quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Israel aprova plano de retirada de povoado sírio-libanês

O governo israelense aprovou nesta quarta-feira um plano para retirar suas tropas de parte de uma aldeia na fronteira libanesa, que tem sido motivo de atritos com o grupo guerrilheiro libanês Hezbollah e com a vizinha Síria.

O gabinete de segurança, formado por 15 integrantes do governo, aprovou por votação a desocupação da parte norte de Ghajar, mas não estabeleceu data. Os ministros disseram que antes disso será preciso discutir com as forças de paz da ONU no Líbano sobre a segurança da zona desocupada.

Israel capturou Ghajar, que fica ao pé das colinas do Golã, em 1967, quando a localidade pertencia à Síria. Posteriormente, uma demarcação do território libanês feita pela ONU abrangeu a parte norte da aldeia, deixando o sul sob controle de Israel.

Os moradores receberam cidadania israelense em 1981, mas se consideram sírios.

Em nota, o governo israelense disse que pretendia preservar "a segurança dos cidadãos de Israel e os meios de vida dos residentes da aldeia, que continua sendo uma unidade indivisível".

Israel deixou o norte de Ghajar em 2000, quando encerrou sua ocupação de 22 anos no sul do Líbano. Mas retomou a área em 2006, durante a guerra contra o Hezbollah, alegando que a aldeia era usada para ataques da guerrilha e para o tráfico de drogas.

O Hezbollah, aliado da Síria e do Irã, controla o sul do Líbano e tem ministros no governo libanês. Resistindo aos apelos por seu desarmamento, o grupo cita a presença israelense em Ghajar como prova de que a ocupação do território libanês continua e precisa ser combatida.

A Unifil (força da ONU no sul do Líbano) e o Hezbollah não se manifestaram sobre a decisão israelense.

Em agosto, o coordenador especial da ONU para o Líbano, Michael Williams, disse que a retirada israelense "faria muito para ajudar a restaurar a confiança" entre as partes em conflito.

Para os moradores, Ghajar deveria ser da Síria. "A aldeia deveria ser devolvida à Síria como parte de uma negociação diplomática", disse Najib Khatib, porta-voz da comunidade, à Rádio do Exército de Israel.

Tecnicamente em guerra, Israel e a Síria mantiveram negociações de paz indiretas ao longo das últimas duas décadas, com poucos progressos.

Israel anexou as colinas do Golã, algo que a comunidade internacional nunca reconheceu, e se recusa a discutir a devolução dessa área estratégica para a Síria. O governo sírio, por sua vez, rejeita a pressão israelense para que se distancie do Irã, do Hezbollah e de grupos militantes palestinos.

"Nenhuma autoridade do governo vem conversar conosco", disse Khatib. "As pessoas aqui estão amarguradas e frustradas. Estamos neste pesadelo há dez anos."

Paco de Lucía - 1


 
Paco de Lucia-Ricardo Modrego





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Créditos: Loooloblog

Está aberto o processo da ditadura contra Dilma




Superior Tribunal Militar acata pedido do jornal e libera acesso ao arquivo. Quais serão as consequências da divulgação das informações agora?

por Celso Marcondes, em CartaCapital




“STM libera processo da ditadura contra Dilma”: essa é manchete de capa da edição desta quarta-feira 17 do jornal Folha de S.Paulo. A matéria principal ocupa quase toda a página 4 e na abertura já comemora: “advogada da Folha diz que resultado é vitória ‘de toda a sociedade’ ”.
Essa “vitória” que o jornal encampa em nosso nome começou a ser organizada em setembro deste ano, quando a Folha protocolou mandado de segurança no Superior Tribunal Militar. Na ocasião, ela argumentou que era direito de todos os brasileiros saber o histórico da candidata antes que as urnas presidenciais fossem abertas.
No STM, o julgamento foi suspenso duas vezes, mas a Folha não se fez de rogada, em 19 de outubro apelou para o Supremo Tribunal Federal, na esperança de que ele determinasse a abertura dos arquivos antes da realização do segundo turno. Relatora do caso, a ministra Cármem Lúcia, devolveu o caso ao STM, que só agora, por 10 votos contra 1, liberou o acesso do ávido jornal paulistano ao processo.
Na próxima semana será publicada a ata da sessão e a partir daí os repórteres da Folha poderão se deliciar com a leitura de tudo o que os ditadores e seus funcionários escreveram sobre nossa presidenta eleita quando ela tinha cerca de 20 anos.
Até aqui, o que, em síntese, todos sabem, é que Dilma Rousseff combateu a ditadura militar desde muito jovem. Militou numa organização guerrilheira chamada Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares, ficou presa por mais de dois anos, foi torturada barbaramente e depois de libertada retomou sua vida no Rio Grande do Sul.
Do meu ponto de vista, é o suficiente, não preciso saber mais. Fico satisfeito em ter conhecimento que, mesmo usando de métodos que nunca aprovei, ela teve a coragem de combater os terroristas que tomaram de assalto o governo e o Estado brasileiro em 1964. Eram eles, como se sabe, militares, apoiados e sustentados por civis, entre os quais muitos empresários, inclusive da área de comunicação.
No entanto, para muita gente conhecer este resumo daquela fase da vida de Dilma não bastou. Desde o momento em que ela foi cogitada como candidata do presidente Lula, a internet foi dominada por uma onda de mensagens que questionavam o currículo militante da candidata. Taxada de cara como “terrorista” até uma ficha falsa foi montada, a descrever os atentados, sequestros e assaltos a banco nos quais ela teria se metido.
A mesma Folha, na época, foi o único jornal que embarcou na história da suposta ficha e a publicou em primeira página, com os devidos comentários desairosos. Sem ouvir antes a acusada. Revoltada, Dilma reagiu, pediu direito de resposta, o jornal foi obrigado a lhe dar espaço e a recuar na denúncia, reconhecendo que não tinha atestado a autenticidade da peça montada não se sabe aonde, o que se constituiu num dos episódios mais vergonhosos da história recente do jornal.
Porém, seus proprietários não pararam por aí e durante toda a campanha eleitoral colocaram jornalistas para investigar este período de sua vida. Não faltaram entrevistas com ex-companheiros de militância, nem com ex-militares ou carcereiros que teriam tido contato com Dilma nos anos 70. O que se buscava então era, digamos, algo mais concreto no currículo da militante: teria participado de algum sequestro ou assalto? Atirado ou matado alguém? Delatado companheiros? Em nenhum momento, porém, qualquer jornalista, depois de muitas entrevistas e pesquisas em outros arquivos que existem pelo País, conseguiu qualquer prova de participações ou atos da jovem de 20 anos em eventos semelhantes.
O que imaginavam os que pretendiam “conhecer melhor a história” da candidata era que, se acusada concretamente de participação numa ação violenta, haveria material de combustão suficiente para abalar sua campanha eleitoral. Numa sociedade pronta para ser comovida por campanhas conservadoras incentivadas por parte da grande mídia, é fácil imaginar a repercussão que teria uma manchete do tipo “Dilma participou de assalto que ocasionou morte de inocente”.
Esta manchete – ou similares – nunca chegou à televisão ou aos grandes jornais, embora tenha frequentado à exaustão a internet. Durante a campanha de José Serra, porém, cansamos de assistir a insinuação: “no meu currículo não há manchas, nem zonas obscuras”, ele dizia sempre, a deixar claro que o candidato “do bem” não tinha nada a esconder, mas a “do mal” deveria ter.
Às vésperas da realização do segundo turno, a liminar da Folha de S.Paulo endereçada ao STF gerou uma onda de rumores nas campanhas. Esperava-se que uma “grande novidade” vinda da abertura do processo causasse comoção suficiente para abalar a trajetória da candidata rumo à vitória nas urnas. A sabedoria da ministra Cármem Lúcia, porém, tirou do Supremo a responsabilidade pela decisão e inviabilizou o final da história antes do pleito.
Dentro de alguns dias o caso terá seu desfecho. Todo o Brasil saberá o que está escrito na ficha real de Dilma Vana Rousseff guardada no cofre militar até aqui.
Saberemos finalmente se a presidenta eleita – não diplomada ainda -, no auge dos seus 20 anos, participou ou não de assaltos, sequestros e atentados. Conheceremos também como foi seu comportamento nas masmorras.
Estará tudo lá, escrito, bonitinho, preto no branco, apenas marcado pela ação do tempo. Com carimbos, assinaturas, rubricas e protocolos. Também pareceres, fotos, recortes de jornais, talvez. Tudo com as devidas chancelas de Humberto de Alencar Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.
Os jornalistas da Folha devorarão avidamente as informações do processo e nos brindarão com um resumo delas. Outros órgãos de imprensa, como já fizeram no dia de hoje com a decisão do STM, repercutirão tudo.
Aí então, uma parte dos brasileiros dirá: nada me toca, continuo a admirar a coragem que a presidenta tinha aos seus 20 anos. Se ela de fato participou de algum ato violento, seus algozes já a fizeram pagar por isso. Mesmo assim, não reconheço nenhuma credibilidade nos arquivos infectos e nos processos manchados de sangue dos generais que escreveram o pior momento da nossa história. E credibilidade é matéria prima da imprensa.
Porém, haverá quem vá dizer: não avisamos? Vocês elegeram uma terrorista.
O efeito que este debate irá causar ninguém sabe medir. È fato, porém, que a Folha comemora hoje a “vitória de toda a sociedade”. Enquanto ela comemora, muitos arquivos e processos continuam fechados. E torturadores e seus mandantes caminham impunes por nossas ruas. Ou morrem de velhice.

