções cobririam empréstimos feitos com taxas de juros para os mutuários cujo endividamento não ultrapasse 43% de sua renda total.

Por quanto tempo você acha que será capaz de manter a sua cabeça acima da água se 43% do seu salário desapareceu antes mesmo que você ponha a mão nele? Não muito, eu apostaria. Na verdade, os especialistas acham que pagamento de financiamento imobiliário jamais deveria ultrapassar 33% da renda total. Então, o que isso nos diz? Diz que Cordray fez um acordo que custará ao contribuinte um pacote para cobrir as hipotecas novas que os bancos farão assim que as tintas promocionais [do anúncio do QE3] secarem. Mas tudo bem, certo, porque ao menos os bancos farão um bolo e cortarão pedados desse lixo em partes seguradas e as venderão ao FED com o dólar nas alturas. Que truque!

Pense a respeito, por um minuto. Se o FED está dizendo que comprará 40 bilhões de dólares em títulos lastreados em hipotecas por mês, então o dinheiro da finança irá dragar contratos de hipoteca o suficiente para vender ao adquirente, certo? Porque você precisa de hipotecas para segurar hipotecas. Bem, adivinhem, os bancos não dão a mínima se os novos candidatos a obterem hipotecas pagam ou não. Por que eles se preocupariam? À medida que consigam inscrever essas hipotecas nas novas definições, eles obterão seu recurso segurado de todo jeito. Eles querem apenas ter certeza de que estarão protegidos quando Joe quebrar (porque foi atraído para um contrato de hipoteca que ele claramente não poderia pagar). Querem uma garantia de que ele não poderá processá-los alegando cláusulas frouxas para fornecimento de crédito. Agora, Joe terá de matar no peito e pagar um aluguel barato em algum lugar, porque o senhor Cordray o vendeu para os gângsters do sistema financeiro. Obrigado, Rich.

E ainda há mais: porque os bancos não estão somente buscando carta branca nas garantias de seus contratos bumerangues de hipotecas. Eles também querem estar assegurados de que não terão de arcar sequer com 1% das suas novas hipotecas-lixo. Eles acham que poderão criar tanto crédito quanto quiserem, sem qualquer risco para si mesmos ou para os seus acionistas. É uma arrogância levada ao extremo. Eis um trecho de uma segunda página no Whashington Post, do economista Mark Zandi, que explica o que está acontecendo:

Uma segunda decisão que está para ser tomada, com grandes implicações para o crédito hipotecário envolve algo chamado de regra da “hipoteca residencial qualificada”. Embora o nome seja similar, é bem diferente da definição de hipoteca qualificada, e está desenhada para coibir maus empréstimos ao forçar os credores a arcarem com uma parte dos riscos dos contratos mais arriscados de hipotecas.

Sob a lei Dodd-Frank, um credor deve arcar com 5% de qualquer empréstimo que não seja uma “hipoteca residencial qualificada” (QRM na sua sigla em inglês), de modo que, se esta for executada, o credor também perde algo. Isso em princípio faz sentido, mas, assim como no caso da regra da hipoteca qualificada, o diabo mora nos detalhes. E estes são bastante complicados, refletem os medos de regulação que os credores trabalharão duro para contornar. Mas complexidade acrescenta custos, e como resultado, empréstimos que não sejam “QRM” correm o risco de ter um custo significativamente mais elevado dos que os “QRM”. (“Definindo uma ‘hipoteca qualificada’, Marz Zandi, Wahsington Post).


