segunda-feira, 5 de novembro de 2007


Quais os limites da propriedade intelectual?

Em entrevista à Carta Maior, a pesquisadora Carol Proner, autora de uma tese de doutorado sobre Propriedade Intelectual e Direitos Humanos, fala sobre o dever constitucional da função social da propriedade e o respeito aos direitos coletivos, hoje ameaçados pela pressão dos países ricos e seus conglomerados econômicos.

O debate sobre a propriedade do conhecimento vem ganhando crescente importância nos fóruns internacionais, em especial nas rodadas de negociação da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde o tema da propriedade intelectual industrial tornou-se alvo de acirrada disputa. Trata-se de um tema ainda relativamente desconhecido da maioria da população, embora diga respeito a vários aspectos do nosso cotidiano. Os medicamentos genéricos são, provavelmente, a ponta mais conhecida desse debate, constituindo hoje um sério ponto de divergências entre o seleto clube das nações mais ricas do mundo e o resto dos mortais.

Em entrevista à Carta Maior, concedida por correio eletrônico, a pesquisadora Carol Proner, autora do livro “Propriedade Intelectual - Para uma outra ordem jurídica possível” (Cortez Editora), analisa o atual estágio deste debate, marcado por uma forte pressão dos países ricos pela liberalização do comércio e por uma maior proteção jurídica à propriedade intelectual, incluído as mais diversas áreas do conhecimento.

Doutora em Direito Internacional, pesquisadora da UniBrasil e da Universidade Pablo de Olavide, de Sevilha (Espanha), Carol Proner sustenta em seu livro que “a liberalização acrítica avança em todos os setores do comércio, trazendo conseqüências desastrosas para economias que não possuem estrutura para suportar a concorrência de produtos e serviços”. Neste cenário de subdesenvolvimento e subordinação tecnológica, acrescenta, “a propriedade intelectual industrial cumpre um papel fundamental no sentido de aprofundar as desigualdades tecnológicas”.

Além disso, esse debate está relacionado ao direito de comunidades tradicionais e indígenas, detentoras de rica biodiversidade e conhecimentos tradicionais. Vivendo, na maioria das vezes, em condição de pobreza, essas comunidades não são capazes de defender seus direitos e sofrem a. ameaça do patenteamento desse conhecimento por parte de grandes grupos privados transnacionais, assinala Proner.

Carta Maior: Em que a atualidade do debate sobre a propriedade intelectual coloca em questão as noções tradicionais de propriedade?

Carol Proner: O debate atual sobre propriedade intelectual também é o debate sobre a propriedade tradicional de bens e seus limites: o dever constitucional da função social da propriedade e o respeito aos direitos coletivos. No campo das patentes de invenção, a utilização do conhecimento tradicional de comunidades é alvo de apropriação e especulação sem contrapartida social. A comercialização dos direitos de patentes afeta áreas essencialmente públicas como a saúde humana, tendo nos medicamentos o exemplo mais importante. No caso do direito de autor, a política do commons pode trazer um novo enfoque para aproximar os frutos da obra de seus legítimos criadores e estender os benefícios à sociedade.

CM: Qual a especificidade da propriedade intelectual?

CP: A expressão em si é o oposto, é ampla e abarca os direitos de autor, direitos conexos, marcas, indicações geográficas, desenhos industriais, topografias de circuitos integrados, proteção de informação confidencial, o direito da concorrência e patentes. Também por esta razão torna-se tão complexa a análise das temáticas dentro da grande disciplina “propriedade intelectual” e existem abordagens muito diferentes entre o direito de patentes e o direito do autor. Enquanto este direito está normalmente ligado ao autor e inventor individual ou coletivo, aquele na maioria das vezes envolve grandes empresas transnacionais com resultados econômicos extraordinários. As conseqüências são distintas em cada grande ramo e a abordagem crítica também. Podemos estar falando dos grandes monopólios farmacêuticos ou bioquímicos ou do direito individual e personalíssimo do autor da obra literária e estaremos tratando de propriedade intelectual.

CM: Como o tema da biodiversidade deveria ser abordado num enfoque democrático da propriedade intelectual?