* Celso Marcondes é jornalista, editor do site de CartaCapital e diretor de Planejamento da revistal.

Reflexões de Fidel Castro...

Panela de grilos

Nisso virou a reunião do G-20 em Seul, capital da República da Coréia.

O que é o G-20?, perguntarão muitos leitores saturados de siglas. Mais um engendro do poderoso império e seus aliados mais ricos que criaram o G-7: os Estados Unidos, o Japão, a Alemanha, a França, o Reunido Unidos, a Itália e o Canadá.  Depois decidiram admitir a Rússia no clube que então recebeu o nome de G-8.

Posteriormente se dignaram a admitir cinco importantes países emergentes: a China, a Índia, o Brasil, o México e a África do Sul. O grupo cresceu depois com a admissão de vários países da OCDE, mais outra sigla, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico: a Austrália, a República da Coréia e a Turquia. Ao grupo adicionaram a Arábia Saudita, a Argentina e a Indonésia, e totalizaram 19. O vigésimo membro do G-20 foi nada mais, nada menos que a União Européia. A partir deste ano 2010, um país, a Espanha, recebeu a singular nomeação de “convidado permanente”.

Outra importante reunião de alto nível internacional é levada a cabo quase simultaneamente no Japão, a da APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico). Se os pacientes leitores somam ao grupo anterior os países seguintes: Malásia, Brunei, Nova Zelândia, Filipinas, Singapur. Tailândia, Hong Kong, China Taipei, Papua-Nova Guiné, Chile, Peru e Vietnã, com importantes trocas comerciais e todos banhados pelas águas do Pacifico, têm o que é chamado APEC: Foro de Cooperação Econômica Ásia-Pacifico, o quebra-cabeça completo. Apenas lhes faltaria o mapa; um laptop pode subministrá-lo perfeitamente.

Nesses eventos internacionais são discutidos os aspectos fundamentais da economia e das finanças do mundo. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, com poder decisivo nos assuntos financeiros, têm dono: os Estados Unidos.

É importante lembrar que ao finalizar a Segunda Guerra Mundial, a indústria e a agricultura dos Estados Unidos estavam intactas; as da Europa Ocidental, totalmente destruídas excetuando as da Suíça e da Suécia; a URSS, materialmente arrasada e com enormes perdas humanas que ultrapassavam os 25 milhões de pessoas; o Japão vencido, arruinado e ocupado. Por volta de 80% das reservas em ouro do mundo passaram aos Estados Unidos.

De 1 a 22 de Julho de 1944, num isolado embora amplo e confortável hotel de Bretton Woods, pequena localidade do estado de New Hampshire no nordeste dos Estados Unidos, foi realizada a Conferência Monetária e Financeira da recém-criada Organização das Nações Unidas.

Os Estados Unidos obtiveram o excepcional privilégio de converter seu papel moeda em divisa internacional, conversível em ouro à taxa fixa de 35 dólares a onça Troy. Visto que a imensa maioria dos países deposita suas reservas de divisa nos próprios bancos dos Estados Unidos, o que equivale a um considerável empréstimo ao país mais rico do mundo, a conversibilidade ao menos estabelecia um máximo à impressão sem limites de papel moeda. E ao menos significava uma garantia para o valor das reservas dos países depositadas em seus bancos.

Partindo desse enorme privilégio, e tendo a emissão de notas a limitante de sua conversibilidade em ouro, o poderoso país aumentava seu controle sobre as riquezas do planeta.

As aventuras militares dos Estados Unidos na aliança com as antigas potências coloniais, principalmente o Reino Unido, a França, a Espanha, a Bélgica, a Holanda e a recém-criada Alemanha Ocidental, levaram-nos a guerras e aventuras militares que deixaram em crise o sistema monetário nascido em Bretton Woods.

Na época da criminosa guerra contra o Vietnã, país onde os Estados Unidos estiveram a ponto de usar as armas nucleares, o Presidente norte-americano decidiu de maneira unilateral e desavergonhada suspender a conversibilidade do dólar. Desde então a emissão do papel moeda não teve limites. Abusaram de tal forma desse privilégio que o valor da onça Troy de ouro passou de 35 dólares a cifras que têm ultrapassado já os 1 400 dólares, isto é, não menos de 40 vezes o valor que manteve durante 27 anos, até 1971 em que Richard Nixon adotou a funesta decisão.

O pior da atual crise econômica que afeta atualmente a sociedade norte-americana é que as medidas anticrise de outros momentos da história do sistema capitalista imperialista dos Estados Unidos não conseguiram reiniciar a marcha normal. Imerso numa dívida do Estado que se aproxima aos 14 trilhões de dólares, quer dizer, tanto quanto o PIB dos Estados Unidos, o déficit fiscal continua; os enormes gastos para salvar os bancos e a redução quase a zero das taxas de interesse apenas reduzem por baixo de 10% o nível de desemprego, nem o número de famílias cujas moradias estão a ser arrematadas. Crescem os gigantescos orçamentos destinados à defesa que ultrapassam os restantes do mundo, e pior ainda: os destinados à guerra.

O presidente dos Estados Unidos, eleito há apenas dois anos por um dos partidos tradicionais, sofreu a maior derrota nos últimos três quartos de século. Nessa reação misturam-se a frustração e o racismo.