Certo, isso também é complicado para você entender, Senhor Contribuinte, então vamos ao seu negócio e deixe conosco, os experts, para resolver o seu problema. Nós “cuidaremos de tudo”. Ah, por favor, Zandi, ninguém entende desse troço. Os bancos simplesmente não querem arcar com capital suficiente para cobrir o seu lixo. É isso, não é? Eles querem poder criar mais títulos tóxicos em seus falsos balanços, mas não mantêm dinheiro suficiente para pagar aos investidores quando o barco afundar. A isso se chama “retenção de risco” e não é diferente em nada de se requerer das companhias de seguro que tenham reservas o bastante para pagar os segurados em caso de sua casa incendiar. Aqui tem mais de Zandi:

Na medida em que a lei Dodd-Frank estipula que os empréstimos feitos pelas agências federais são hipotecas residenciais qualificadas, por definição o modo como as QRM são definidas ajudará a traçar o papel das agências federais no mercado de hipotecas. Se a definição for muito estreita, credores privados não poderão competir, dada a alta taxa de juros com que terão de arcar para compensar o risco excessivo. O governo deve então continuar a dominar o mercado de crédito de hipotecas no curto prazo. Por outro lado, se o Fannie Mae e o Freddie Mac vierem a ser privatizados, uma definição estreita de QRM encolheria significativamente o papel do governo no mercado hipotecário, potencialmente ameaçando a existência dos empréstimos hipotecários por 30 anos.

Ah, por favor! Esqueça o papel do governo no mercado habitacional; isso é completamente irrelevante. Aquilo em que estamos interessados é que os bancos tenham alguma grana a mais em caixa para recuperarem suas ações lixo quando o próximo zeppelin cair. Isso também é perguntar muito? O fato é que capitalismo requer capital, é simplesmente assim que funciona. Você não pode simplesmente continuar girando empréstimos sem garantia suficiente para reavê-los mesmo quando o menor dos desvios no mercado envie o sistema financeiro para o esquecimento. Credores precisam ter lastro suficiente para cobrirem as suas perdas potenciais e para evitar outro derretimento que requeira trilhões do governo para preencher o buraco negro que eles (os bancos) criaram.

Você consegue ver o que está errado aqui? Por trás de toda essa conversa barroca, os mercados estão é chantageando o governo. Eles estão dizendo que não farão novas hipotecas enquanto não tiverem o que querem. E o que eles querem é um porto seguro (imunidade legal) e não mais custos regressivos. (Hipotecas que os bancos foram forçados a refazer porque contêm “substantivas subscrições e deficiências documentais” em seus contratos.) Em outras palavras, eles não querem ficar com a conta nas mãos quando o sistema financeiro explodir, de novo. Isso significa que o modo como Cordray define “hipoteca qualificada” importa muito, porque determinará se os bancos emprestarão em padrões baratos, se aumentarão a originação de hipotecas, se estimularão o crédito para aplicações paralelas, e se darão conta do sonho de [Ben] Bernanke de inflar uma nova bolha imobiliária. É isso o que está em jogo. A definição de hipoteca qualificada pela Agência de Proteção Financeira ao Consumidor pode implicar um profundo impacto na direção da economia, então tem muita coisa em jogo, aqui.

Infelizmente, parece que Cordray tem cedido em todos os aspectos, o que significa que poderemos ver, em breve, um aumento da atividade econômica habitacional, à medida que os bancos dispuserem dos 40 bilhões de dólares mensais jogados no Mercado como subsídios do FED para fazer a coisa funcionar e emprestar loucamente, de novo.

Não parece que estamos cometendo os mesmos erros, mais uma vez?

NOTA
[1] Terceira rodada de “Quantitative Easing”, lançado pelo FED. É um programa que visa a, ao menos nominalmente, injetar dinheiro no mercado para prover o fluxo de crédito, lançado há poucos dias, pelo atual presidente do FED, Ben Bernanke.