CP: A biodiversidade é um dos temas fundamentais a serem reivindicados atualmente. O direito das comunidades locais, tradicionais e indígenas, detentoras da biodiversidade agrícola e silvestre, e que por condição de pobreza e miséria não são capazes de defender seus direitos. Essas comunidades são detentoras de um patrimônio genético, um conhecimento tradicional extremamente rico e que poderia reverter em benefício para ao menos melhorar as condições de vida dessas populações. O enfoque democrático seria encontrar os meios de estender ou repartir às populações os benefícios da biodiversidade. Uma forma democrática de defender juridicamente este direito é que a concessão de patentes derivadas do acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais exija a declaração de origem e o certificado de procedência legal desses recursos, posição defendida pelo governo brasileiro nas negociações internacionais sobre o tema.

A declaração de origem e o certificado de procedência legal informam em que bioma, local e comunidade foi feito o acesso aos recursos genéticos, além de identificar em que condições ele foi realizado e quais informações foram utilizadas para tanto. Os dois documentos podem facilitar a tarefa das populações tradicionais que queiram exigir a repartição dos benefícios de pesquisas ou produtos realizados a partir de seus conhecimentos e recursos.

CM: Qual a novidade dos medicamentos genéricos em relação aos conceitos tradicionais de propriedade?

CP: No Brasil a Lei 9.787/99, de 10 de fevereiro de 1999, define como sendo Genérico o medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que se pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou renúncia da proteção patentária, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade. Os médicos deverão receitar os medicamentos pelo nome do seu princípio ativo e não mais pelo nome comercial do remédio Trata-se de uma intervenção do Estado com resultados concretos no acesso aos medicamentos, estimulando a concorrência entre fabricantes e reduzindo preços. Nos EUA a prática é utilizada desde 1984 e acarretou redução de até 40% no preço em relação a medicamentos de marca. Uma das formas de adquirir medicamentos mais baratos é permitir a produção local de um remédio patenteado para atender a necessidade interna. A outra forma é a importação do genérico apesar de o composto ter direitos de exclusividade. O tema da importação de medicamentos genéricos pelos países da OMC é objeto de disputa entre países que possuem um forte setor farmacêutico e outros que precisam importar. Os Estados Unidos, a Suíça, a Alemanha, a Grã-Bretanha e outros países ricos insistem em restringir a importação de genéricos a medicamentos para tratamento de doenças infecciosas, como Aids, malária e tuberculose. Os países em desenvolvimento não querem qualquer restrição à importação de genéricos.

CM: Qual o significado dos commons e sua importância?

Os commons têm sido definidos como “espaços institucionais em que podemos praticar um tipo particular de liberdade, a liberdade em relação a restrições que são normalmente impostas pelos requisitos dos mercados”. Esse conceito de Yochai Benkler, professor titular da Escola de Direito de Yale é trabalhado com excelência no livro Comunicação Digital e Construção dos Commons (Editora Fundação Perseu Abramo) do qual também participa Sérgio Amadeu da Silveira trabalhando o tema redes virais e espectro aberto. Não creio que exista consenso acerta da aplicação dos commons, mas é fato que a idéia tem sido conectada a valores de liberdade, criatividade, democracia e mais especificamente ao direito de autor. A expressão suscita controvérsias porque supõe liberdades anárquicas, abertas indiscriminadamente e sem regras. Estes prejuízos tendem a se dissolver com o fortalecimento teórico da idéia de commons e com sua aplicação prática que já acontece fortemente na internet. As práticas de compartilhamento de conteúdos e conhecimento que são experimentadas na internet estão no dia a dia das pessoas, na utilização de serviços de provedores como yahoo, msn, google, youtube, orkut, wikipedia e tantos outros que praticam uma espécie de “espírito da dádiva”, gift economy, estudada por algumas universidades canadenses e americanas. Essa nova mentalidade assusta um pouco, mas traz uma nova forma de pensar o conhecimento e o compartilhamento em sociedade. É um desafio.

CM: Qual tem sido a política do governo brasileiro em relação à propriedade intelectual?