O economista e escritor norte-americano William K. Black estampou uma frase memorável: “A melhor forma de roubar um banco é ser seu dono”. Os setores mais reacionários dos Estados Unidos afiam seus dentes fazendo sua uma idéia que seria a antítese da dos bolcheviques em outubro de 1917: “Todo o poder para a extrema direita dos Estados Unidos”.

Segundo parece, o Governo dos Estados Unidos com suas medidas tradicionais anti-crise, tomou outra decisão precipitada: a Reserva Federal anunciou que compraria 600 bilhões de dólares americanos antes da reunião do G-20.

Na quarta-feira 10 de novembro, uma das mais importantes agências de imprensa dos Estados Unidos informou: “O presidente Barack Obama chegou à Coréia do Sul para participar das reuniões dos 20 principais poderes econômicos do mundo.

“As tensões sobre políticas monetárias e interesses comerciais fizeram-se notar antes da cúpula do Grupo dos 20. O ambiente tornou-se quente devido a uma decisão dos Estados Unidos de inundar sua débil economia com 600 bilhões de dólares à vista. A manobra fez com que líderes do mundo fiquem enfurecidos.

“Obama, contudo, defendeu a medida tomada pela Reserva Federal.”

A própria agência comunicou à opinião mundial em 11 de novembro:

“Na quinta-feira, um forte sentimento de pessimismo caracterizou o início da cúpula econômica dos principais países ricos e em desenvolvimento, da qual participaram os líderes mundiais profundamente divididos sobre suas políticas monetárias e comerciais.

“Fundado em 1999 e elevado a nível de cúpula há dois anos, o Grupo dos 20 (G-20, um foro que abrange países desenvolvidos como os Estados Unidos e a Alemanha, e também a gigantes emergentes como a China e o Brasil) virou peça central dos esforços governamentais para reativar a economia global e evitar outro colapso financeiro mundial...”

“Um fracasso da Cúpula de Seul teria conseqüências graves. O risco é que os países tentem manter suas divisas artificialmente baixas para dar a suas exportações uma vantagem competitiva nos mercados mundiais e isso levaria a uma destrutiva guerra comercial.

“Além disso, os países ver-se-iam tentados a pôr taxas alfandegárias às exportações, uma repetição das políticas que agravaram a Grande Depressão da década de 1930.”

“Alguns países, como por exemplo, os Estados Unidos, acham que a máxima prioridade é pressionar a China para que permita a reavaliação de sua moeda ante outras divisas, de modo que diminuam os enormes superávits comerciais do gigante asiático com Washington ao encarecer as exportações chinesas e abaratar as importações estadunidenses.

“Outros países estão furiosos pelos planos da Reserva Federal estadunidense de fazer uma injeção de 600 bilhões de dólares frescos à débil economia do país. Eles vêem essa ação como uma medida egoísta para encher os mercados com dólares, diminuindo dessa maneira o valor da nota verde, oferecendo aos exportadores estadunidenses uma vantagem de preços injusta.

“Os países do G-20 [...] encontram pouco espaço comum no tema mais incômodo: o que se pode fazer com uma economia mundial que depende dos enormes déficit comerciais dos Estados Unidos com a China, a Alemanha e o Japão.”

“O presidente do Brasil, Luz Inácio Lula da Silva, advertiu na quinta-feira que o mundo iria à bancarrota se os países ricos fazem recortes em seu consumo e tentam de obter prosperidade só tendo como base as exportações.”

“Se os países mais ricos não consomem e todos querem espalhar sua economia com base nas exportações, o mundo irá à falência porque não existe alguém que compre. Todos querem vender...”

“A cúpula começou com certo pessimismo para Obama e o presidente sul-coreano, Li Myung-bak, cujos ministros não conseguiram chegar a um acordo sobre um tratado de livre comércio, estagnado há tempo e do qual havia esperanças para que fosse resolvido nesta semana.”

“Os mandatários do G-20 reuniram-se na quinta-feira à noite no Museu Nacional da Coréia em Seul para o jantar que marcou o início oficial da cúpula.”

“Nas ruas dos arredores, vários milhares de manifestantes protestaram contra o G-20 e o governo da Coréia do Sul.”

Na sexta-feira, dia 12 de novembro, a cúpula concluiu com uma declaração de 20 pontos e 32 parágrafos.

Como é de supor o mundo não é constituído apenas por 32 países em total que fazem parte do G-20 ou só a APEC. Os 187 que votaram a favor da eliminação do bloqueio a Cuba perante os dois que votaram a favor de mantê-lo e os três que se abstiveram, totalizam 192. Para 160 deles não existe tribuna onde possam falar sobre o saqueio imperial de seus recursos e seus urgentes necessidades econômicas. Em Seul a Organização das Nações Unidas nem sequer existe. Essa benemérita instituição não dirá ao menos uma palavra?

Por estes mesmos dias chegaram do Haiti notícias verdadeiramente dramáticas — onde um sismo matou em questão de minutos por volta de 250 mil pessoas em janeiro deste ano — através de agências de notícias européias:

“As autoridades haitianas advertem a rapidez com que a epidemia de cólera se estende pela cidade de Gonaives, na zona norte da ilha. O prefeito desta localidade costeira, Pierreleus Saint-Justin, garante ter enterrado pessoalmente 31 pessoas na terça-feira, à espera de sepultar mais 15 cadáveres.


“’Outros poderiam estar morrendo enquanto falamos’ declarou. [...] desde o dia 5 de novembro já foram inumados 70 corpos só na zona urbana de Gonaives, mas ‘são mais as pessoas que morreram em áreas rurais’ próximas à cidade.”

“... a situação ‘torna-se catastrófica’ em Gonaives  [...] as inundações provocadas pelo furacão ‘Tomas’ podem fazer com que piore a situação.”

“As autoridades sanitárias do Haiti anunciaram na quarta-feira que até o dia 8 de setembro o número de vítimas produto da doença tinha aumentado em todo o país a 643. O número de contagiados de cólera no mesmo período é de 9 971. As emissoras de rádio informam que as cifras que serão divulgadas na sexta-feira poderiam fazer referência inclusive a mais de 700 mortos.”

“... O governo assevera que a doença está a incidir gravemente na população de Porto Príncipe e ameaça os subúrbios da capital, onde mais de um milhão de pessoas continuam a viver em barracas de campanha desde o terremoto de 12 de janeiro.”

Hoje as notícias falam de 796 mortos e 12 303 pessoas afetadas.

Mais de três milhões de habitantes estão ameaçados, muitos deles vivendo em barracas de campanha e nas ruínas que deixou o terremoto, sem água potável.

A principal agência norte-americana informou no sábado:

“A primeira parte do Fundo Estadunidense de Reconstrução para o Haiti já está a caminho, mais de sete meses depois de ter sido prometida para ajudar à reconstrução do país após o devastador terremoto de janeiro.”

“... transferirá nos próximos dias 120 milhões de dólares — aproximadamente uma décima parte da quantidade total prometida — ao Fundo de Reconstrução do Haiti administrado pelo Banco Mundial, disse P. J. Crowley, porta-voz do Departamento de Estado.”

“Um assistente do Departamento de Estado disse que o dinheiro destinado ao fundo será utilizado em tirar o entulho, em moradias, créditos, apoio ao plano da reforma educativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento e para apoiar o orçamento do governo haitiano".

A respeito da epidemia de cólera, doença que já afetou durante anos muitos países da América do Sul, e que se pode estender pelo Caribe e por outras partes de nosso hemisfério, não foi dita  nem uma palavra.

