Rachel Duarte no SUL21
Uma luta de dois anos contra a discriminação a um estabelecimento
para o lazer de homossexuais em Porto Alegre parece ter chegado ao fim
nesta terça-feira (16). O bar Passefica, no bairro Cidade Baixa, foi
absolvido de processo judicial movido pelo ex-síndico do prédio e
acolhido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Na ação, os
argumentos eram de que o local ultrapassava os limites estabelecidos por
lei municipal para funcionamento, além de suposto desrespeito a normas
de civilidade e convivência. Devidamente adequada à Lei do Silêncio, a
proprietária do bar provou que não estava irregular e acusou o autor da
ação de motivação homofóbica.
O ingresso da ação ocorreu ainda em 2011, quando a empresária Jucele
Azzolin passava por desentendimentos com o síndico Ricardo Han Brum
sobre a utilização das mesas na calçada do bar. Segundo ele, os
frequentadores cometiam excesso no barulho. “A Rua da República é um
local tradicional da noite de Porto Alegre, onde já é uma cultura o uso
de mesas na rua. Eu sou homossexual, meus clientes também. É um bar para
o público LGBT e o que está por trás disso é preconceito e
discriminação com o meu estabelecimento”, disse.
Depois de muitas audiências e ameaças do ex-síndico, além de
notificações da Prefeitura de Porto Alegre, o Passefica hoje funciona
com mesas na calçada da rua. Porém, além do ganho de causa para o uso do
recuo da calçada, o bar sofria outras acusações, como exceder o horário
de funcionamento dos bares da Cidade Baixa e causar mau cheiro no
local. “Nós estamos sempre orientando os clientes quanto a estas normas e
nunca tivemos problemas de desordem. Tenho testemunhas de moradores
inclusive”, alegou Jucele.
Algumas testemunhas acompanharam a audiência pública desta terça (16)
na 18º Vara Criminal do MP-RS, entre elas a cliente Graciela Carpio.
“Eu presenciei uma batida da Brigada Militar, atendendo a pedido de
algum denunciante, completamente abusiva e descabida. Ainda não era meia
noite (horário de funcionamento dos bares da Cidade Baixa) e
eles entraram dizendo que estava uma baderna. Só existiam oito pessoas
no bar, que inclusive foram embora depois daquilo”, conta. Graciela
optou em ficar no bar naquele dia e conversou com os policiais. “Eles
disseram que realmente não havia nada errado e pediram desculpas. Ao
saírem, no bar ao lado tinha uma festa muito agitada na calçada e eles
não fizeram nada. Esta intervenção foi apenas no Passefica, que já é um
local estigmatizado para as autoridades”, afirma.
A tese da perseguição por motivação preconceituosa com o local LGBT
também é acolhida pelos advogados de defesa da empresária. “Todas as
adequações à lei foram feitas. Nenhum descumprimento foi verificado no
período em que o processo vigorou. O fiscal do MP vistoriou e comprovou a
normalidade do bar. Porque a insistência na ação? Preconceito”, fala o
vereador Pedro Ruas (PSOL), um dos advogados da defesa do Passefica.
No histórico de ações que envolvem a motivação homofóbica justificada
pela dona do bar estão também autuações da Secretaria Municipal de
Indústria, Comércio e Serviço. Parte da ação, o ex-secretário Valter
Nagelstein não compareceu à audiência. Dois funcionários da pasta o
representaram.
“Estas medidas excessivas no regramento dos bares fazem parte de um
antigo processo de ‘higienização da cidade’. Os locais que são
considerados pontos de encontro de pessoas marginalizadas tem exigências
muito mais rigorosas do que os demais. É um estímulo ao fechamento
destes locais. As instituições, para não admitir que fecham bares, vão
exigindo uma série de obstáculos para o seu funcionamento. Foi o que
aconteceu com os bares do bairro Bom Fim que foram fechados para reforma
de três meses e tem seis anos que não abriram mais”, recorda a
companheira de Jucele, Karen D´Ávila.
O promotor da ação, Luciano Brasil, reconheceu a adequação do bar
Passefica às exigências da lei e o esforço de Jucele em manter o bar em
funcionamento. Ele fez questão de destacar que o órgão “é estranho ao
histórico de perseguição ao bar”. “Não sabíamos do extrato que vinha por
trás desta ação, por isso a acolhemos. Vimos que não há
irregularidades, portanto, não teria razões para dar continuidade ao
processo”, disse.
Por sua vez, o síndico e autor da ação, Ricardo Brum, aceitou o
acordo e pediu desculpas a qualquer inconveniente ou prejuízo causado ao
bar. “Não queria que isto tivesse ido tão adiante. Mas a multa e os
questionamentos judiciais atendem à necessidade de tranquilidade no
local, que também é residencial. Eu não sou homofóbico. Convivia com as
antigas inquilinas, que também eram homossexuais. Minha religião não
permite discriminação”, falou, explicando que é espírita.
O juiz João Ricardo dos Santos Costa declarou arquivado o processo
devido a constatação do MP-RS de o bar estar dentro das exigências
legais e em concordância com a Lei do Silêncio que vigora em Porto
Alegre. “Mas é importante nós reconhecermos a existência de preconceito
na nossa sociedade. É algo velado que se evidencia nas relações
comerciais e institucionais, mas existe. Não podemos negar. Enquanto
existir preconceito, não existirá a plena democracia”, argumentou. Para o
juiz, a atuação dos movimentos LGBT na visibilidade dos direitos
homossexuais é fundamental para enfrentar problemas sociais. “É só assim
que poderemos transformar a nossa sociedade”, disse.