CP: É preciso reconhecer que o Brasil tem conseguido discutir os temas prioritários da propriedade intelectual graças ao posicionamento governamental adotado interna e internacionalmente. A quebra de patentes de medicamento Efavirenz, produzido pelo laboratório norte-americano Merck abriu um precedente internacional que balizou a conduta de outros países. O posicionamento do país com relação à biodiversidade também é inédito comparativamente e creio que o Ministério da Cultura também apresenta novidades quando defende o direito autoral como elemento essencial de uma política cultural: um direito autoral que privilegie o acesso à cultura, à informação e ao conhecimento. A teoria do commons tem muito a dizer nesta seara. O governo tem salientado que se propõe a promover o equilíbrio entre os direitos conferidos pelas leis de direitos autorais e seus titulares e os direitos dos membros da sociedade de terem acesso ao conhecimento e à cultura, de forma que estes direitos efetivamente estimulem a criatividade. Vejo com outro grande desafio porque o tema polemiza com setores artísticos e literários que vêem a política como uma ameaça a seus direitos.

CM: Em que temas prioritariamente os movimentos sociais e a esquerda brasileira deveriam se concentrar na discussão e nas lutas em torno da propriedade intelectual?

CP: O Brasil precisa de massa crítica em todas as temáticas, mas penso que os dois temas mais importantes na atualidade são a biodiversidade e o direito de autor revisitado.
Grande Marcha bolivariana respalda reforma de Chávez


''Centenas de milhares'' de pessoas, segundo a nada entusiasmada mídia internacional, participaram da Grande Marcha em apoio à reforma constitucional na Venezuela, que percorreu Caracas neste domingo (4). A demonstração de força bolivariana iniciou a campanha para o referendo de 2 de dezembro. Não poderia haver resposta mais contundente aos distúrbios violentos provocados pela minoritária oposição venezuelana, que se opõe à reforma constitucional.


''Maré vermelha'' se destaca na panorâmica da marcha
O presidente da república Bolivariana da Venezuela, Hugo Chávez, liderou a mobilização, acompanhado pelo vice-presidente e coordenador do Psuv (Partido Socialista Unificado da Venezuela), Jorgue Rodríguez. Com çhávez à frente, a multidão percorreu as Avenidas Francisco de Miranda, Libertador e México, até chegar à Avenida Bolívar.

Campanha pelo ''Sim e Sim''

Os manifestantes começaram a se concentrar desde as primeiras horas da manhã, a partir de vários centros. Muitos vestiam camisetas, bonés e outros adereços vermelhos, criando o impacto visual da ''maré vermelha'', marca registrada das manifestações bolivarianas.

No seu discurso, Chávez disse que ''o caminho de uma revolução é o caminho das mil batalhas'', mas os bolivarianos têm feito esse processo coincidir ''com o caminho das mil vitórias''. Prometeu também que ''não daremos descanso aos nossos braços''na campanha pelo ''Sim''no referendo.

O presidente pediu o voto ''Sim e Sim'', já que a questão submetida a referendo, prevendo a mudança de 69 dos 350 artigos constitucionais, foi dividida em dois blocos. Disse que é importante ''trabalhar a vitória'' e que ''o grande objetivo é aprovar a reforma constitucional de maneira contundente''.

Discurso duro contra a abstenção

Para Hugo Chávez, a reforma constitucional é um processo ''muito mais definidor que o de 1999'', quando uma assembléia também eleita pelo povo redigiu a Constituição bolivariana. Ao criar as bases legais para a transformação socialista da venezuela, ela ''representa a consolidação do processo bolivariano'', avaliou.

O discurso foi duro em relação à abstenção eleitoral (na venezuela o voto é facultativo). Para Chávez, o não comparecimento ''não pode ocorrer nesta oportunidade''. ''Temos que superar esses números de abstenção que têm se dado em nosso país, inclusive quando a revolução já começava'', agregou. ''Nada nos afastará do caminho revolucionário socialista'', prometeu.

William Lara, ministro da Comunicação e Informação, declarou à Agência Prensa Latina que a marcha ''é uma demonstração de civismo e vontade democrática''. Também chamou a população a participar em massa, civicamente, na consulta às urnas de 2 de dezembro.

Pesquisa aponta vitória folgada

Esta foi a segunda manifestação bolivariana desde o início da campanha do referendo. Na noite de sexta-feira, assim que o processo foi declarado aberto pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral), outra multidão saíu às ruas para fazer campanha pelo ''Sim''.

De acordo com uma pesquisa de opinião do Instituto Datanalisis, o ''Sim'' deverá alcançar 62,3% dos votos no referendo daqui a menos de um mês. A aprovação do presidente Chávez sobe a 70% conforme a pesquisa.