*A tradução foi feita pelo Portal Cuba.

A memória histórica como campo da luta de classes (1ª parte)


Por Augusto Buonicore no sitio GRABOIS
 
Se perguntássemos para qualquer pessoa comum o que é história, elarapidamente nos diria: É algo que trata de fatos e personagens que existiram num passado mais ou menos distante. Estes três elementos (fatos, personagens e passado), sem dúvida, entrariam em duas de cada três definições do que seria História. E, ao referir-se ao passado, pensavam-na como uma coisa morta, que nada poderia nos dizer e, muito menos, nos ensinar sobre o presente.
Não é sem razão que no interior das salas de aula a história muitas vezes foi tida como uma disciplina chata. Isto se deu especialmente devido a pouca relação estabelecida entre o que era ministrado e os problemas concretos vividos pelos alunos. Não existia qualquer convicção de que o aprendizado da história pudesse ajudá-los desvendar e, principalmente, transformar o mundo em que viviam.

O problema é que o passado do historiador não deveria ser – e não é - algo morto, como o fóssil de um dinossauro encravado numa rocha ou exposto num museu. Os fatos, como uma espécie de matéria-prima da história, não são coisas mortas que apenas devem ser coletados e colocados numa seqüência rigorosamente cronológica.

Repito, não é possível estudar uma comunidade humana e seu desenvolvimento histórico como se fosse uma colméia ou um conglomerado de rochas. Estranhamente, este passado continua vivendo e produzindo seus efeitos sobre nós e é, justamente, por isso que deve ser estudado e melhor compreendido.

No caso das ciências humanas – ao contrário das ciências naturais e exatas – não há uma muralha da China separando o objeto a ser estudado (as sociedades) e o sujeito que o estuda (o historiador, o sociólogo etc.), mesmo tratando-se do estudo de agrupamentos que viveram há milhares de anos.
Para os antigos historiadores, de tendência positivista, os fatos eram como coisas brutas. Eles estavam permanentemente atrás dos fatos puros, duros e irretorquíveis.

Contra os fatos não há argumentos, gostavam de dizer. Contudo, os fatos não falam por si mesmos, como afirma o senso comum positivista. Segundo o historiador inglês Edward Carr, “os fatos falam apenas quando o historiador os aborda: é ele quem decide quais os fatos que vem à cena e em que ordem e em que contexto”. E conclui: “A convicção num núcleo sólido de fatos históricos que existem objetiva e independentemente da interpretação do historiador é uma falácia absurda, mas que é muito difícil de ser erradicada”.

No entanto, o historiador que se propõe fazer perguntas ao passado não é um ser desencarnado, separado do mundo. Ele é membro de uma determinada sociedade, de uma determinada época, de uma determinada classe social. Ele se encaixa no interior de determinadas ideologias e perspectivas teórico-metodológicas, que, na maioria das vezes, têm um forte sentido classista. Portanto, o historiador não é neutro diante dos conflitos e dos problemas que aparecem à sua frente durante a pesquisa que realiza.

É sua situação no mundo que determina as perguntas e as escolhas cotidianas que faz. Isto, é claro, vai direcionar as respostas que ele procura encontrar. Um historiador liberal-burguês, por exemplo, jamais colocaria a questão: De onde vem a exploração do trabalho? Para ele, o conceito exploração nada teria de científico, não passaria de uma excrescência ideológica - invenção de alguns socialistas inconformados.

A história não é a simples catalogação neutra de fatos ocorridos no passado. A missão dos historiadores é relacioná-los numa totalidade concreta (processo histórico) e, principalmente, interpretá-los. E a interpretação sempre tem por base determinada teoria ou ideologia. A partir dos mesmos fatos podemos construir várias e contraditórias interpretações.

O historiador marxista tem como objetivo fornecer uma explicação coerente das origens e desenvolvimento das sociedades humanas em suas diversas dimensões. Compreender as inúmeras transformações por que elas passaram. As mudanças sociais devem ser, em última instância, os verdadeiros objetos da história.

As sociedades humanas – como tudo no universo - estão num constante movimento. Elas nascem, desenvolvem-se - conhecem várias fases – e depois fenecessem. Estas transformações podem se dar lentamente – quase imperceptíveis - ou de maneira abrupta, como ocorre nas guerras e nas explosões revolucionárias.

Mas, qual é o motor dessas permanentes mudanças? São as contradições existentes no seio de cada sociedade, que se traduzem naquilo que os marxistas chamaram de lutas de classes.

Por que os trabalhadores devem conhecer a história?

Em todas as comunidades humanas existe um combate surdo pela memória. Este combate faz parte de uma luta ainda maior que é a travada pela conquista da hegemonia. Em outras palavras, a história é um espaço no qual grupos sociais se enfrentam para decidir qual deles dirigirá os rumos da nação e mesmo do planeta.

Por isso, as classes dominantes sempre procuraram reconstruir o passado para, no presente, justificar sua própria dominação. Os líderes das nações imperialistas também buscaram se utilizar da chamada história universal para justificar a dominação e a exploração que exerciam sobre outros povos, considerados inferiores.

Vejamos alguns exemplos extremos destas tentativas: os faraós do Egito foram transformados em filhos diletos do Deus Rá, alguns governantes gregos e romanos também foram transformados em descendentes de deuses e heróis olímpicos. Para justificar a escravidão africana, os negros foram considerados descendentes de Cam, o filho amaldiçoado de Noé. Deveriam pagar, através da servidão, pelos pecados de seus antepassados. Estes são apenas exemplos mais descarados da reconstrução mítica da história feita pelos membros das classes proprietárias no poder e seus escribas. Existem outros exemplos mais sutis, menos perceptíveis, mas, nem por isso, menos perversos.

Os deserdados da terra, os povos explorados, escravizados - ou mesmo eliminados - deixaram poucos rastros na história. Os escravos do Egito, Roma e Grécia não nos deixaram nenhuma obra escrita, apresentando seu ponto de vista sobre a situação na qual viviam. Quem escreveu a história dessas sociedades antigas foram homens livres e, na sua quase totalidade, proprietários de terras e de escravos. Alguns imperadores, também, aventuraram-se no oficio de escrever história. É claro que para enaltecer os seus próprios feitos e dos seus antepassados.

No Brasil, as coisas não podiam ser diferentes. Aqui, também, não foram os índios e negros escravizados que escreveram a história do país. Afinal, a quase totalidade deles não sabia ler e escrever – era lhes proibido freqüentar escolas. O que sabemos deles, num primeiro momento, nos foram contados por viajantes estrangeiros e jesuítas. Relatos que muitas vezes descreviam o martírio desses povos, mas, em geral, vinham carregados de inúmeros preconceitos e graves incompreensões.

Somente na segunda metade do século XIX, ao começar ser questionada a escravidão, surgiu pela pena dos abolicionistas uma outra história, mais crítica ao passado escravista. Mesmo assim, apesar de sua boa vontade, os abolicionistas não poderiam expressar adequadamente as opiniões dos explorados. E aqui não vai nenhum demérito a eles. Pois, foi através dos óculos desses escritores que começamos conhecer um pouco mais da evolução e vicissitudes de nossa sociedade.