Tradução: Katarina Peixoto

O grito Guarani-Kaiowá

Fernanda Melchiona - SUL21


A gravidade do caso dos 170 indígenas Guarani-Kaiowá no acampamento Pyelito Kue/Mbarakay, cidade de Iguatemi (MS) causou grande e necessária repercussão nas redes sociais e nas mídias alternativas diante da decisão da (in)Justiça de pedir reintegração de posse de terras que há muito deveriam estar demarcadas. Com a ameaça premente de desocupação, os indígenas lançaram uma nota denunciando o abandono, o fato de conseguirem se alimentar apenas uma vez ao dia, a violência dos fazendeiros e a decisão dramática de um povo de luta de resistir até as últimas consequências, com a morte coletiva.
Esta repercussão, os atos ocorridos em São Paulo e Botucatu, protestos organizados pela internet (com milhares de confirmações) em várias cidades brasileiras para o dia 09 de novembro, garantiram uma vitória parcial: a cassação da liminar de reintegração de posse concedida pela Justiça Federal em Naviraí. Certamente, uma vitória da resistência, do heroísmo dos Guarani-Kaiowá e do apoio de milhares de ativistas brasileiros e mundiais.
Os indígenas têm outra relação com a terra, que não é tida como uma mercadoria ou um bem para negócio, mas como a origem da vida, depositária dos ancestrais, raiz da constituição das tribos e suas tradições. Obviamente, uma visão absolutamente oposta à lógica do capitalismo e da propriedade privada. Por que, apesar do verdadeiro massacre reconhecido nos livros de História que passaram os indígenas desde a colonização brasileira, o governo federal não cumpre a Constituição (artigo 231, que garante ao Estado a demarcação e a proteção às terras indígenas)? Por que a omissão e a demora do Estado em garantir os estudos antropológicos necessários ao processo de demarcação? Enquanto os indígenas esperam, aumentam os conflitos e estes convivem com as ameaças permanentes de jagunços e pistoleiros do agronegócio. Além disso, a conivência de boa parte do poder Judiciário com a lógica rentista da terra também chama atenção, desde a decisão da Justiça de São Paulo no caso da desocupação de seis mil pessoas de Pinheirinho para garantir os interesses do especulador financeiro Naji Nahas até a determinação do STF da continuidade das obras de Belo Monte.
Todas as respostas anteriores têm relação com interesses econômicos, com o enorme peso que a elite do agronegócio tem no Congresso Nacional e também na base de sustentação do governo Dilma. Por exemplo, André Puccinelli, governador do MS que aparece nos documentos divulgados pelo Wikileaks como autor de deboches sobre as reivindicações indígenas, é do PMDB, partido que hoje, lamentavelmente, é eixo de poder junto ao PT, ocupando não apenas a Vice-presidência, mas também ministérios importantes como o Ministério de Minas e Energia (Edison Lobão), responsável por “brilhantes” projetos como Belo Monte, que além de atacar milhares de indígenas, coloca em risco dezenas de espécies, abrindo a possibilidade de seca na Volta Grande (área de 100 km na volta do Rio Xingu).
Marcelo Freixo – deputado estadual do PSOL no Rio de Janeiro – sempre diz que “quem diz que governa para todos, mente para alguém”. No governo de coalizão com os ruralistas, pagam os povos originários que, muito além do massacre sofrido há mais de 500 anos, seguem sendo dizimados diariamente. Segundo Fabio Nassif, em artigo na Carta Maior, o Mato Grosso do Sul tem os maiores índices de assassinatos de indígenas do Brasil (cerca de 500 assassinados nos últimos dez anos), enquanto o aumento do agronegócio exportador, baseado no plantio desenfreado de soja, é gritante.
Que a conquista da cassação da liminar de reintegração de posse fortifique a solidariedade e a capacidade de mobilização de todos em defesa dos direitos de demarcação dos indígenas e que a gravidade das denúncias em relação às péssimas condições de vida causadas pela morosidade do Estado, conivência de uma parte do Poder Judiciário e a violência das hordas armadas a mando dos ruralistas não sejam apenas encaradas como parciais, mas como parte das relações brutais capitalistas sobre os povos que verdadeiramente descobriram o Brasil. Viva os Guarani-Kaiowá!