O Datanalisis avalia que o ''Não'' só teria chances caso toda a oposição participasse, e ainda assim dependendo de uma alta abstenção. A oposição, porém, além de enfraquecida dividiu-se: uma ala prega o ''Não'' no referendo, a outra indica a abstenção, tradicionalmente elevada na Venezuela.

Conteúdo da reforma é socializante

A reforma enviada pelo Executivo inicialmente modificava 33 artigos da Constituição de 1999, mas este número passou para 69 devido a emendas feitas na Assembléia Nacional (Parlamento). O conteúdo socializante é visto pela oposição como a implentação de um ''regime cubano''.

As mudanças incluem a redução da jornada de trabalho para seis horas diárias, a proibição do latifúndio e do monopólio, a prevalência da propriedade social sobre a privada, a mudança do nome do Exército para Força Bolivariana e Antiimperialista, a institucionalização das missões sociais, o fim da autonomia do Banco Central, uma nova divisão administrativa do país. Compreendem ainda o aumento do mandato presidencial de seis para sete anos e a possibilidade de reeleição indefinida – ponto que concentra as críticas da mídia dominante internacional, ainda que Chávez, eleito em dezembro do ano passado, já disponha de um mandato que vai até 2013.
Copiado de:Vermelho

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A solução neoliberal e os trabalhadores
Wladimir Pomar



É verdade que ainda nos vemos às voltas com soluções neoliberais, misturadas com tentativas de fazer o Estado estimular a expansão do poder de compra e o crescimento da economia, mesmo contra a vontade de certos setores do capital. Ainda temos que lidar com as profundas conseqüências da solução neoliberal sobre a divisão patrimonial e a fragmentação social da sociedade brasileira, durante os anos 1990.

As corporações estrangeiras e nacionais aumentaram, e muito, sua participação na economia brasileira e na apropriação da riqueza por ela gerada, enquanto segmentos médios e pequenos inteiros foram desestruturados, e o mundo do trabalho, esse setor da sociedade que é a raiz de qualquer sistema econômico, foi fracionado, desorganizado e dispersado. A tal ponto que a ideologia neoliberal cunhou a teoria de que, com o desenvolvimento tecnológico, o emprego passara a ser dispensável.

A substituição do emprego pelas "máquinas inteligentes" e por trabalho humano virtual seria o exemplo mais expressivo do fim da sociedade industrial e de sua superação pela sociedade da informação. A chamada classe operária deixaria de existir, e de assombrar a todos com suas tentativas de revolução social, sendo substituída por uma elite de trabalhadores técnicos e científicos.

É lógico que aquela teoria não conseguia explicar como a sociedade da informação continuaria a alimentar, vestir, e suprir seus membros com os bens indispensáveis à vida humana, que antes eram produzidos pela sociedade industrial. Mas a redução da força social e política da classe trabalhadora assalariada, em virtude da des-industrialização, da dispersão e re-localização de empresas, e também da elevação da produtividade, pareceram dar razão à idéia de que a classe operária findara.

O crescimento desmesurado do exército industrial de reserva, como a conseqüência mais direta do pequeno crescimento do número de trabalhadores industriais, e da intensa expropriação dos pequenos proprietários rurais e urbanos, reforçou a impressão de que a solução neoliberal tinha vindo para eternizar-se. A tal ponto, que parcela significativa da esquerda supôs que aquela teoria estava sendo comprovada, e que a única alternativa seria adaptar-se à nova corrente avassaladora do capitalismo.

Em outras palavras, essa parcela, ao pensar do mesmo modo que os ideólogos do capitalismo dos países desenvolvidos, via as folhas secas da "destruição criativa" neoliberal, sem se dar conta de que as raízes que mantinham de pé as árvores capitalistas ainda existiam. Por isso, custaram a dar-se conta de que a classe dos trabalhadores assalariados, da qual faz parte a classe operária industrial, não só continuava a crescer no Brasil, apesar da quase estagnação econômica, como também renascia fortemente na Ásia. Pelo simples fato de que ninguém se alimenta apenas de informação, e de que o capitalismo não sobrevive se não tiver uma classe trabalhadora assalariada que, ao vender sua força de trabalho, lhe forneça o valor indispensável à valorização do capital.


Wladimir Pomar é escritor e analista político.