Não quero dizer com isto que se os índios e os negros escravizados soubessem ler e escrever produziriam uma interpretação exata da sociedade na qual viviam. Eles ainda não tinham o instrumental teórico necessários para isso. Mas, com certeza, seus depoimentos nos permitiram ver a realidade por outros ângulos e acabar de montar o quebra-cabeça do que foi a nossa sociedade colonial e escravista. O olhar da senzala jamais será o mesmo da Casa Grande, mesmo que por ela pudesse ser fortemente influenciado. Este, inclusive, o erro daqueles que pretendem generalizar as conclusões de Gilberto Freyre na sua obra magna.

Podemos dizer que somente com o advento do capitalismo e a formação de uma classe operária moderna, que sabia ler e escrever – podendo, assim, produzir seus próprios intelectuais orgânicos -, é que foi possível construir uma história mais coerente das classes exploradas. Apesar disso, por um bom tempo, esta nova história (socialista) tendeu a ser marginal, fora dos grandes circuitos, como as academias e o mercado editorial. Afinal, as idéias dominantes são sempre – ou quase sempre – as idéias das classes dominantes.

Somente tendo a consciência que a história é um espaço de luta de classes, os trabalhadores poderão se dedicar com mais afinco ao seu estudo e elaboração. O domínio da história e da dinâmica das sociedades em que vivem – como das experiências de resistência desenvolvidas por seus antepassados - os ajudará travar, de maneira mais conseqüente, as lutas do presente, avançando rumo ao socialismo.

Saber que as sociedades se transformam – que nada é imutável -, e que o principal instrumento dessas mudanças é a ação consciente dos homens, tem um efeito decisivo no processo de constituição da classe dos trabalhadores, como agente ativo de sua própria história.

O combate à discriminação e a educação antirracista



VERA ROSANE RODRIGUES DE OLIVEIRA no sitio do CPERS


Este artigo tem como preocupação a relevância do combate à discriminação racial através das lutas impelidas pelo Movimento Social Negro Organizado, o qual nos últimos 90 anos privilegia como eixo central de suas reivindicações a educação, enquanto elemento capaz de possibilitar as mudanças de “ideias”, a fim de combater o racismo. Há muito as organizações negras lutam contra a discriminação racial intuitivamente ou não tendo na educação um de seus pilares para sua inclusão no mundo do trabalho. No entanto, é necessário vermos esta questão na perspectiva da sociedade de classes, que utiliza das diferenças sejam elas quais forem, em especial das diferenças raciais, para melhor explorar o conjunto da classe oprimida.
Assim, com a conotação de que o racismo se constituiu ideologicamente e se pauta na discriminação racial para criar as desigualdades de oportunidade e de acesso que dão origem as mais variadas formas de exploração social, que são percebidas nos campos econômico/político-jurídico e cultural e que constituem as bases da dominação e da exclusão social. Neste prisma, deve-se analisar a educação como parte de um processo ideológico de manutenção da hegemonia da elite racialmente dominante.
Pois, como salienta Lia Faria em seu artigo intitulado O papel da Escola no Processo de reversão (ou eliminação) da exclusão social (1996, p. 9-10): Longe de ser uma prática desinteressada e neutra, a educação é um importante instrumento de reprodução social, impondo ao educando o modo de pensar considerado correto, a maneira ״cientifica˝, ״racional˝, ״verdadeira˝ de se entender e explicar a sociedade, a família, o trabalho, o poder, bem como os modelos sociais de comportamento, as formas tidas como corretas de se comportar na família e no trabalho, de se relacionar com Deus, a autoridade, o sexo oposto, os ״subalternos˝.
Esta característica de reprodução de comportamentos trazida por Faria é significativa, principalmente em uma conjuntura onde as demandas por políticas de combate ao racismo, pautadas pelo Movimento Social Negro, começam a ver seus limites estruturais. Não importando se sejam elas políticas educacionais de inclusão como as Cotas e a Lei 10.639 com um caráter mais pedagógico ou mesmo as que tangem aspectos mais globais como o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em agosto deste ano de 2010 e que desconstitui ações voltadas para saúde da população negra e dos Territórios de Quilombos.
 A educação e todo o processo educacional devem ser entendidos enquanto partícipe em uma análise aprofundada e seu aspecto de manutenção da ordem discriminatória. Porém, existe uma determinada postura de mudança que também necessita ser observada, pois o movimento social negro ao optar como forma de reorganização da luta a educação, aposta na mesma como instrumento possível à mudança de mentalidade. Segundo Giroux (1988, p. 32), “a escola é uma das esferas públicas, juntamente com as associações de classe, sindicatos e partidos, isto é, espaços onde a sociedade discute e procura soluções para os seus problemas coletivos”.
As organizações negras há muito já entenderam isso. Mesmo antes do final da escravidão, o Estado Brasileiro enquanto Instituição já tinha a preocupação de determinar os critérios de acesso ou possibilidades aos negros na escola.
O Decreto nº 1.331 de 17 de fevereiro 1854 proíbe nas escolas públicas do país a admissão de escravos e prevê a instrução de adultos negros dependendo da disponibilidade do Professor. Ainda, o Decreto nº 7.031-A, de 06 de setembro de 1878, estabelece que os negros pudessem estudar no horário noturno. Teve-se ainda neste período a Lei Eusébio de Queirós, que aboliu o tráfico negreiro no Brasil, e ao mesmo tempo a Lei que regulamenta a posse e venda de terras.
Observa-se, assim, que a desigualdade entre brancos e negros não se deu de forma particularizada e individualizada, pelas potencialidades dos sujeitos. Mas se consubstancia por vias institucionais da Coroa Real.
Segundo Gohn (1995, p. 42), “as revoltas eram constantes, sendo a da Bahia uma das mais significativas. O apoio à causa da abolição começava a aparecer, vindo a ser transformado nas décadas seguintes na principal questão do país”. A história oficial nos induz a crer que as lutas negras nunca se deram de forma organizada. No entanto, pode-se citar apenas um dos vários exemplos que retratam o quanto é necessário se re-estudar a história: em 1857, trinta anos antes da abolição da escravatura, houve no Rio de Janeiro a primeira Greve de Escravos-operários do Brasil, Gohn (ibid).
Este fato é significante, uma vez que a maioria dos acadêmicos, bem como os militantes sindicais no país, reconhece as lutas organizadas apenas a partir do anarco-sindicalismo, ou seja, do ingresso da imigração Italiana.
Problematizar estes elementos dá sentido às indagações levantas pelo Professor Cunha Junior, de que a produção acadêmica, conta apenas a história dos eurodescendentes, seja pelos setores mais reacionários ou progressivos da intelectualidade. Ou como ainda expresso pelo militante trotskista, James Cânon (2000, p. 03):O movimento socialista anterior [...] jamais reconheceu a necessidade de um programa especial para a questão do negro. Esta era considerada pura e simplesmente um problema econômico, uma parte da luta entre os operários e os capitalistas, a ideia era que não se podia fazer nada sobre os problemas especiais da discriminação e desigualdades antes da chegada do socialismo.
Trilhar o caminho constituído pelo movimento negro até a formulação de que o Estado tem papel emblemático, através das políticas públicas e ações afirmativas como forma de reparações aos crimes da escravidão é fundamental. Em 2001 na III Conferência Internacional Contra o Racismo, a Discriminação, a Homofobia e todas as formas de Intolerância, Correlatas, em Durban, na África do Sul, o racismo foi reconhecido como Crime que Lesa a Humanidade. É preponderante para se perceber a possibilidade da mudança estrutural das condições de desigualdade vividas pelos negros.
A política de cotas em sua formulação atual é um anseio da história contemporânea. No entanto, tem suas raízes desde as associações de ajuda mútua do início do século XIX, passando pela Frente Negra Brasileira e o Teatro Experimental do Negro, a fundação do Movimento Negro Unificado, em 1978 até a configuração da Lei de Cotas em 2001.
Entender o papel educativo da luta negra inferindo no papel social da educação é contribuir no processo de desalienação em que o capitalismo submete a todos de uma forma indistinta, criando a divisão dos próprios trabalhadores, seja, pelas questões de exploração de classe através de salários e condições de trabalho diferenciadas, entre negros e brancos, homens e mulheres, seja pelas possibilidades de acesso aos recursos institucionais, como escolas, universidades, trabalho e outros.
Pois, tanto as relações sociais de produção, e reprodução, como a escola educam o trabalhador para divisão, e essa divisão gerada é que permite que o conhecimento científico e o saber prático sejam distribuídos desigualmente. Assim, também não nos permite entender o processo de construção das relações sociais e do mundo do trabalho.
Estes elementos emblemáticos necessitam ser analisados e incorporados ao espaço da sala de aula, visto ser premente políticas públicas e ações afirmativas como cotas nas universidades, nos serviços públicos, salário igual para trabalho igual, a real implementação da Lei 10.639 ou mesmo a re-discussão de um Estatuto da Igualdade Racial que leve em consideração não apenas os termos raça, racial, escravidão e discriminação que foram abolidos, mas que reveja recursos para implementação de todas as ações necessárias principalmente na educação.

VERA ROSANE RODRIGUES DE OLIVEIRA  é doutaranda em Educação/UFRGS

A elite chama de populismo a democratização das decisões

Saul Leblon no Carta Maior

A liderança pública do presidente Lula é sempre denunciada pelos liberais como de tipo populista, ou de tipo carismático personalista. Essa caracterização contrasta com o ethos participativo estimulado pelo governo. Quais são, depois de oito anos, as principais conquistas democráticas nessa área?


Luiz Dulci -- Lula não tem nada de populista. Ele sempre defendeu uma sociedade civil forte e independente, o contrário do que faz o populismo. Sempre apoiou os movimentos populares autônomos e críticos. Ajudou a construir muitos deles, nos últimos 35 anos. Aliás, seu carisma, que é essencialmente vinculado a um projeto coletivo de emancipação social, e não personalista, afirmou-se justamente nesse trabalho árduo, cotidiano de conscientização e organização das classes populares. E o governo Lula empenhou-se, desde o início, em construir uma nova relação do Estado com a sociedade. Uma relação de diálogo permanente e de respeito pela autonomia dos movimentos. E, principalmente, de democratização das decisões. O próprio Lula tem dito que a democracia participativa é uma das maiores conquistas, uma das marcas do seu governo, a ser preservada e ampliada. De fato, houve uma mudança completa no modo de elaborar as políticas públicas. Mudou também, estruturalmente, a forma de implementá-las e avaliá-las. Antes, as políticas eram decididas exclusivamente pelos técnicos e dirigentes dos ministérios. Só os gestores públicos participavam. A partir de 2003, a população invadiu o processo (e foi convidada a invadilo). As políticas passaram a ser formuladas junto com os movimentos sociais nas conferências, conselhos e mesas de diálogo. O maior exemplo disso são as conferências de políticas públicas. Já foram realizadas 73 conferências nacionais, sobre os mais diversos temas. Desenvolvimento, geração de emprego e renda, inclusão social, saúde, educação, meio ambiente, direitos das mulheres, igualdade racial, reforma agrária, juventude, direitos humanos, ciência e tecnologia, comunicação, diversidade sexual, democratização da cultura, reforma urbana, segurança pública, entre muitos outros. Até os brasileiros que vivem no exterior já puderam participar de duas conferências, com delegados de dezenas de países. Elas têm, como se sabe, um formato congressual. Começam nos municípios, depois há os encontros estaduais, que finalmente convergem para o evento-síntese em Brasília. Mais de 5 milhões de pessoas participaram dessas conferências, nas suas várias etapas. Também os conselhos de políticas públicas, que hoje existem em todas as áreas, com efetiva presença da sociedade civil, cumprem papel fundamental. Diversos deles foram inteiramente reformulados e democratizados; outros, que haviam sido extintos no período neoliberal, foram recriados. É o caso do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). E outros foram implantados por Lula, como os conselhos de Desenvolvimento Econômico e Social, da Juventude, das Cidades, de Participação Social no Mercosul etc. Sem falar nas mesas permanentes de diálogo: a mesa com as centrais sindicais sobre a valorização do salário mínimo; a mesa tripartite canavieiros usineiros governo; e as mesas da agricultura familiar, das mulheres camponesas, do funcionalismo, dos atingidos por barragens, da moradia popular... Todos os grandes projetos do governo Lula, inclusive o PAC e o Minha Casa, Minha Vida, foram previamente debatidos com a sociedade civil.



As conferências nacionais temáticas não são em geral deliberativas, mas participam do sistema decisório do governo, desde a construção de agenda, de prioridades, até a viabilização de compromissos assumidos com os delegados. Quais são as funções das conferências nacionais na experiência de construção de políticas públicas do governo Lula?


Luiz Dulci --As conferências são deliberativas, sim, pois discutem e aprovam propostas a serem encaminhadas ao Executivo e ao Legislativo. O que elas não são é impositivas, pois isso seria descabido no regime democrático. Trata-se, justamente, de superar essa falsa dicotomia entre representação e participação. Na democracia contemporânea, as instituições representativas são imprescindíveis, ainda que, no caso brasileiro, careçam de reformas profundas. Mas elas não excluem o que Boaventura Santos chamou de uma escuta forte à sociedade. O governo não pode e não deve transferir suas responsabilidades às conferências. Ele as compartilha. Delegados dos ministérios participam ativamente dos grupos de trabalho e das plenárias. Opinam, divergem, concordam, interagem o tempo todo com os cidadãos e os militantes sociais. O próprio presidente Lula compareceu a dezenas de conferências. Isso significa que o governo é parte integrante do processo e compromete-se a levar em conta seus resultados. As deliberações das conferências incidiram fortemente nas políticas públicas implementadas pelo nosso governo. Muitas se tornaram projetos de lei, já aprovados, ou estão em tramitação no Congresso Nacional. Outras, por meio de decretos ou portarias, foram imediatamente postas em prática. E, mesmo quando não era possível concretizá-las de imediato, incorporaram-se à agenda de debates do governo e do país.



Em que medida a discussão e a definição do orçamento nacional podem ser democratizadas? O âmbito nacional impõe obstáculo diverso ao da experiência consagrada do orçamento participativo municipal?

Luiz Dulci -- Em princípio, acho que a democracia participativa pode ser adotada com proveito em todas as esferas de governo. A escuta forte que mencionei será sempre valiosa, por mais complexas e especializadas que sejam algumas políticas. Nas 73 conferências, sem exceção, foram debatidas questões orçamentárias e aprovadas demandas de inversão de prioridades na alocação de recursos. Os conselhos também discutem intensamente temas orçamentários e monitoram de perto a execução dos investimentos públicos. E é claro que as reivindicações negociadas nas mesas permanentes têm impacto direto no orçamento, em benefício dos setores populares. O governo Lula sempre acolheu essas preocupações. No entanto, penso que o chamado ciclo orçamentário isto é, o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Orçamento propriamente dito (Loas) também pode ser, de alguma maneira, objeto de interlocução específica com a sociedade civil. Já acumulamos uma boa experiência nesse sentido. Mas é preciso encontrar a forma adequada
para fazê-lo. Não acredito, sinceramente, na transposição mecânica do orçamento participativo municipal para o âmbito federal. O OP local tem um caráter de participação direta, inclusive do cidadão individual, que é impossível manter num universo potencial de quase 200 milhões de pessoas. Além disso, a escala territorial é outra, os condicionamentos institucionais são completamente diferentes, o próprio Congresso Nacional tem atribuições na matéria que as Câmaras de Vereadores não possuem. Mas nessa área também é importante a participação social. Será preciso bolar um formato ao mesmo tempo legítimo e eficaz. Talvez ela possa ser feita por meio de entidades populares representativas. A Secretaria-Geral da Presidência chegou a propor aos movimentos sociais um conselho de acompanhamento do ciclo orçamentário. No próximo governo, quem vier a coordenar o diálogo com a sociedade civil poderia, quem sabe, retomar essa ideia.



Em que grau se pode falar na projeção de um sistema federal de participação? Como esse sistema se relacionaria com as funções e a representação do Congresso Nacional?

Luiz Dulci -- Os canais de participação criados e/ou recriados pelo governo Lula conferências, conselhos, mesas de diálogo, ouvidorias etc. já constituem, na prática, um embrião desse sistema. O desafio agora é consolidá-lo, garantindo maior integração entre seus vários instrumentos (das conferências com os conselhos, por exemplo). Além disso, será importante ampliar a qualificação específica para os processos participativos, tanto no governo quanto nos movimentos sociais. Foi o que procuramos fazer com o Programa de Formação de Conselheiros, promovido pela Secretaria-Geral em parceria com a UFMG. Além de quadros do governo, 4.372 lideranças e militantes sociais frequentaram os cursos, gerando uma boa massa crítica. Entre as monografias aprovadas, há algumas que abrem novas perspectivas teóricas e práticas para a democracia participativa. Criar no governo federal a figura do gestor de participação social seria um grande avanço. E é claro que será necessário institucionalizar, mantendo sua flexibilidade política e organizativa, todos os canais que ainda não estão garantidos em lei. Quanto ao Congresso Nacional, como já disse, acho que participação e representação podem e devem ser complementares. Não se trata de substituir uma pela outra, mas de criar entre elas uma saudável dialética política, na qual as duas têm muito a ganhar. Aliás, a Constituição Federal prevê a participação social tanto no Executivo como no Legislativo, com as audiências públicas e os projetos de lei de iniciativa popular.



Na história brasileira, consagrouse, com a herança do período varguista, o formato corporativo de representação de interesses. Em que medida o ethos participativo estimulado pelo governo Lula se relaciona com essa tradição e em que sentido procura ultrapassar seus limites?

Luiz Dulci --Acho que é preciso fazer uma distinção. Nem tudo o que é setorial é corporativo . Há interesses setoriais que não são puramente particulares nem exclusivistas, ou seja, eles não se chocam com os interesses gerais da população. Pelo contrário: servem a eles. É o caso da luta da área da saúde em defesa do SUS, por exemplo, ou da mobilização dos trabalhadores pelo salário mínimo, que é um poderoso fator de desenvolvimento. Mas é importante que os movimentos sociais não sejam setorialistas, que eles dêem conta de inserir suas causas específicas num projeto global de sociedade, capaz de universalizar direitos. Acho que isso está ocorrendo. A luta da agricultura familiar tornou-se também a luta pela segurança alimentar. As centrais sindicais, além dos temas trabalhistas, discutem com o governo aspectos estruturais da política econômica, como a redução dos juros, a ampliação do crédito, os incentivos ao mercado interno, a descentralização industrial. Na verdade, negociam cada vez mais uma estratégia nacional de desenvolvimento. Na crise financeira internacional, isso ficou muito evidente. De imediato, governo e centrais pactuaram um conjunto de medidas para evitar a recessão, sustentar a atividade produtiva e garantir o nível de emprego.



Como a experiência de participação do governo Lula se vincula às tradições dos movimentos sociais? Como fugir aos dilemas da cooptação e do conflito?


Luiz Dulci -- Muitos dos movimentos sociais brasileiros se constituíram na luta contra a ditadura. Com uma cultura, por isso mesmo, fortemente defensiva, autoprotetora, de enorme desconfiança em relação ao Estado. E não podia ser diferente, pois naquela época reagíamos ao Estado-repressor, ao Estado-tecnocrata, ao Estado-cooptador (não raro, essas dimensões se mesclavam). Essa desconfiança se acentuou durante o período neoliberal, com a privatização avassaladora e o empenho sistemático para desconstituir a sociedade civil, desagregá-la, pulverizá-la. No governo Lula, o maior desafio foi inverter essa equação. Fazer com que as classes populares, e suas organizações, assumissem uma atitude criativa perante o Estado. Fazer com que pensassem o Estado como potencialmente a serviço das maiorias sociais. E se dispusessem a interferir nas decisões do Estado, disputando democraticamente as suas escolhas. O que implicava, necessariamente, aproximar-se dele, apropriar-se de um saber sobre as políticas públicas, sem abrir mão da independência nem do direito à crítica. Exercendo a autonomia numa relação politizada com o Estado e não por virar as costas a ele ou por manter-se longe dele, numa atitude de negação absoluta, que acaba por ser paralisante. Estou convencido de que a maioria dos movimentos sociais soube renovar-se culturalmente e assumir um novo protagonismo, sem o qual não haveria sustentação popular para as reformas sociais promovidas pelo governo Lula. É preciso dizer que, nesses oito anos, a imprensa conservadora fez campanha permanente para desqualificar os movimentos sociais e sua relação com o governo. Usou para isso três armas poderosas: a invisibilidade, a desmoralização e a aberta criminalização. Ela simplesmente escondeu, cancelou do noticiário, as principais mobilizações populares do período e as conquistas obtidas, no afã de carimbar as entidades civis como omissas, cooptadas. A julgar pelas TVs, rádios, revistas e jornais, com raríssimas exceções, é como se não tivessem existido as três grandes marchas da classe trabalhadora pelo emprego e pelo salário, cada uma delas levando a Brasília 40 mil, 50 mil participantes; ou os Gritos da Terra, realizados anualmente em todo o país; ou as enormes caravanas da agricultura familiar e da reforma agrária; sem falar nas esplêndidas Marchas das Margaridas, que nunca contaram com menos de 30 mil mulheres do campo; ou as diversas e massivas jornadas de luta estudantil em defesa da escola pública; e os dias nacionais da consciência negra e dos direitos das mulheres, entre tantos exemplos que poderíamos citar, nos mais variados setores da vida brasileira. Toda essa vitalidade democrática foi, na verdade, deliberadamente omitida para não desmentir a tese preconcebida da desmobilização completa dos movimentos e de sua suposta estatização . Em alguns casos, tentou-se criminalizá-los, promovendo CPIs (das ONGs e do MST), quebra de sigilos bancários de militantes, processos judiciais etc. Caso contrário, essa mídia teria que admitir que, se não há mais manifestações contra a Alca, é porque derrotamos a proposta da Alca, e hoje avança a integração soberana dos povos do continente; se não há mais atos públicos contra as privatizações, é porque não há mais privatizações, e sepultou-se o dogma destrutivo do Estado mínimo ; se não há protestos contra o desemprego e o arrocho salarial, é porque o país criou, durante o governo Lula, 14 milhões de novos postos de trabalho e a classe trabalhadora teve expressivos ganhos reais, com forte elevação da massa salarial. O que eles não percebem é que, hoje, os movimentos sociais não estão mais na fase de resistência. Junto com o país, passaram à ofensiva. Já não lutam para impedir a supressão de direitos, como acontecia nos governos de Fernando Henrique, e sim para ampliá-los e universalizá-los. Mobilizam-se, a partir de sua autonomia, para aproveitar os espaços de democracia participativa e alargá-los ainda mais. Querem intensificar o atual ciclo de crescimento econômico, distribuindo cada vez melhor os seus frutos. Lutam para que os recursos do pré-sal beneficiem o conjunto da população e sejam de fato destinados à igualdade social e à revolução educacional, cultural e científica a que o país almeja.

Olurun Eke e a República incompleta

Gilson Caroni Filho - no Correio do Brasil

Ao incluir o Dia da Consciência Negra no calendário escolar, a lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, não propiciou apenas um resgate da história dos povos negros. Foi bem além. Ensejou a necessidade de um novo olhar sobre culturas que, ao contrário da postulação ocidental, não colocam a questão da Verdade, de conteúdos absolutos e inarredáveis, de essências escondidas atrás de formas ou aparências. Sua riqueza é de outra ordem. E talvez este seja o significado mais profundo do dia 20 de novembro: memória e resistência como possibilidades históricas.
Para os que estudam a cultura afro-brasileira, é importante registrar a dinâmica de suas origens. Nelas, observamos uma espécie de culto da forma pela forma, algo como a valorização das dimensões plásticas. Seus mitos, rituais, danças, jogos e orações não remetem a quaisquer referências que lhes sejam exteriores, não expressam “outra coisa”, não são aparências de uma essência. Portanto não podem ser “decifrados”, “interpretados” ou “descobertos”, como ainda pretendem algumas de nossas teorias da cultura, herdeiras do ranço etnocêntrico do velho colonizador.
É o que apreciamos na aparentemente inconciliável visão de mundo que parece existir em alguns poetas negros, como Solano Trindade (1908-1974). Em versos como “A minha bandeira/ É da cor de sangue/ Olurun Eke/ Da cor da revolução/ Olurun Eke”, há uma estranheza que parece apontar para ausência de sentido lógico. Pura ilusão. O que lemos são instantes culturais, sínteses de uma vida vivida, de um artista ao sentir a realidade trágica do que é ser negro, também no Brasil.
Na verdade, do ponto de vista dos afro-descendentes, as expressões artísticas são mais para serem percebidas sensorialmente, vistas com a Alma, do que para serem “entendidas”. Existe, portanto, uma defasagem entre aquilo que se quer dizer de um lado, e o que se consegue transmitir na realidade. É exatamente neste espaço que o negro brasileiro consegue criar as coisas mais bonitas de sua produção simbólica e de maior valor para sua negritude.
Ser negro no Brasil de 2010 é, culturalmente, assumir a Alma Popular: é pensar a partir do ponto de vista do povo. É, sobretudo, estabelecer sintonia ideológica com as classes sociais que foram exploradas durante nossos 510 anos de história. O grande saque que se iniciou com a invasão portuguesa, por causa do pau-brasil, continuou e prosperou até depois da Independência, sempre a beneficiar os brancos. Consolidou-se com a Abolição/Proclamação da República, e continua até os nossos dias.
No terceiro milênio, da perspectiva do negro, a paz, objetivo perseguido por toda a espécie humana, passa necessariamente pela resolução dos problemas que o grande saque, ocidental e cristão, criou para a negritude. No Dia da Consciência Negra, é preciso repudiar a História do Brasil como um suceder de arranjos, combinações, “jeitinhos” em que o conflito nunca aparece ou, se vem à tona, é considerado como “coisa externa à nossa gente”.
O processo de desestruturação do mito da “democracia racial” no campo teórico tem avançado muito nos últimos anos. Já no terreno social e da luta política, apesar das políticas públicas implementadas recentemente, o atraso ainda é considerável. Por isso, é necessário resgatar a memória histórica dos negros, em todos os tempos e sentidos. Olurun Eke, para que a República seja proclamada em definitivo.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior, colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.

Filme mostra como o Opus Dei dilui fronteiras entre o fanatismo e a psicopatia


Por Marco Weissheimer

“É um filme contra o obscurantismo, a dor e os fundamentalismos neste país”. Foi assim que o cineasta espanhol Javier Fesser recebeu, em fevereiro de 2009, seis estatuetas do Goya (prêmio máximo do cinema espanhol) pelo filme “Camino” (“Um caminho de luz”, em português): melhor filme, melhor realizador (Javier Fesser), melhor atriz (Carmen Elías), melhor atriz revelação (Nerea Camacho), melhor ator coadjuvante (Jordi Dauder) e melhor roteiro.
O obscurantismo e o fundamentalismo ficam por conta da Opus Dei, organização ultra-conservadora da Igreja Católica que desafia as fronteiras entre o fanatismo, a psicopatia e a sem-vergonhice. “Camino” é uma homenagem pessoal de Fesser a uma menina de 13 anos chamada Alexia González-Barros e mostra a maneira como a Opus Dei manipula a sua doença e a transforma num sacrifício que se deve oferecer a Deus. Na tela, é retratada pelo nome de Camino, em referência ao livro homônimo de Josemaría Escrivá de Balaguer, fundador da ordem.
O fanatismo católico está presente dentro da casa da menina, encarnado no corpo da mãe, uma carola fundamentalista que vai se confessar para pedir perdão por desejar um milagre que salvasse a vida da própria filha. Em retribuição a esse infinito amor maternal, a filha, Camino, vê a mãe como uma espécie de demônio em seus sonhos.
“Camino” (disponível nas locadoras) é um filme extraordinário que trata de um tema extremamente duro, mesclando uma corrosiva crítica ao fanatismo religioso e um olhar doce e cheio de imaginação da menina que sofre a terrível coincidência de encontrar seu primeiro amor, um menino chamado Jesus, e descobrir que tem um agressivo câncer. Submetida a diversas e dolorosas cirurgias, ela fala em Jesus o tempo todo, o menino, não o Messias, como entendem sua mãe e os psicopatas da Opus Dei. Daí para virar candidata à santa é um pulinho, com direito a uma pornográfica conversa entre um padre e a mãe. O obrador de Deus tenta convencer a dita cuja que é melhor Camino morrer logo para iniciar o processo de canonização.
O filme, disse ainda o diretor, acabou se tornando, durante sua realização, uma procura da verdade com “dezenas de testemunhas de gente maravilhosa presa injustamente numa instituição chamada Opus Dei”. “Camino” causou forte polêmica na Espanha, berço da prelazia apoiada por parte da elite empresarial e famílias tradicionais e com forte influência na cúpula da Igreja Católica, tanto na Espanha como em Roma. Por aqui também a Opus Dei anda colocando suas manguinhas de fora. Recentemente, um jovem padre da Catedral Metropolitana de Porto Alegre, ligado à organização, foi capa do caderno Donna, da Zero Hora, apresentado como um “padre pop”. Alguns gabinetes da Faculdade de Direito da UFRGS também respiram esse odor fundamentalista católico. Para quem se interessa pelo tema, “Camino” é um filme obrigatório. Mostra alguns detalhes da vida interna dessa organização e de seus códigos de conduta, para não falar de diversas patologias travestidas de fervor religioso. Deus nos livre dessa gente!

Dica do turquinho: Faça download do filme aqui